Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Ação policial em Santa Catarina A caravana dos expulsos de 1943

Naquela noite corri sem descanso de um lado para o outro em busca de uma forma para paralisar a situação. Na minha casa eu desocupara todo e qualquer espaço disponível e meus  filhos esfregavam e limpavam os galpões, os depósitos de milho e a garagem, para oferecer abrigo aos expulsos. Contudo no meu íntimo eu esperava que as coisas não chegassem ao extremo e que uma contra-ordem estaria sendo articulada, antes que as caravanas fossem obrigados a se por em movimento. Mas o  inacreditável aconteceu e era preciso agir. Apesar de todas as ameaças de enquadrar-me, apesar da minha cidadania americana, não me intimidei em enfrentar a policia com um: “até aqui e nenhum palmo além”. Pensei comigo: “My house my castle!”. E quem teria poder em impedir-me de abrir as portas e as cancelas e receber e reter as pessoas nos limites da minha propriedade. O que mais poderia suceder-me além de mandado para o exílio junto os demais. Ninguém ousava pôr-me a mão e vista do meu passaporte americano. Valia agora como trunfo e eu o explorei.

Na tarde de 17 de fevereiro entrou na nossa propriedade a primeira grande caravana. Eram os rumenos da linha Popi. Durante a viagem uma pancada de chuva molhara tudo que levavam na carroça. De resto mal molhara o pó da estrada. Reinava uma inquietante atmosfera abafada e homens e animais estavam mortalmente exaustos. Em todos os rostos eu lia o apelo: “É verdade que de fato podemos permanecer na sua propriedade?” Sem perder tempo coloquei à disposição tudo que tinha telhado e sem perder tempo e na melhor das disciplinas estava tudo acomodado. No grande potreiro havia lugar para os animais e as vacas de leite encontraram abrigo na sombra do pomar. A sala de aula dos meus filhos eles próprios a tinham transformado em dormitório para as crianças pequenas e suas mães. Mostravam-se encantadas que em seus berços e carrinhos de bonecas descansavam bebês de verdade. Por tudo corriam e arrastavam-se crianças pequenas. A alegria das minhas meninas era grande por poderem dar a sua contribuição nos banhos coletivos dos muitos bebês, em especial de uma dupla de gêmeos de poucos messes. As mulheres e moças abrigamos em nossa casa, os homens e rapazes no galpão e na garagem. Todos estavam felizes por terem encontrado sombra e descanso.

O dia 18 de fevereiro passou sem notícias e sem aparecimento da policia. Alimentávamos a alegre esperança que não demoraria uma notícia de Porto Alegre. A casa e o pátio pareciam um acampamento de  ciganos. A cera com que  foram impermeabilizados lençóis, improvisados por falta de melhor proteção para as carroças, escorrera com o calor do sol, as roupas de cama ficaram molhadas. Tudo estava estendida ao sol para secar. Várias crianças e mulheres estavam doentes,  isto quando a viagem apenas começara com apenas três dias na estrada.

19 de fevereiro. Martelava-se em todas carroças, melhorava-se e acomodava-se a carga. Um carro de duas rodas acidentado na viagem teve que ser consertado. A pobre família perdeu muitos pertences. No acidente misturaram-se melado, banha e querosene com a roupa, roupa de cama e gêneros alimentícios e a família passou por enorme privação. Contaram-me que a filha de 16 anos portara-se como uma heroína, segurando com força sobre-humana os bois pelos chifres, até que as crianças pequenas fossem retiradas do carro tombado, as correias e laços pudessem ser cortados para evitar uma tragédia maior.

A atmosfera oprimente perdurou também durante todo esse dia que terminou também sem uma notícia. A coragem e a esperança por socorro começou a diminuir aos poucos entre as pessoas. Custou-me muito trabalho mantê-las confiantes.

