Reflexões Avulsas: Sobre “Turnen” – Educação Física e Identidade

Os imigrantes alemães ao se estabelecerem no Sul do Brasil, implantaram um paradigma social, cultural, econômico e religioso, até então inédito no País. O Governo Imperial destinou-lhes   grandes áreas de terra cobertas com mata virgem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A peã pela distribuição dos lotes, as promessas não cumpridas por parte de funcionários destacados pelo governo para supervisionar os assentamentos, a ausência de uma  ajuda governamental efetiva, o total desconhecimento do entorno geográfico, social e  cultural, a natureza hostil, a falta de prática no enfrentamento da mata virgem e na sua transformação em terra arável, fizeram a vida dos pioneiros muito dura nas primeiras décadas. Os imigrantes foram entregues à própria sorte e o sucesso ou o fracasso dependiam exclusivamente deles próprios. Haviam partido da Alemanha com a firme determinação de nunca mais retornar e ao mesmo tempo construir uma nova querência na distante e desconhecida terra chamada Brasil. Entretanto não voltaram as costas  para a tradição cultural alemã. Pelo contrario. Foi exatamente desta fonte que  hauriram as energias e a perseverança para enfrentar todas dificuldades no afã de domar a mata virgem brasileira e legar aos filhos e netos um futuro seguro e despreocupado.

Depois que as primeiras dificuldades haviam sido superadas, os primeiros taliões de mata virgem  transformados em terra arável e a primeira colheita amadurecida, as famílias dos pioneiros reunira-se para lançar os fundamentos de um convívio social. Onde dois alemães se encontram, diz o ditado, aí funda-se uma comunidade, uma associação, uma sociedade ou um clube.

Uma comunidade típica de colonos alemães no Sul do Brasil, está organizada de tal maneira que atenda às preocupações maiores dessa gente. Quer dizer: a preservação do espírito e da pratica religiosa, a formação escolar elementar mínima. A igreja, a  escola, o cemitério, a casa de comercio, o salão comunitário, a ferraria, o moinho, a serraria, a sapataria, etc.,  não podiam faltar em lugar nenhum. Ainda hoje igreja e escola significam nas pequenas e grandes comunidades a condição mínima, para se poder falar em uma comunidade.

Pode-se afirmar que neste sentido os imigrantes alemães não inventaram nada de novo para sobreviverem e prosperarem em meio ao mundo ambiente desconhecido. Também na velha pátria a igreja e a escola constituíam-se nos instrumentos mais importantes para enfrentar a deterioração e degenerescência cultural e religiosa. O ajustamento às circunstâncias peculiares do Sul do Brasil, recorrendo aos mesmos instrumentos pedagógicos, fez com os colonos alemães , católicos e protestantes, fossem todos cristãos praticantes e que entre eles se contassem muito poucos analfabetos.

Uma avaliação semelhante pode ser feita em relação ao esporte, à pratica do “Turnen”, dos exercícios físicos visando a educação do corpo. As décadas de 1850 e 1860 podem ser consideradas como o marco referencial para a consolidação da imigração alemã. No interior floresciam centenas de comunidades, solidamente alicerçadas  sobre suas igrejas, escolas, casas de comércio e artesanatos. Na capital do estado Porto Alegre, e nas florescentes  cidades do interior, comerciantes, artesãos, técnicos, profissionais liberais, professores, religiosas,.....organizaram as comunidades  alemãs urbanas. Também essas comunidades urbanas católicas, protestantes ou liberais, faziam da preservação da identidade uma das preocupações maiores da atividade comunitária. A par da igreja e da escola serviam-se da vida associativa como instrumento permanente para perpetuar a sua maneira de ser alemã, o tempo que fosse possível, mas adaptando-o paulatinamente às circunstâncias peculiares Brasil. E, como um dos meios mais eficientes ao lado do canto, da música, do teatro, etc., multiplicaram-se  por toda a parte instituições destinadas aos exercícios corporais, ao “Turnen”, à ginástica, enfim à educação e ao disciplinamento do corpo.

A 9ntenção do presente texto consiste em avaliar o papel da educação do corpo como instrumento importante na preservação da identidade. Essa questão assume características peculiares em situações históricas determinadas. Por isso mesmo, ao avaliar a importância dos exercícios físicos regulares,  a ginástica, a educação do corpo, ente os imigrantes alemães  e seus descendentes no Sul do Brasil, é forçoso referenciar a análise às condições ambientais, sociais e culturais específicas da região. Os imigrantes alemães que aí se fixaram, formavam um grupo minoritário em meio à população luso-brasileira original, aos imigrantes italianos, aos hispânicos e outros que povoaram a região. Transferiram-se para cá de forma definitiva, sem a intenção, mesmo remota, de algum dia retornarem à terra d origem. Pelas leis do Pais  os filhos e os filhos dos filhos, nasciam como cidadãos brasileiros. O entorno social e cultural, predominantemente luso-brasileiro, soado ao português como língua oficial e a consciência, a cada geração mais nítida, do seu pertencimento à nação brasileira como cidadãos, pós em marcha o processo de inserção dos assim chamados “alemães” no todo da nacionalidade brasileira, não apenas sob o aspecto jurídico como, de modo especial, no plano cultural. Em outras palavras, o “abrasileiramento” no seu sentido  global foi-se impondo progressivamente. Na fase mais característica do processo, entre 1920 e 1940, essa identidade em transição costuma ser definida como “teuto-brasileira” ou “euto-brasileirismo”. Teutos porque continuavam fiéis aos valores , às tradições e, principalmente,  à língua. Brasileiros porque assumiam conscientemente a condição de cidadãos brasileiros com todas as conseqüências inerentes a essa situação legal.

Foi a serviço dessa trajetória de inserção na realidade brasileira que os imigrantes e seus descendentes recorreram  a educação do corpo nas sociedades, nos clubes, nas instituições de ensino, como instrumento com duplo objetivo. De um lado havia o empenho em preservar de alguma forma, a herança cultural transmitida pelos antepassados e, neste contexto, a língua ocupava um lugar privilegiado. De outra parte havia também a consciência nítida que não havia como não encontrar caminhos para uma inserção cada vez mais profunda e mais definitiva na nacionalidade brasileira. Nessa a dinâmica a questão de fundo  resumia-se  em encontrar a via mais normal possível para colocar a serviço da nacionalidade em construção todo o potencial contido na tradição cultural dos imigrantes. Nesse particular os teuto-brasisleiros costumavam pautar a sua ação como cidadãos de acordo com a seguinte  lógica: A pessoa que renega a sua tradição e por isso mesmo a sua identidade, não passa de um mercenário, dum aventureiro, que vende seus préstimos àquele que. lhe oferece o preço mais alto. Como tal jamais será  um cidadão confiável. Portanto a  fidelidade às tradições constitui-se num pressuposto de  cidadania, numa garantia de patriotismo.     Essa lógica  compreensivelmente não foi entendida e, por isso mesmo, não aceita pelo universo luso-brasieliro em geral.    Por um longo período, principalmente durante as quatro primeiras décadas  do século vinte, motivou temores  e suspeitas sobre os reais sentimentos, sobre as verdadeiras intenções e a real posição dos teuto-brasileiros no tocante à cidadania. 

