Um
momento histórico de grande preocupação teve como causa o surto de varíola que
acometeu em cheio também a colônia alemã em meados da década de 1870. A
primeira vitima da doença foi a filha menor do prof. Mathias Schütz de Bom Jardim.
O Pe. Schupp relatou a evolução e os estragos causados pela epidemia em Bom
Jardim, 48 colônias, Schneiderstal, São José do Hortêncio e demais comunidades
da região. Depois da alguns dias da confirmação da doença na filha do professor
Schütz, outras crianças adoeceram. No começo a população não considerou a
situação como de gravidade excepcional. Ocorreram então os primeiros
falecimentos devidos à varíola.
A situação sustentou-se por
algum tempo. Então a assistência entrou em colapso. O pior foi que não se
dispunha de nenhum médico em condições
de assumir os doentes, nenhuma policia
sanitária em condições de prescrever regras de higiene capazes de dar um basta
ao alastramento da epidemia. O Pe. Steinhart
em pessoa foi obrigado a deslocar-se até Porto Alegre a fim de procurar
um médico, porque na época não havia
nenhum em São Leopoldo. O médico, um alemão (dr. Heinzelmann), prescreveu-lhe
regras de conduta e insistiu na vacina, entregando-lhe linfa e dando-lhe
recomendações. As primeiras vacinas foram ministradas pelo próprio padre,
depois ele treinou terceiros. (Schupp, 2004, p. 206)
Não
demorou muito e o próprio Pe. Steinahrt contraiu a doença. Mesmo enfermo foi
atender toda uma família doente no Bohnental. Eram 11 horas da noite e o padre
achava impossível arriscar-se para prestar socorro naquele estado, naquela hora
da noite e sob chuva persistente. Rendeu-se ao pedido insistente de socorro do
colono que fora buscá-lo. Depois da visita entregou os pontos e confiou a paróquia ao Pe. Hag. Depois de oito dias de
resguardo retomou as atividades.
O
Pe. Schupp registrou o episódio dramático de varíola acontecido com o sr. Karl
Sänger. O Pe. Steinhart foi chamado para a casa do sr. Sänger para assistir à
sua filha e ao genro gravemente acometidos pela varíola. Assistiu ao
falecimento dos dois praticamente na mesma hora. O pai e o pároco colocaram os
caixões com os dois defuntos sobre o muro do cemitério, velaram-nos por algum
tempo, depois abriram sepulturas e os enterraram. Seria longo demais continuar
enumerando e comentando episódios relacionados com a epidemia de varíola em Bom
Jardim. Registros mais detalhados podem ser encontrados em Schupp e Carl
Schlitz.
Além
da epidemia da varíola e dos seguidos surtos de tifo, uma outra questão
relacionada com a saúde era motivo de permanente preocupação. Vinha à tona
quando da aproximação da data do nascimento de qualquer criança na colônia.
Falamos da assistência às parturientes.
Complicações direta ou indiretamente
relacionados com o parto contaram entre as principais causas de óbitos
de mulheres jovens.
Na
sua tese de doutorado publicada na Alemanha com o titulo ”Deutsche
Auswanderinnen in Brasilien”, Giesela B. Lermen, começa a sua avaliação sob e a
presença da mulher na imigração alemã, com a afirmação: “A mortalidade materna
em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da
colônia.
Não
resta dúvida de que nos encontramos frente a um tema, de um lado comum a todas as comunidades coloniais e, do outro,
um dos menos comentados. De qualquer forma não é difícil formar-se uma ideia da
extensão e profundidade do problema. Basta tornar conscientes as circunstâncias reinantes no meio colonial,
durante todo o século XIX e os primeiros
anos do século XX, no que se refere à assistência às parturientes. Começa por
aí que não havia nem médicos nem
hospitais a quem recorrer. No que se relacionava com recursos em casos de
doenças e os problemas surgidos por ocasião de muitos partos, os colonos estavam
entregues à própria sorte. Com isso a mortalidade de mulheres jovens chegou a
níveis preocupantes. Autora refere um levantamento feito pelo “Deutsches Volksblatt” em 1908
sobre a expectativa de vida na colônia. Serviam como base os registros de
óbitos da paróquia de São José do Hortêncio entre 1868 e 1908. Os números falam
por si mesmos. Dos falecidos entre os 30 e 50 anos de idade, constavam 21
homens e 51 mulheres. O jornal fez o
dado acompanhado da observação: “Certamente uma prova cabal da importância da
questão das parteiras para a colônia e a urgência para encontrar uma solução
para esse problema.
