Práticas de Medicina - Parte #2

Um momento histórico de grande preocupação teve como causa o surto de varíola que acometeu em cheio também a colônia alemã em meados da década de 1870. A primeira vitima da doença foi a filha menor do prof. Mathias Schütz de Bom Jardim. O Pe. Schupp relatou a evolução e os estragos causados pela epidemia em Bom Jardim, 48 colônias, Schneiderstal, São José do Hortêncio e demais comunidades da região. Depois da alguns dias da confirmação da doença na filha do professor Schütz, outras crianças adoeceram. No começo a população não considerou a situação como de gravidade excepcional. Ocorreram então os primeiros falecimentos devidos à varíola.

A situação sustentou-se por algum tempo. Então a assistência entrou em colapso. O pior foi que não se dispunha  de nenhum médico em condições de  assumir os doentes, nenhuma policia sanitária em condições de prescrever regras de higiene capazes de dar um basta ao alastramento da epidemia. O Pe. Steinhart  em pessoa foi obrigado a deslocar-se até Porto Alegre a fim de procurar um médico, porque  na época não havia nenhum em São Leopoldo. O médico, um alemão (dr. Heinzelmann), prescreveu-lhe regras de conduta e insistiu na vacina, entregando-lhe linfa e dando-lhe recomendações. As primeiras vacinas foram ministradas pelo próprio padre, depois ele treinou terceiros. (Schupp, 2004, p. 206)

Não demorou muito e o próprio Pe. Steinahrt contraiu a doença. Mesmo enfermo foi atender toda uma família doente no Bohnental. Eram 11 horas da noite e o padre achava impossível arriscar-se para prestar socorro naquele estado, naquela hora da noite e sob chuva persistente. Rendeu-se ao pedido insistente de socorro do colono que fora buscá-lo. Depois da visita entregou os pontos e confiou  a paróquia ao Pe. Hag. Depois de oito dias de resguardo retomou as atividades.

O Pe. Schupp registrou o episódio dramático de varíola acontecido com o sr. Karl Sänger. O Pe. Steinhart foi chamado para a casa do sr. Sänger para assistir à sua filha e ao genro gravemente acometidos pela varíola. Assistiu ao falecimento dos dois praticamente na mesma hora. O pai e o pároco colocaram os caixões com os dois defuntos sobre o muro do cemitério, velaram-nos por algum tempo, depois abriram sepulturas e os enterraram. Seria longo demais continuar enumerando e comentando episódios relacionados com a epidemia de varíola em Bom Jardim. Registros mais detalhados podem ser encontrados em Schupp e Carl Schlitz.

Além da epidemia da varíola e dos seguidos surtos de tifo, uma outra questão relacionada com a saúde era motivo de permanente preocupação. Vinha à tona quando da aproximação da data do nascimento de qualquer criança na colônia. Falamos da assistência às parturientes.  Complicações direta ou indiretamente  relacionados com o parto contaram entre as principais causas de óbitos de mulheres jovens.

Na sua tese de doutorado publicada na Alemanha com o titulo ”Deutsche Auswanderinnen in Brasilien”, Giesela B. Lermen, começa a sua avaliação sob e a presença da mulher na imigração alemã, com a afirmação: “A mortalidade materna em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da colônia.

Não resta dúvida de que nos encontramos frente a um tema, de um lado comum  a todas as comunidades coloniais e, do outro, um dos menos comentados. De qualquer forma não é difícil formar-se uma ideia da extensão e profundidade do problema. Basta tornar conscientes  as circunstâncias reinantes no meio colonial, durante todo o século XIX  e os primeiros anos do século XX, no que se refere à assistência às parturientes. Começa por aí que não havia  nem médicos nem hospitais a quem recorrer. No que se relacionava com recursos em casos de doenças e os problemas surgidos por ocasião de muitos partos, os colonos estavam entregues à própria sorte. Com isso a mortalidade de mulheres jovens chegou a níveis preocupantes.  Autora  refere um levantamento  feito pelo “Deutsches Volksblatt” em 1908 sobre a expectativa de vida na colônia. Serviam como base os registros de óbitos da paróquia de São José do Hortêncio entre 1868 e 1908. Os números falam por si mesmos. Dos falecidos entre os 30 e 50 anos de idade, constavam 21 homens e 51 mulheres.  O jornal fez o dado acompanhado da observação: “Certamente uma prova cabal da importância da questão das parteiras para a colônia e a urgência para encontrar uma solução para esse problema.

Os alarmante dados sobre a mortalidade materna em função da deficiente assistência às parturientes, reclamava  por ações e iniciativas eficientes e duradouras. O dr. Gabriel Schlatter que conhecia muito bem a situação da assistência médica na colônia, manifestou-se da seguinte forma sobre o problema, na sétima Assembleia Geral da Associação dos Agricultores  do Rio Grande do Sul, realizada em Estrela em maio de 1907:

Posso garantir-lhes que aqui na colônia alemã no Rio Grande do Sul, cada ano centenas de colonas morrem em consequência da assistência defeituosa  durante  o parto ou elas adoecem pouco tempo depois, muitas delas morrem e muitas que, em caso favorável, melhoram parcialmente, continuam  durante a vida toda com alguma sequela. Pois mal passa uma semana, na qual um ou  outro dos nossos jornais alemães não traz a participação de luto de que ( ... ) uma mulher e mãe faleceu no apogeu da vida, em consequência dum parto. (citado por G. B. Lermen 2006, p. 236)

