Sobre o Pe. Marcus Bach

O Pe. Marcus Bach foi um dos representantes das levas pioneiras de jesuítas da Província Sulbrasileira da Companhia de Jesus, que tiveram uma formação especializada regular depois de concluídos os estudos normais exigidos pela ordem. Em 1952 foi mandado pelos superiores para a Universidade Gregoriana, para um biênio em moral. Como resultado redigiu uma alentada tese sobre a especialidade e como tal o direito ao titulo de doutor em moral. Pelo que consta nunca publicou o original e como a publicação era na época condição para receber o diploma, não gozou do direito do uso formal  do titulo. Esse fato, porém, não diminuiu em nada a sua estatura como especialista em questões de ética e moral. Pelo contrário o Pe. Marcus caracterizou-se por uma percepção da moral, que antes de mais nada, deveria facultar à pessoa humana, o exercício de uma sadia liberdade responsável. Uma postura ética e moral, portanto, que se justifica  em última análise pelos direitos e deveres ditados pela natureza humana. Em outras palavras. Uma moral calcada  no direito natural que tem na consciência o critério último da moralidade, ou a pessoa tem que ter antes de mais nada uma consciência moral, convicções éticas e morais, e pautar a vida pessoal e as relações para com os outros em sintonia com princípios coerentes e assim validar as leis objetivas formuladas nos códigos. Nas preleções com os alunos de Teologia Moral o Pe. Marcus costumava valer-se de uma comparação muito plástica para fustigar o exagero do moralismo canônico: “Os que o defendem e praticam parecem-se com cavaleiros que montam e galopam sobre as leis e cânones até perderem as ferraduras”. A conclusão não deixa lugar para dúvidas. Não levam a lugar nenhum ou, inutilizam a cavalgadura. 

O caminho que o Pe. Marcus apontava nas suas preleções de Teologia Moral, nas conversas particulares, nas aulas na universidade, nas conferências a empresários, juristas, religiosos, cursos de formação de todo tipo e nível, deveriam ser trilhados com liberdade de consciência de um lado e do outro com rigorosa responsabilidade social. Compreende-se que com isso ele tenha conquistado um crescente número de discípulos e admiradores, ainda mais porque sabia aliar à abertura das idéias e princípios que pregava a uma comunicação fácil e clara  e um humor jovial, traindo uma grande firmeza de convicções. De outra parte, entretanto, como também é compreensível pois, estamos na década de 1950, período pré-conciliar, não demorou que colegas de magistério, irmãos de ordem, superiores religiosos e eclesiásticos se pusessem em alerta e acompanhassem de perto seus passos. Não é o momento nem o lugar para vasculharmos nos meandros dessa história em que ambas as partes foram prejudicadas. A relação e as reações resultantes da sua posição intelectual, teórica e prática no campo da moral, valeram–lhe restrições na difusão dos seus conceitos. Concluo o inciso com um dito consagrado pela sabedoria popular: “Wo Menschen sind geht es menschlich zu” – “onde há homens procede-se de forma humana”.

O Pe. Marcus mostrou-se desde logo um entusiasta pela linha e estratégia pastoral adotada pelo episcopado latino americano em Medellín. Em conversas informais de acampamento e caminhadas pelos campos de São Francisco de Paula, defendia com convicção as comunidades eclesiais de base como uma das saídas para a pastoral renovada em sintonia com as determinações do Concílio Vaticano II. Votava uma grande admiração pelo cardeal arcebispo de São Paulo, D. Evaristo  Arns e os  bispos D. Aloísio e D. Ivo Lorscheiter. E pelo menos em relação a D. Ivo o apreço pelo Pe. Marcus era recíproco. Mas o perfil intelectual e a coerente ação prática que acabamos de esboçar, ficou na memória de muitos que com ele

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conviveram e  privaram até além dos seus noventa anos de idade,  reflexões de indiscutível solidez, rara lucidez e clarividência profética.