Submetendo a história e a dinâmica do associativismo  entre os teuto-brasileiros   a uma análise um pouco mais profunda, transparece  com mais ou menos evidência o que já foi apontado acima: o cultivo e a preservação dos valores culturais trazidos  como herança, a formação do caráter e  da  personalidade que irão transformá-lo num cidadão existencialmente comprometido como brasileiro. E os fatos não deixam dúvidas sobre o acerto dessa visão histórico-antropológica dos imigrantes e seus descendentes.   

Na obra comemorativa do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul, intitulada “ Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924 (Hundert Jahre DEutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924), são enumeradas 324 associações , mais de 300 no Rio Grande do Sul. Entre elas enumeram-se  sociedades de canto, de teatro, de orquestra, de fotógrafos, para fins múltiplos e até clubes para fumantes. Mas o que mais cai em vista  é a alta porcentagem de associações de canto e numero ainda maior de associações e de clubes que se destinavam de alguma maneira a exercícios corporais e o bem estar do corpo. São 150 num número total de 352. Diversas. Diversas modalidades de esportes podem ser encontradas: andar a cavalo, bolão, tiro ao alvo, etc., Sobressaem de modo especial associações e clubes de ginastas (Turnvereine e Turnklubs) e entre eles o mais importante a Federação dos Ginastas, o “Turenrbund”, a SOGIPA. A publicação comemorativa citada mostra resumida e objetivamente a importância dessas associações e clubes para a maneira de ser alemão ou melhor para a maneira de ser teuto-brasieliro.

Não é possível fazer justiça à Federação dos ginastas no âmbito dos breves dados sobre a vida associativa alemã no Rio Grande do Sul. Seria necessário escrever uma extensa monografia, mesmo que fosse apenas para dar uma noção do que essa Associação realizou para o aprimoramento corpora e moral da juventude teuto-brasileira de Porto Alegre especialmente na condução exemplar do presidente J. Aloys Friederichs. A atuação da Federação de Ginastas é um hino de louvor ao idealismo alemão, à coerência e à persistência na perseguição dos objetivos que se julgam os acertados. Apoiado pelas simpatias e pela sustentação de praticamente  toda a germanidade da capittal, a Federação pode ser considerada a Associação profana mais popular e mais profundamente ancorada em extensas camadas, comprovado pelo elevado número de associados.[1]


A questão da identidade étnica.

Num pais como o Brasil em cuja formação concorreram e  concorrem ainda hoje, representantes  dos grupos étnicos de alguma fora significativos, a questão da etnicidade ou melhor da identidade étnica assume, a certa altura, um papel  de relevância toda especial. Manifesta-se  de modo especial na fase inicial do encontro de diversas etnias num contexto de imigração. Essa situação encontra-se magistralmente resumida e expressa em moedas norte americanas: “ex pluribus unum – “de muitos povos origina-se um”. A expressão poderia  constar sem retoques e com o sentido exatamente idêntico, em moedas brasileiras, pois o afluxo imigratório nos dois paises foi alimentado por uma heterogeneidade étnica muito parecida.

A gênese  das nações oriundas de raízes étnicas múltiplas começa com a predominância do aspecto “pluribus”. Por uma ou duas gerações, dependendo das circunstâncias geográficas somadas ao entorno social e cultural em que o imigrante foi colocado, além das leis que regem cada caso e disciplinam a imigração, observa-se a tendência de os diversos grupos étnicos desenvolverem mecanismos de defesa para sobreviverem  às dificuldades iniciais. Entre esses mecanismos de defesa o agrupamento por etnias, a preservação dos valores culturais e, principalmente, da língua desempenham um papel fundamental. Em princípio esse fenômeno não tem nada a ver com um enquistamento intencional e muito menos com a resistência a uma inserção comprometida na nacionalidade  a que os imigrantes passam a pertencer para o futuro. No momento em que esse tipo de fatos se verificarem, devem ser creditados a causas alheias ao fato em si da imigração. Tomando o exemplo dos  imigrantes  alemães  no Sul do Brasil, a relativa demora e  lentidão  que caracterizou a sua inserção definitiva no todo da nacionalidade   brasileira, ou como se costumava dizer, nos eu “abrasileiramento”, tem a sua explicação  em várias razões peculiares dessa imigração no decurso do século dezenove principalmente. As terras a ela designadas eram formadas por um complexo de matas virgens no centro, no noroeste e norte do Estado do Rio Grande do Sul, enfaixadas no centro sul e no nordeste pelos campos naturais, configurava um eficiente isolamento geográfico. O regime da pequena propriedade familiar, votada para a policultura de subsistência implantado na região, distanciava os imigrantes ainda mais dos luso-brasileiros, donos das vastas estâncias de criação extensiva de gado. Não havia  porque trocar experiências entre os dois modelos agrários e se houvesse não tinham como, pois se tratava de  duas tradições muito diferentes que se valiam de línguas  muito distante entre si. O resultado não podia ser outro. Em linhas gerais os imigrantes  organizaram suas comunidades inspiradas no modelo que haviam deixado nas diversas regiões da Alemanha de onde procediam. Fizeram-nas funcionar de acordo com as tradições e costumes que haviam trazido e fizeram do dialeto de cada grupo em particular a sua língua de comunicação quotidiana. A impotência ou o desinteresse do Estado pela educação, fez com eles próprios se encarregassem do ensino e da educação dos filhos, construindo escolas, contratando professores, determinando conteúdos programáticos, implantando uma filosofia pedagógica própria e zelando pelo aprimoramento e a ampliação da oferta. Alem desses fatores a distancia física das instancias do poder, principalmente o imperial nas primeiras décadas e, a partir de 1889, o republicanos no Rio de Janeiro, fez com que as comunidades de imigrantes no extremo Sul do Pais se consolidassem e multiplicassem como que à margem do Brasil oficial. A não existência de leis específicas  que dispusessem sobre o disciplinamento da inserção do imigrante como, por ex., a obrigação de os nascidos aqui aprenderem o português, reforça a explicação da lentidão do processo.