Na entrada da noite percebemos a aproximação de um automóvel. Todos correram até a estrada para certificar-se o que significava. Eu pessoalmente tinha que estar sempre a postos, para estar presente se alguma coisa acontecesse.  Estava consciente da responsabilidade que assumira de livre escolha da minha parte,  pelos meus atos . Corri até lá. O carro passou lentamente na frente do pomar com o motor desligado, em cuja sombra estavam estacionados as carroças dos fugitivos. No banco da frente encontrava-se além do capitão fardado o nosso delegado. No portão de entrada do pomar o carro parou um momento e escutamos quando o capitão chamou a atenção do delegado que apontava satisfeito para as carroças: “Veja, senhor, já estão aqui”. O automóvel seguiu então o caminho em direção a Porto Feliz. Mais tarde soube-se que o delegado queria estar ausente, para que uma contra-ordem vinda donde viesse, se tornasse inviável  para que os expulsos fossem obrigados a continuar a marcha para o exílio.

Sabíamos agora o que estava acontecendo. O senhor capitão deveria ter a impressão de que a evacuação estava acontecendo em perfeita ordem e que as pessoas seguiam “meio voluntárias”. Não há dúvida de que a impressão era bastante positiva. Ao transeunte poderia parecer um acampamento de fim de semana em nosso pomar. O fato de morarmos bem próximo do limite do território éramos também a última estação em condições de oferecer abrigo para uma caravana e pasto para os muitos animais. O sr. capitão nem suspeitava a miséria que reinava nos fundos.

Neste meio tempo algumas pessoas tinha contraído infecções intestinais ao ponto de termermos uma epidemia de tifo pois, alguns casos já haviam sido constatados na colônia. A penúria de água era demasiada e restava outra saída senão beber a água do rio. Meu cunhado dr. Neff vinha todos os dias fazer uma visita aos doentes e deixar-lhes medicamentos.

20 de fevereiro. Em vão e angustiados esperávamos a entrada de notícias para aquela noite. A cavalo percorri todos locais onde supunha se encontrarem pessoas nossas. Queria ter uma idéia de quantos se encontravam nas estradas e organizar tudo de tal maneira que a marcha progredisse  o mais lentamente possível. Insisti que permanecesse por mais um ou dias nos pousos pois, confiava que a ajuda viria de qualquer forma. Observei o desespero em tantos e tantos rostos e tive que recorrer às últimas reservas para convencer  que as pessoas a manter o ânimo em pé.

A ameaça contra mim de um forasteiro qualquer que passara provocou a desconfiança no acampamento dos romenos. Ninguém queria que queria que o acampamento deles resultasse em algum mal feito contra mim e decidiram e decidiram continuar o deslocamento com sua caravana, para deixar lugar para os que vinham vindo. Fiaram para trás somente alguns doentes e aos demais recomendei com insistência que não passasse dos limites do território da Sociedade União Popular, a fim de não perdermos o contato. Pra que o contato não se desfizesse cuidaram meus filhos com suas motocicletas. Sentia-se orgulhosos quando tinham novidades a comunicar. Não demorou para tornaram-se íntimos com os mais jovens dos acampamentos de fugitivos.

Seguiu-se uma intensa atividade de limpeza e de desinfecção do ambiente para, pelo meio dia acolher a seguinte coluna. Eram todas famílias alemãs das linhas  Dourado, Hervalzinho e São João com muitas crianças pequenas. Fizemos tudo para por à disposição o que era o possível. Liberamos a roça para colher pasto para os animais. Os homens tinha sempre algo a fazer nas carroças, concertando, adaptando, modificando o que se mostrara pouco prático. A situação era  especialmente dolorosa para as mães com crianças e contudo não perderam o ânimo e a confiança em Deus. Uns ajudavam aos outros e nessa situação a unidade e a disposição de ajudar-se mutuamente, era maior do que nunca.

Minhas filhas estavam fora de si entre tantas crianças queridas das quais podiam cuidar. Já tinham escolhidas as mais pequenas que ficariam conosco para não enfrentarem a viagem. Havia uma movimentação colorida na casa e arredores. A rotina diária, da manhã à tarde, consistia em lavar roupa, cozinhar, dar banho nas crianças, fazer pão e satisfazer as boquinhas com fome. Além das famílias havia neste grupo também alguns solteiros. Era de fato comovente como se doavam aos outros. De manhã cede até noite a dentro carregavam lenha, aqueciam o forno, faziam pasto, ordenhavam as vacas e mostravam-se de todas as maneiras como companheiros queridos e práticos.

