Não poucas vezes tem-se a impressão de que as gerações do passado, de modo especial os
agricultores, nada mais fizeram do que depredar a natureza, espoliar a terra
dos seus recursos naturais e comprometer o equilíbrio ambiental. Acontece que
já a partir do final do século XIX a preocupação pela preservação e saúde das
florestas e, consequentemente, a questão ambiental, passou a constar como tema
obrigatório nos fórums em que se as lideranças coloniais discutiam seus
problemas. Mesmo que as circunstâncias de cem ou cinquenta anos arás não favorecessem a preocupação com questões ecológicas, os
documentos que falam da colonização alemã no Rio Grande do Sul as registram.
A partir da década de 1880 nota-se uma
crescente preocupação no sentido de evitar o desmatamento exagerado e, ao mesmo
tempo, incentivar o florestamento e reflorestamento.
No começo foram iniciativas modestas e
assumidas por pessoas isoladas. Já na primeira década do século XX, a
preocupação pela saúde ambiental, iria ocupar um lugar de destaque e cada vez
mais frequente nas assembleias das organizações coloniais. Foram formuladas
propostas concretas de como enfrentar
problemas originados de um desmatamento levado além do limite razoável, como
conduzir os reflorestamentos e como recuperar as terras exaustas com técnicas
que não degradam o meio ambiente.
Os movimentos ecológicos de todos os matizes
estão na ordem do dia. Não resta dúvida de que este tipo de fenômeno tem a sua
razão de ser nas próprias circunstâncias concretas que caracterizam nossa
época. Representam uma tentativa de resposta aos desafios que se colocam e, ao
mesmo tempo, vêm acompanhados de propostas concretas para solucionar os
problemas e apresentar estratégias de ação.
Os lideres de tais movimentos apresentam-se,
não raro, como os donos de uma capacidade fora do comum, para apontar as mazelas do tempo e credenciar-se como os portadores
de soluções definitivas. Quem não se alinha com sua visão do mundo e das
coisas, merece ser estigmatizado como comprometido ou, no mínimo, conivente com
uma situação que deve ser posta no banco dos réus. Admitir que uma situação
momentânea não é fruto do acaso, mas a
resultante final de um processo que se vem desenrolando desde um passado mais
ou menos distante, parece não fazer parte das variáveis admitidas como
parâmetros para analisar a situação. Por ignorância ou por presunção ignora-se
que alguém já possa ter-se preocupado com a questão. Age-se como se não
houvesse história. Somente agora existem pessoas capazes de compreendê-la em
todas as suas dimensões e tirar da manga o corretivo infalível. Não raro esses
profetas do apocalipse, parecem, como versões
de novos Quixotes do terceiro milênio.
Os imigrantes que se estabeleceram na região
da floresta pluvial do sul do Brasil, são acusados de terem sido os grandes
vilões que arrasaram a mata e exterminaram a fauna. Se este quadro tem muito de
verdadeiro, não menos verdadeiro é também o fato de que existiu, desde as décadas
finais do século XIX, uma preocupação expressa de lideres coloniais, pelo
futuro ecológico-preservacionista desta região, expressa numa série de
registros e depoimentos da época.
Uma das referências mais antigas à questão
ecológica é do Pe. Ambros Schupp. Foi publicada na Alemanha, na revista “Alte
und neue Welt” em 1889. Descrendo uma das suas cavalgadas de férias, partindo de Bom Princípio em
direção a São Salvador, hoje Tupandi, entre outras observações deixou a
seguinte:
Despedimo-nos, montamos a
cavalo e partimos para São Salvador. São mais ou menos duas horas da tarde e o
calor é quase insuportável. Agora, graças a Deus, subimos a encosta do morro. Uma porção de mata fechada cobre o
dorso do morro, um último e solitário resto de mata virgem, poderíamos dizer,
uma ilha tranquila que restou par testemunhar um mundo desaparecido. Na
verdade, há menos de trinta anos, balançavam, até perder de vista, como as
ondas do mar, as copas das árvores, sem interrupção, uma encostando na outra.
