Imigração alemã e meio ambiente - Parte #2

Mas a semente lançada com a “Associação de Proteção da Floresta” e os exemplos esparsos de tentativas de plantio de floresta, foi vingando lentamente. Em 1899 foi fundada a “Associação Riograndense de Agricultores”. À sua testa vamos encontrar muitas das lideranças coloniais, leigas e religiosas, das décadas de 1880 e 1890. Desta forma o assunto floresta e reflorestamento, recuperação e conservação do solo, adubação orgânica, frequentou repetidas vezes, a pauta das assembleias gerais da Associação.

Na quarta assembleia geral, realizada em Santa Cruz do Sul, em abril de 1904, uma das resoluções, a de número seis, chamou a atenção pra a urgência de se dedicar ao cultivo de árvores.

“6. No que se refere à grande importância em que se reveste a cultura de árvores, em especial na região colonial antiga, a assembleia apoia um sistema de cultura de florestas adaptadas às características locais. Para tanto encarrega a Diretoria Central para tomar as iniciativas cabíveis junto ao governo do Estado, para que seja modificada a lei que prejudica a cultura da erva-mate, principalmente no que se refere à sua colheita”. (Bauernfreund, 1904, nº 5, p. 33)

Na sétima assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Estrela, em abril de 1907, a questão do reflorestamento voltou ao debate e mereceu ser encarecida na resolução de número quatro.

“4. É preciso dar maior atenção do que até agora se deu ao reflorestamento. Aconselha-se, para tanto, o plantio de cinamomo, de louro, de carvalho e de outras espécies de acordo com as características locais”. (Bauernfreund, 1907, nº, p. 4)

Mas foi na nona assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Taquara, em maio de 1909, que a questão do meio ambiente foi colocada em termos mais amplos. A conferência sobre o assunto esteve a cargo do Pe. Max von Lassberg.        

O problema foi colocado, pelo religioso, numa perspectiva bem mais ampla do que a mera destruição física da cobertura florestal, ou as técnicas de florestamento e reflorestamento. A questão, segundo ele, tinha a ver com a garantia dos direitos e deveres dos indivíduos, da coletividade e do Estado. As florestas estão aí para  assegurar os interesses das pessoas  e para garantir  a qualidade da vida da coletividade. Uma correta política  florestal não pode abstrair de nenhuma das duas funções. Tendo como finalidade o tratamento da questão das florestas, salvaguardando tanto os direitos dos indivíduos quanto do Estado, o conferencista apresentou  um esboço de como esse objetivo poderia ser alcançado.

Compete ao Estado zelar pela normalidade do clima e a higiene pública: salvaguardar a fertilidade e demais qualidades do solo; aproveitar ocasionalmente os imenso recursos oferecidos pelas florestas. Pressupõe-se para tanto a existência no Pais de uma vasta e rica cobertura florestal. Mais importante do que florestas gigantescas e ininterruptas é a existência de extensões razoáveis de matas bem distribuídas. Conforme demonstra a ciência, esse tipo de cobertura vegetal favorece sobremodo a pureza do ar, a regularidade das chuvas, o controle do granizo, a conservação do clima, o equilíbrio entre o calor e o frio, a formação de fontes e mananciais de água, a proteção contra as enchentes e a inestimável riqueza que a floresta representa quando racionalmente explorada. E, para reforçar a afirmação, o Pe. Lassberg lembrou que, quanto mais crescer a população, tanto maiores serão as demandas por madeira. Faz-se necessário que cresça no mesmo ritmo o interesse  pelo manejo racional das reservas de florestas. Neste caso a madeira representa uma extraordinária fonte de divisas para um pais com as características do Brasil.

Continuando nas suas considerações o conferencista fez algumas observações sobre um outro aspecto dessa problemática. Os colonizadores, individualmente considerados, costumam, e isto é mais do que natural, preocupar-se em obter, o mais rápido possível, resultados concretos. Derrubam no menor espaço de tempo, o mata do seu lote colonial, utilizam alguma madeira para atender às necessidades próprias. Somente em situações especiais e não muito frequentes, vendem alguma coisa. Livram-se do restante das árvores abatidas, queimando-as ou, na melhor das hipóteses, amontoando-as e entregando-as à decomposição. Essa estratégia universalmente  difundida, vem acompanhada dos seus riscos. Não raro, em questão de poucos anos, não sobra aos colonizadores, a madeira  suficientes para suprir as necessidades diárias de lenha. O dano é duplo. De um lado o colono vê-se forçado a comprar lenha e madeira de construção. Do outro lado a coletividade exaure, em pouco tempo, suas reservas de madeira. Prejudica-se o dono do lote colonial e prejudica-se a região, o Estado e o Pais.            

Continuando, o conferencista atacou um questão ainda mais condenável. Falou daqueles verdadeiros vampiros que penetram nas florestas alheias ou pertencentes ao governo. Sem o menor escrúpulo e sem a menor consideração para com a sociedade, depredam as matas, pilham as madeiras nobres, movidos pela única finalidade do lucro fácil. No final das suas considerações, o Pe. Lassberg formulou a seguinte proposta florestal, obviamente não  de fácil execução.

1. Em se tratando das regiões do nosso Pais cobertas de grandes extensões de florestas virgens, não apenas se justifica, mas torna-se necessário franqueá-las à agricultura e entregá-las a um abate parcial.