Depois de me certificar de que todos estavam bem acomodados, cavalguei de volta para sustar a marcha dos que vinham depois. Insisti que todos ficassem no ponto em que se encontravam. Mas horas passavam e a situação tornava-se cada vez mais desesperadora. Havia abrigados também nas propriedades das minhas irmãs e da vovó, como também em ao longo da estrada onde havia galpões e telhados. Um grupo bem humorado havia avançado até a atura o nosso vizinho. Autodenominavam-se os 12 apóstolos e o “Zöllner”, (cobrador de impostos). Tratava-se dos homens casados com brasileiras, aos quais era mais fácil manter o humor pois, as mulheres e as propriedades foram mantidas em funcionamento. Marchavam a pé cada qual levava apenas o mais indispensável.

Dois homens vieram de Porto Feliz para informar-se sobre um possível socorro e orientar os expulsos de lá acordo  com a resposta. Minha situação tornava-se cada vez mais difícil, porque eu esperava tão desesperadamente por notícias quanto os demais. Agarrava-me cada vez mais no conteúdo de  um telegrama do sr. Gaston Englert de oito dias arás, no  qual se pedia para reter os colonos. Sempre tive o sr. Gaston Englert como um dos dirigentes mais proeminentes da Sociedade União Popular. Isso impediu-me que eu vacilasse  o sr. Englert pode ter a certeza que o telegrama enviado na ocasião foi a última centelha de esperança de todos os dispersos. Com certeza dificilmente e toda a sua vida um telegrama dirigido a pessoas na maior das angustias e aflições, significou tanto quanto este que decidiria sobre um destino tão desumano. O fato de as negociações de uma intervenção nos acontecimentos se  arrastassem deve ser creditado à distancia e as circunstâncias, sob as quais foram conduzidas. De qualquer forma da minha parte fiz tudo ao meu alcance para manter em pé a fé e a esperança das pessoas.

Como a primeira coluna já avançara até Catres, pedi a um dos padres que rezasse ainda uma missa e ministrar-lhes os sacramentos se até o domingo não entrasse uma contra ordem pois, para mim estava claro, que para não poucos significaria uma marcha para a morte. O sacerdote atendeu de boa vontade ao pedido.

Tarde naquela noite escutamos o ronco de um carro na altura da barca. Meu filho precipitou-se imediatamente até lá, mas o caminhão já se fora. Soube, entretanto, que um religioso viajara com ele. Enquanto esperava a volta do meu filho na beira da estrada, apareceu um passageiro do caminhão. Perguntei-o por notícias, mas de medo ele nada informou.  Por fim consegui que ele dissesse que tinha escutado que o socorro estava a caminho. Forneceu-me também o nome de um conhecido que chegara pela outra estrada até Itapiranga. Deduzi que ele era o portador da notícia. As pessoas vinha correndo de todos os acampamentos com a esperança que se tratava da notícia tão esperada. Contudo não passou de uma centelha de esperança. Pisávamos em brasas. A inquietude aumentava constantemente e a maioria começou a perder a esperança por uma salvação. Tinham medo dos castigos com que foram ameaçados na eventualidade de resistência. Não restou-me outra saída a não ser pedir que esperassem até o domingo.

Pela meia noite quando a lua  nasceu e subiu no firmamento, iluminando o caminho, meu filho percorreu com a motocicleta o longo caminho até Itapiranga, a fim de informar-se se alguém sabia de alguma novidade. Naquele domingo de manhã reunimo-nos em nossa casa para uma devoção. Vieram também os  acampados na vizinhança, ocupando todo espaço disponível. Há muito tempo estavam proibidos os cantos religiosos em língua alemã. Mas naquele dia ressoaram no “meu castelo” os velhos versos, talvez pela última vez, carregados pela nostalgia pela quietude do domingo. Comovi-me com a devoção, de modo especial dos homens pois, aquele domingo foi para todos um dia decisivo e o clima de incerteza minava os nervos. Minhas filhas acompanharam as belas canções no harmônio e no final uma senhora pediu pelo menos mais um canção. Entendi muito bem a sua angustia pois, deixara para trás, com as irmãs de Itapiranga a meno para evitar que sucumbisse naquela marcha para a morte.