Da fala do dr. Schlatter resultou um acalorado debate do qual participaram os  padres Amstad e Gasper e o pastor Gans. Concluíram que a situação era tão grave que exigia  uma ação séria e urgente, de natureza permanente e a longo prazo. Na proposta estava implícito o propósito de, de alguma maneira treinar parteiras para socorrer as parturientes das comunidades coloniais. Naquela assembleia geral, entretanto, não foi tomada nenhuma  resolução concreta neste sentido. A adoção de  uma solução aconteceu no ano seguinte na Assembleia Geral de Santa Cruz do Sul. Por decisão da grande maioria foi aprovada a criação de uma instituição de treinamento de parteiras fora de Porto Alegre. A decisão apoiou-se na lógica de que a quase totalidade das candidatas procedia do interior da colônia e sua atividade seria desenvolvida neste meio. A escolha recaiu sobre a cidade de Estrela pelo fato de o dr. Schlatter já manter um curso de treinamento junto ao seu consultório normal. Bastava  ampliá-lo, equipá-lo  melhor e franqueá-lo a candidatas procedentes de toda a região colonial. Infelizmente o curso de treinamento de parteiras foi uma das primeiras iniciativas da Associação Riograndense de Agricultores a ser atingida quando esta foi transformada em Sindicato Rural no ano seguinte. Por decisão unilateral do Sindicato de Santa Cruz  o curso foi transferido para Porto Alegre com a alegação dos benefícios que poderia auferir com a proximidade da Faculdade de Medicina. A decisão implicou na mudança da própria natureza do curso e teve como consequência o afastamento do dr. Schlatter e frustrada a intenção de formar parteiras especificamente para o meio colonial com profissionais procedentes daquele contexto e conhecedoras das características humanas do seu campo de trabalho. Gisela Lermen  comenta a respeito da situação em foco:

Apesar da situação assustadora  pintada pelo dr. Schlatter e amparada nas estatísticas, sobre o estado de coisas relativo ao atendimento às parturientes durante o século dezenove na colônia, a presença de parteiras  e sua atuação provam  igualmente que exerceram a profissão reconhecimento com prontidão e eficiência e cônscias da sua responsabilidade, gozando do apreço da população da colônia. A memória delas foi perpetuada em anúncios fúnebres escritos por maridos, filhos, noras e genros, assim como em manifestações de gratidão por parte  de maridos pelos atendimentos dado às esposas. (Lermen, Gisela, 2006, p. 236)

A presença  dessas parteiras, sua importância para a colônia e sua dedicação à causa, foram objeto de referencia, de manifestações de reconhecimento e de gratidão, registrados em almanaques, jornais, periódicos e nas reuniões de associações e congressos.

De qualquer forma a situação das parturientes teria sido muito mais problemática se, a partir da segunda metade do século XIX as comunidades da região mais antiga do vale do Sinos e Caí e, em parte da região mais recente dos vales do Taquari, Pardo e Jacuí, não contassem com parteiras dedicadas e competentes. Na tese de Gisela Lermen encontra-se uma lista  delas com a data do falecimento e a comunidade em que atuaram: Elisabeth Scherer, falecida em 1901, trabalhou em Lomba Grande; Bárbara Spaniol atuou em São José do Hortêncio e faleceu em 1893; Ana Maria Eich, falecida em 1908 atendeu a comunidade de Erval; Susanne Gallas, falecida em 1912 atendeu as comunidades de Dois Irmãos, Gauer Eck (São José do Sul) e São José do Hortêncio; Franziska Allgayer, falecida em 1901, teve Ivoti como campo de ação; Anna Junges, falecida em 1897, exerceu sua atividade em São Salvador (Tupandi); Anna Maria Schmidt, falecida em 1898, em Campestre (Salvador do Sul)  e São Pedro da Serra; Maria Kunrath, falecida em 1905, atuou no Tigertal (Feliz): Gertrude Haupental, falecida em 1905, atendeu Linha Bonita e Harmonia; Helena Spieker, falecida em 1907, atuou na Linha  Tamanduá (Lajeado); Katharina Rippel, falecida em 1904, atendeu a Colônia Mariante.

Obviamente essa lista não está completa, mas dá uma boa ideia do nível de assistência de que dispunham os colonos relativo à sempre vital questão da assistência às parturientes, aos nascituros e recém nascidos.

Convém não esquecer que, apesar da dedicação das parteiras, a falta generalizada de médicos, deixava uma grave lacuna na assistência às parturientes. Em situações  mais graves como complicações devido a infecções, necessidade de cesariana, etc., a ausência de médicos cobrava preços muito altos, em não poucos casos a própria vida da mulher e ou da criança.