2. A escassez de florestas e de madeira não deve ser exagerada. Se de um lado há carência de madeira, ao ponto de se dar uma importância tão grande como está acontecendo, a culpa, em grande, cabe à utilização errada das matas e às precárias vias de circulação para o escoamento, dificultando transporte da madeira de lugares afastados. Os campos do norte estão pontilhados com belos, numerosos e grandes capões. A zona colonial, mesmo aquela ocupada por várias décadas, nem de longe apresenta aquela feição desnuda, como acontece em numerosas regiões agrícolas da França, Alemanha e Itália. Consequentemente não ocorreram modificações climáticas apreciáveis, em razão do desmatamento. Em toda a parte subsistem serrarias pelas colônias antigas. De maneira geral os colonos tomam um cuidado maior para não abater as matas de uma forma tão irracional, como era comum nos primeiros tempos.

3. Triste, sem dúvida, se apresenta a situação das zonas mais elevadas, como nas colônias italianas. Foram derrubadas florestas inteiras de araucárias, para, em seguida, as terras serem abandonadas sem terem sido aproveitadas. Muitos colonos derrubaram a mata sem nenhuma medida para, em seguida, verem-se forçados a ir embora por causa da baixa fertilidade do solo. A terra foi devastada e uma verdadeira floresta não se recompõe espontaneamente.

4. Um reflorestamento sistemático das nossas florestas parece inviável, porque a mata virgem não possui sistema. Segundo a lei de 1899, calcula-se como produção média de madeira por ano, o volume de quatro a cinco metros cúbicos por hectare. De que maneira por em prática um dispositivo destes? Não vale a pena nem abrir uma trilha.

5. Para enfrentar o problema não resolve imitar unilateralmente as leis de outros países. É claro que devemos analisar essas leis, para depois adaptá-las às nossas circunstâncias. Além disto é preciso verificar se determinadas medidas legais são aplicáveis entre nós e se dispomos de pessoal técnico. Caso não estejam presentes tais pressupostos em nada adianta a melhor das intenções do governo. Um outro aspecto não pode ser ignorado. No que se refere a questão florestal, as circunstâncias dentro do Pais diferem  muito. As imediações das cidades pedem um outro tipo de cultivo do que o interior. Diferentes tem que ser as medidas adotadas em regiões de florestas mistas ou de pinheiros, no campo ou na costa do mar. Em tudo que se relaciona com a floresta o problema mais grave é a lei que regulamenta a fiscalização. Qual, por exemplo, é a forma de impedir que um caboclo penetre  na mata do Alto Uruguai. Mesmo em regiões mais próximas a fiscalização enfrenta a visão e as longas tradições dos colonizadores e a preocupação de não sobrecarregá-los com novos deveres. Caso contrário só se consegue despertar mal entendidos e insatisfações. No momento então em que o governo aparece e diz ao colono que está derrubando mato: Daqui para frente não podes mais retirar madeira do mato. Ou ao fazendeiro: Daqui para frente deves plantar tantos hectares de mato. Determinações deste tipo seriam simplesmente inexequíveis. Apenas nos casos em que uma derrubada chega a prejudicar os vizinhos, o poder público deve intervir, a fim de garantir os direitos da pessoa lesada.

Partindo dessas considerações sugerem-se os seguintes meios capazes de solucionar o problema: concessões para a exploração da madeira para dormentes de trilhos, tábuas, etc. Se possível conceder a autorização apenas para os que comprarem e pagarem o mato. Acontece que se alguém não é proprietário, pouco interesse terá no   mato e o devido cuidado com ele. Este tipo de prescrição não se aplica, assim no mais, a regiões  de matas destinadas à ocupação por colonos. Em se tratando de concessões maiores de terras, costuma-se guardar certas  medidas. Nesses casos o governo normalmente se mune de garantias, restringindo  a derrubada da mata a limites corretos. O próprio colono terá interesse pessoal em assegurar o valor do próprio mato. Além disso, devem ser aplicadas com todo o rigor as leis que se destinam à expulsão dos invasores dos  matos alheios. Isso, entretanto, não ocorre sempre. Desta forma o direitos dos  proprietários de matos localizados em locais afastados, sofrem sérias violações por parte de indivíduos que retiram madeira sem autorização. Uma outra praga são os assim chamados intrusos que, sem titulo, fixam residência em glebas e, quando são solicitados a indenizar, vão embora e deixam o prejuízo para os outros. Tais casos acontecem também em situações legais duvidosas. No caso de alguém pretender estabelecer-se nesse tipo de terras deveria, antes de mais nada, ter clareza sobre a situação legal das mesmas.

1. Os complexos florestais tem que ser protegidos na sua integridade, de forma que sua exploração por parte dos não proprietários seja dificultada. Em vista disso o governo não deveria conceder com tanta facilidade, como vem fazendo até agora, as concessões de exploração da madeira para obtenção de dormentes de trilhos, taboas, erva-mate ..... Conceder, se possível, somente para aqueles que comprarem  e pagarem o mato. Porque se alguém não é proprietário, pouco interesse terá em tratar o mato com cuidado. Semelhantes  prescrições não se aplicam assim no mais  a regiões de matas destinadas para a ocupação por colonos. Em se tratando de concessões maiores, costumam-se guardar certas medidas. Nestes casos o governo tem por norma munir-se de garantias para restringir a derrubada da mata a níveis aceitáveis. O próprio colono terá interesse pessoal em assegurar o valor do mato de sua propriedade. Além disso  deveriam ser aplicadas, com todo o rigor, as leis que se destinam à expulsão dos invasores de matas alheias. Isso, entretanto, não ocorre sempre. Neste caso os direitos dos proprietários de matas situadas em locais afastados, sofrem sérias violações por parte de outra praga, representada pelos tais de intrusos que, sem titulo de posse, fixam residência em glebas e, quando são solicitados a indenizar, retiram-se e deixam o prejuízo para os outros. Esses caso acontecem também em situação ilegal. Se alguém pretende estabelecer-se neste tipo de glebas, deveria certificar-se, antes de mais nada, a respeito da situação legal das mesmas.