Implorou para minha filha: cantemos mais uma vez a canção: “Confia minha alma, confia no Senhor”. Todos entoaram com muita seriedade a canção, mas já não era um cantar mas um implorar, o último grito de socorro vindo do fundo da alma e do abandono. Impossível reter as lágrimas: “Quando tudo desaba, Deus não nos abandona pois, a angustia não é maior do que Salvador”.  Enquanto lá dentro repetíamos o último verso, ouvimos lá fora na estrada  meu filho dava sinal na motocicleta. O último “Deus fiel”, mas deixara de soar, quando todos se apressaram em correr para fora. A motocicleta contornou a esquina e avistei meu filho levantar bem alto e sacudir uma carta, enquanto gritava: “De Porto Alegre”.

Foi esta a resposta imediata ao grito de socorro e que nos abalou a todos. Constatou-se mais uma vez de que: “Onde a necessidade é maior, Deus está mais perto”. Eram duas cartas, uma do meu marido que nos comunicava que poderíamos ficar todos onde estávamos e um longo relato do dr. Albano Volkmer, dando conta das providências que estavam sendo tomadas no Rio de Janeiro para intervir no processo e que esperássemos tranquilamente até ser emitido um  documento oficial neste sentido da parte das autoridades. Todos respiramos aliviados pois, tínhamos certeza que o cortejo da morte seria interrompido.

( O relato conclui na postagem que segue)

Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Nacionalização e ação policial em Santa Catarina A caravana dos expulsos de 1943

Nota introdutória
Os anos de 1942, 1943, 1944 e 1945 foram especialmente difíceis ara os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil, de modo especial  nos estados do sul. A Campanha de Nacionalização, desencadeada em 1938, assumira características de uma perseguição sistemática e implacável  contra tudo e todos que, de alguma forma sugerissem  alguma relação com o que era alemão, ou assim  pudesse ser interpretado. A situação agravou-se em muito depois da entrada  do Brasil na Guerra, em agosto de 1942. Falar alemão, ler alemão, manter relações de amizade com algum alemão, ou simplesmente  ter cabelos louros, colocava a pessoa sob suspeita  de traição. A ação policial tornou-se cada vez mais ostensiva  e mais draconiana. As prisões se sucediam. O confinamento  em cadeias comuns ou em colônias penais, tornou-se  um fato rotineiro. Não se respeitavam nem os princípios mais elementares  da inviolabilidade dos lares, do livre ir e vir e a integridade física ou moral. Instalou-se um clima generalizado de  suspeitas, de vinganças, de temores. Em não poucos casos, as pessoas acuadas pela ação policial, viviam com que em prisão domiciliar.

O documento aqui publicado é bem uma amostra dos extremos a que se pode chegar em circunstâncias como as que predominaram nos estados do Sul durante a Segunda Guerra Mundial. Foi redigido pela sra. Maria Rhode, alemã de nascimento, mas portadora de cidadania norte americana e esposa de Carlos Rhode, diretor da Colônia de Porto Novo (Itapiranga), no extremo oeste de Santa Catarina A Colônia contava na época com apenas dezoito anos. Fundada em 1926, compreende hoje os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. As terras haviam sido adquiridas pela Sociedade União Popular, organização dos teuto-brasileiros católicos, com sede em Porto alegre, e estavam sendo vendidas aos associados, dentro de um projeto étnica e confessionalmente identificado. Entendem-se perfeitamente as preocupações das autoridades frente a uma população exclusivamente de alemães  e descendentes de alemães, assentada numa área de fronteira desprotegida com a Argentina, manifestamente simpática à Alemanha, e o Brasil, em estado de guerra declarada àquele país. O fato de uma  porcentagem significativa  dos moradores da Colônia terem sido alemães natos, imigrados para Brasil depois da Primeira Guerra Mundial, foi um motivo a mais para suspeitas. Acontece, porém, que entre eles não havia ninguém filiado  ao partido nazista, como acontecia com frequência em outros lugares no Sul do Brasil. Pelo contrário. Uma porcentagem significativa deles tinha emigrado da Romênia. Eram descendentes  dos antigos   alemães imigrados para a Rússia, expulsos pelo regime. Portavam certidões de nascimento russos. Refugiados na Romênia, obtiveram passaportes alemães e haviam imigrado legalmente para o Brasil. Um segundo grupo era formado por profissionais liberais, inclusive de nível superior, que haviam abandonado a Alemanha devido à sua posição  contrária ao regime nacional-socialista. Foram tentar a vida como colonos naquela fronteira de colonização. Os demais tinham o perfil do imigrante convencional que migra a procura de melhores oportunidades em outro país.