Mas o afastamento do Pe. Marcus do quotidiano universitário nos últimos 40 anos, fez com que a sua participação na colocação das bases da Unisinos, a consolidação de um projeto  e finalmente a implantação e os primeiros anos da existência da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, seja pouco ou nada conhecida, inclusive pelos que hoje são responsáveis pela instituição. A sua presença e atuação marcou de modo mais visível o período de gestação da universidade entre os anos de 1960 e 1971. Antes desse período o Pe. Marcus fora docente regular tanto da Faculdade de Teologia como da de Filosofia. Logo depois de concluído o doutorado na Universidade Gregoriana e retornado às Faculdades de Filosofia e Teologia Cristo Rei em São Leopoldo, já em 1954, nós alunos da primeira turma da Faculdade de Filosofia oficializada, convidamos o Pe. Marcos para nos ministrar um curso intensivo de Metodologia Científica. Foi naquele curso que aprendemos a fazer o registro e guarda em fichas padronizadas citações e conteúdos bibliográficos. Foram de utilidade inestimável nas futuras pesquisas bibliográficas de qualquer tipo de conteúdo científico, fosse na área das Ciências Humanas ou das Ciências Naturais. E mesmo que hoje dificilmente alguém ainda recorra a fichas padronizadas em papel e realize o seu estudo com o auxílio de um PC ou Notbock, o essencial em nada mudou: a exatidão, a honestidade e autenticidade no uso dos conhecimentos alheios, para fazer avançar os conhecimentos em qualquer direção que seja.

Quero demorar-me um pouco mais em destacar a importância da contribuição do Pe. Marcos na consolidação da Faculdade de Economia, na formulação do projeto da Unisinos e na condição de primeiro vice-reitor acadêmico, na consolidação do perfil acadêmico implantado em 1970.

O Pe. Marcus entrou para valer na história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 1962 para ocupar o posto de diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, em substituição do dr. Armando Pereira Câmara. Tanto um como outro não procediam formalmente da área das Ciências Econômicas. O dr. Armando P. Câmara formado em Direito, era jurista, filósofo, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex- senador da Republica e professor de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo. O Pe. Marcus Bach conquistara o doutorado em Moral pela Universidade Gregoriana em Roma. Imersos na atmosfera pós-moderna os atuais gestores da área econômica, compreensivelmente talvez perguntem assombrados: Que credenciais  poderia ter um jurista professor de direito e um doutor em moral, professor dessa especialidade numa faculdade de Teologia, para implantar e consolidar uma Faculdade de Ciências Econômicas? É preciso procurar a resposta na cabeça do Pe. Thiesen, doutor em Filosofia e Teologia, idealizador dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, já em pleno funcionamento em 1959. A escolha do nome da Faculdade  tinha muito a ver com a sua natureza. A opção pelo nome “Ciências Econômicas” e não simplesmente “Economia” teve a ver com a missão da instituição e da atuação na vida profissional dos que nela se formariam. O substantivo “Ciências” deveria ser a baliza reitora da formação dos profissionais na área da Economia. Somente a Economia entendida como Ciência estaria em condições de forjar profissionais aptos para colaborar como parceiros qualificados nos processos de desenvolvimento humano. Como ponto de partida deve ficar claro que o “fato econômico” é um dado observado em todos os níveis da ascensão cultural, histórica e tecnológica. Sua presença deve-se ao fato de estar relacionado e condicionado pelas necessidades humanas


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essenciais à vida e à sobrevivência. Como tal representa, antes de mais nada um dado histórico-antropológico. Afinal qual é a diferença entre os procedimentos que regulamentam a troca de um macaco caçado por um cacho de bananas, entre nativos de uma floresta tropical e um cidadão que compra – troca – uma Mercedes ou Ferrari por reais, dólares ou euros ? A diferença situa-se apenas na forma, nos meios e do objeto da troca (compra, escambo, outras formas). No fundo, no fundo quaisquer modalidades de troca, aparentemente tão díspares, decorrem da necessidade que leva o homem a apropriar-se dos bens materiais dos quais precisa ou pensa precisar. O que se troca – compra ou vende – é determinado por valores ou pseudo-valores culturais. Em outras palavras, deriva de valores culturais em permanente alternância, substituição ou adaptação histórica. Foi, sem dúvida, por essa razão, que na primeira fase da Faculdade de Ciências Econômicas da Unisinos, figuravam disciplinas de natureza humanística como Antropologia Aplicada, Sociologia, Lógica e Metodologia, Geografia Econômica, História Econômica, Ética. E diga-se de passagem os alunos, ao menos daquela época, costumavam apreciar e valorizar os conteúdos dessas disciplinas. Nem todas eram obrigatórias mas contavam créditos como qualquer outra. A Antropologia estava entre as não obrigatórias. Apesar disso houve semestres em que foi preciso oferecer a formação de  turmas aos sábados ou reunia numa noite  até 120 alunos numa sala.

A Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos tinha como objetivo oferecer aos egressos  de suas salas de aula uma formação de fato compreensiva do “fato econômico”.  Despertar neles a consciência de que a economia  tem condições tanto de contribuir para o progresso harmonioso de uma sociedade, quanto oferecer apoio técnico para o planejamento, gerenciamento e administração de empreendimentos de qualquer tamanho e natureza.

O Pe. Thiesen convidou o dr. Armando Câmara para concretizar o projeto da Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos. O corpo docente que consta como fundador nos arquivos da Universidade reuniu entre os 24 nomes que o compunham, economistas, juristas, sociólogos, filósofos, contabilistas, moralistas. A impressão que se tem quando se examina um pouco mais de perto a composição do primeiro corpo docente da Faculdade, é de que o critério para a seleção dos  docentes fundadores foi mais de homens de prestígio na sociedade, do que propriamente um corpo acadêmico comprometido com uma proposta acadêmica. Por bem ou por mal foi com esses titulares fundadores que a nova Faculdade, não tardou em se tornar conhecida e da primeira turma de meia dúzia de alunos passou-se para uma segunda com mais de duas dezenas. O fato é que, queira-se admitir ou não, na ocasião o fato de homens prestigiados e admirados nas camadas cultas da sociedade, foi um fator de grande valia para a legitimação da nova Faculdade.

Acontece que o dr. Armando Câmara ficou na direção da Faculdade pouco mais de dois anos. Um boa porcentagem dos fundadores contribuiu apenas com o empréstimo do nome sem nunca terem contribuído dando aulas ou participando da administração. A escolha da mantenedora para substituir o dr. Armando Câmara, recaiu sobre o Pe. Marcus Bach, doutor em Moral e integrante do corpo docente fundador. Empossado como diretor o Pe. Marcus, cônscio da sua situação de especialista em Moral e pouco familiarizado com propriamente relacionados com a Economia em si, convidou para ser seu colaborador e  coordenador da Faculdade, o Pe. Alcides Giehl, formado na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Rio Grande do Sul e seu aluno na disciplina de Moral na Faculdade de
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Teologia. Estava formada uma dupla perfeitamente afinada com os objetivos a serem alcançados e os meios a serem empregados. O e. Marcus reservou-se o papel de, como Diretor, traçar as linhas mestras a serem seguidas e delegou ao Pe. Alcides a tarefa de reunir  um corpo docente de bom nível  direta e indiretamente comprometido com a formação de economistas de uma visão ampla das questões economias, sociais e culturais do meio em que lhes caberia exercer a profissão. Como estudante  de economia na UFRGS, consolidara uma rede de relações preciosas  com colegas e com professores e profissionais da área. Convidou e aceitaram integrar o corpo docente os professores Antenor Brum, engenheiro e economistas para lecionar estatística, José Bordini Cinal da Associação Comercial de Porto Alegre, para lecionar Administração, Ari Burger, Diretor do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, Olívio Koliver, Eloy Venâncio, Joaquim e João Blessmann, Antônio Camboim, Edgar Írio Simm, Heinz Kliemann, Lenine Nequete, Hipólito Campos, Guilherme Socias Vilella,  Edison Batista Chaves. Alguns dos veteranos permaneceram no corpo docente. Entre eles o prof. Alexandre Vertes, Gabriel Keglevitch, Guilherme Moojen.

Paralelamente ao corpo docente o Pe. Marcus coordenou a formulação de um currículo com um claro propósito centrado  na excelência acadêmica e voltado para formar agentes de promoção humana valendo-se  do desenvolvimento econômico como instrumento.