Pode-se afirmar  sem maior risco de errar que o “Turnerbund”, a Federação dos Ginastas foi o protótipo  da educação, da formação do caráter, da maneira ser teuto-brasileira, no sentido mais amplo do termo. Neste sentido quero destacar o seguinte na Federação dos Ginastas.

Em primeiro lugar impõe-se  o fato de que a ginástica, o “Turnen”,  a educação física, o aprimoramento físico do corpo, por meio  dos mais diversos exercícios, perseguia um objetivo b em mais elevado e mais amplo do que a mera saúde  e  b em estar corporal. Tod essa atividade fundamentava-se  na filosoifa de que um corpo sadio e harmonicamente desenvolvido se constitui no pressuposto para o cultivo do idealismo alemão, da coerência e da persistência na perseguição dos objetivos que se julgam acertados.

Em segundo lugar, a resposta  correta do que se entende como objetivo correto, foi dada por Friedrich Ludwig Jahn, o pai da educação do corpo, do “Turnen” no seu  sentido original. O desenvolvimento harmonioso e a saúde corporal, “mens sana in corpore sano”, serve como instrumento na edificação da nação. Esse objetivo é alcançado por meio de um esforço sistemático, permanente, persistente, na busca  de uma formação completa, de um aprendizado sólido, de um esforço permanente, em não se envolver com gente efeminada e de não se deixar desencaminhar por nenhuma tentação e não entregar-se a diversões nocivas à virtude.

Terceiro.  A formação do corpo ao lado dos demais recursos da educação, é colocada como finalidade maior a serviço da formação ética e moral da pessoa, para desta maneira servir de pressuposto para uma sólida  e harmoniosa edificação da nação. Uma pessoa destituída de moral, de ética não é confiável. Assemelha-se a um legionário estrangeiro que vende seus préstimos de aventureiro para aquele que lhe paga o maior preço.

Quarto. “Turnen”, ginástica, exercícios corporais em todos as suas modalidades, perseguem uma compreensão holística da pessoa, isto é, a disciplina corporal, a postura ética e moral sólida e coerente, devem servir como fundamento inabalável e duradouro para o Estado e a Nação.

Quando se fala em educação do corpo como precondição para a educação holística e harmônica do caráter e do espírito, lembramo-nos imediatamente  da figura de Friedrich Jahn e do seu sistema proposto como instrumento pedagógico a serviço da nação alemã. Entretanto foram elaborados outros sistemas ou filosofias de vida, destinados  a alcançar pobjetivos específicos. Entre outros destacam-se “Meu Sistema” de  J. P. Müller na Europa e  e o “Daly Dozen” de Walter Kamp na América. E para não prolongar-me demais vou ater-me um pouco  mais à proposta do jesuíta norte americano William Lockington. Na apresentação da edição alemã de  sua proposta lê-se:

O sistema  de Lockington exibe o formato inaciano. Clarea nos objetivos, liberdade na escolha dos meios, enquanto é permitido e se trata de meios aceitáveis e persistência no emprego nos meios escolhidos, foi sempre o espírito do herói de Pamplona. É exatamente este o espírito  que perpassa  esse sistema. Mas também é este o espírito que conduz ao sucesso em todos os campos. Fica evidente que, exercícios do corpo de 15 a 20 minutos todos os dias, não podem deixar de penetrar em nossa carne e sangue, não transformam apenas o nosso corpo como também o caráter e não demorará que, sem o percebermos, agiremos também em outras situações conforme os mesmos princípios, que neste particular nos conduziram a um inegável sucesso. Este sistema foi, portanto, concebido pela sua natureza para elevar e temperar as energias do espírito. A relação não permanece apenas no plano externo na medida em que todo e qualquer aprimoramento do corpo implica também no aperfeiçoamento do espírito, mas o direcionamento para a perfeição do espírito é a alma do negocio.[2]

Mais adiante cotinúa.

Aquele que e capaz de executar exercícios com certa facilidade e elegância dá prova irrefutável que se rata de uma personalidade igualmente bem formada e forte. Os  instrumentos são indispensáveis. Requer-se um espírito equilibrado e vontade. Onde há vontade abre-se um caminho. Não é tarefa para autômatos.

Para o verdadeiro homem importa em primeiro lugar o objetivo, só depois a estética.

Diariamente passam para o compo inimigo exatamente jovens talhados para ser magníficos soldados de Cristo. Ao irem em busca  de suas potencialidades naturais são simplesmente levado por uma tendência sadia da natureza. Se lhes oferecemos o que de direito procuram, não serão levados a desertar e a perder-se. No processo de educar a formação do corpo e da alma não podem ser claramente diferenciados. Quem possui o  corpo da juventude terá facilmente a sua alma... Onde reina o verdadeiro espírito impõe-se por si próprio a justa medida.[3]

Na mesma direção vão as considerações de Tonl Sander em sua obra A Educação do Corpo entre a Juventude masculina.

Exercitar o corpo não significa simplesmente a “arte de movimentar o corpo”. Foi nesta concepção  que Jahn já condenou os exercícios livres. Eram-lhe tão pouco conhecidos como também a Guts-Muths. Aqueles que criaram a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário natural como primeiro e principal instrumentos de ginástica. Somente a orientação posterior (Spiess), que sistematizou a arte de exercitar o corpo,julgava que o corpo pudesse ser educado por meio de exercícios livres. Como elementos dos exercícios  sem alma  constavam o abrir as pernas, rodear, flexionar, alongar, etc. alienados de todo e qualquer objetivo dotado de sentido. Não passavam de movimentos sem vida e não como exercícios em função de um todo integrado. A orientação de Spiess foi a responsável que, durante meio século, a ginástica, o Rurnen em escolas e sociedades, fosse sufocado por exercícios áridos, sem vida e artificiais.[4]  

Os professores de Educação Física  Bensch e Fox observaram em seu livro: Como fazer Ginástica (Was wollen wir Turnen?)

É preciso refletir  mais uma vês sobre o conceito de “Exercício do Corpo”. O exercício do corpo acompanhado de sua educação e eficiência, significa a educação do homem como um todo, pois corpo e alma formam uma só realidade e um não é capaz de realiza5 algo sem a colaboração do outro.