Fica mais do que evidente que os alemães estabelecidos na Colônia de Porto Novo, não tinham nenhum envolvimento, muito menos compromisso com a ideologia  nacional-socialista. Pelo contrário. Um bom número deles podia ser considerado banido pelo sistema nazista. Um segundo grupo era composto por cidadãos russos expulsos pelo regime comunista. Pessoas comuns, para as quais o nazismo não oferecia nada que as pudesse aliciar,  formavam o terceiro grupo.

Pois bem. Foi exatamente naquela fronteira de colonização, no extremo oeste de Santa Catarina, que a Campanha de Nacionalização produziu um dos episódios policiais mais negros, mais constrangedores e por isso mesmo, quem sabe, pouco conhecido. Os alemães romenos expulsos da Rússia, os alemães que haviam abandonado o país por causa do nazismo, os alemães emigrados em busca de melhores oportunidades de vida, descendentes de imigrantes alemães de até a quarta geração, foram todos nivelados pela acusação de terem sido nazistas ou no mínimo simpatizado com o nacional-socialismo. A distância, o isolamento e as dificuldades de comunicação, facilitaram uma ação   policial que, objetivamente falando, avançou para além dos limites do aceitável, mesmo em tempo de guerra.

O documento não deixa claro até que ponto as autoridades locais e regionais agiram por conta própria e até que ponto estavam obedecendo orientações superiores. De qualquer maneira fica difícil imaginar  que delegados de polícia locais e comandantes subalternos da policia assumissem, por sua conta e responsabilidade, o confisco  de bens e propriedades,  a deportação de centenas de homens, mulheres e crianças, com o objetivo de concentrá-los num campo de confinamento, sem assistência, sem infra-estrutura, abandonados à própria sorte.

Da época da Segunda Guerra Mundial tem-se notícia de mais três campos de confinamento de alemãs no Brasil, porém, com características diferentes daquele de Porto Novo e até certo ponto compreensíveis nas circunstâncias. Dois deles foram instalados no vale do Paraíba para receber  as tripulações de navios mercantes alemães fundeados no porto de Santos, por ocasião  da declaração de guerra do Brasil à Alemanha. Um terceiro, noticiado ultimamente pela revista Veja, edição de nº 1338, de 18 de março de 1998, encontrava-se em Pernambuco, com a finalidade específica de confinar os funcionários alemães das Lojas Lundgreen. Suspeita-se neste caso que o confinamento tivesse, na verdade a finalidade de proteger os funcionários da Lundgreen, para não serem molestados pelo fato de serem alemães.

O caso de Porto Novo assumiu conotações muito mais dramáticas do que os demais. Colonos com suas famílias, homens, mulheres e crianças, depois de espoliados dos seus bens e sequestradas as economias, de um dia para o outro, foram simplesmente expulsos da Colônia e obrigados, sem um mínimo de apoio logístico, a empreender uma peregrinação até Xanxerê. Essa localidade ficava a 200 quilômetros  para o norte no estado de Santa Catarina, na região do campo. Vamos ao relato de Maria Rhode.

