Mas a semente lançada com a “Associação de
Proteção da Floresta” e os exemplos esparsos de tentativas de plantio de
floresta, foi vingando lentamente. Em 1899 foi fundada a “Associação
Riograndense de Agricultores”. À sua testa vamos encontrar muitas das
lideranças coloniais, leigas e religiosas, das décadas de 1880 e 1890. Desta
forma o assunto floresta e reflorestamento, recuperação e conservação do solo,
adubação orgânica, frequentou repetidas vezes, a pauta das assembleias gerais
da Associação.
Na quarta assembleia geral, realizada em
Santa Cruz do Sul, em abril de 1904, uma das resoluções, a de número seis,
chamou a atenção pra a urgência de se dedicar ao cultivo de árvores.
“6. No que se refere à
grande importância em que se reveste a cultura de árvores, em especial na região
colonial antiga, a assembleia apoia um sistema de cultura de florestas
adaptadas às características locais. Para tanto encarrega a Diretoria Central
para tomar as iniciativas cabíveis junto ao governo do Estado, para que seja
modificada a lei que prejudica a cultura da erva-mate, principalmente no que se
refere à sua colheita”. (Bauernfreund, 1904, nº 5, p. 33)
Na sétima assembleia geral da Associação dos
Agricultores, realizada em Estrela, em abril de 1907, a questão do
reflorestamento voltou ao debate e mereceu ser encarecida na resolução de
número quatro.
“4. É preciso dar maior atenção
do que até agora se deu ao reflorestamento. Aconselha-se, para tanto, o plantio
de cinamomo, de louro, de carvalho e de outras espécies de acordo com as
características locais”. (Bauernfreund, 1907, nº, p. 4)
Mas foi na nona assembleia geral da
Associação dos Agricultores, realizada em Taquara, em maio de 1909, que a
questão do meio ambiente foi colocada em termos mais amplos. A conferência
sobre o assunto esteve a cargo do Pe. Max von Lassberg.
O problema foi colocado, pelo religioso,
numa perspectiva bem mais ampla do que a mera destruição física da cobertura florestal,
ou as técnicas de florestamento e reflorestamento. A questão, segundo ele,
tinha a ver com a garantia dos direitos e deveres dos indivíduos, da
coletividade e do Estado. As florestas estão aí para assegurar os interesses das pessoas e para garantir a qualidade da vida da coletividade. Uma
correta política florestal não pode
abstrair de nenhuma das duas funções. Tendo como finalidade o tratamento da
questão das florestas, salvaguardando tanto os direitos dos indivíduos quanto
do Estado, o conferencista apresentou um
esboço de como esse objetivo poderia ser alcançado.
Compete ao Estado zelar pela normalidade do
clima e a higiene pública: salvaguardar a fertilidade e demais qualidades do
solo; aproveitar ocasionalmente os imenso recursos oferecidos pelas florestas.
Pressupõe-se para tanto a existência no Pais de uma vasta e rica cobertura
florestal. Mais importante do que florestas gigantescas e ininterruptas é a
existência de extensões razoáveis de matas bem distribuídas. Conforme demonstra
a ciência, esse tipo de cobertura vegetal favorece sobremodo a pureza do ar, a
regularidade das chuvas, o controle do granizo, a conservação do clima, o
equilíbrio entre o calor e o frio, a formação de fontes e mananciais de água, a
proteção contra as enchentes e a inestimável riqueza que a floresta representa quando
racionalmente explorada. E, para reforçar a afirmação, o Pe. Lassberg lembrou
que, quanto mais crescer a população, tanto maiores serão as demandas por
madeira. Faz-se necessário que cresça no mesmo ritmo o interesse pelo manejo racional das reservas de
florestas. Neste caso a madeira representa uma extraordinária fonte de divisas
para um pais com as características do Brasil.