Por isso temos que afirmar claramente: Tudo aquilo que não visa um formação maior e o que não torna mais vigoroso ou prejudica, não faz parte dos nossos exercícios corporais! Portanto, fora com os espetáculos, ( ... ), com os aparelhos unilaterais! Adotemos uma aprimoramento abrangente do homem, que contempla tudo: movimentar-se, praticar esportes, jogar, banhar-se, nadar, lutar, competir, caminhar. Não queremos tornar  o homem mais forte, mais veloz, mais resistente, mais versátil, mais sadio, mas mais livre, mais nobre, mais belo. Afinal o que lucramos quando esgotamos as potencialidades no exercício do corpo e nem sequer tocamos na alma?[5]

A mesma opinião sobre os exercícios físicos e a educação do corpo, expressou Arhtur Latterner, na sua obra “Exercícios Físicos para Moças e Mulheres alemãs”. (Deutsches Mädchen=und Frauenturnen).

A educação do corpo, o “Turnen” constitui-se numa tarefa a serviço da educação do homem como indivíduo e do povo como um todo. Num breve resumo é possível  expressar o que queremos alcançar com a educação do corpo, com o “Turnen”.

Queremos estimular a resistência e a tenacidade.
No que diz respeito ao corpo:
1. Preservar  a alegria natural que homem experimenta pelo exercício do corpo.
2. Influir positivamente no desenvolvimento do homem, por meio do robustecimento dos órgãos internos mais importantes para a vida (coração e pulmões) – por meio da massa principal do corpo (músculos e ossos) – por meio do disciplinamento dos nervos (capacidade de coordenação).

No que diz respeito à alma: A confiança em si mesmo e a força de vontade, a disposição e a destreza, o discernimento e a tenacidade.

No que diz respeito ao caráter: Favorecer a clareza do espírito e a alegre disposição da alma.

No que diz respeito ao social e nacional: Desenvolver a consciência de grupo e a camaradagem – habituar-se à organização, à subordinação, à pontualidade e à obediência – cultivar e amadurecer o amor à terra natal e à pátria.

Trata-se de uma convicção totalmente equivocada achar que a  educação do corpo, o “Turnen”, visa somente o robustecimento do corpo. O objetivo do “Turnen” vai alem . As características da alma, o cultivo do espírito também fazem parte da educação do corpo. Em outras palavras: com a educação do corpo, com o “Turnen” pretende-se  atingir o homem como um todo, a fim de educa-lo para se tornar um ser humano sadio, capaz, capaz, com disposição e  alegria para viver e desta forma incorporá-lo como membro útil e de valor na sociedade como um todo.[6]

Das opiniões acima mencionadas podem-se tirar as seguintes conclusões.

Primeiro. Os exercícios do corpo (Turnen, ginástica, exercícios...), fazem parte de um amplo conceito que compreende todo e qualquer tipo de exercícios e movimentos do corpo. Tanto faz se  se  trata de exercícios em aparelhos, dum trivial andar pela natureza, duma respiração profunda, da participação num acampamento para escoteiros, de nadar, andar de bicicleta. O importante não é o que se faz, onde acontece, que aparelhos são utilizados ou se encontram disponíveis numa academia. Tudo deve acontecer num clima espontâneo, não em meio a uma rotina neorotizante, no qual os exercícios em si, a estética, a competição, o numero de quilômetros percorridos, a altura e a distância do salto, a resistência ou a velocidade são colocados como objetivo último.

Segundo. Todos os autores mencionados condenam o recurso à educação do corpo e os respectivos exercícios, com ou sem aparelhos, com a finalidade única de adestrar o físico na pessoa humana, ignorado ou até negando as implicações existenciais entre corpo e espírito. Para eles a orientação de Spies, responsável pela exagerada tecnificação, pela supervalorização dos resultados musculares dos exercícios, pela programação matemática dos exercícios, pelo exibicionismo que acompanham não poucas competições, pelo sentido político emprestado a muitas delas, quando métodos  e exercícios levam o corpo aos limites extremos de suas potencialidades físicas pondo em risco a sua própria integridade e, pior ainda, quando se lança mão de artificialismos químicos que forçam os ossos  e músculos a dar resultados não previstos no seu potencial natural. Trata-se de uma concepção oposta aos grandes  teóricos  da ginástica, do “Turnen”, como foram Fiedrich Jahn, Guts Muths, Lockington e muitos outros. Contraria também, para não falar em aberração, da compreensão holística do ser humano, que motiva a prática dos exercícios corporais, o “Turnen”, como instrumento pedagógico a serviço da formação da personalidade, do caráter dos praticantes, em função de objetivos mais maiores e mais nobres.

Terceiro. Os exercícios do corpo, a educação do corpo deve acontecer de acordo com a concepção holística do ser humano, a concepção que o ser humano forma uma realidade existencial una composta pelos dois coprincípios  do corpo e do espírito. Seu corpo, seu caráter, suas manifestações sociais, culturais e religiosas, constituem um “unum” harmônico, conforme o propõe Ludwig von  Bertalanffy na sua obra “Teoria geral dos Sistemas”. De acordo com essa concepção o corpo constitui-se no pressuposto de uma sadia vida do espírito, de um caráter equilibrado, de um relacionamento frutífero com os demais seres humanos e com a natureza em geral e de uma disposição alegre em todas as manifestações da vida. O mesmo já não é possível afirmar de um espírito perturbado, de um ânimo enfermo, de um  convívio social mal sucedido, de uma postura religiosa sombria.

Quarto. A educação do corpo não pode estacionar ao nível dos diversos métodos e exercícios. Em outras palavras. Em nenhuma hipótese é aceitável que o método e os exercícios se transformem na finalidade última da educação do corpo. Devem obrigatoriamente servir  um ideal superior, isto é, a formação do caráter, o desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa a serviço da nação como o propõe Friedrich Jahn, a serviço da identidade étnica, como foi proposto em muitas sociedades no Sul do Brasil e a serviço da formação do caráter como o pede o sistema do jesuíta americano William Lockington.


Bibliografia.

BENSCH, G – FOX v. W. Was sollen wir Turnen?. A. W. Zwickfeld Verlag, Osterwieck, Harz, 1930

BUSCH, P, Z. Eine Anleitung zum Betriebe der Leibesù bungen in Turn=und  Jugendvereinen. Galdbach, Volksvereins=VErlag Gmbh, 1920

LATERNER, ARTHUR. Deutsches Mädchen und Frauenturnen, Wilhelm Limpert=Verlag, Dresen, 1925.

AMSTAD, THEODOR. Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul -1824-1924. Trad. de Arthur Bl. Rambo, Edit. Unisinos, 1999.

LOCKINGTON – KÜBLE. Durch Körperbildung zur Geisteskraft. Verlalgsanstalt  Tyrolia, Innsbruck, Wien, München, 1925

SANDER,TONL. Die Leibeserziehung der Mannesjugend, Verlag: Karl H. Frank, Karlsbad, 1934.