Os olhos topam por toda a parte com terra plantada. Só aqui e acolá
conservam-se algumas áreas de mato. O
colono, como parece evidente, quer extrair do seu chão, todo o proveito o mais
depressa possível. Só calcula com o presente e suas vantagens. Não pensa no
futuro e no bem da coletividade.
(Schupp, Ambros. in Alte und Neue Welt, 1889, p. 313)
Neste texto aparecem duas questões
relevantes. Em primeiro lugar o Pe. Schupp chama a atenção para a situação
florestal que predominava no vale do rio Caí nos anos oitenta do século XIX. O
desmatamento havia avançado até um limite que inspirava cuidados. Caso nada se
fizesse, as pessoas lúcidas como era o seu caso, previam para um futuro não
muito longínquo, o desaparecimento, além do tolerável, da cobertura florestal
da região. Em segundo lugar o Pe. Schupp chamou a atenção para o maior
obstáculo, para sustar o processo: a mentalidade imediatista, individualista e
egoísta de muitos colonos. Essa maneira de pensar dos colonos encontrava a sua
explicação nas próprias circunstâncias da época. Havia urgência em conquistar à
floresta o chão arável e extrair dele o mais rápido possível os alimentos e os
produtos destinados ao comércio. Pensar no futuro e preocupar-se com a
coletividade eram questões para serem discutidas mais adiante, quando a
premência das necessidades mais urgentes tivesse sido superada. É evidente que
com isso não se vai querer desculpar simplesmente a ação predatória de uma
agricultura de queimadas e, muito menos, justificá-la.
O depoimento do Pe. Schupp reveste-se de
grande significado, na medida em que demonstra que, já na remota década de
1880, as lideranças, entre as quais ele
foi uma das mais representativas, estavam atentas ao problema do desmatamento
e, consequentemente, à questão ambiental como um todo.
Chamar a atenção, para a problemática
ambiental, que tinha no desmatamento o seu foco mais visível, tornou-ses cada
vez mais frequente e mais insistente. Cresceu o esforço para que os danos
causados pelo desmatamento além do recomendável, fosse disciplinado por meio de
uma maior racionalização.
Como reforço a essa tendência colaboraram, a
nível de legislação, as providências
tomadas pelo Governo do Estado. Logo nos primeiros anos após
a implantação da República, foi elaborado o esboço de legislação de proteção às
florestas. Continha uma série de dispositivos capazes de bloquear a destruição
indiscriminada das matas. Infelizmente a
lei nunca passou muito além do nível de projeto. A titulo de curiosidade seguem
algumas das propostas.
O artigo 194, sessão primeira, determinava:
“o proprietário que se oriente de acordo com as determinações do governo no que
se refere ao zoneamento e ao uso da terra, recebe uma área de terra devidamente
medida, com uma superfície nunca superior a 25 hectares”, Na sessão
segunda prometia-se: “O proprietário
que planta terras de campo, de prados e pastagens com vários tipos de árvores,
recebe em compensação para cada hectare reflorestado, cinco hectares de mato e
10 hectares de terras de campo”. Na sessão terceira, prometia-se: “O
proprietário que replantar no lugar de árvores abatidas ou em clareias no mato,
recebe terras devolutas de até 50 hectares”.
Parece que essas determinações, à primeira
vista tão úteis, não tiveram resultados concretos significativos. Em todo o aso, ficou
registrado o exemplo do sr. Friedrich Wilhelm Rauber de Venâncio Aires. Em troca
de plantações de erva mate em Erechim, recebeu 34 hectares de terras do
governo. (Paulusblatt, 1931, p. 1-2)
Foi principalmente por iniciativa privada
que se verificaram os primeiros resultados concretos em termos de proteção de
florestas e de tentativas de reflorestamento. Na primeira metade da década de
1890, foi fundada em Bom Jardim, hoje
Ivoti, a primeira “Associação de
Proteção à Floresta – O Waldschutzverein”. Os fundadores foram “o apostolo da floresta”, Pe. Peter Gasper e o pai da
floresta “o sr. Edmund Grohmann”, morador de Lichtental, em Ivoti. A associação
promoveu uma série de “Dias da Floresta”, para incentivar o plantio de
florestas na colônia.