Os
alarmante dados sobre a mortalidade materna em função da deficiente assistência
às parturientes, reclamava por ações e
iniciativas eficientes e duradouras. O dr. Gabriel Schlatter que conhecia muito
bem a situação da assistência médica na colônia, manifestou-se da seguinte
forma sobre o problema, na sétima Assembleia Geral da Associação dos
Agricultores do Rio Grande do Sul,
realizada em Estrela em maio de 1907:
Posso garantir-lhes que aqui
na colônia alemã no Rio Grande do Sul, cada ano centenas de colonas morrem em
consequência da assistência defeituosa
durante o parto ou elas adoecem
pouco tempo depois, muitas delas morrem e muitas que, em caso favorável,
melhoram parcialmente, continuam durante
a vida toda com alguma sequela. Pois mal passa uma semana, na qual um ou outro dos nossos jornais alemães não traz a
participação de luto de que ( ... ) uma mulher e mãe faleceu no apogeu da vida,
em consequência dum parto. (citado por G. B. Lermen 2006, p. 236)
Da
fala do dr. Schlatter resultou um acalorado debate do qual participaram os padres Amstad e Gasper e o pastor Gans.
Concluíram que a situação era tão grave que exigia uma ação séria e urgente, de natureza
permanente e a longo prazo. Na proposta estava implícito o propósito de, de
alguma maneira treinar parteiras para socorrer as parturientes das comunidades
coloniais. Naquela assembleia geral, entretanto, não foi tomada nenhuma resolução concreta neste sentido. A adoção
de uma solução aconteceu no ano seguinte
na Assembleia Geral de Santa Cruz do Sul. Por decisão da grande maioria foi
aprovada a criação de uma instituição de treinamento de parteiras fora de Porto
Alegre. A decisão apoiou-se na lógica de que a quase totalidade das candidatas
procedia do interior da colônia e sua atividade seria desenvolvida neste meio.
A escolha recaiu sobre a cidade de Estrela pelo fato de o dr. Schlatter já
manter um curso de treinamento junto ao seu consultório normal. Bastava ampliá-lo, equipá-lo melhor e franqueá-lo a candidatas procedentes
de toda a região colonial. Infelizmente o curso de treinamento de parteiras foi
uma das primeiras iniciativas da Associação Riograndense de Agricultores a ser
atingida quando esta foi transformada em Sindicato Rural no ano seguinte. Por
decisão unilateral do Sindicato de Santa Cruz
o curso foi transferido para Porto Alegre com a alegação dos benefícios
que poderia auferir com a proximidade da Faculdade de Medicina. A decisão
implicou na mudança da própria natureza do curso e teve como consequência o
afastamento do dr. Schlatter e frustrada a intenção de formar parteiras
especificamente para o meio colonial com profissionais procedentes daquele
contexto e conhecedoras das características humanas do seu campo de trabalho.
Gisela Lermen comenta a respeito da
situação em foco:
Apesar da situação
assustadora pintada pelo dr. Schlatter e
amparada nas estatísticas, sobre o estado de coisas relativo ao atendimento às
parturientes durante o século dezenove na colônia, a presença de parteiras e sua atuação provam igualmente que exerceram a profissão reconhecimento
com prontidão e eficiência e cônscias da sua responsabilidade, gozando do apreço
da população da colônia. A memória delas foi perpetuada em anúncios fúnebres
escritos por maridos, filhos, noras e genros, assim como em manifestações de
gratidão por parte de maridos pelos
atendimentos dado às esposas. (Lermen, Gisela, 2006, p. 236)
A
presença dessas parteiras, sua
importância para a colônia e sua dedicação à causa, foram objeto de referencia,
de manifestações de reconhecimento e de gratidão, registrados em almanaques,
jornais, periódicos e nas reuniões de associações e congressos.
De
qualquer forma a situação das parturientes teria sido muito mais problemática
se, a partir da segunda metade do século XIX as comunidades da região mais
antiga do vale do Sinos e Caí e, em parte da região mais recente dos vales do
Taquari, Pardo e Jacuí, não contassem com parteiras dedicadas e competentes. Na
tese de Gisela Lermen encontra-se uma lista
delas com a data do falecimento e a comunidade em que atuaram: Elisabeth
Scherer, falecida em 1901, trabalhou em Lomba Grande; Bárbara Spaniol atuou em
São José do Hortêncio e faleceu em 1893; Ana Maria Eich, falecida em 1908 atendeu
a comunidade de Erval; Susanne Gallas, falecida em 1912 atendeu as comunidades
de Dois Irmãos, Gauer Eck (São José do Sul) e São José do Hortêncio; Franziska
Allgayer, falecida em 1901, teve Ivoti como campo de ação; Anna Junges,
falecida em 1897, exerceu sua atividade em São Salvador (Tupandi); Anna Maria
Schmidt, falecida em 1898, em Campestre (Salvador do Sul) e São Pedro da Serra; Maria Kunrath, falecida
em 1905, atuou no Tigertal (Feliz): Gertrude Haupental, falecida em 1905,
atendeu Linha Bonita e Harmonia; Helena Spieker, falecida em 1907, atuou na
Linha Tamanduá (Lajeado); Katharina
Rippel, falecida em 1904, atendeu a Colônia Mariante.
