Caixeiros viajantes - Os pioneiros

Numa postagem passada caracterizamos a importância dos caixeiros viajantes  pra a economia, em especial a prática comercial, além da sua contribuição como portadores de cultura para o interior colonial. Falaremos agora da velha guarda  desses viajantes, os riscos da profissão, o caixeiro e sua mula.

Os caixeiros viajantes contaram, no nascer e no desenvolver  da sua história, com um “grupo fundador”, personagens com características  marcantes, personagens com traços épicos, idealistas e românticos, empreendedores, honestos e bem coma vida.

Um dos caixeiros viajantes mais antigos foi Hugo Emmermann, nascido em Dorneken. Desembarcou em Porto Alegre em 1870. Encontrou o primeiro emprego na loja de ferragens de Guilherme Bier. Fundou a Firma Ernesto Bemke & Cia, tendo como sócios Ernesto Bemke e Hugo Lau. Em 1883 desligou-se da firma e começou a viajar para F. J. Friedrichs. Faleceu no ano seguinte, admirado por todos como cumpridor do dever e um colaborador leal.

Um dos representantes mais emblemáticos de autêntico caixeiro viajante foi Albrecht Lorenz. Emigrou em 1871 passando  primeiro por Buenos Aires e Montevidéu. Sem êxito desembarcou em Porto Alegre em 1872 onde encontrou emprego na Firma F. A. Engel, passou pela Firma de Bernhard Wahlrich. Tentou a sorte como  proprietário de terra e como dono de hotel, mas sem resultado. Retornou a profissão de caixeiro viajante a serviço de C. J. Schilling. Em 1891 a firma abriu uma filial em São Sebastião do Caí e Lorenz a administrou até o seu falecimento. Lorenz foi um dos fundadores do Clube dos Caixeiros Viajantes e seu primeiro presidente. Homem de bem com a vida destacava-se pelo bom humor, pelas histórias e piadas que contava.

Um outro veterano da velha guarda foi Heinrich Fuhrmeister, falecido em Wiesbaden na Alemanha em 1898. Desembarcou em Porto Alegre em 1872. Começou trabalhando para a Firma de Fazendas Hoffmann & Cia. Mais tarde associou-se a Carl Pohlmann na Firma Pohlmann & Cia. Uma extraordinária consciência do dever e uma exatidão à toda a prova marcavam todas as ações deste homem inteiramente dedicado ao trabalho. Na cidade ou na colônia, quem não conhecia o velho Fuhrmeister?

Não menos popular foi Albert  Deistel, nascido em 1852 em Klostermannsfeld, desembarcando em Porto e 1877, empregou-se na Firma de Carlos Daudt. Nos longos anos que viajou pela colônia a serviço deste estabelecimento, conquistou muitas simpatias com sua jovialidade. Mais tarde estabeleceu-se por conta própria no ramo do comércio de ferro bruto. Aqueles que privaram com ele, nunca esqueceram o velho e jovial camarada.

Otto Drück nasceu em Porto Alegre em 1853. Sua primeira atividade como viajante  foi para a Casa C. Schilling. Entrou mais tarde na  Firma C. Wahlrich. Por longos anos percorreu a colônia como caixeiro viajante para esta firma. Mais tarde trabalhou na mesma condição para F. X. Friedrichs. Além disso desenvolveu como sócio sua atividade na Firma A. Ribeiro & Cia e quando a firma assou para as mãos de seu irmão C. A. Drügg e Carlos Daudt & Cia, associou-se a elas. Acreditamos não estarmos exagerando ao afirmarmos que esse veterano caixeiro viajante, após tantos anos percorrendo a região colonial, fosse respeitado pelos colegas de profissão. Também seus numerosos amigos na mata virgem, demostravam a mais espontânea  alegria quando cruzavam com a figura  por todos conhecida, vestindo suas roupas coloridas e montando uma soberba mula.

Alfred Schrunk nasceu em 1860 em Rivera no Uruguai. Estudou na Alemanha e em 1876 veio para o Rio de Janeiro e o ano seguinte para Porto Alegre. Começou a vida como funcionário da diretoria dos transportes de imigrantes para a recém iniciada colonização de Conde D’Eu e Dona Isabel. Conquistou o apreço de todos os imigrantes a ele confiados numa época em que nem sempre recebiam tratamento humano da parte dos funcionários do governo. Em especial no alto Forromeco, muitos colonos perguntavam por notícias e num tom de indisfarçável amizade recordavam-se do “gordo Schrunk” e não se esqueciam de lhe mandar saudações.