Põe-se a essa altura a pergunta: E quem foram essas mulheres parteiras, qual o seu perfil humano e profissional? Para começar a quase totalidade eram mulheres comuns, casadas com colonos, mães de famílias numerosas, como mandava o costume da época, donas de casa, agricultoras, nos intervalos em que não se encontravam em missão de atendimento a alguma parturiente. Apropriavam-se dos conhecimentos e da prática junto a profissional experimentada. Mais raro eram os casos em que as aspirantes à profissão se submetiam a  algum estágio em hospital em Porto Alegre. Em todo o caso todas as parteiras daquela geração dedicavam-se à profissão como uma autêntica vocação que se alimentava na solidariedade para com as mães, suas famílias, comunidades e do compromisso para com as novas gerações. Por isso mesmo gozavam do respeito e simpatia geral. Em contrapartida respondiam com uma discrição à toda a prova e um respeito profundo para com as pacientes. Eram personalidades conhecidas e respeitadas como eram o professor e até o padre e o  professor. Costumavam ser chamadas pelo sugestivo qualificativo   “Storchentante”, “Tia Cegonha”.
“O arrumador  de ossos – Knochenflicker”. Outra figura emblemática que circulava pelo meio colonial, ainda até meados do século vinte, era o “Knochenflicker” – o “arrumador de ossos”.
O trabalho pesado na roça, o derrubar mato, o andar a cavalo e outras tarefas do quotidiano da colônia, vinham acompanhados com o risco permanente de fraturas nos braços ou nas pernas. Recorrer a um traumatologista, se é que os havia, estava fora de cogitação. O problema costumava ser resolvido por práticos em recolocar ossos fraturados no lugar e imobilizar o braço ou perna com talas para evitar que o osso se deslocasse ou soldasse mal. Um homem ou, com menor frequência uma mulher, costumavam socorrer os acidentados de uma ou mais   comunidades vizinhas. Executavam o trabalho com presteza e custos perfeitamente suportáveis pelos colonos. Contentavam-se muitas vezes com alguma remuneração em dinheiro e algum gênero alimentício ou mesmo um simples “obrigado”. Colocavam os ossos no lugar valendo-se apenas do tato, imobilizavam o membro com sarrafos, tabuinhas ou a base seca da folha  do bambu, com tamanha habilidade que não se percebiam sequelas posteriores. Costumavam valer-se de cachaça pura ou cachaça com  mestruço para amortecer a dor. Um representante típico de “arrumador de ossos” foi o tio Anton Hoff, um solteirão que atendia na região de Tupandi e Bom Princípio. Tinha o hábito de tomar uns bons tragos durante a manipulação e depois  terminar pernoitando na casa do acidentado. Seu trabalho costumava ser tão perfeito que dificilmente ficava alguma sequela e não se percebia que o braço ou a perna fora fraturada. Assim como ele havia profissionais práticos circulando em todas as regiões  de colonização alemã, italiana, polonesa. Em escala mais modesta faziam parte do cenário humano da época ao lado das parteiras.

O tempo não permite trazer mais detalhes sobre a  situação da saúde ente as comunidades de imigrantes do século XIX e primeira metade do século XX.

A situação começou a modificar-se lentamente, e para melhor,  como desenvolvimento urbano, de modo especial já a partir da metade do século XIX. Médicos diplomados foram abrindo sempre mais consultórios em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande  e outras cidades e dando um atendimento qualificado nas Santas Casas e  nos hospitais que foram surgindo. Médicos igualmente diplomados instalaram-se, em número crescente, até nas localidades mais remotas, arredando para o lado charlatães, os assim chamados “médicos práticos”, farmacêuticos e até contínuos de farmácia, fazendo-se de médicos. 

Ao mesmo tempo  instalaram-se farmácias, laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se anúncios oferecendo medicamentos para as finalidades mais comuns da época. Mas este é um assunto que mereceria um palestra própria.

Por fim  permito-me, em nome do Simpósio, uma homenagem especial às “Schwester” e as irmãs de caridade que durante mais de meio século fizeram com que os hospitais e sanatórios que vinham sendo implantados em número crescente, fossem de fato locais  onde enfermos e familiares, encontravam um tratamento digno. Elas, religiosas de ambas as confissões, marcaram com sua presença, entre 1900 e 1950 e mais tarde ainda,  dezenas de hospitais, grandes e pequenos, espalhados pelo Rio Grande do Sul. No Moinhos de Vento, nos hospitais de Montenegro, Sinimbú, Panambi, Não Me Toque, Taquara e outros atuaram as Schwester, as diaconisas. Na Santa Casa de Misericórdia, Na Beneficência Portuguesa, No Mãe de Deus, No Centenário em São Leopoldo, no Regina de Novo Hamburgo, No Sagrada família de  São Sebastião do Cai, No Pompéia de Caxias do Sul e em dezenas de outros hospitais menores, marcaram presença as irmãs de caridade de diversas congregações católicas. Ouso afirmar que o nível de muitos desses hospitais foi conquistado pela competência, o comprometimento, a dedicação e, porque não deixá-lo claro, pelo amor ao próximo que animava essas religiosas de ambas os confissões. O Moinhos de Vento, o Regina, o Mãe de Deus e tantos outros  não teriam a fama de que hoje gozam, se não tivessem nascido,  crescido e se consolidado nas mãos dessas  religiosas de ambos os credos. Acima da competência administrativa e profissional, zelavam por um comportamento ético rigoroso e o respeito aos pacientes regia o quotidiano dos hospitais e marcava limites para médicos e demais profissionais da saúde. 

Práticas de medicina - Parte #1

Falar em saúde ou na sua antípoda a doença nos primeiros cem anos da imigração alemã no Sul do Brasil, significa tocar num assunto que deixava as pessoas e as comunidades em constante sobressalto. É verdade que os imigrantes trouxeram bons hábitos de higiene e alimentação que, aliados a   uma formação média de bom nível,  fizeram com que a mortalidade infantil fosse relativamente baixa e as condições de saúde de crianças e  adultos aceitável em situações normais. A questão assumia outras proporções nos casos de doenças mais sérias e de acidentes de trabalho com ferimentos graves. Tornava-se dramática nos períodos de epidemias de tifo, cólera, varíola, que exigiam a intervenção de médicos ou pelo menos pessoas com conhecimentos mais avançados de medicina. O Pe. Ambros Schupp caracterizou assim o estado das coisas com a saúde nos primeiros tempos da imigração, na sua obra: “A Missão dos Jesuítas Alemães no Rio Grande do Sul”:


A situação na colônia no que diz respeito a doenças foi durante muito tempo lamentável. Na colônia praticamente não havia médicos e, por isso mesmo, tanto mais charlatães. Mandar vir um médico da cidade significava na prática sacrificar uma fortuna e nem então se tinha certeza que de fato se tratava de um médico pois, muitos que se apresentavam como médicos e doutores, na verdade eram apenas contínuos de farmácia, auxiliares de hospitais ou pessoas do gênero. (Schupp. 2004, p. 204-205)

Consideradas essas circunstâncias fica relativamente fácil deduzir os recursos disponíveis para socorrer os colonos nas suas enfermidades. Naquelas  rotineiras como gripes, resfriados, febres ou ferimentos superficiais, o povo recorria aos remédios caseiros de chás, compressas, água com sal, infusões à base de aguardente, etc. Não raro procuravam-se  charlatães ou algum pseudo médico que por acaso estivesse ao alcance. Em doenças mais graves e ou ferimentos mais sérios  a única saída consistia em entregar a questão  nas mãos de Deus e rezar. Pode-se afirmar que esta era na verdade a situação na grande maioria das comunidades coloniais nas primeiras gerações da imigração.

Diante dessa penúria em relação à assistência relacionada com a saúde e às doenças, tanto pastores protestantes quanto sacerdotes católicos costumavam prestar, ao lado da assistência pastoral propriamente dita, também algum socorro no plano da saúde. O Pe.  Schupp ao referir-se a esta questão deixou registrada a atuação dos padres Lipinski, Blees e Pfluger.

Já o Pe. Lipinski dispunha de sua farmácia homeopática e, mesmo que suas  doses ínfimas não produzissem grandes efeitos, contribuíam para elevar a confiança dos pacientes e aliviar o seu sofrimento. Os doentes não se esqueciam dos seus préstimos e ainda muito tempo mais tarde lembravam-se dele com grata recordação. Mais tarde o Pe. Blees  conquistou, por assim dizer,  fama de médico com suas curas, a ponto de muitos colonos vindos de mais longe procurarem seus conselhos e sua ajuda. Nas suas excursões levava sempre três coisas: sua farmácia homeopática, seu bom humor e seu consolo cristão. As três faziam dele um hóspede  bem-vindo em toda a parte. (Schupp, 2004, p. 205)

A medicina pastoral era praticada por muitos outros sacerdotes que, ao lado da atividade religiosa, costumavam prestar também esse serviço de solidariedade e caridade. Além das práticas homeopáticas como chás, infusões e outras formas, popularizou-se na segunda metade do século dezenove, o método Kneipp da cura pela água. Seu maior divulgador foi o Pe. Mathias Pfluger, vigário de São Salvador, hoje Tupandi. Ele tinha sido colega de seminário de Kneipp e atribuiu à aplicação do método sua cura quase milagrosa:

Quando nós dois estudávamos juntos no seminário, fui acometido de tifo, levando-me à beira do túmulo. Kneipp, porém, dizia com certeza intuitiva: Confia em mim, eu te curo. E como segundo os médicos não tinha mais nada a perder, submeti-me à sua cura, que Kneipp, porém, aplicou em segredo, mas com tanto êxito que os médicos se mostraram estupefatos. (citado por Chupp, 2002, p. 205).

A recuperação  do Pe. Pfluger foi tão completa  quanto duradoura. Ordenou-se sacerdote, entrou depois na Companhia de Jesus, foi mandado para a Missão do sul do Brasil, fundou e organizou a paróquia de São Salvador, onde faleceu em 1905 aos 77 anos de idade. Entende-se assim que ele difundisse esse método entre os próprios paroquianos e os das paróquias vizinhas. Devido à popularidade que conquistou esse método, ele merece alguns comentários.
Na introdução da sua obra “A Cura pela Água” o pároco Kneipp detalhou as bases sobre as quais se apoiava  o seu método. Em primeiro lugar o “o corpo humano é uma obra prima saída das mãos de Deus. Cada pecinha ajusta-se à maior e todas elas no seu conjunto formam um todo harmônico”. A perturbação da harmonia chama-se doença. Todas as enfermidades, chamem-se com se quiser, têm a sua origem no sangue ou melhor na perturbação do sangue, tanto na circulação quanto na composição, por líquidos  deteriorados. A cura se dá pela eliminação dos ingredientes perturbadores do sangue que são as doenças. Essa eliminação se dá por meio da “cura pela água”. A água age de três maneiras: separa os agentes tóxicos do sangue, elimina-os e fortifica o organismo debilitado. Kneipp afirmava que todas as doenças curáveis tem cura pelo método que ele criou, por agirem na raiz da própria enfermidade: separando os agentes tóxicos, eliminando-os, restabelecendo a circulação normal e, finalmente, temperando e fortificando o organismo.