2. Impõe-se como remédio mais adequado para as nossas circunstâncias,  a formação de matas plantadas. A floresta não cultivada é passível de resultados na medida  em for derrubada. Uma floresta sistematicamente  plantada fornece um retorno no mínimo quádruplo. No Estado encontram-se faixas de terras mais do que suficientes, tanto na colônia quanto no campo, apropriadas para o reflorestamento deste tipo. Na Alemanha, por exemplo, aproveitou-se a charneca de Lüneburg. As dificuldades neste caso poderiam originar-se da presença de formigas e de outros insetos, de plantas parasitas, de ocorrência de incêndios. Apesar disso o plano pode ser posto em prática com relativa facilidade. As iniciativas devem partir dos indivíduos, dos distritos e dos municípios. Em outros países comunidades individuais conseguiram florestas tão ricas que, com os seus resultados, foi possível cobrir todas as despesas da comunidade e os cidadãos liberados dos impostos. O melhor caminho é aquele em que os indivíduos e as cooperativas cultivam  determinadas áreas de mato. Fala-se  hoje tanto em estações experimentais. Porque não pensar em implantar estações experimentais de silvicultura? Representam obviamente empreendimentos sem retorno a curto prazo, como no caso de uma lavoura. Contando-se, entretanto, com paciência e se os empreendimentos forem bem conduzidos, seu retorno mais tarde será tanto maior. (Baiernfeund, 1909, nº 6, p. 43-44)

O Pe. Max von Lassberg concluiu a sua palestra, apresentando à assembleia  algumas das resoluções  tomadas no Congresso Agro-Agrícola, realizado no ano anterior em Pelotas. Entre elas, duas merecem atenção.
1. Das glebas destinadas no futuro para fins de colonização, uma parte deveria ser destacada, não vendida e mantida como reserva florestal.

2. Aconselha-se introduzir uma série de espécies exóticas como, por ex., certas variedade  de  eucaliptos, plátanos, acácias, pinheiros, cinamomos.

Ao discurso seguiu-se um debato acalorado sobre o que tinha sido exposto . Foi desencadeada pelo Pe. Amstad com uma proposta concreta de reflorestamento. De acordo com suas observações era muito comum na colônia, que as casas e demais benfeitorias  se localizassem numa encosta. A área imediatamente atrás e acima da moradia compreendia, via de regra a área desmatada por primeiro e, em consequência a primeira com sinais de esgotamento do solo. Seria esta a área escolhida para o reflorestamento. Um empreendimento desses teria tanto mais chances de sucesso, quanto maior fosse a colaboração entre os diversos moradores. Como empreitada individual os resultados seriam duvidosos. Pela própria natureza a iniciativa seria de caráter coletivo. Na hipótese de  um projeto dessa natureza fosse levado a bom termo, os resultados não tardariam em aparecer. Formar-se-ia em questão de poucos anos um cinturão de mato, a meia encosta, da largura de 200 a 300 metros. Num futuro relativamente próximo seria possível extrair toda a lenha necessária para o consumo e madeira suficiente para cobrir a demanda local. Nesta questão o próprio Estado faria bem em intervir, pressionando os proprietários para se engajarem efetivamente. O retorno altamente compensatório estaria assegurado. Seria possível, em grandes linhas,  que, em 15 anos, a lenha pagaria a mão de obra. Em 30 anos o mato começaria a render juros. Em 50 anos a faixa de 200 metros representaria um patrimônio bem maior do que os mil os 1600 metros restantes.


Como se sabe, a nona assembleia geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, marcou o termino da Associação na sua forma original. Transformada em sindicato, reorientou  seus objetivos. As antigas lideranças, tanto católicas quanto evangélicas, partiram para a formulação de novas organizações. Surgiu, desta forma, em 1912, o “Volksverein”, a Sociedade União Popular, para os católicos. É explicável que a questão ecológica passasse para um segundo plano pois, foi necessário, em primeiro lugar, dar forma, vida e viabilidade à nova organização. Essa tarefa demandou dois a três anos. Sobreveio a Primeira Guerra Mundial e a nova sociedade entrou em compasso de espera. Terminado o conflito, os primeiros anos da década de 1920 foram necessários para retomar as atividades e solidificar a Sociedade. No período  de 1912 e 1924, não se  encontram referências significativas, nem no Paulusblatt, a revista da Sociedade, nem no Familienfeund Kalender, o almanaque anual,  relativas a questão florestal, em particular, ou à questão ecológica como um todo.