Para se ter uma ideia dos resultados obtidos
pela Associação, ouçamos como os sr. Grohmann contou suas experiência num
desses “Dias da Floresta”, em agosto de 1896:
Há nove anos fiz a primeira
experiência com pinheiros. Os pinhões germinaram muito bem, mas em duas noites
as formigas terminaram com a plantação e as mudinhas novas secaram todas.
Depois organizei um viveiro perto da minha casa. No segundo ano transferi as
mudas para o lugar definitivo. Também esta tentativa teve o mesmo destino.
Antes mesmo de dominar as formigas, elas já haviam devorado tudo. Na terceira
tentativa deixei as mudas dois anos no viveiro. Transplantei-as só no terceiro.
Todas vingaram porque as agulhas já estavam tão duras que as formigas não as conseguiram cortar. A
plantação alcança neste momento de 16 a
20 pés (cinco a sete metros) e se compõe de mais de 300 pinheiros. Tive êxito
também com louro, cinamomo e outras variedades de madeira. Tudo isto prova que
também aqui é possível plantar mato
Procurei interessar pela
causa as pessoas de vários lugares. Na maioria dos casos, porém, faltou a
energia suficiente. Outros se desculparam dizendo que eles próprios não tirariam
proveito e que os descendentes se virassem. Não raro, confirma-se o ditado: se
o colono não se vê forçado ele não mexe nem a mão nem o pé. Existem contudo
honrosas exceções. Quem sabe também neste particular eu tenha conseguido que um
ou outro se decida a fazer pelo menos uma tentativa, plantando mato. Diz o
ditado: “No menor dos espaços planta uma árvore; cuida dela; será em teu
beneficio”. (Paulusblatt, 1931,p. 2)
Apesar das queixas do sr. Grohmann, dizendo
que a receptividade de suas propostas de plantio de florestas não ter tido
muita aceitação por parte dos colonos, a ideia conquistou seus adeptos. O autor
deste trabalho tem três exemplos de tentativas que remontam à década de 1890 e
a primeira década do século XX. A
primeira foi feita por seu avô que plantou cerca de dois hectares de louro e
depois deixou a natureza agir livremente. Depois de 50 anos
desenvolvera-se um bela floresta em
miniatura. Alguns dos louros mediam mais de meio metro de diâmetro. Entre eles
cresciam belos exemplares de angicos, cedros, canelas, canjeranas ... Mais ou
menos na mesma época sua mãe recebera umas dezenas de pinhões distribuídos pelo
pároco. Plantou em torno de 100 deles ao longo das taipas do potreiro e do
curral, perto de tocos de árvores nas proximidades da casa. Passados sessenta
anos havia araucárias de perto de um metro de diâmetro. Um vizinho dos seus
avós plantou cerca de dois hectares de araucárias e deixou a natureza agir
livremente. Também neste caso, passados 50 anos uma exuberante mini floresta
havia-se formado com soberbos pinheiros e exemplares viçosos de canelas,
cedros, canjeranas, cabriúvas e outras mais.
Esses três exemplos demonstram que, apesar
dos pesares, a proposta do Pe. Gasper e o exemplo do sr. Grohmann, caíram em chão fecundo. É até compreensível que a
grande maioria dos colonos não se sensibilizasse. No final do século XIX e o
início do XX, as prioridades maiores eram ainda em grande parte, a comida, a
roupa e a casa. Além disso o suprimento de lenha e madeira ainda estava
garantida com certa folga.