Não é a qualquer um, como foi o caso de Heinrich Teschner, viajar por 28 anos. Nasceu em 1852 em Wagstadt na Silésia austríaca e desembaraçou em Porto Alegre em 1874. Encontrou o primeiro emprego na casa de comércio de C. J. Schilling. Viajou para esta casa até transferir-se para Bastian & Meyer e mais tarde para Bastian e & Cia. Faleceu em 1901 depois de trabalhar 21 anos na mesma casa.

Leopold Bastian nasceu em São Leopoldo mas transferiu-se para Porto Alegre em 1871.  Trabalhou com Heinrich Teschner na Firma Bastian & Meyer. Começou depois a percorrer a colônia como caixeiro viajante para H. Bom. Em 1874 passou para a firma Barbedo  & BAstian para, em seguida tornar-se sócio de B & M. Depois tornou-se sócio da casa de comércio de fazendas de Bastian & Cia. Muitos anos se passaram desde que encilhou pela última vez sua mula para, de botas e esporas, oferecer aos filhos da mata virgem as maravilhas a sua firma. Seria conhece-lo pouco se achássemos que não se recorda com prazer de suas atividades como jovem, que lhe serviram como escola preparatória para ser comerciante  estabelecido por conta própria.

J. G. Magnus foi colega de Bastian na firma Barbedo Bastian. Nasceu em Torres. Em 1874, com 24 anos veio a Porto Alegre. Na condição de caixeiro viajante a serviço da citada firma, percorreu  a região do mato e do campo. Passou depois para a firma Chaves & Almeida também como viajante. Em 1883 estava em condições de estabelecer-se por conta própria.

Phillipp Becker dedicou-se durante 20 anos à profissão de caixeiro viajante, para no final, trabalhar como procurador no mesmo estabelecimento. Conhecido na Praça 15 de Novembro como o “homem do ferro”, foi o único que ousou deixar-se fotografar com um chapéu pouco condizente com uma caixeiro viajante. Nasceu em Porto Alegre em 1853 e começou a carreira no ramo das ferragens na firma Böhmer & Dörken. Em 1890 estabeleceu-se por conta própria.

O homem que de forma alguma não conseguiu, ou não quis deixar de viajar foi o moselano Ernst Schmeiders, nascido em Cron em 1851. Desembarcou em Porto Alegre em 1871 e encontrou colocação na casa de ferragens de Th. Friederichs & Birnfeld. Administrou  mais tarde um negócio em comissão, estabelecendo-se em 1880 por conta própria com uma firma de porcelanas, ferragens e miudezas, com dedicação especial para as últimas. Costumava-se dizer: o que nãos se encontra em lugar nenhum em Porto Alegre, acha-se em algum canto no Schneiders. Os fatos demonstraram que o negócio não era nada  mau. Grande foi o número daqueles que aprenderam, com mais ou menos proveito a cartilha de Schneiders. Quem lidou  durante muitos anos com a diversidade de sortimento, desde as imensa  torradeiras  fabrico de farinha, até as pulseiras “para senhoras ordinárias”, podia ter certeza: “eu aprendi alguma coisa” e encontrava colocação em outro lugar.

Os perfis dos caixeiros viajantes que selecionamos de muitos outros que percorreram as colônias e a região dos campos a serviço de casas de importação e exportação de Porto Alegre, são paradigmáticos para esse personagem tão familiar na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. A missão que importava na sua razão de ser consistia em garantir o fluxo do comércio entre as grandes casas de Porto Alegre e as vendas nas picadas mais distantes na mata virgem. Faziam às  vezes de bancos transportando volumes grandes de dinheiro vivo e faziam o papel do correio, levando correspondência e pequenas encomendas. Sobretudo, porém, atuavam como portadores de cultura, pessoas que eram vindos do meio urbano, com boa formação e não poucos deles propagadores do pensamento liberal. Por essa razão encontravam por vezes desconfianças e restrições por parte das pessoas e lideranças religiosas, nas comunidades coloniais mais conservadoras.

This entry was posted on domingo, 2 de novembro de 2014. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.