Imigração alemã e meio ambiente - Parte #1

Não poucas vezes tem-se a impressão de que  as gerações do passado, de modo especial os agricultores, nada mais fizeram do que depredar a natureza, espoliar a terra dos seus recursos naturais e comprometer o equilíbrio ambiental. Acontece que já a partir do final do século XIX a preocupação pela preservação e saúde das florestas e, consequentemente, a questão ambiental, passou a constar como tema obrigatório nos fórums em que se as lideranças coloniais discutiam seus problemas. Mesmo que as circunstâncias de cem ou cinquenta anos arás  não favorecessem  a preocupação com questões ecológicas, os documentos que falam da colonização alemã no Rio Grande do Sul as registram. A  partir da década de 1880 nota-se uma crescente preocupação no sentido de evitar o desmatamento exagerado e, ao mesmo tempo, incentivar o florestamento e reflorestamento.

No começo foram iniciativas modestas e assumidas por pessoas isoladas. Já na primeira década do século XX, a preocupação pela saúde ambiental, iria ocupar um lugar de destaque e cada vez mais frequente nas assembleias das organizações coloniais. Foram formuladas propostas concretas  de como enfrentar problemas originados de um desmatamento levado além do limite razoável, como conduzir os reflorestamentos e como recuperar as terras exaustas com técnicas que não degradam o meio ambiente.

Os movimentos ecológicos de todos os matizes estão na ordem do dia. Não resta dúvida de que este tipo de fenômeno tem a sua razão de ser nas próprias circunstâncias concretas que caracterizam nossa época. Representam uma tentativa de resposta aos desafios que se colocam e, ao mesmo tempo, vêm acompanhados de propostas concretas para solucionar os problemas e apresentar estratégias de ação.

Os lideres de tais movimentos apresentam-se, não raro, como os donos de uma capacidade fora do comum, para apontar as mazelas  do tempo e credenciar-se como os portadores de soluções definitivas. Quem não se alinha com sua visão do mundo e das coisas, merece ser estigmatizado como comprometido ou, no mínimo, conivente com uma situação que deve ser posta no banco dos réus. Admitir que uma situação momentânea não é  fruto do acaso, mas a resultante final de um processo que se vem desenrolando desde um passado mais ou menos distante, parece não fazer parte das variáveis admitidas como parâmetros para analisar a situação. Por ignorância ou por presunção ignora-se que alguém já possa ter-se preocupado com a questão. Age-se como se não houvesse história. Somente agora existem pessoas capazes de compreendê-la em todas as suas dimensões e tirar da manga o corretivo infalível. Não raro esses profetas do apocalipse, parecem, como versões  de novos Quixotes do terceiro milênio.

Os imigrantes que se estabeleceram na região da floresta pluvial do sul do Brasil, são acusados de terem sido os grandes vilões que arrasaram a mata e exterminaram a fauna. Se este quadro tem muito de verdadeiro, não menos verdadeiro é também o fato de que existiu, desde as décadas finais do século XIX, uma preocupação expressa de lideres coloniais, pelo futuro ecológico-preservacionista desta região, expressa numa série de registros e depoimentos da época.

Uma das referências mais antigas à questão ecológica é do Pe. Ambros Schupp. Foi publicada na Alemanha, na revista “Alte und neue Welt” em 1889. Descrendo uma das suas cavalgadas  de férias, partindo de Bom Princípio em direção a São Salvador, hoje Tupandi, entre outras observações deixou a seguinte:

Despedimo-nos, montamos a cavalo e partimos para São Salvador. São mais ou menos duas horas da tarde e o calor é quase insuportável. Agora, graças a Deus, subimos a encosta  do morro. Uma porção de mata fechada cobre o dorso do morro, um último e solitário resto de mata virgem, poderíamos dizer, uma ilha tranquila que restou par testemunhar um mundo desaparecido. Na verdade, há menos de trinta anos, balançavam, até perder de vista, como as ondas do mar, as copas das árvores, sem interrupção, uma encostando na outra. Os olhos topam por toda a parte com terra plantada. Só aqui e acolá conservam-se  algumas áreas de mato. O colono, como parece evidente, quer extrair do seu chão, todo o proveito o mais depressa possível. Só calcula com o presente e suas vantagens. Não pensa no futuro  e no bem da coletividade. (Schupp, Ambros. in Alte und Neue Welt, 1889, p. 313)

Neste texto aparecem duas questões relevantes. Em primeiro lugar o Pe. Schupp chama a atenção para a situação florestal que predominava no vale do rio Caí nos anos oitenta do século XIX. O desmatamento havia avançado até um limite que inspirava cuidados. Caso nada se fizesse, as pessoas lúcidas como era o seu caso, previam para um futuro não muito longínquo, o desaparecimento, além do tolerável, da cobertura florestal da região. Em segundo lugar o Pe. Schupp chamou a atenção para o maior obstáculo, para sustar o processo: a mentalidade imediatista, individualista e egoísta de muitos colonos. Essa maneira de pensar dos colonos encontrava a sua explicação nas próprias circunstâncias da época. Havia urgência em conquistar à floresta o chão arável e extrair dele o mais rápido possível os alimentos e os produtos destinados ao comércio. Pensar no futuro e preocupar-se com a coletividade eram questões para serem discutidas mais adiante, quando a premência das necessidades mais urgentes tivesse sido superada. É evidente que com isso não se vai querer desculpar simplesmente a ação predatória de uma agricultura de queimadas e, muito menos, justificá-la.