Continuando nas suas considerações o
conferencista fez algumas observações sobre um outro aspecto dessa
problemática. Os colonizadores, individualmente considerados, costumam, e isto
é mais do que natural, preocupar-se em obter, o mais rápido possível,
resultados concretos. Derrubam no menor espaço de tempo, o mata do seu lote
colonial, utilizam alguma madeira para
atender às necessidades próprias. Somente em situações especiais e não muito
frequentes, vendem alguma coisa. Livram-se do restante das árvores abatidas,
queimando-as ou, na melhor das hipóteses, amontoando-as e entregando-as à
decomposição. Essa estratégia universalmente
difundida, vem acompanhada dos seus riscos. Não raro, em questão de poucos
anos, não sobra aos colonizadores, a madeira
suficientes para suprir as necessidades diárias de lenha. O dano é
duplo. De um lado o colono vê-se forçado a comprar lenha e madeira de
construção. Do outro lado a coletividade exaure, em pouco tempo, suas reservas
de madeira. Prejudica-se o dono do lote colonial e prejudica-se a região, o Estado
e o Pais.
Continuando, o conferencista atacou um
questão ainda mais condenável. Falou daqueles verdadeiros vampiros que penetram
nas florestas alheias ou pertencentes ao governo. Sem o menor escrúpulo e sem a
menor consideração para com a sociedade, depredam as matas, pilham as madeiras
nobres, movidos pela única finalidade do lucro fácil. No final das suas
considerações, o Pe. Lassberg formulou a seguinte proposta florestal,
obviamente não de fácil execução.
1. Em se tratando das
regiões do nosso Pais cobertas de grandes extensões de florestas virgens, não
apenas se justifica, mas torna-se necessário franqueá-las à agricultura e
entregá-las a um abate parcial.
2. A escassez de florestas
e de madeira não deve ser exagerada. Se de um lado há carência de madeira, ao
ponto de se dar uma importância tão grande como está acontecendo, a culpa, em
grande, cabe à utilização errada das matas e às precárias vias de circulação
para o escoamento, dificultando transporte da madeira de lugares afastados. Os
campos do norte estão pontilhados com belos, numerosos e grandes capões. A zona
colonial, mesmo aquela ocupada por várias décadas, nem de longe apresenta
aquela feição desnuda, como acontece em numerosas regiões agrícolas da França,
Alemanha e Itália. Consequentemente não ocorreram modificações climáticas
apreciáveis, em razão do desmatamento. Em toda a parte subsistem serrarias
pelas colônias antigas. De maneira geral os colonos tomam um cuidado maior para
não abater as matas de uma forma tão irracional, como era comum nos primeiros
tempos.
3. Triste, sem dúvida, se
apresenta a situação das zonas mais elevadas, como nas colônias italianas.
Foram derrubadas florestas inteiras de araucárias, para, em seguida, as terras
serem abandonadas sem terem sido aproveitadas. Muitos colonos derrubaram a mata
sem nenhuma medida para, em seguida, verem-se forçados a ir embora por causa da
baixa fertilidade do solo. A terra foi devastada e uma verdadeira floresta não
se recompõe espontaneamente.
4. Um reflorestamento
sistemático das nossas florestas parece inviável, porque a mata virgem não
possui sistema. Segundo a lei de 1899, calcula-se como produção média de
madeira por ano, o volume de quatro a cinco metros cúbicos por hectare. De que
maneira por em prática um dispositivo destes? Não vale a pena nem abrir uma
trilha.
5. Para enfrentar o
problema não resolve imitar unilateralmente as leis de outros países. É claro
que devemos analisar essas leis, para depois adaptá-las às nossas
circunstâncias. Além disto é preciso verificar se determinadas medidas legais
são aplicáveis entre nós e se dispomos de pessoal técnico. Caso não estejam
presentes tais pressupostos em nada adianta a melhor das intenções do governo.
Um outro aspecto não pode ser ignorado. No que se refere a questão florestal,
as circunstâncias dentro do Pais diferem
muito. As imediações das cidades pedem um outro tipo de cultivo do que o
interior. Diferentes tem que ser as medidas adotadas em regiões de florestas
mistas ou de pinheiros, no campo ou na costa do mar. Em tudo que se relaciona
com a floresta o problema mais grave é a lei que regulamenta a fiscalização.