O Pe. Marcus assumiu a direção da Faculdade de Ciências Econômicas num momento de aguda crise financeira que ameaçava matar no nascedouro a instituição assim como sua coirmã a Faculdade Filosofia Ciências e Letras. A situação da Faculdade de Ciências Econômicas, porém, foi mais dramática pois a quase totalidade dos professores eram leigos e as mensalidades do alunos cobriam apenas uma parte dos recursos. A situação chegou a um ponto em que os salários começaram  a atrasar por meses. Felizmente, situação hoje inimaginável, excetuando um que outro dos professores, todos continuaram a ministrar as aulas como se nada estivesse acontecendo. Era preciso encontrar uma solução a curto prazo, ainda mais que ordens emanadas do comando geral dos jesuítas de Roma, determinavam:

Primeiro -  que nenhuma nova Faculdade nem curso novo algum fosse abeto na Faculdade de Filosofia, sem homens aptos e sem que estejam à disposição os meios financeiros necessários, e para a criação de qualquer nova faculdade deve ser obtida licença explícita do Padre Geral. Segundo – que os cursos já existentes  na Faculdade de Filosofia podem ser mantidos até a definitiva aprovação pelo Governo. Obtida esta, sejam suspensos pelos meios legais aqueles  que são demasiado onerosos.

Tendo em vista a grave penúria financeira o presidente de Mantenedora, Pe. João Sehnem, ordenara  na prática o encerramento das atividades da Faculdade de Ciências Econômicas. O diretor Pe. Marcos e o coordenador Pe. Alcides, resolveram contemporizar e ganhar tempo até encontrar uma solução para superar a crise. Recorreram a empréstimos ente os colonos das redondezas, em Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi , Salvador do Sul, Harmonia, Nova Petrópolis,etc., oferecendo juros anuais de mercado. Com muito esforço foi possível reunir um bom fundo com os empréstimos, o que permitiu que aos poucos, o fantasma da inviabilidade econômico financeira da Faculdade fosse afastado. O dinheiro com os juros foi devolvido logo que as contas ficaram sob controle.



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Saneadas as  finanças e os compromissos com os salários dos professores e fornecedores saldados, o diretor Pe. Marcus começou com iniciativas para abrir a Faculdade de Ciências Econômicas para a comunidade. Entre elas destaco as seguintes.

Esse trabalho de abertura para a comunidade teve como um dos alvos o Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo. Admirado e respeitado pela categoria o Pe. Marcus costumava reunir-se com  a diretoria do Sindicato, e mais por conversas informais do que propriamente palestras programadas, atraiu a entidade para dentro da Faculdade. E um detalhe chamava a atenção. O presidente do Sindicato, o sr. Dantas, aposentado por invalidez por ter perdido um braço, era comunista declarado. Esse fato e o de o Pe. Marcus ser padre jesuíta em nada perturbou que os dois a procurassem juntos caminhos e formas para promover o operariado.

Mas o projeto patrocinado pela Faculdade de Ciências Econômicas, dirigida pelo Pe. Marcus, de maior impacto e de efeitos de longo prazo, foi o “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Ainda no segundo semestre de 1963, foi constituído um grupo de trabalho com a finalidade  de elaborar um “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Compuseram o grupo o diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Pe. Marcus Bach, o coordenador da Faculdade Pe. Alcides Giehl, o chefe do Departamento de Economia, Pe. Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams. O grupo contou com a assessoria  do sr. Georg Berensen, na época chefe do escritório da Ferrostaal do Brasil em Porto Alegre, firma alemã de planejamento e instalação industrial, empenhada na instalação da planta industrial da Aços Finos Piratini. A colaboração de Berensen foi de fundamental importância  na fase de apresentação do Projeto para o governo da República Federal da Alemanha, em vistas de apoio técnico e financeiro.

O Projeto foi concluído ainda no ano de 1963. A versão final assinada pelo pelos padres Marcus Bach, Alcides Giehl, Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams, objetivava a “Valorização da Bacia do Rio dos Sinos como um todo e não apenas o controle das enchentes, como também o abastecimento de água, saneamento básico, planejamento urbano, localização de distritos industriais, malha rodoviária, reflorestamento das encostas, navegação fluvial, modernização e racionalização da atividade agro-pecuária, etc.

Resumindo. O Projeto tramitou com surpreendente rapidez no Itamarati e com a mesma rapidez foi apreciado e aprovado pelo governo alemão, que financiou uma equipe de técnicos que entre julho de 1967 e final de 1968, apresentaram o Relatório final. Desse Projeto de valorização e desenvolvimento regional foi executada no decorrer da década de 1970 a obra dos diques de contenção das enchentes. Em momentos comemorativos o mérito da proteção de São Leopoldo contra as enchentes costuma ser contabilizado por políticos e administradores da época como marcos da sua passagem pelo município. Acontece que não se tem conhecimento ou se ignora o fato de que a idéia, o projeto e sua concretização saíram dos gabinetes da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo, coordenado pelo Pe. Marcus Bach, diretor da instituição.