O depoimento do Pe. Schupp reveste-se de grande significado, na medida em que demonstra que, já na remota década de 1880,  as lideranças, entre as quais ele foi uma das mais representativas, estavam atentas ao problema do desmatamento e, consequentemente, à questão ambiental como um todo.

Chamar a atenção, para a problemática ambiental, que tinha no desmatamento o seu foco mais visível, tornou-ses cada vez mais frequente e mais insistente. Cresceu o esforço para que os danos causados pelo desmatamento além do recomendável, fosse disciplinado por meio de uma maior racionalização.

Como reforço a essa tendência colaboraram, a nível de legislação, as providências  tomadas  pelo  Governo do Estado. Logo nos primeiros anos após a implantação da República, foi elaborado o esboço de legislação de proteção às florestas. Continha uma série de dispositivos capazes de bloquear a destruição indiscriminada  das matas. Infelizmente a lei nunca passou muito além do nível de projeto. A titulo de curiosidade seguem algumas das propostas.

O artigo 194, sessão primeira, determinava: “o proprietário que se oriente de acordo com as determinações do governo no que se refere ao zoneamento e ao uso da terra, recebe uma área de terra devidamente medida, com uma superfície nunca superior a 25 hectares”, Na sessão segunda    prometia-se: “O proprietário que planta terras de campo, de prados e pastagens com vários tipos de árvores, recebe em compensação para cada hectare reflorestado, cinco hectares de mato e 10 hectares de terras de campo”. Na sessão terceira, prometia-se: “O proprietário que replantar no lugar de árvores abatidas ou em clareias no mato, recebe terras devolutas de até 50 hectares”.

Parece que essas determinações, à primeira vista tão úteis, não tiveram resultados concretos  significativos. Em todo o aso, ficou registrado o exemplo do sr. Friedrich Wilhelm Rauber de Venâncio Aires. Em troca de plantações de erva mate em Erechim, recebeu 34 hectares de terras do governo. (Paulusblatt, 1931, p. 1-2)

Foi principalmente por iniciativa privada que se verificaram os primeiros resultados concretos em termos de proteção de florestas e de tentativas de reflorestamento. Na primeira metade da década de 1890, foi fundada em  Bom Jardim, hoje Ivoti, a primeira  “Associação de Proteção à Floresta – O Waldschutzverein”. Os fundadores foram “o apostolo  da floresta”, Pe. Peter Gasper e o pai da floresta “o sr. Edmund Grohmann”, morador de Lichtental, em Ivoti. A associação promoveu uma série de “Dias da Floresta”, para incentivar o plantio de florestas na colônia.

Para se ter uma ideia dos resultados obtidos pela Associação, ouçamos como os sr. Grohmann contou suas experiência num desses “Dias da Floresta”, em agosto de 1896:

Há nove anos fiz a primeira experiência com pinheiros. Os pinhões germinaram muito bem, mas em duas noites as formigas terminaram com a plantação e as mudinhas novas secaram todas. Depois organizei um viveiro perto da minha casa. No segundo ano transferi as mudas para o lugar definitivo. Também esta tentativa teve o mesmo destino. Antes mesmo de dominar as formigas, elas já haviam devorado tudo. Na terceira tentativa deixei as mudas dois anos no viveiro. Transplantei-as só no terceiro. Todas vingaram porque as agulhas já estavam tão duras  que as formigas não as conseguiram cortar. A plantação alcança neste momento  de 16 a 20 pés (cinco a sete metros) e se compõe de mais de 300 pinheiros. Tive êxito também com louro, cinamomo e outras variedades de madeira. Tudo isto prova que também aqui é possível plantar mato

Procurei interessar pela causa as pessoas de vários lugares. Na maioria dos casos, porém, faltou a energia suficiente. Outros se desculparam dizendo que eles próprios não tirariam proveito e que os descendentes se virassem. Não raro, confirma-se o ditado: se o colono não se vê forçado ele não mexe nem a mão nem o pé. Existem contudo honrosas exceções. Quem sabe também neste particular eu tenha conseguido que um ou outro se decida a fazer pelo menos uma tentativa, plantando mato. Diz o ditado: “No menor dos espaços planta uma árvore; cuida dela; será em teu beneficio”. (Paulusblatt, 1931,p. 2)

Apesar das queixas do sr. Grohmann, dizendo que a receptividade de suas propostas de plantio de florestas não ter tido muita aceitação por parte dos colonos, a ideia conquistou seus adeptos. O autor deste trabalho tem três exemplos de tentativas que remontam à década de 1890 e a primeira década  do século XX. A primeira foi feita por seu avô que plantou cerca de dois hectares de louro e depois deixou a natureza agir livremente. Depois de 50 anos desenvolvera-se  um bela floresta em miniatura. Alguns dos louros mediam mais de meio metro de diâmetro. Entre eles cresciam belos exemplares de angicos, cedros, canelas, canjeranas ... Mais ou menos na mesma época sua mãe recebera umas dezenas de pinhões distribuídos pelo pároco. Plantou em torno de 100 deles ao longo das taipas do potreiro e do curral, perto de tocos de árvores nas proximidades da casa. Passados sessenta anos havia araucárias de perto de um metro de diâmetro. Um vizinho dos seus avós plantou cerca de dois hectares de araucárias e deixou a natureza agir livremente. Também neste caso, passados 50 anos uma exuberante mini floresta havia-se formado com soberbos pinheiros e exemplares viçosos de canelas, cedros, canjeranas, cabriúvas e outras mais.