Qual, por exemplo, é a forma de impedir que um caboclo penetre na mata do Alto Uruguai. Mesmo em regiões
mais próximas a fiscalização enfrenta a visão e as longas tradições dos
colonizadores e a preocupação de não sobrecarregá-los com novos deveres. Caso
contrário só se consegue despertar mal entendidos e insatisfações. No momento
então em que o governo aparece e diz ao colono que está derrubando mato: Daqui
para frente não podes mais retirar madeira do mato. Ou ao fazendeiro: Daqui
para frente deves plantar tantos hectares de mato. Determinações deste tipo
seriam simplesmente inexequíveis. Apenas nos casos em que uma derrubada chega a
prejudicar os vizinhos, o poder público deve intervir, a fim de garantir os
direitos da pessoa lesada.
Partindo dessas
considerações sugerem-se os seguintes meios capazes de solucionar o problema:
concessões para a exploração da madeira para dormentes de trilhos, tábuas, etc.
Se possível conceder a autorização apenas para os que comprarem e pagarem o
mato. Acontece que se alguém não é proprietário, pouco interesse terá no mato e o devido cuidado com ele. Este tipo
de prescrição não se aplica, assim no mais, a regiões de matas destinadas à ocupação por colonos.
Em se tratando de concessões maiores de terras, costuma-se guardar certas medidas. Nesses casos o governo normalmente
se mune de garantias, restringindo a
derrubada da mata a limites corretos. O próprio colono terá interesse pessoal
em assegurar o valor do próprio mato. Além disso, devem ser aplicadas com todo
o rigor as leis que se destinam à expulsão dos invasores dos matos alheios. Isso, entretanto, não ocorre
sempre. Desta forma o direitos dos
proprietários de matos localizados em locais afastados, sofrem sérias
violações por parte de indivíduos que retiram madeira sem autorização. Uma
outra praga são os assim chamados intrusos que, sem titulo, fixam residência em
glebas e, quando são solicitados a indenizar, vão embora e deixam o prejuízo
para os outros. Tais casos acontecem também em situações legais duvidosas. No
caso de alguém pretender estabelecer-se nesse tipo de terras deveria, antes de
mais nada, ter clareza sobre a situação legal das mesmas.
1. Os complexos florestais
tem que ser protegidos na sua integridade, de forma que sua exploração por
parte dos não proprietários seja dificultada. Em vista disso o governo não
deveria conceder com tanta facilidade, como vem fazendo até agora, as
concessões de exploração da madeira para obtenção de dormentes de trilhos,
taboas, erva-mate ..... Conceder, se possível, somente para aqueles que
comprarem e pagarem o mato. Porque se
alguém não é proprietário, pouco interesse terá em tratar o mato com cuidado.
Semelhantes prescrições não se aplicam
assim no mais a regiões de matas
destinadas para a ocupação por colonos. Em se tratando de concessões maiores,
costumam-se guardar certas medidas. Nestes casos o governo tem por norma
munir-se de garantias para restringir a derrubada da mata a níveis aceitáveis.
O próprio colono terá interesse pessoal em assegurar o valor do mato de sua
propriedade. Além disso deveriam ser
aplicadas, com todo o rigor, as leis que se destinam à expulsão dos invasores
de matas alheias. Isso, entretanto, não ocorre sempre. Neste caso os direitos
dos proprietários de matas situadas em locais afastados, sofrem sérias
violações por parte de outra praga, representada pelos
tais de intrusos que, sem titulo de posse, fixam residência em glebas e, quando
são solicitados a indenizar, retiram-se e deixam o prejuízo para os outros.
Esses caso acontecem também em situação ilegal. Se alguém pretende
estabelecer-se neste tipo de glebas, deveria certificar-se, antes de mais nada,
a respeito da situação legal das mesmas.
2. Impõe-se como remédio
mais adequado para as nossas circunstâncias,
a formação de matas plantadas. A floresta não cultivada é passível de
resultados na medida em for derrubada.
Uma floresta sistematicamente plantada
fornece um retorno no mínimo quádruplo. No Estado encontram-se faixas de terras
mais do que suficientes, tanto na colônia quanto no campo, apropriadas para o
reflorestamento deste tipo. Na Alemanha, por exemplo, aproveitou-se a charneca
de Lüneburg. As dificuldades neste caso poderiam originar-se da presença de
formigas e de outros insetos, de plantas parasitas, de ocorrência de incêndios.