O sol escaldante torrava toda a paisagem, as plantações ressequidas, a mata vigem seca, por sobre os caminhos, sobre os homens e os animais. Os alegres arroios que em melhores tempos rumavam céleres e alegres ao encontro do grande irmão Uruguai, estavam secos. Seus leitos cobertos de pedras e cascalhos nus, ofereçam um espetáculo desolador. Aqui e lá, ora perto, ora longe levantavam-se incêndios bastava cair uma fagulha para incendiar a vegetação seca. Um odor pesado de fumaça e fogo tomava conta da atmosfera. Nenhuma brisa mexia as folhas e um calor de 32 a 35 graus R. Na sombra, paralisava  qualquer ser vivo.

Haviam-se passado três semanas de medo e preocupações pois, os incêndios na mata faziam-se visíveis  por toda  a parte. As ondas de fogo aproximavam-se também de nós. Atrás do morro na propriedade a mata virgem estava em chamas e não havia água para apagar o fogo. Jamais os estados do sul tinham passado por tamanha estiagem. Há meses que não caía uma chuva satisfatória e a grande maioria dos poços tinham secado. Só com muito trabalho os colonos conseguiam água para os animais domésticos. Não poucos viam-se obrigados a levar o gado até bebedouros afastados. E quando a  propagação da voracidade avançou ao ponto de ameaçar as benfeitorias e as plantações dos colonos, os vizinhos uniam-se e abriam largas brechas na mata virgem, para atalhar o avanço do fogo. E como não soprava uma brisa sequer obtiveram êxito.

Num desses dias meu ilho mais velho chegou em casa com tantas e tamanhas bolhas na a ponto de quase não conseguir movimentar a mão.  Foram os terríveis dias do verão 1942-1943. Jamais esqueceremos o que passamos.

Continuava parecer-me inacreditável a ordem de partir de todos os estrangeiros. Já não bastara que os homens arrimos da família fossem levados e durante semanas não se tinha notícia do seu paradeiro, enquanto mulheres e crianças lutavam sozinhas nas roças para garantir o pão de cada dia. E agora, todos eram obrigados a partir? É verdade que as crianças nascidas no Brasil podiam ficar para trás. Mas, será que esses desumanos por acaso acreditavam que uma mãe alemã deixaria seus pequenos sozinhos para trás? Era possível apenas no caso de que os filhos já estivessem mais crescidos, ou se pudessem ser confiados a pessoas de confiança. As bondosas irmãs de Itapiranga assim como famílias decentes, encarregaram-se algumas das menores, sem condições de suportar os incômodos da viagem. No geral, porém, as mães não se separaram dos filhos.

Havia também imigrantes alemães casados com mulheres brasileiras e vice-versa, fazendo com não poucas famílias fossem separadas à força. Qualquer pode imaginar-se o que significa deixar para trás a casa, as benfeitorias, as plantações e mudar-se para uma terra desconhecida, sem recursos e sem meios de locomoção; percorrer caminhos sem sombra, parte pela mata virgem, parte pelo campo, com temperaturas beirando os 35º. Penalidades legais seriam aplicadas aqueles que até o dia 15 de fevereiro não tivessem deixado suas propriedades.

No dia 16 de fevereiro, a primeira coluna de expulsos, movimentava-se lentamente pelos caminhos cobertos de pó. Onze simples carroças de colonos, carregadas com gêneros alimentícios, alguma louça, roupa de cama e crianças pequenas. Alguns homens e mulheres seguiam com vacas, outros as levavam presas às carroças, puxadas  por cavalos, mulas ou bois.

A “coluna dos condenados à morte”, por nós chamada assim para expressar o nosso estado espírito pois, que outra coisa esperariam as pessoas em tais circunstâncias?

Em países em guerra os cidadãos inimigos são internados em campos de confinamento, onde encontram abrigo e onde se lhes garante o básico de alimentação. Nada disso aconteceu aqui. Os estrangeiros inimigos foram proibidos de vender propriedades, seus depósitos nos bancos bloqueados, todas as armas arrestadas. A estação do trem ficava a 200 quilômetros de distância e não oferecia possibilidade de transporte. Os caminhões que não conseguiam gasolina, mantinham a muito custo o contato com o mundo exterior. De mais a mais nem havia possibilidade de trafegar nas estradas em péssimo estado até o longínquo local do exílio.