O método Kneipp da “Cura pela Água” gozou de uma aceitação impressionante na Europa e em outras partes do mundo, nas décadas finais do século XIX.  Para se ter uma ideia, entre 1886 e 1893 houve 44 edições do seu manual. Não é aqui nem o lugar nem a ocasião para entrar no mérito terapêutico do método. Em todo o caso a sua popularização pelo Pe. Pfluger ainda  repercute em comunidades por ele atendidas no atual município de Tupandi e arredores, onde a aplicação de práticas do método Kneipp ainda hoje podem ser observadas.
O método Kneipp divulgado pelo Pe. Pfluger e os tratamentos por meios homeopáticos de todo o tipo de enfermidade foram diminuindo na medida em que médicos formados se foram instalando na região colonial. O Pe. Schupp informa que, a partir daí,  os superiores proibiram as farmácias homeopáticas e a função de médicos, aos padres que cuidavam daquelas paróquias

Referimo-nos até aqui às práticas de saúde entre os colonos alemães católicos, normalmente por conta de padres encarregados da pastoral. Do lado dos evangélicos a assistência aos colonos, apresentava características muito semelhantes. Parece que entre eles a presença de profissionais da saúde leigos aconteceu mais cedo do que entre os católicos. Até um médico, o dr. Carl Gottfried von Ende, encontrava-se entre as primeiras levas. Mas uma assistência mais permanente ficou a cargo de pastores a serviço das diversas comunidades. Se entre os católicos sobressaíram  os padres Lipinski, Blees e Pfluger, entre os  protestantes o pastor Peters é a personalidade mais emblemática. Nascido em 1842 veio ao Brasil em 1871 e seu campo de trabalho veio a ser o Forromeco com as  quatro comunidades: Forromeco, Feliz, Francesa, Porto dos Guimarães (São Sebastião do Caí). Não vem ao caso aqui as enormes dificuldades que no começo tornaram sua atividade pastoral extremamente difícil. Um dos fatores que finalmente lhe conquistou a confiança e o apreço, foram suas habilidades no tratamento das doenças mais comuns do quotidiano da colônia. Como estudante no Seminário de Barmen atuara como enfermeiro voluntário durante uma epidemia de cólera, familiarizando-se com os procedimentos mais essenciais de enfermagem, o que lhe seria muito útil no contato com os problemas de saúde dos colonos a ele confiados.  A prática adquirida cuidando de afetados pela cólera, somada ao aprofundamento dos conhecimentos relativos a doenças, doentes e respectivos tratamentos, o Pastor Peters aliou cuidado pela saúde da alma ao bem estar  do corpo. O êxito nos dois planos conquistou-lhe, por fim, admiração e a veneração dos fieis.

Para tanto, muito contribuiu o fato de prestar assistência  médica a todos os doentes e, tanto em virtude do dom natural para essa profissão quanto através de uma prática que sempre mais se ampliava, tornou-se capaz  de realizar grandes coisas. Não só prescrevia medicamentos, como também realizava operações. E é maravilhoso que não tenha falhado em nenhuma das muitas, por vezes complicadas operações  ou que alguma delas  tenha tido fim trágico. A fama de seus conhecimentos médicos e de sua destreza, em breve, ultrapassaram os limites de suas comunidades. Foi visitado, consultado, buscado, e seu trabalho se multiplicou de maneira tal que o cansava e desgastava. (Os Dois Vizinhos e outros textos, 1997, p. 193)

É claro que a prática médica lhe aplainou o caminho em muitas dificuldades. Jamais estive  no Forromeco sem que de fato muitas pessoas, em busca de socorro, viessem à casa  pastoral, e Peters não conseguia andar a cavalo, em sua comunidade e fora dela, sem que fosse consultado por doentes. A procura e a confiança nele eram muito grandes e deve-se dizer que tinha um tino admirável para descobrir a causa dos sofrimentos e grande segurança ao operar. Era um “médico por graça de Deus”, como bem foi dito, e como tal foi benfeitor de milhares. ( ... ) Como fosse consciencioso, de modo algum quis assumir o papel de “charlatão”. Por isso reiniciou seus estudos de medicina, iniciados em Barmen. Em breve, podiam-se encontrar em sua biblioteca as mais recentes e melhores obras da área de terapêutica; sua biblioteca tornava-se, ano após ano, mais completa e seus instrumentos eram tão diversificados que um médico urbano ocupadíssimo, certamente não teria necessitado de mais. (Os dois Vizinhos e outros textos, 1997, p. 201).

Deixando de lado o charlatanismo desde o começo presente no meio colonial, o Pastor Peters e em escala menos visível os padres jesuítas antes mencionados, foram os protótipos do médico  prático. No caso de Peters falou-se em “médico por graça de Deus”. Comumente a referência a estes é de médicos que  “praticando” tornaram-se profissionais. Eles podem ser encontrados, até 1930, em não poucas comunidades coloniais pelo sul do Brasil, prestando serviços de alto valor. Não há necessidade de insistir que, também  partir da segunda metade do século dezenove médicos formados em escolas de medicina na Alemanha, emigraram para o Brasil. A grande maioria, porém, estabeleceu-se nos centros maiores para atender às  comunidades urbanas de imigrantes assim como a população em geral. 