Esses três exemplos demonstram que, apesar dos pesares, a proposta do Pe. Gasper e o exemplo do sr. Grohmann, caíram  em chão fecundo. É até compreensível que a grande maioria dos colonos não se sensibilizasse. No final do século XIX e o início do XX, as prioridades maiores eram ainda em grande parte, a comida, a roupa e a casa. Além disso o suprimento de lenha e madeira ainda estava garantida com certa folga. 

Práticas de Medicina - Parte #2

Um momento histórico de grande preocupação teve como causa o surto de varíola que acometeu em cheio também a colônia alemã em meados da década de 1870. A primeira vitima da doença foi a filha menor do prof. Mathias Schütz de Bom Jardim. O Pe. Schupp relatou a evolução e os estragos causados pela epidemia em Bom Jardim, 48 colônias, Schneiderstal, São José do Hortêncio e demais comunidades da região. Depois da alguns dias da confirmação da doença na filha do professor Schütz, outras crianças adoeceram. No começo a população não considerou a situação como de gravidade excepcional. Ocorreram então os primeiros falecimentos devidos à varíola.

A situação sustentou-se por algum tempo. Então a assistência entrou em colapso. O pior foi que não se dispunha  de nenhum médico em condições de  assumir os doentes, nenhuma policia sanitária em condições de prescrever regras de higiene capazes de dar um basta ao alastramento da epidemia. O Pe. Steinhart  em pessoa foi obrigado a deslocar-se até Porto Alegre a fim de procurar um médico, porque  na época não havia nenhum em São Leopoldo. O médico, um alemão (dr. Heinzelmann), prescreveu-lhe regras de conduta e insistiu na vacina, entregando-lhe linfa e dando-lhe recomendações. As primeiras vacinas foram ministradas pelo próprio padre, depois ele treinou terceiros. (Schupp, 2004, p. 206)

Não demorou muito e o próprio Pe. Steinahrt contraiu a doença. Mesmo enfermo foi atender toda uma família doente no Bohnental. Eram 11 horas da noite e o padre achava impossível arriscar-se para prestar socorro naquele estado, naquela hora da noite e sob chuva persistente. Rendeu-se ao pedido insistente de socorro do colono que fora buscá-lo. Depois da visita entregou os pontos e confiou  a paróquia ao Pe. Hag. Depois de oito dias de resguardo retomou as atividades.

O Pe. Schupp registrou o episódio dramático de varíola acontecido com o sr. Karl Sänger. O Pe. Steinhart foi chamado para a casa do sr. Sänger para assistir à sua filha e ao genro gravemente acometidos pela varíola. Assistiu ao falecimento dos dois praticamente na mesma hora. O pai e o pároco colocaram os caixões com os dois defuntos sobre o muro do cemitério, velaram-nos por algum tempo, depois abriram sepulturas e os enterraram. Seria longo demais continuar enumerando e comentando episódios relacionados com a epidemia de varíola em Bom Jardim. Registros mais detalhados podem ser encontrados em Schupp e Carl Schlitz.

Além da epidemia da varíola e dos seguidos surtos de tifo, uma outra questão relacionada com a saúde era motivo de permanente preocupação. Vinha à tona quando da aproximação da data do nascimento de qualquer criança na colônia. Falamos da assistência às parturientes.  Complicações direta ou indiretamente  relacionados com o parto contaram entre as principais causas de óbitos de mulheres jovens.

Na sua tese de doutorado publicada na Alemanha com o titulo ”Deutsche Auswanderinnen in Brasilien”, Giesela B. Lermen, começa a sua avaliação sob e a presença da mulher na imigração alemã, com a afirmação: “A mortalidade materna em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da colônia.

Não resta dúvida de que nos encontramos frente a um tema, de um lado comum  a todas as comunidades coloniais e, do outro, um dos menos comentados. De qualquer forma não é difícil formar-se uma ideia da extensão e profundidade do problema. Basta tornar conscientes  as circunstâncias reinantes no meio colonial, durante todo o século XIX  e os primeiros anos do século XX, no que se refere à assistência às parturientes. Começa por aí que não havia  nem médicos nem hospitais a quem recorrer. No que se relacionava com recursos em casos de doenças e os problemas surgidos por ocasião de muitos partos, os colonos estavam entregues à própria sorte. Com isso a mortalidade de mulheres jovens chegou a níveis preocupantes.  Autora  refere um levantamento  feito pelo “Deutsches Volksblatt” em 1908 sobre a expectativa de vida na colônia. Serviam como base os registros de óbitos da paróquia de São José do Hortêncio entre 1868 e 1908. Os números falam por si mesmos. Dos falecidos entre os 30 e 50 anos de idade, constavam 21 homens e 51 mulheres.  O jornal fez o dado acompanhado da observação: “Certamente uma prova cabal da importância da questão das parteiras para a colônia e a urgência para encontrar uma solução para esse problema.