Naquela altura nem dispunha de um único caminhão em condições de trafegar em Porto Novo. Todos encontravam-se em viagem e tenho certeza de que nenhum dos nossos motoristas teuto-brasileiros, tinha vontade de colaborar que a determinação desumana, abstraindo do fato de que dificilmente alguma das famílias dos colonos dispunha de meios para pagar a viagem. Ninguém tinha a mínima ideia onde se localizava Xanxerê  e como eram as condições de lá. Dizia-se que ficava, na região do campo  cerca de 200 quilômetros para o norte. Noticiava-se também que já se tinham apresentado certos patifes, tentando espoliar os miseráveis de seus últimos recursos, oferecendo a colônia de terra por 7:000$000 ou por 600$000 de aluguel lotes em condições de serem cultivados. Para agravar a situação a estação do plantio demoraria meio ano e a colheita meses mais depois.

Era de chorar o aspeto dessas tristes caravanas. Muito mais miseráveis do que viaturas de ciganos. Estas pelo menos dispunham de uma cobertura e normalmente pelo menos uma lona protegendo os carros, coisas que as nossas caravanas careciam. A crescia a tudo isso o grande número de crianças pequenas e em não poucas famílias a presença de crianças de peito. Todas elas tinham nascido aqui. Eram todas brasileiros natos e cidadãos de plenos direitos. E neste caso?

Os primeiros a chegar foram os teuto-romenos do interior. Durante a primeira Guerra Mundial esses alemães fugindo da Rússia, tinha perdido tudo. A Alemanha empobrecida recebera na ocasião os fugitivos como netos e bisnetos dos antepassados emigrados. Tratou-se com simpatia e mais tarde receberam a autorização de imigrar, para aí construir uma nova pátria e agora estavam sendo coagidos a peregrinar como apátridas, arrastando consigo uns poucos pertences. Receberam o tratamento simples e puro de estrangeiros inimigos, só porque tinham viajado com passaportes alemães, embora portassem atestados de nascimento russos.

Esta foi a primeira caravana: 64 pessoas e 58 animais. A esta seguia caravana após caravana, os demais homens, mulheres e crianças, alemães de nascimento. A revolta e estupefação paralisava toda a população de Porto Novo. Toda a população teuto-brasileira estava de tal forma intimidada pelas buscas domiciliares que haviam precedido, pelos procedimentos brutais e à revelia da lei, como na caso dos cidadãos brasileiros Kliemann e Eidt, que ninguém ousava uma reação. Como todos os demais também o clero tinha as mãos amarradas pois, bastava uma palavra para ser ameaçado com prisão e pauladas e em alguns casos levados a  efeito.


(O relato  continua na postagem seguinte)

Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Ação policial em Santa Catarina Excertos do diário de Maria Rhode