O currículo como jesuíta de então absolvido com excelência: humanidades, filosofia, teologia, doutorado em moral na Universidade Gregoriana em Roma, o contato com o mundo acadêmico europeu, sua trajetória como professor de moral, as conferências feitas a profissionais liberais dos mais diversos níveis, e principalmente, sua atuação como diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, fizeram do Pe. Marcus presença indispensável quando
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da elaboração do  projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em conversas e discussões preparatórias entre os jesuítas que trabalhavam nas Faculdades definiram-se dois grupos. O primeiro deles defendia o projeto de uma instituição mais modesta, menos ambiciosa, mais fácil de ser administrada, com exigências para menor volume de recursos, confiada basicamente a membros da Ordem. Não parece oportuno citar os nomes que defendiam esse perfil de universidade. O outro grupo liderado pelo Pe. João Oscar Nedel, o Pe. Marcus Bach, o Pe. Alcides Giehl, Pe Arthur Rambo,  os professores Alexandre Vertes, Olívio Koliver, José Bordini Cinel além de outros apostavam todas as fichas numa projeto de universidade aberta tanto para o crescimento quantitativo do número de alunos por curso, quanto numa abertura para a incorporação de novas áreas de conhecimento que o andar do tempo certamente aconselharia.

O momento da partida do projeto da nova universidade foi uma reunião liderada pelos padres Nedel, Marcus Bach e Alcides Giehl e os professores leigos Alexandre Vertes e Olívio Koliver. O resultado foi partir para um projeto de universidade grande e de longo alcance, atenta para a direção em que sopram os ventos da História, aberta para acolher as mais diversas correntes  de idéias, empenhada em acompanhar, participar e interagir com os avanços culturais, sociais e tecnológicos. Essa pauta básica foi apresentada ao Pe. Friederichs e por ele aprovada numa reunião logo em seguida.

Com a bênção do superior provincial, a comissão constituída pelos padres Nedel, Marcus e Alcides e os professores Koliver, Vertes, Cinel, Nequete e Rui Ruschel começou a elaborar o projeto, que seria encaminhado para as instâncias oficiais para a aprovação. E para encurtar a história, depois do decreto de criação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, uma das primeiras providências fdo superior provincial foi compor a cúpula da nova universidade. O Pe. João Oscar Nedel foi designado reitor, o Pe. Marcus Bach vice-reitor acadêmico e o prof. José Bordnini Cinel vice-reitor administrativo.  – maiores detalhes encontram-se no livro “Um sonho e uma realidade” – A Unisinos 1953-1969 –

Como vice-reitor o Pe. Marcus constituiu uma equipe para dar forma à forma à estrutura acadêmica da universidade. Como linhas mestras reitoras da concepção acadêmica da nova universidade, foram retomadas e reforçadas aquelas que já vinham norteando o ensino e a pesquisa e atividade social das faculdades isoladas. Primeiro. A Unisinos deveria ser uma “Casa de Sabedoria” como o Pe. Thiesen a tinha definido há mais de uma década em 1957 – Segundo. O saber, o conhecimento produzido e os avanços avanços técnicos conquistados nos mais diversos setores da universidade deveriam destinar-se de alguma forma a um objetivo social, isto é, reverter sob os mais diversos aspectos, em benefício do público direta ou indiretamente influenciado pela instituição. – Terceiro. A universidade deveria ser  uma caixa de ressonância sensível aos apelos dos diversos momentos históricos. Na sua proposta organizacional, institucional e acadêmica, o projeto deveria prever  caminhos para atender às demandas que fossem surgindo no andar do tempo. E uma visão do futuro prenunciava muitos, variados e grandes desafios. – Quarto. A Unisinos estava sendo  organizada e implantada simultaneamente com obrigatoriedade de as instituições de ensino superior particulares  adaptar-se às novas regras da Reforma Universitária