[1] AMSTAD, Theodor. Cem anos de Germanidade no Rio Grande do sul-1824-1924,, Trad. de Arthur Bl. Rambo, Edito. Unisinos, São Leopoldo, 1999, P. ?

[2] LOCKINGTON-KÜBLE. Durch Körperbilddung zur Geisteskraft. Verlagsanstalt Tirolia, Innsbruck, Wien, Munchen, 1925, P. 17-18
[3] LOCKINGYON-KÜBLEe. Op. Cit. . P. 23.
[4] SANDER, TONL. Die Leibeserziehung de Mannesjugend. Verlag Karl H. Frank, Karlsbad, P. 10.
[5] BENSCH, G – FOX, V.W. Was Wollen wir Turnen. A. W. Zwieckfeld Verlag, Osterwieck Harz, 1930, P. 1
[6] BENSCH G. – FOX. Op. Cit. P. 8.

Sobre o Pe. Marcus Bach

O Pe. Marcus Bach foi um dos representantes das levas pioneiras de jesuítas da Província Sulbrasileira da Companhia de Jesus, que tiveram uma formação especializada regular depois de concluídos os estudos normais exigidos pela ordem. Em 1952 foi mandado pelos superiores para a Universidade Gregoriana, para um biênio em moral. Como resultado redigiu uma alentada tese sobre a especialidade e como tal o direito ao titulo de doutor em moral. Pelo que consta nunca publicou o original e como a publicação era na época condição para receber o diploma, não gozou do direito do uso formal  do titulo. Esse fato, porém, não diminuiu em nada a sua estatura como especialista em questões de ética e moral. Pelo contrário o Pe. Marcus caracterizou-se por uma percepção da moral, que antes de mais nada, deveria facultar à pessoa humana, o exercício de uma sadia liberdade responsável. Uma postura ética e moral, portanto, que se justifica  em última análise pelos direitos e deveres ditados pela natureza humana. Em outras palavras. Uma moral calcada  no direito natural que tem na consciência o critério último da moralidade, ou a pessoa tem que ter antes de mais nada uma consciência moral, convicções éticas e morais, e pautar a vida pessoal e as relações para com os outros em sintonia com princípios coerentes e assim validar as leis objetivas formuladas nos códigos. Nas preleções com os alunos de Teologia Moral o Pe. Marcus costumava valer-se de uma comparação muito plástica para fustigar o exagero do moralismo canônico: “Os que o defendem e praticam parecem-se com cavaleiros que montam e galopam sobre as leis e cânones até perderem as ferraduras”. A conclusão não deixa lugar para dúvidas. Não levam a lugar nenhum ou, inutilizam a cavalgadura. 

O caminho que o Pe. Marcus apontava nas suas preleções de Teologia Moral, nas conversas particulares, nas aulas na universidade, nas conferências a empresários, juristas, religiosos, cursos de formação de todo tipo e nível, deveriam ser trilhados com liberdade de consciência de um lado e do outro com rigorosa responsabilidade social. Compreende-se que com isso ele tenha conquistado um crescente número de discípulos e admiradores, ainda mais porque sabia aliar à abertura das idéias e princípios que pregava a uma comunicação fácil e clara  e um humor jovial, traindo uma grande firmeza de convicções. De outra parte, entretanto, como também é compreensível pois, estamos na década de 1950, período pré-conciliar, não demorou que colegas de magistério, irmãos de ordem, superiores religiosos e eclesiásticos se pusessem em alerta e acompanhassem de perto seus passos. Não é o momento nem o lugar para vasculharmos nos meandros dessa história em que ambas as partes foram prejudicadas. A relação e as reações resultantes da sua posição intelectual, teórica e prática no campo da moral, valeram–lhe restrições na difusão dos seus conceitos. Concluo o inciso com um dito consagrado pela sabedoria popular: “Wo Menschen sind geht es menschlich zu” – “onde há homens procede-se de forma humana”.

O Pe. Marcus mostrou-se desde logo um entusiasta pela linha e estratégia pastoral adotada pelo episcopado latino americano em Medellín. Em conversas informais de acampamento e caminhadas pelos campos de São Francisco de Paula, defendia com convicção as comunidades eclesiais de base como uma das saídas para a pastoral renovada em sintonia com as determinações do Concílio Vaticano II. Votava uma grande admiração pelo cardeal arcebispo de São Paulo, D. Evaristo  Arns e os  bispos D. Aloísio e D. Ivo Lorscheiter. E pelo menos em relação a D. Ivo o apreço pelo Pe. Marcus era recíproco. Mas o perfil intelectual e a coerente ação prática que acabamos de esboçar, ficou na memória de muitos que com ele

  1.  

conviveram e  privaram até além dos seus noventa anos de idade,  reflexões de indiscutível solidez, rara lucidez e clarividência profética.

Mas o afastamento do Pe. Marcus do quotidiano universitário nos últimos 40 anos, fez com que a sua participação na colocação das bases da Unisinos, a consolidação de um projeto  e finalmente a implantação e os primeiros anos da existência da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, seja pouco ou nada conhecida, inclusive pelos que hoje são responsáveis pela instituição. A sua presença e atuação marcou de modo mais visível o período de gestação da universidade entre os anos de 1960 e 1971. Antes desse período o Pe. Marcus fora docente regular tanto da Faculdade de Teologia como da de Filosofia. Logo depois de concluído o doutorado na Universidade Gregoriana e retornado às Faculdades de Filosofia e Teologia Cristo Rei em São Leopoldo, já em 1954, nós alunos da primeira turma da Faculdade de Filosofia oficializada, convidamos o Pe. Marcos para nos ministrar um curso intensivo de Metodologia Científica. Foi naquele curso que aprendemos a fazer o registro e guarda em fichas padronizadas citações e conteúdos bibliográficos. Foram de utilidade inestimável nas futuras pesquisas bibliográficas de qualquer tipo de conteúdo científico, fosse na área das Ciências Humanas ou das Ciências Naturais. E mesmo que hoje dificilmente alguém ainda recorra a fichas padronizadas em papel e realize o seu estudo com o auxílio de um PC ou Notbock, o essencial em nada mudou: a exatidão, a honestidade e autenticidade no uso dos conhecimentos alheios, para fazer avançar os conhecimentos em qualquer direção que seja.

Quero demorar-me um pouco mais em destacar a importância da contribuição do Pe. Marcos na consolidação da Faculdade de Economia, na formulação do projeto da Unisinos e na condição de primeiro vice-reitor acadêmico, na consolidação do perfil acadêmico implantado em 1970.