Classificamos as doenças de que nos ocupamos até aqui como aquelas rotineiras: gripes, resfriados, infecções das vias respiratórias e outras mais, relacionadas normalmente à mudanças na rotina climática ou acidentes mais leves como fratura de braços ou pernas, cortes superficiais, etc. A  situação tornava-se bem mais complicada quando enfermidades mais graves como pneumonia, pleurisia, apendicite, surtos de tifo, varíola, mordida de cães raivosos, partos complicados ou acidentes graves de trabalho, exigiam socorro especializado. Nas três primeiras décadas um pouco mais havia por fazer do que confiar na capacidade de reação de cada enfermo ou  entregar a questão nas mãos de Deus. Já durante a década de 1850, com a formação das comunidades urbanas de imigrantes em Pelotas, Rio Grande, Porto Alegre e outras cidades, estabeleceram-se aí também médicos que atendiam em seus consultórios particulares e/ou na Santa Casa. Nos casos de urgência o maior problema ficava com a distância e as  condições de transporte do doente ou do acidentado. No momento em que se configurava uma situação do gênero numa picada no interior do vale do Caí, por exemplo, a remoção até a Santa Casa dividia-se em três etapas. Na primeira carregava-se o acidentado numa maca improvisada até o local onde numa segunda etapa era levado de carroça até o porto fluvial de Caí ou Montenegro. A viagem continuava depois numa lancha pelo rio  até Porto Alegre. Não é difícil de entender de que, em tais circunstâncias, um número mínimo de casos graves pudessem ser socorridos com chance de êxito. Evidentemente só em situações em que o paciente estava em condições de sobreviver à viagem, fato que se dava por ex. quando alguém era mordido por um cão raivoso, sofria de tuberculose, casos de queimaduras mais sérias ou outros males que exigiam um tratamento que reclamava recursos especializados e acompanhamento presencial do médico e de  enfermeiras.  Jornais, almanaques, periódicos e outras publicações da época jornais registraram muitos exemplos  a respeito.

O caixeiro viajante - O caixeiro viajante e sua mula

O deslocamento desde as casas matrizes de Porto Alegre em busca dos comerciantes do interior, oferecia uma série de  desafios a serem enfrentados e vencidos. Para começar, era preciso escolher o melhor e o mais seguro meio de locomoção. Numa época em que as primeiras ferrovias estavam sendo construídas e a navegação fluvial estreava nos rios da região, a locomoção terrestre era forma mais rápida e mais segura pra alcançar todas picadas, também as mais afastadas sem falar da Campanha, cavalgando nas condições mais precárias que se podem imaginar. Nestas condições a mula era a montaria mais indicada, por ser um animal pouco exigente, robusto, versátil, de apreciável longevidade, bem acima do cavalo, embora mais lenta e despida da aura de nobreza e da fama dos lances épicos do cavalo do gaúcho. Aliás, a mula imortalizou-se na história do Rio Grande do Sul, por ter sido um dos esteios da pujança econômica no período do charque. Caravanas e mais caravanas de mulas, revezavam-se no transporte de charque para o centro do País. Percorriam a lendária estrada das mulas, saindo  de Charqueadas, passando por Porto Alegre, Viamão, Glorinha, Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula, Jaquirana, Vacaria, atravessando  Santa Catarina, Paraná, São Paulo, para terminar em Minas Gerais.  E no momento em que no Rio Grande do Sul começava  uma nova fase de progresso econômico, a mula foi novamente convocada como peça fundamental para colaborar do processo. Desta vez não mais como besta de carga, mas como portadora dos intermediadores do comércio que carregavam em suas bruacas algo mais do que amostras, faturas, encomendas e pagamentos. Em seu lombo viajavam também as novidades e as notícias vindas da capital do Estado, do País e do grande mundo, para alcançarem as comunidades e os moradores mais distantes do interior colonial de da Campanha.

O caixeiro viajante e sua mula perfaziam uma simbiose perfeita, capaz de dar conta da tarefa que lhes fora confiada, isto é, garantir o pulsar da economia regional, veicular a cultura, fazer  circular a informações de toda natureza entre  a Capital, os centros urbanos e as picadas mais remotas na mata. Por meio deles chegavam também as notícias dos acontecimentos do País e do mundo, fazendo às vezes do jornal, do rádio e porque não da televisão de hoje. Atuava, enfim, como poderoso antídoto contra o isolamento, a estagnação, a involução e o empobrecimento econômico, social, cultural e físico das comunidades do interior. Em ocasião alguma da história a mula, esse animal tão útil e inúmeros países e, ao mesmo tempo, considerado o escravo entre os animais, desprezado, símbolo da falta de inteligência, da teimosia irracional e de uma estupidez primigênia e insanável, experimentou um reconhecimento de sua utilidade, tão explícito e tão sincero, como lhe foi dedicado pelos caixeiros viajantes. Nos versos que intitulou de “Mula Morta”, o poeta “Cyclop”, pseudônimo do caixeiro viajante Alfred Wiedemann, descreveu em versos o que significou a mula para esses agentes comerciais. Reproduzo o conteúdo dos versos em prosa livre:

Era uma vez um caixeiro viajante que há muitos anos cavalgava sua  mula. Onde quer que  fosse encontrado, irradiava seu alto astral, porque a profissão de caixeiro viajante lhe dava prazer. Montava uma velha mula que não vendia nem por 5 contos. Cavalgava-a de acordo com as regas da velha escola, enfrentando sem medo as pequenas e grandes dificuldades. Em muitas ocasiões pelearam juntos duras escaramuças.

São do caixeiro viajante Alfred Spindler os versos aqui reproduzidos em prosa livre: Tens quase trinta anos. Passaste por inúmeras borrascas, sempre me carregando em segurança nas horas negras e nos momentos agradáveis. Nunca vacilaste ou renegaste a caminhada. Passamos juntos, apenas nós dois, incontáveis e inesquecíveis noites no meio do mato. Inteiramente a sós cruzamos o campo, tendo como companhia apenas as cobras, as rãs e as corujas. Apesar de não conversares comigo eu te entendia. Sem errar e para minha sorte interpretava o teu relinchar ao longe. É verdade, não poucas vezes te evadiste do potreiro durante a noite. Mas a tua magnífica voz indicava ao dono irritado onde te encontravas. E quantas não foram as memoráveis ocasiões em nós dois atolamos no lodo. Nessas ocasiões o chicote e as esporas eram inúteis. Teu apetite foi sempre grande e sadio. Mostravas-te satisfeito quando te serviam, tanto milho quanto raízes ásperas, pasto picado ou palha seca. E quando os outros zombavam de mim tu me mostravas a tua simpatia. Como uma autêntica mula não me abandonaste  diante da ameaça de acidente iminente. Agora nunca mais passarás necessidade, até o dia da tua morte tranquila, irás privar comigo pois, só te montarei para passear.