Obviamente
essa lista não está completa, mas dá uma boa ideia do nível de assistência de
que dispunham os colonos relativo à sempre vital questão da assistência às
parturientes, aos nascituros e recém nascidos.
Convém
não esquecer que, apesar da dedicação das parteiras, a falta generalizada de
médicos, deixava uma grave lacuna na assistência às parturientes. Em
situações mais graves como complicações
devido a infecções, necessidade de cesariana, etc., a ausência de médicos
cobrava preços muito altos, em não poucos casos a própria vida da mulher e ou
da criança.
Põe-se
a essa altura a pergunta: E quem foram essas mulheres parteiras, qual o seu
perfil humano e profissional? Para começar a quase totalidade eram mulheres
comuns, casadas com colonos, mães de famílias numerosas, como mandava o costume
da época, donas de casa, agricultoras, nos intervalos em que não se encontravam
em missão de atendimento a alguma parturiente. Apropriavam-se dos conhecimentos
e da prática junto a profissional experimentada. Mais raro eram os casos em que
as aspirantes à profissão se submetiam a
algum estágio em hospital em Porto Alegre. Em todo o caso todas as
parteiras daquela geração dedicavam-se à profissão como uma autêntica vocação
que se alimentava na solidariedade para com as mães, suas famílias, comunidades
e do compromisso para com as novas gerações. Por isso mesmo gozavam do respeito
e simpatia geral. Em contrapartida respondiam com uma discrição à toda a prova
e um respeito profundo para com as pacientes. Eram personalidades conhecidas e
respeitadas como eram o professor e até o padre e o professor. Costumavam ser chamadas pelo
sugestivo qualificativo
“Storchentante”, “Tia Cegonha”.
“O
arrumador de ossos – Knochenflicker”. Outra
figura emblemática que circulava pelo meio colonial, ainda até meados do século
vinte, era o “Knochenflicker” – o “arrumador de ossos”.
O
trabalho pesado na roça, o derrubar mato, o andar a cavalo e outras tarefas do
quotidiano da colônia, vinham acompanhados com o risco permanente de fraturas
nos braços ou nas pernas. Recorrer a um traumatologista, se é que os havia,
estava fora de cogitação. O problema costumava ser resolvido por práticos em
recolocar ossos fraturados no lugar e imobilizar o braço ou perna com talas
para evitar que o osso se deslocasse ou soldasse mal. Um homem ou, com menor
frequência uma mulher, costumavam socorrer os acidentados de uma ou mais comunidades vizinhas. Executavam o trabalho
com presteza e custos perfeitamente suportáveis pelos colonos. Contentavam-se
muitas vezes com alguma remuneração em dinheiro e algum gênero alimentício ou
mesmo um simples “obrigado”. Colocavam os ossos no lugar valendo-se apenas do
tato, imobilizavam o membro com sarrafos, tabuinhas ou a base seca da
folha do bambu, com tamanha habilidade
que não se percebiam sequelas posteriores. Costumavam valer-se de cachaça pura
ou cachaça com mestruço para amortecer a
dor. Um representante típico de “arrumador de ossos” foi o tio Anton Hoff, um
solteirão que atendia na região de Tupandi e Bom Princípio. Tinha o hábito de
tomar uns bons tragos durante a manipulação e depois terminar pernoitando na casa do acidentado.
Seu trabalho costumava ser tão perfeito que dificilmente ficava alguma sequela
e não se percebia que o braço ou a perna fora fraturada. Assim como ele havia
profissionais práticos circulando em todas as regiões de colonização alemã, italiana, polonesa. Em
escala mais modesta faziam parte do cenário humano da época ao lado das
parteiras.
O
tempo não permite trazer mais detalhes sobre a
situação da saúde ente as comunidades de imigrantes do século XIX e
primeira metade do século XX.
A
situação começou a modificar-se lentamente, e para melhor, como desenvolvimento urbano, de modo especial
já a partir da metade do século XIX. Médicos diplomados foram abrindo sempre
mais consultórios em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande e outras cidades e dando um atendimento qualificado
nas Santas Casas e nos hospitais que
foram surgindo. Médicos igualmente diplomados instalaram-se, em número
crescente, até nas localidades mais remotas, arredando para o lado charlatães,
os assim chamados “médicos práticos”, farmacêuticos e até contínuos de
farmácia, fazendo-se de médicos.
Ao
mesmo tempo instalaram-se farmácias,
laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se
anúncios oferecendo medicamentos para as finalidades mais comuns da época. Mas
este é um assunto que mereceria um palestra própria.