O Pe. Marcus entrou para valer na história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 1962 para ocupar o posto de diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, em substituição do dr. Armando Pereira Câmara. Tanto um como outro não procediam formalmente da área das Ciências Econômicas. O dr. Armando P. Câmara formado em Direito, era jurista, filósofo, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex- senador da Republica e professor de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo. O Pe. Marcus Bach conquistara o doutorado em Moral pela Universidade Gregoriana em Roma. Imersos na atmosfera pós-moderna os atuais gestores da área econômica, compreensivelmente talvez perguntem assombrados: Que credenciais  poderia ter um jurista professor de direito e um doutor em moral, professor dessa especialidade numa faculdade de Teologia, para implantar e consolidar uma Faculdade de Ciências Econômicas? É preciso procurar a resposta na cabeça do Pe. Thiesen, doutor em Filosofia e Teologia, idealizador dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, já em pleno funcionamento em 1959. A escolha do nome da Faculdade  tinha muito a ver com a sua natureza. A opção pelo nome “Ciências Econômicas” e não simplesmente “Economia” teve a ver com a missão da instituição e da atuação na vida profissional dos que nela se formariam. O substantivo “Ciências” deveria ser a baliza reitora da formação dos profissionais na área da Economia. Somente a Economia entendida como Ciência estaria em condições de forjar profissionais aptos para colaborar como parceiros qualificados nos processos de desenvolvimento humano. Como ponto de partida deve ficar claro que o “fato econômico” é um dado observado em todos os níveis da ascensão cultural, histórica e tecnológica. Sua presença deve-se ao fato de estar relacionado e condicionado pelas necessidades humanas


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essenciais à vida e à sobrevivência. Como tal representa, antes de mais nada um dado histórico-antropológico. Afinal qual é a diferença entre os procedimentos que regulamentam a troca de um macaco caçado por um cacho de bananas, entre nativos de uma floresta tropical e um cidadão que compra – troca – uma Mercedes ou Ferrari por reais, dólares ou euros ? A diferença situa-se apenas na forma, nos meios e do objeto da troca (compra, escambo, outras formas). No fundo, no fundo quaisquer modalidades de troca, aparentemente tão díspares, decorrem da necessidade que leva o homem a apropriar-se dos bens materiais dos quais precisa ou pensa precisar. O que se troca – compra ou vende – é determinado por valores ou pseudo-valores culturais. Em outras palavras, deriva de valores culturais em permanente alternância, substituição ou adaptação histórica. Foi, sem dúvida, por essa razão, que na primeira fase da Faculdade de Ciências Econômicas da Unisinos, figuravam disciplinas de natureza humanística como Antropologia Aplicada, Sociologia, Lógica e Metodologia, Geografia Econômica, História Econômica, Ética. E diga-se de passagem os alunos, ao menos daquela época, costumavam apreciar e valorizar os conteúdos dessas disciplinas. Nem todas eram obrigatórias mas contavam créditos como qualquer outra. A Antropologia estava entre as não obrigatórias. Apesar disso houve semestres em que foi preciso oferecer a formação de  turmas aos sábados ou reunia numa noite  até 120 alunos numa sala.

A Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos tinha como objetivo oferecer aos egressos  de suas salas de aula uma formação de fato compreensiva do “fato econômico”.  Despertar neles a consciência de que a economia  tem condições tanto de contribuir para o progresso harmonioso de uma sociedade, quanto oferecer apoio técnico para o planejamento, gerenciamento e administração de empreendimentos de qualquer tamanho e natureza.

O Pe. Thiesen convidou o dr. Armando Câmara para concretizar o projeto da Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos. O corpo docente que consta como fundador nos arquivos da Universidade reuniu entre os 24 nomes que o compunham, economistas, juristas, sociólogos, filósofos, contabilistas, moralistas. A impressão que se tem quando se examina um pouco mais de perto a composição do primeiro corpo docente da Faculdade, é de que o critério para a seleção dos  docentes fundadores foi mais de homens de prestígio na sociedade, do que propriamente um corpo acadêmico comprometido com uma proposta acadêmica. Por bem ou por mal foi com esses titulares fundadores que a nova Faculdade, não tardou em se tornar conhecida e da primeira turma de meia dúzia de alunos passou-se para uma segunda com mais de duas dezenas. O fato é que, queira-se admitir ou não, na ocasião o fato de homens prestigiados e admirados nas camadas cultas da sociedade, foi um fator de grande valia para a legitimação da nova Faculdade.

Acontece que o dr. Armando Câmara ficou na direção da Faculdade pouco mais de dois anos. Um boa porcentagem dos fundadores contribuiu apenas com o empréstimo do nome sem nunca terem contribuído dando aulas ou participando da administração. A escolha da mantenedora para substituir o dr. Armando Câmara, recaiu sobre o Pe. Marcus Bach, doutor em Moral e integrante do corpo docente fundador. Empossado como diretor o Pe. Marcus, cônscio da sua situação de especialista em Moral e pouco familiarizado com propriamente relacionados com a Economia em si, convidou para ser seu colaborador e  coordenador da Faculdade, o Pe. Alcides Giehl, formado na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Rio Grande do Sul e seu aluno na disciplina de Moral na Faculdade de
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Teologia. Estava formada uma dupla perfeitamente afinada com os objetivos a serem alcançados e os meios a serem empregados. O e. Marcus reservou-se o papel de, como Diretor, traçar as linhas mestras a serem seguidas e delegou ao Pe. Alcides a tarefa de reunir  um corpo docente de bom nível  direta e indiretamente comprometido com a formação de economistas de uma visão ampla das questões economias, sociais e culturais do meio em que lhes caberia exercer a profissão. Como estudante  de economia na UFRGS, consolidara uma rede de relações preciosas  com colegas e com professores e profissionais da área. Convidou e aceitaram integrar o corpo docente os professores Antenor Brum, engenheiro e economistas para lecionar estatística, José Bordini Cinal da Associação Comercial de Porto Alegre, para lecionar Administração, Ari Burger, Diretor do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, Olívio Koliver, Eloy Venâncio, Joaquim e João Blessmann, Antônio Camboim, Edgar Írio Simm, Heinz Kliemann, Lenine Nequete, Hipólito Campos, Guilherme Socias Vilella,  Edison Batista Chaves. Alguns dos veteranos permaneceram no corpo docente. Entre eles o prof. Alexandre Vertes, Gabriel Keglevitch, Guilherme Moojen.

Paralelamente ao corpo docente o Pe. Marcus coordenou a formulação de um currículo com um claro propósito centrado  na excelência acadêmica e voltado para formar agentes de promoção humana valendo-se  do desenvolvimento econômico como instrumento.