Na poesia “O velho viajante”, novamente de Alfred Wiedemann, encontram-se os versos carregados de nostalgia: “Já não tenho mula para encilhar e, como nos velhos tempos, cavalgar por aí, pelo mundo afora. Meu velho amigo “Hans” continua em paz o teu caminho. Nós dois nos entendíamos tão bem, nós dois, tu e eu”.  -  Numa outra passagem da mesma poesia homenageia a mula: “Nós próprios estamos curtidos como nunca e entendemos de todo tipo de negócio. E contudo, a estimada mula nos tão familiar como se fosse um parente nosso. Nas viagens cuidamos de nós por último, como mando o dever do cavaleiro. Trata o “Hans” primeiro depois te senta à mesa”.  -  ou ainda: “O orelhudo nos é muito útil nas viagens. Onde quer que nos demoremos e  sua companhia, na casa do Jacó Rock ou do Matias Lütz, a conta é religiosamente dividida. Em não poucas colônias ouve-se dizer, no momento em que se pretende regatear o pernoite: “O custo do pasto para o senhor e sua mula importa em 25 mil réis”.

Numa outra poesia Alfred Wiedemann refere-se assim à sua mula: “Bem cedo da madrugada encilha e encerra com o por do sol, caso a mula não se esqueça de andar neste tempo, ou assustada talvez o tenha despejado no barro. Por horas, sem parar, conversa com sua companheira a mula”.


E para concluir lê-se nos versos de outras poesia de Wiedemann, intitulada “A mula Morta”:  -  “O que seria capaz de causar-te tanta tristeza?. As lágrimas escorriam como resina. Meu bom e estimado Emil Barz, a tua dor é compreensível para qualquer um. Depois que levamos até o lugar definitivo aquela que tanto tempo te serviu com fidelidade, escreveste entre lamentos, em meio às faturas, no teu livro de viagem: Aí jazes sobre a relava verde, tu que foste o maior prazer para os meus olhos. Estás livre agora para gramar descansada, ó, mais elegante e mais estimado dos animais. Daqui em diante, quem irá carregar pela picada  as bruacas há pouco feitas para ti sob medida. Quem troteará pela noite levando com tanta segurança a sua carga?”

Caixeiros viajantes - Os pioneiros

Numa postagem passada caracterizamos a importância dos caixeiros viajantes  pra a economia, em especial a prática comercial, além da sua contribuição como portadores de cultura para o interior colonial. Falaremos agora da velha guarda  desses viajantes, os riscos da profissão, o caixeiro e sua mula.

Os caixeiros viajantes contaram, no nascer e no desenvolver  da sua história, com um “grupo fundador”, personagens com características  marcantes, personagens com traços épicos, idealistas e românticos, empreendedores, honestos e bem coma vida.

Um dos caixeiros viajantes mais antigos foi Hugo Emmermann, nascido em Dorneken. Desembarcou em Porto Alegre em 1870. Encontrou o primeiro emprego na loja de ferragens de Guilherme Bier. Fundou a Firma Ernesto Bemke & Cia, tendo como sócios Ernesto Bemke e Hugo Lau. Em 1883 desligou-se da firma e começou a viajar para F. J. Friedrichs. Faleceu no ano seguinte, admirado por todos como cumpridor do dever e um colaborador leal.

Um dos representantes mais emblemáticos de autêntico caixeiro viajante foi Albrecht Lorenz. Emigrou em 1871 passando  primeiro por Buenos Aires e Montevidéu. Sem êxito desembarcou em Porto Alegre em 1872 onde encontrou emprego na Firma F. A. Engel, passou pela Firma de Bernhard Wahlrich. Tentou a sorte como  proprietário de terra e como dono de hotel, mas sem resultado. Retornou a profissão de caixeiro viajante a serviço de C. J. Schilling. Em 1891 a firma abriu uma filial em São Sebastião do Caí e Lorenz a administrou até o seu falecimento. Lorenz foi um dos fundadores do Clube dos Caixeiros Viajantes e seu primeiro presidente. Homem de bem com a vida destacava-se pelo bom humor, pelas histórias e piadas que contava.

Um outro veterano da velha guarda foi Heinrich Fuhrmeister, falecido em Wiesbaden na Alemanha em 1898. Desembarcou em Porto Alegre em 1872. Começou trabalhando para a Firma de Fazendas Hoffmann & Cia. Mais tarde associou-se a Carl Pohlmann na Firma Pohlmann & Cia. Uma extraordinária consciência do dever e uma exatidão à toda a prova marcavam todas as ações deste homem inteiramente dedicado ao trabalho. Na cidade ou na colônia, quem não conhecia o velho Fuhrmeister?

Não menos popular foi Albert  Deistel, nascido em 1852 em Klostermannsfeld, desembarcando em Porto e 1877, empregou-se na Firma de Carlos Daudt. Nos longos anos que viajou pela colônia a serviço deste estabelecimento, conquistou muitas simpatias com sua jovialidade. Mais tarde estabeleceu-se por conta própria no ramo do comércio de ferro bruto. Aqueles que privaram com ele, nunca esqueceram o velho e jovial camarada.