Apesar disso o plano pode ser posto em prática com relativa facilidade. As
iniciativas devem partir dos indivíduos, dos distritos e dos municípios. Em
outros países comunidades individuais conseguiram florestas tão ricas que, com
os seus resultados, foi possível cobrir todas as despesas da comunidade e os
cidadãos liberados dos impostos. O melhor caminho é aquele em que os indivíduos
e as cooperativas cultivam determinadas
áreas de mato. Fala-se hoje tanto em
estações experimentais. Porque não pensar em implantar estações experimentais
de silvicultura? Representam obviamente empreendimentos sem retorno a curto
prazo, como no caso de uma lavoura. Contando-se, entretanto, com paciência e se
os empreendimentos forem bem conduzidos, seu retorno mais tarde será tanto
maior. (Baiernfeund, 1909, nº 6, p. 43-44)
O Pe. Max von Lassberg concluiu a sua palestra,
apresentando à assembleia algumas das
resoluções tomadas no Congresso
Agro-Agrícola, realizado no ano anterior em Pelotas. Entre elas, duas merecem
atenção.
1. Das glebas destinadas no futuro para fins
de colonização, uma parte deveria ser destacada, não vendida e mantida como
reserva florestal.
2. Aconselha-se introduzir uma série de
espécies exóticas como, por ex., certas variedade de eucaliptos,
plátanos, acácias, pinheiros, cinamomos.
Ao discurso seguiu-se um debato acalorado
sobre o que tinha sido exposto . Foi desencadeada pelo Pe. Amstad com uma
proposta concreta de reflorestamento. De acordo com suas observações era muito
comum na colônia, que as casas e demais benfeitorias se localizassem numa encosta. A área
imediatamente atrás e acima da moradia compreendia, via de regra a área desmatada
por primeiro e, em consequência a primeira com sinais de esgotamento do solo.
Seria esta a área escolhida para o reflorestamento. Um empreendimento desses
teria tanto mais chances de sucesso, quanto maior fosse a colaboração entre os
diversos moradores. Como empreitada individual os resultados seriam duvidosos.
Pela própria natureza a iniciativa seria de caráter coletivo. Na hipótese de um projeto dessa natureza fosse levado a bom
termo, os resultados não tardariam em aparecer. Formar-se-ia em questão de
poucos anos um cinturão de mato, a meia encosta, da largura de 200 a 300
metros. Num futuro relativamente próximo seria possível extrair toda a lenha
necessária para o consumo e madeira suficiente para cobrir a demanda local.
Nesta questão o próprio Estado faria bem em intervir, pressionando os
proprietários para se engajarem efetivamente. O retorno altamente compensatório
estaria assegurado. Seria possível, em grandes linhas, que, em 15 anos, a lenha pagaria a mão de
obra. Em 30 anos o mato começaria a render juros. Em 50 anos a faixa de 200
metros representaria um patrimônio bem maior do que os mil os 1600 metros
restantes.
Como se sabe, a nona assembleia geral da
Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, marcou o termino da
Associação na sua forma original. Transformada em sindicato, reorientou seus objetivos. As antigas lideranças, tanto
católicas quanto evangélicas, partiram para a formulação de novas organizações.
Surgiu, desta forma, em 1912, o “Volksverein”, a Sociedade União Popular, para
os católicos. É explicável que a questão ecológica passasse para um segundo
plano pois, foi necessário, em primeiro lugar, dar forma, vida e viabilidade à
nova organização. Essa tarefa demandou dois a três anos. Sobreveio a Primeira
Guerra Mundial e a nova sociedade entrou em compasso de espera. Terminado o
conflito, os primeiros anos da década de 1920 foram necessários para retomar as
atividades e solidificar a Sociedade. No período de 1912 e 1924, não se encontram referências significativas, nem no
Paulusblatt, a revista da Sociedade, nem no Familienfeund Kalender, o almanaque
anual, relativas a questão florestal, em
particular, ou à questão ecológica como um todo.