O Pe. Marcus assumiu a direção da Faculdade de Ciências Econômicas num momento de aguda crise financeira que ameaçava matar no nascedouro a instituição assim como sua coirmã a Faculdade Filosofia Ciências e Letras. A situação da Faculdade de Ciências Econômicas, porém, foi mais dramática pois a quase totalidade dos professores eram leigos e as mensalidades do alunos cobriam apenas uma parte dos recursos. A situação chegou a um ponto em que os salários começaram  a atrasar por meses. Felizmente, situação hoje inimaginável, excetuando um que outro dos professores, todos continuaram a ministrar as aulas como se nada estivesse acontecendo. Era preciso encontrar uma solução a curto prazo, ainda mais que ordens emanadas do comando geral dos jesuítas de Roma, determinavam:

Primeiro -  que nenhuma nova Faculdade nem curso novo algum fosse abeto na Faculdade de Filosofia, sem homens aptos e sem que estejam à disposição os meios financeiros necessários, e para a criação de qualquer nova faculdade deve ser obtida licença explícita do Padre Geral. Segundo – que os cursos já existentes  na Faculdade de Filosofia podem ser mantidos até a definitiva aprovação pelo Governo. Obtida esta, sejam suspensos pelos meios legais aqueles  que são demasiado onerosos.

Tendo em vista a grave penúria financeira o presidente de Mantenedora, Pe. João Sehnem, ordenara  na prática o encerramento das atividades da Faculdade de Ciências Econômicas. O diretor Pe. Marcos e o coordenador Pe. Alcides, resolveram contemporizar e ganhar tempo até encontrar uma solução para superar a crise. Recorreram a empréstimos ente os colonos das redondezas, em Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi , Salvador do Sul, Harmonia, Nova Petrópolis,etc., oferecendo juros anuais de mercado. Com muito esforço foi possível reunir um bom fundo com os empréstimos, o que permitiu que aos poucos, o fantasma da inviabilidade econômico financeira da Faculdade fosse afastado. O dinheiro com os juros foi devolvido logo que as contas ficaram sob controle.



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Saneadas as  finanças e os compromissos com os salários dos professores e fornecedores saldados, o diretor Pe. Marcus começou com iniciativas para abrir a Faculdade de Ciências Econômicas para a comunidade. Entre elas destaco as seguintes.

Esse trabalho de abertura para a comunidade teve como um dos alvos o Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo. Admirado e respeitado pela categoria o Pe. Marcus costumava reunir-se com  a diretoria do Sindicato, e mais por conversas informais do que propriamente palestras programadas, atraiu a entidade para dentro da Faculdade. E um detalhe chamava a atenção. O presidente do Sindicato, o sr. Dantas, aposentado por invalidez por ter perdido um braço, era comunista declarado. Esse fato e o de o Pe. Marcus ser padre jesuíta em nada perturbou que os dois a procurassem juntos caminhos e formas para promover o operariado.

Mas o projeto patrocinado pela Faculdade de Ciências Econômicas, dirigida pelo Pe. Marcus, de maior impacto e de efeitos de longo prazo, foi o “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Ainda no segundo semestre de 1963, foi constituído um grupo de trabalho com a finalidade  de elaborar um “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Compuseram o grupo o diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Pe. Marcus Bach, o coordenador da Faculdade Pe. Alcides Giehl, o chefe do Departamento de Economia, Pe. Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams. O grupo contou com a assessoria  do sr. Georg Berensen, na época chefe do escritório da Ferrostaal do Brasil em Porto Alegre, firma alemã de planejamento e instalação industrial, empenhada na instalação da planta industrial da Aços Finos Piratini. A colaboração de Berensen foi de fundamental importância  na fase de apresentação do Projeto para o governo da República Federal da Alemanha, em vistas de apoio técnico e financeiro.

O Projeto foi concluído ainda no ano de 1963. A versão final assinada pelo pelos padres Marcus Bach, Alcides Giehl, Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams, objetivava a “Valorização da Bacia do Rio dos Sinos como um todo e não apenas o controle das enchentes, como também o abastecimento de água, saneamento básico, planejamento urbano, localização de distritos industriais, malha rodoviária, reflorestamento das encostas, navegação fluvial, modernização e racionalização da atividade agro-pecuária, etc.

Resumindo. O Projeto tramitou com surpreendente rapidez no Itamarati e com a mesma rapidez foi apreciado e aprovado pelo governo alemão, que financiou uma equipe de técnicos que entre julho de 1967 e final de 1968, apresentaram o Relatório final. Desse Projeto de valorização e desenvolvimento regional foi executada no decorrer da década de 1970 a obra dos diques de contenção das enchentes. Em momentos comemorativos o mérito da proteção de São Leopoldo contra as enchentes costuma ser contabilizado por políticos e administradores da época como marcos da sua passagem pelo município. Acontece que não se tem conhecimento ou se ignora o fato de que a idéia, o projeto e sua concretização saíram dos gabinetes da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo, coordenado pelo Pe. Marcus Bach, diretor da instituição.

O currículo como jesuíta de então absolvido com excelência: humanidades, filosofia, teologia, doutorado em moral na Universidade Gregoriana em Roma, o contato com o mundo acadêmico europeu, sua trajetória como professor de moral, as conferências feitas a profissionais liberais dos mais diversos níveis, e principalmente, sua atuação como diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, fizeram do Pe. Marcus presença indispensável quando
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da elaboração do  projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em conversas e discussões preparatórias entre os jesuítas que trabalhavam nas Faculdades definiram-se dois grupos. O primeiro deles defendia o projeto de uma instituição mais modesta, menos ambiciosa, mais fácil de ser administrada, com exigências para menor volume de recursos, confiada basicamente a membros da Ordem. Não parece oportuno citar os nomes que defendiam esse perfil de universidade. O outro grupo liderado pelo Pe. João Oscar Nedel, o Pe. Marcus Bach, o Pe. Alcides Giehl, Pe Arthur Rambo,  os professores Alexandre Vertes, Olívio Koliver, José Bordini Cinel além de outros apostavam todas as fichas numa projeto de universidade aberta tanto para o crescimento quantitativo do número de alunos por curso, quanto numa abertura para a incorporação de novas áreas de conhecimento que o andar do tempo certamente aconselharia.

O momento da partida do projeto da nova universidade foi uma reunião liderada pelos padres Nedel, Marcus Bach e Alcides Giehl e os professores leigos Alexandre Vertes e Olívio Koliver. O resultado foi partir para um projeto de universidade grande e de longo alcance, atenta para a direção em que sopram os ventos da História, aberta para acolher as mais diversas correntes  de idéias, empenhada em acompanhar, participar e interagir com os avanços culturais, sociais e tecnológicos. Essa pauta básica foi apresentada ao Pe. Friederichs e por ele aprovada numa reunião logo em seguida.