Otto Drück nasceu em Porto Alegre em 1853. Sua primeira atividade como viajante  foi para a Casa C. Schilling. Entrou mais tarde na  Firma C. Wahlrich. Por longos anos percorreu a colônia como caixeiro viajante para esta firma. Mais tarde trabalhou na mesma condição para F. X. Friedrichs. Além disso desenvolveu como sócio sua atividade na Firma A. Ribeiro & Cia e quando a firma assou para as mãos de seu irmão C. A. Drügg e Carlos Daudt & Cia, associou-se a elas. Acreditamos não estarmos exagerando ao afirmarmos que esse veterano caixeiro viajante, após tantos anos percorrendo a região colonial, fosse respeitado pelos colegas de profissão. Também seus numerosos amigos na mata virgem, demostravam a mais espontânea  alegria quando cruzavam com a figura  por todos conhecida, vestindo suas roupas coloridas e montando uma soberba mula.

Alfred Schrunk nasceu em 1860 em Rivera no Uruguai. Estudou na Alemanha e em 1876 veio para o Rio de Janeiro e o ano seguinte para Porto Alegre. Começou a vida como funcionário da diretoria dos transportes de imigrantes para a recém iniciada colonização de Conde D’Eu e Dona Isabel. Conquistou o apreço de todos os imigrantes a ele confiados numa época em que nem sempre recebiam tratamento humano da parte dos funcionários do governo. Em especial no alto Forromeco, muitos colonos perguntavam por notícias e num tom de indisfarçável amizade recordavam-se do “gordo Schrunk” e não se esqueciam de lhe mandar saudações.

Não é a qualquer um, como foi o caso de Heinrich Teschner, viajar por 28 anos. Nasceu em 1852 em Wagstadt na Silésia austríaca e desembaraçou em Porto Alegre em 1874. Encontrou o primeiro emprego na casa de comércio de C. J. Schilling. Viajou para esta casa até transferir-se para Bastian & Meyer e mais tarde para Bastian e & Cia. Faleceu em 1901 depois de trabalhar 21 anos na mesma casa.

Leopold Bastian nasceu em São Leopoldo mas transferiu-se para Porto Alegre em 1871.  Trabalhou com Heinrich Teschner na Firma Bastian & Meyer. Começou depois a percorrer a colônia como caixeiro viajante para H. Bom. Em 1874 passou para a firma Barbedo  & BAstian para, em seguida tornar-se sócio de B & M. Depois tornou-se sócio da casa de comércio de fazendas de Bastian & Cia. Muitos anos se passaram desde que encilhou pela última vez sua mula para, de botas e esporas, oferecer aos filhos da mata virgem as maravilhas a sua firma. Seria conhece-lo pouco se achássemos que não se recorda com prazer de suas atividades como jovem, que lhe serviram como escola preparatória para ser comerciante  estabelecido por conta própria.

J. G. Magnus foi colega de Bastian na firma Barbedo Bastian. Nasceu em Torres. Em 1874, com 24 anos veio a Porto Alegre. Na condição de caixeiro viajante a serviço da citada firma, percorreu  a região do mato e do campo. Passou depois para a firma Chaves & Almeida também como viajante. Em 1883 estava em condições de estabelecer-se por conta própria.

Phillipp Becker dedicou-se durante 20 anos à profissão de caixeiro viajante, para no final, trabalhar como procurador no mesmo estabelecimento. Conhecido na Praça 15 de Novembro como o “homem do ferro”, foi o único que ousou deixar-se fotografar com um chapéu pouco condizente com uma caixeiro viajante. Nasceu em Porto Alegre em 1853 e começou a carreira no ramo das ferragens na firma Böhmer & Dörken. Em 1890 estabeleceu-se por conta própria.

O homem que de forma alguma não conseguiu, ou não quis deixar de viajar foi o moselano Ernst Schmeiders, nascido em Cron em 1851. Desembarcou em Porto Alegre em 1871 e encontrou colocação na casa de ferragens de Th. Friederichs & Birnfeld. Administrou  mais tarde um negócio em comissão, estabelecendo-se em 1880 por conta própria com uma firma de porcelanas, ferragens e miudezas, com dedicação especial para as últimas. Costumava-se dizer: o que nãos se encontra em lugar nenhum em Porto Alegre, acha-se em algum canto no Schneiders. Os fatos demonstraram que o negócio não era nada  mau. Grande foi o número daqueles que aprenderam, com mais ou menos proveito a cartilha de Schneiders. Quem lidou  durante muitos anos com a diversidade de sortimento, desde as imensa  torradeiras  fabrico de farinha, até as pulseiras “para senhoras ordinárias”, podia ter certeza: “eu aprendi alguma coisa” e encontrava colocação em outro lugar.

Os perfis dos caixeiros viajantes que selecionamos de muitos outros que percorreram as colônias e a região dos campos a serviço de casas de importação e exportação de Porto Alegre, são paradigmáticos para esse personagem tão familiar na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. A missão que importava na sua razão de ser consistia em garantir o fluxo do comércio entre as grandes casas de Porto Alegre e as vendas nas picadas mais distantes na mata virgem. Faziam às  vezes de bancos transportando volumes grandes de dinheiro vivo e faziam o papel do correio, levando correspondência e pequenas encomendas. Sobretudo, porém, atuavam como portadores de cultura, pessoas que eram vindos do meio urbano, com boa formação e não poucos deles propagadores do pensamento liberal. Por essa razão encontravam por vezes desconfianças e restrições por parte das pessoas e lideranças religiosas, nas comunidades coloniais mais conservadoras.