Os alarmante dados sobre a mortalidade materna em função da deficiente assistência às parturientes, reclamava  por ações e iniciativas eficientes e duradouras. O dr. Gabriel Schlatter que conhecia muito bem a situação da assistência médica na colônia, manifestou-se da seguinte forma sobre o problema, na sétima Assembleia Geral da Associação dos Agricultores  do Rio Grande do Sul, realizada em Estrela em maio de 1907:

Posso garantir-lhes que aqui na colônia alemã no Rio Grande do Sul, cada ano centenas de colonas morrem em consequência da assistência defeituosa  durante  o parto ou elas adoecem pouco tempo depois, muitas delas morrem e muitas que, em caso favorável, melhoram parcialmente, continuam  durante a vida toda com alguma sequela. Pois mal passa uma semana, na qual um ou  outro dos nossos jornais alemães não traz a participação de luto de que ( ... ) uma mulher e mãe faleceu no apogeu da vida, em consequência dum parto. (citado por G. B. Lermen 2006, p. 236)

Da fala do dr. Schlatter resultou um acalorado debate do qual participaram os  padres Amstad e Gasper e o pastor Gans. Concluíram que a situação era tão grave que exigia  uma ação séria e urgente, de natureza permanente e a longo prazo. Na proposta estava implícito o propósito de, de alguma maneira treinar parteiras para socorrer as parturientes das comunidades coloniais. Naquela assembleia geral, entretanto, não foi tomada nenhuma  resolução concreta neste sentido. A adoção de  uma solução aconteceu no ano seguinte na Assembleia Geral de Santa Cruz do Sul. Por decisão da grande maioria foi aprovada a criação de uma instituição de treinamento de parteiras fora de Porto Alegre. A decisão apoiou-se na lógica de que a quase totalidade das candidatas procedia do interior da colônia e sua atividade seria desenvolvida neste meio. A escolha recaiu sobre a cidade de Estrela pelo fato de o dr. Schlatter já manter um curso de treinamento junto ao seu consultório normal. Bastava  ampliá-lo, equipá-lo  melhor e franqueá-lo a candidatas procedentes de toda a região colonial. Infelizmente o curso de treinamento de parteiras foi uma das primeiras iniciativas da Associação Riograndense de Agricultores a ser atingida quando esta foi transformada em Sindicato Rural no ano seguinte. Por decisão unilateral do Sindicato de Santa Cruz  o curso foi transferido para Porto Alegre com a alegação dos benefícios que poderia auferir com a proximidade da Faculdade de Medicina. A decisão implicou na mudança da própria natureza do curso e teve como consequência o afastamento do dr. Schlatter e frustrada a intenção de formar parteiras especificamente para o meio colonial com profissionais procedentes daquele contexto e conhecedoras das características humanas do seu campo de trabalho. Gisela Lermen  comenta a respeito da situação em foco:

Apesar da situação assustadora  pintada pelo dr. Schlatter e amparada nas estatísticas, sobre o estado de coisas relativo ao atendimento às parturientes durante o século dezenove na colônia, a presença de parteiras  e sua atuação provam  igualmente que exerceram a profissão reconhecimento com prontidão e eficiência e cônscias da sua responsabilidade, gozando do apreço da população da colônia. A memória delas foi perpetuada em anúncios fúnebres escritos por maridos, filhos, noras e genros, assim como em manifestações de gratidão por parte  de maridos pelos atendimentos dado às esposas. (Lermen, Gisela, 2006, p. 236)

A presença  dessas parteiras, sua importância para a colônia e sua dedicação à causa, foram objeto de referencia, de manifestações de reconhecimento e de gratidão, registrados em almanaques, jornais, periódicos e nas reuniões de associações e congressos.

De qualquer forma a situação das parturientes teria sido muito mais problemática se, a partir da segunda metade do século XIX as comunidades da região mais antiga do vale do Sinos e Caí e, em parte da região mais recente dos vales do Taquari, Pardo e Jacuí, não contassem com parteiras dedicadas e competentes. Na tese de Gisela Lermen encontra-se uma lista  delas com a data do falecimento e a comunidade em que atuaram: Elisabeth Scherer, falecida em 1901, trabalhou em Lomba Grande; Bárbara Spaniol atuou em São José do Hortêncio e faleceu em 1893; Ana Maria Eich, falecida em 1908 atendeu a comunidade de Erval; Susanne Gallas, falecida em 1912 atendeu as comunidades de Dois Irmãos, Gauer Eck (São José do Sul) e São José do Hortêncio; Franziska Allgayer, falecida em 1901, teve Ivoti como campo de ação; Anna Junges, falecida em 1897, exerceu sua atividade em São Salvador (Tupandi); Anna Maria Schmidt, falecida em 1898, em Campestre (Salvador do Sul)  e São Pedro da Serra; Maria Kunrath, falecida em 1905, atuou no Tigertal (Feliz): Gertrude Haupental, falecida em 1905, atendeu Linha Bonita e Harmonia; Helena Spieker, falecida em 1907, atuou na Linha  Tamanduá (Lajeado); Katharina Rippel, falecida em 1904, atendeu a Colônia Mariante.

Obviamente essa lista não está completa, mas dá uma boa ideia do nível de assistência de que dispunham os colonos relativo à sempre vital questão da assistência às parturientes, aos nascituros e recém nascidos.

Convém não esquecer que, apesar da dedicação das parteiras, a falta generalizada de médicos, deixava uma grave lacuna na assistência às parturientes. Em situações  mais graves como complicações devido a infecções, necessidade de cesariana, etc., a ausência de médicos cobrava preços muito altos, em não poucos casos a própria vida da mulher e ou da criança.