Com a bênção do superior provincial, a comissão constituída pelos padres Nedel, Marcus e Alcides e os professores Koliver, Vertes, Cinel, Nequete e Rui Ruschel começou a elaborar o projeto, que seria encaminhado para as instâncias oficiais para a aprovação. E para encurtar a história, depois do decreto de criação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, uma das primeiras providências fdo superior provincial foi compor a cúpula da nova universidade. O Pe. João Oscar Nedel foi designado reitor, o Pe. Marcus Bach vice-reitor acadêmico e o prof. José Bordnini Cinel vice-reitor administrativo.  – maiores detalhes encontram-se no livro “Um sonho e uma realidade” – A Unisinos 1953-1969 –

Como vice-reitor o Pe. Marcus constituiu uma equipe para dar forma à forma à estrutura acadêmica da universidade. Como linhas mestras reitoras da concepção acadêmica da nova universidade, foram retomadas e reforçadas aquelas que já vinham norteando o ensino e a pesquisa e atividade social das faculdades isoladas. Primeiro. A Unisinos deveria ser uma “Casa de Sabedoria” como o Pe. Thiesen a tinha definido há mais de uma década em 1957 – Segundo. O saber, o conhecimento produzido e os avanços avanços técnicos conquistados nos mais diversos setores da universidade deveriam destinar-se de alguma forma a um objetivo social, isto é, reverter sob os mais diversos aspectos, em benefício do público direta ou indiretamente influenciado pela instituição. – Terceiro. A universidade deveria ser  uma caixa de ressonância sensível aos apelos dos diversos momentos históricos. Na sua proposta organizacional, institucional e acadêmica, o projeto deveria prever  caminhos para atender às demandas que fossem surgindo no andar do tempo. E uma visão do futuro prenunciava muitos, variados e grandes desafios. – Quarto. A Unisinos estava sendo  organizada e implantada simultaneamente com obrigatoriedade de as instituições de ensino superior particulares  adaptar-se às novas regras da Reforma Universitária

O Pe. Marcos como vice-reitor acadêmico reuniu uma equipe  de sua confiança e com experiência comprovada em assuntos universitários e no decorrer da segunda metade de 1969, coordenando o trabalho em sessões quase diárias que não raro entravam madrugada
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adentro, conseguiu que em fins de outubro de 1969 o perfil acadêmico da Unisinos estivesse  concluído. Na base encontrava-se o Ciclo Básico, obrigatório para todos os alunos e pré-requisito para ingressar em qualquer curso profissional; Os Institutos Centrais de Ciências Humanas, Letras e Artes e  Ciências Positivas. Paralelamente aos Institutos Centrais foram criadas as escolas profissionais e Educação, Economia, Direito, Escola Superior de Música e a Faculdade de Teologia. A universidade foi instalada oficialmente no dia 12 de dezembro de 1969. De então em diante, durante todo o ano de 1970 o Pe. Marcos comandou com firmeza a implantação do Ciclo Básico exigindo o máximo de seriedade na condução e avaliação das diversas disciplinas, com avaliações, senão semanais, ao menos a cada duas semanas. Com essa orientação e a presença diuturna do Vice-Reitor os professores formaram um corpo coeso, disciplinado e de modo especial comprometido com a causa. Em julho de 1970 reuniu o corpo de professores do ciclo Básico na Vila Betânia em Porto Alegre com a finalidade de proceder a uma avaliação do primeiro semestre do ano a nível do Ciclo Básico. Identificadas as falhas e os acertos foram definidas as ações e estratégias para o segundo semestre. Assim os 20 créditos obrigatórios do Ciclo Básico transformaram-no num porta de entrada para a universidade pela qual os alunos tiveram ocasião de avaliar as dúvidas a respeito de sua opção profissional, preencher lacunas na formação do ensino médio e inclusive viver com colegas de múltiplas opções profissionais. De cobro o Ciclo Básico como etapa pré-requisito obrigatória para qualquer opção de curso profissional, contribuía com uma parcela nada desprezível para o orçamento da universidade.

Mas a preocupação maior do Pe. Marcus, ao lado de um formação acadêmica geral de alto nível, foi a assimilação de uma consciência ética convicta nos alunos e no corpo docente. Para alcançar essa meta não deixava passar nenhuma ocasião para dar o seu recado nesse sentido nas reuniões rotineiras da administração universitária ou em conferências formais para as quais era convidado obrigatório, também fora do contexto universitário. Mas o instrumento que teve a mão do Pe. Marcos como marca foi a introdução de duas disciplinas obrigatórias para todos os cursos profissionais: Humanismo e Tecnologia e Deontologia, sendo a primeira pré-requisito da segunda. A pretensão do Pe. Marcos e da sua equipe de planejamento acadêmico pretendia com o Ciclo Básico e as disciplinas de conteúdo ético e moral no decorrer dos cursos  profissionais, era de uma munir os egressos da universidade com uma visão humanística mais ampla, de uma consciência ética arraigada e uma conseqüente postura no exercício da profissão.

Por essas eventualidades que costumam entrar em choque com personalidades acima do comum como era o Pe. Marcus e a sua contribuição valiosa e bem sucedida com a consolidação da Unisinos, ele foi substituído pelos superiores no cargo de vice-reitor, pelos superiores no começo de 1972, pelo Pe. Theobaldo Franz, que diga-se de passagem, nada teve a ver com a retirada do Pe. Marcos do cenário acadêmico. As razões nunca foram divulgadas claramente. Nas entrelinhas do episódio, entretanto, percebe-se a mão de coirmãos que viam com nenhuma simpatia a influência do Pe. Marcos em meio a professores e alunos e nas camadas cultas fora dos muros da universidade. E a grande aceitação de conferencias e palestras a que era convidado proferir residia na visão ético-moral que pregava. Visto como heterodoxo por algumas autoridades eclesiásticas, por outras era tido como um abridor de novos caminhos e novas perspectivas para o comportamento ético-moral numa fase de transição, sinalizando para uma verdadeira revolução do comportamento humano. Em outras palavras o Pe. Marcus intuía já naquela época o que  a entrada definitiva da pós-modernidade prenunciava. E sem romper com o passado empenhou-se em mostrar caminhos aceitáveis para enfrentar os desafios que vinham pela frente. Compreende-se que  o seu caminho fosse cruzar com o dos defensores e saudosistas da rigidez da ortodoxia ético-moral pré-conciliar. Mas deixemos  o julgamento nas mãos de Deus.