O Pe. Marcos como vice-reitor acadêmico reuniu uma equipe  de sua confiança e com experiência comprovada em assuntos universitários e no decorrer da segunda metade de 1969, coordenando o trabalho em sessões quase diárias que não raro entravam madrugada
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adentro, conseguiu que em fins de outubro de 1969 o perfil acadêmico da Unisinos estivesse  concluído. Na base encontrava-se o Ciclo Básico, obrigatório para todos os alunos e pré-requisito para ingressar em qualquer curso profissional; Os Institutos Centrais de Ciências Humanas, Letras e Artes e  Ciências Positivas. Paralelamente aos Institutos Centrais foram criadas as escolas profissionais e Educação, Economia, Direito, Escola Superior de Música e a Faculdade de Teologia. A universidade foi instalada oficialmente no dia 12 de dezembro de 1969. De então em diante, durante todo o ano de 1970 o Pe. Marcos comandou com firmeza a implantação do Ciclo Básico exigindo o máximo de seriedade na condução e avaliação das diversas disciplinas, com avaliações, senão semanais, ao menos a cada duas semanas. Com essa orientação e a presença diuturna do Vice-Reitor os professores formaram um corpo coeso, disciplinado e de modo especial comprometido com a causa. Em julho de 1970 reuniu o corpo de professores do ciclo Básico na Vila Betânia em Porto Alegre com a finalidade de proceder a uma avaliação do primeiro semestre do ano a nível do Ciclo Básico. Identificadas as falhas e os acertos foram definidas as ações e estratégias para o segundo semestre. Assim os 20 créditos obrigatórios do Ciclo Básico transformaram-no num porta de entrada para a universidade pela qual os alunos tiveram ocasião de avaliar as dúvidas a respeito de sua opção profissional, preencher lacunas na formação do ensino médio e inclusive viver com colegas de múltiplas opções profissionais. De cobro o Ciclo Básico como etapa pré-requisito obrigatória para qualquer opção de curso profissional, contribuía com uma parcela nada desprezível para o orçamento da universidade.

Mas a preocupação maior do Pe. Marcus, ao lado de um formação acadêmica geral de alto nível, foi a assimilação de uma consciência ética convicta nos alunos e no corpo docente. Para alcançar essa meta não deixava passar nenhuma ocasião para dar o seu recado nesse sentido nas reuniões rotineiras da administração universitária ou em conferências formais para as quais era convidado obrigatório, também fora do contexto universitário. Mas o instrumento que teve a mão do Pe. Marcos como marca foi a introdução de duas disciplinas obrigatórias para todos os cursos profissionais: Humanismo e Tecnologia e Deontologia, sendo a primeira pré-requisito da segunda. A pretensão do Pe. Marcos e da sua equipe de planejamento acadêmico pretendia com o Ciclo Básico e as disciplinas de conteúdo ético e moral no decorrer dos cursos  profissionais, era de uma munir os egressos da universidade com uma visão humanística mais ampla, de uma consciência ética arraigada e uma conseqüente postura no exercício da profissão.

Por essas eventualidades que costumam entrar em choque com personalidades acima do comum como era o Pe. Marcus e a sua contribuição valiosa e bem sucedida com a consolidação da Unisinos, ele foi substituído pelos superiores no cargo de vice-reitor, pelos superiores no começo de 1972, pelo Pe. Theobaldo Franz, que diga-se de passagem, nada teve a ver com a retirada do Pe. Marcos do cenário acadêmico. As razões nunca foram divulgadas claramente. Nas entrelinhas do episódio, entretanto, percebe-se a mão de coirmãos que viam com nenhuma simpatia a influência do Pe. Marcos em meio a professores e alunos e nas camadas cultas fora dos muros da universidade. E a grande aceitação de conferencias e palestras a que era convidado proferir residia na visão ético-moral que pregava. Visto como heterodoxo por algumas autoridades eclesiásticas, por outras era tido como um abridor de novos caminhos e novas perspectivas para o comportamento ético-moral numa fase de transição, sinalizando para uma verdadeira revolução do comportamento humano. Em outras palavras o Pe. Marcus intuía já naquela época o que  a entrada definitiva da pós-modernidade prenunciava. E sem romper com o passado empenhou-se em mostrar caminhos aceitáveis para enfrentar os desafios que vinham pela frente. Compreende-se que  o seu caminho fosse cruzar com o dos defensores e saudosistas da rigidez da ortodoxia ético-moral pré-conciliar. Mas deixemos  o julgamento nas mãos de Deus.


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