Põe-se a essa altura a pergunta: E quem foram essas mulheres parteiras, qual o seu perfil humano e profissional? Para começar a quase totalidade eram mulheres comuns, casadas com colonos, mães de famílias numerosas, como mandava o costume da época, donas de casa, agricultoras, nos intervalos em que não se encontravam em missão de atendimento a alguma parturiente. Apropriavam-se dos conhecimentos e da prática junto a profissional experimentada. Mais raro eram os casos em que as aspirantes à profissão se submetiam a  algum estágio em hospital em Porto Alegre. Em todo o caso todas as parteiras daquela geração dedicavam-se à profissão como uma autêntica vocação que se alimentava na solidariedade para com as mães, suas famílias, comunidades e do compromisso para com as novas gerações. Por isso mesmo gozavam do respeito e simpatia geral. Em contrapartida respondiam com uma discrição à toda a prova e um respeito profundo para com as pacientes. Eram personalidades conhecidas e respeitadas como eram o professor e até o padre e o  professor. Costumavam ser chamadas pelo sugestivo qualificativo   “Storchentante”, “Tia Cegonha”.
“O arrumador  de ossos – Knochenflicker”. Outra figura emblemática que circulava pelo meio colonial, ainda até meados do século vinte, era o “Knochenflicker” – o “arrumador de ossos”.
O trabalho pesado na roça, o derrubar mato, o andar a cavalo e outras tarefas do quotidiano da colônia, vinham acompanhados com o risco permanente de fraturas nos braços ou nas pernas. Recorrer a um traumatologista, se é que os havia, estava fora de cogitação. O problema costumava ser resolvido por práticos em recolocar ossos fraturados no lugar e imobilizar o braço ou perna com talas para evitar que o osso se deslocasse ou soldasse mal. Um homem ou, com menor frequência uma mulher, costumavam socorrer os acidentados de uma ou mais   comunidades vizinhas. Executavam o trabalho com presteza e custos perfeitamente suportáveis pelos colonos. Contentavam-se muitas vezes com alguma remuneração em dinheiro e algum gênero alimentício ou mesmo um simples “obrigado”. Colocavam os ossos no lugar valendo-se apenas do tato, imobilizavam o membro com sarrafos, tabuinhas ou a base seca da folha  do bambu, com tamanha habilidade que não se percebiam sequelas posteriores. Costumavam valer-se de cachaça pura ou cachaça com  mestruço para amortecer a dor. Um representante típico de “arrumador de ossos” foi o tio Anton Hoff, um solteirão que atendia na região de Tupandi e Bom Princípio. Tinha o hábito de tomar uns bons tragos durante a manipulação e depois  terminar pernoitando na casa do acidentado. Seu trabalho costumava ser tão perfeito que dificilmente ficava alguma sequela e não se percebia que o braço ou a perna fora fraturada. Assim como ele havia profissionais práticos circulando em todas as regiões  de colonização alemã, italiana, polonesa. Em escala mais modesta faziam parte do cenário humano da época ao lado das parteiras.

O tempo não permite trazer mais detalhes sobre a  situação da saúde ente as comunidades de imigrantes do século XIX e primeira metade do século XX.

A situação começou a modificar-se lentamente, e para melhor,  como desenvolvimento urbano, de modo especial já a partir da metade do século XIX. Médicos diplomados foram abrindo sempre mais consultórios em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande  e outras cidades e dando um atendimento qualificado nas Santas Casas e  nos hospitais que foram surgindo. Médicos igualmente diplomados instalaram-se, em número crescente, até nas localidades mais remotas, arredando para o lado charlatães, os assim chamados “médicos práticos”, farmacêuticos e até contínuos de farmácia, fazendo-se de médicos. 

Ao mesmo tempo  instalaram-se farmácias, laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se anúncios oferecendo medicamentos para as finalidades mais comuns da época. Mas este é um assunto que mereceria um palestra própria.

Por fim  permito-me, em nome do Simpósio, uma homenagem especial às “Schwester” e as irmãs de caridade que durante mais de meio século fizeram com que os hospitais e sanatórios que vinham sendo implantados em número crescente, fossem de fato locais  onde enfermos e familiares, encontravam um tratamento digno. Elas, religiosas de ambas as confissões, marcaram com sua presença, entre 1900 e 1950 e mais tarde ainda,  dezenas de hospitais, grandes e pequenos, espalhados pelo Rio Grande do Sul. No Moinhos de Vento, nos hospitais de Montenegro, Sinimbú, Panambi, Não Me Toque, Taquara e outros atuaram as Schwester, as diaconisas. Na Santa Casa de Misericórdia, Na Beneficência Portuguesa, No Mãe de Deus, No Centenário em São Leopoldo, no Regina de Novo Hamburgo, No Sagrada família de  São Sebastião do Cai, No Pompéia de Caxias do Sul e em dezenas de outros hospitais menores, marcaram presença as irmãs de caridade de diversas congregações católicas. Ouso afirmar que o nível de muitos desses hospitais foi conquistado pela competência, o comprometimento, a dedicação e, porque não deixá-lo claro, pelo amor ao próximo que animava essas religiosas de ambas os confissões. O Moinhos de Vento, o Regina, o Mãe de Deus e tantos outros  não teriam a fama de que hoje gozam, se não tivessem nascido,  crescido e se consolidado nas mãos dessas  religiosas de ambos os credos. Acima da competência administrativa e profissional, zelavam por um comportamento ético rigoroso e o respeito aos pacientes regia o quotidiano dos hospitais e marcava limites para médicos e demais profissionais da saúde.