No dia 30 de dezembro (1942), recebemos o primeiro “aviso” por meio de um desconhecidos, de que todos os estrangeiros seriam expulsos da região. No dia primeiro de janeiro (de 1943), aconteceram novas devassas nas casas. Desta vez também na casa da minha irmã. E como em todas as outras, com resultado negativo. No dia 6 de janeiro, ao escurecer duas canoas com cerca de 10 homens. atracaram no nosso porto. Tudo foi revirado e vasculhado em busca de objetos perigosos, que obviamente não existiam. No dia 10 de janeiro houve uma festa  na sede da Sociedade Atiradores, promovida pela brigada militar do Rio Gande do Sul, aí estacionada. Na ocasião, o comandante, um aspirante, pronunciou o malfadado discurso, no qual anunciava que todo os “estrangeiros” foram intimados a deixar “livremente” Porto Novo e dirigir-se para um local chamado Xaxim Xanxerê. Mas  este discurso de arrepiar não foi levado a sério e ninguém pensou em evacuação. Neste meio tempo mandei informações urgentes sobre a situação que se agravava cada vez mais.
No dia 30 de janeiro sucederam-se na Linha Becker, perturbações, excessos, abusos, devassas em casas, molestações de todo tipo, praticados pelo aspirante e seus subordinados. -  No dia 31 de janeiro veio o delegado de Xapecó e deu ordem que todos os comissários se apresentassem no dia 1º de fevereiro.  -  No dia 2 de fevereiro os comissários comunicaram que todos os estrangeiros se apresentassem no dia 3 de fevereiro na delegacia.
No dia 3 de fevereiro, bem cedo, tudo estava em movimento. Reinava um calor insuportável. Uma camada de pó de um palmo cobria as estradas, devido à prolongada seca e respirava-se uma atmosfera carregada de fumaça vinda dos incêndios na floresta. No clarear do dia, cavalguei até a cidade em companhia do sr. Batista Hofer. Depois de horas sob um calor sufocante, encontrei todos os estrangeiros, velhos e jovens, quase só homens, reunidos onde quer que houvesse uma sombra. Mulheres somente aquelas, como eu, que estavam sozinhas, cujos homens, para evitar a prisão tinham cruzado a fronteira e se refugiado na Argentina. Os cavalos ocupavam todo espaço livre na cidade. Diante da delegacia formara-se uma grande fila. Um por um aguardavam o seu despacho que vinha curto e grosso. Ao registro seguia a ordem de em 10 dias estarem prontos para partir, buscar os “documentos para a viagem” e pôr-se a caminho para Xaxim Xanxerê, para o exílio. Para as diversas objeções ou o argumento de impossibilidade, seguia a resposta lacônica: “Quem até o dia 13 não tiver abandonado a casa, será forçado pelos soldados e posto na estrada.
Combinamos que manteríamos de qualquer forma a tranquilidade e antes de mais nada a disciplina e não oferecer às autoridades nenhum motivo de nos atacar. Manter a união foi a palavra de ordem! Em caso extremo pôr-nos a caminho em bloco fechado, cada qual dando apoio ao outro, em marcha lenta, sem sair do território da Sociedade União Popular. Se possível ninguém deveria passar da Linha Chapéu.
Os dias seguintes foram inauditos.  Num prazo tão curto era impossível liquidar casa e propriedade, desfazer-se do gado e das plantações, fruto do trabalho pesado de muitos anos, conseguir meios de transporte para uma viagem dessas com a família, além de reunir  os equipamentos domésticos e os gêneros alimentícios indispensáveis. Foi preciso vender todo o gado por preços irrisórios ou então abatê-lo, para conseguir o dinheiro para comprar uma carroça e bois resistentes para a longa viagem. Funcionários, entre eles um oficial de justiça intimidavam as pessoas de tudo que era forma e aproveitavam a ocasião em seu próprio proveito, às custas da desgraça do expulsos. Compravam o belo gado por valores miseráveis para, em seguida, negociá-lo com enormes lucros. Ofereciam a preços exorbitantes terras no exílio que não existiam. Pelo que soube acima de 30 das melhores vacas leiteiras foram negociadas fora do território. Passavam obrigatoriamente por nossa colônia. Condenados que estávamos ao silêncio presenciamos o espetáculo em silêncio.
Vieram problemas ainda maiores. O que aconteceria com as pessoas de idade, os doentes, as mães com crianças pequenas, as mulheres grávidas. Tudo soava tão inaudito, tão inacreditável. Eu mandava um telegrama depois do outro a Porto Alegre, implorando por socorro.
O dia 13 de fevereiro foi a data marcada para que todos se apresentassem na polícia para retirar o “passaporte” para a viagem. Novamente fiz a cavaloo longo trajeto até a cidade. Todos se fizeram presentes e retiraram os “passaportes”. Até aquele momento ninguém acreditava seriamente que as ordens seriam levadas às últimas consequências. Acontece que o inaudito tornara-se realidade e todos estavam profundamente frustrados. Informei os presentes sobre um telegrama que eu tinha mandado a Porto Alegre. Combinei com eles que, no caso de não entrar a tempo uma contra ordem, todos se pusessem na estrada, mas avançassem a passo de lesma e não se afastassem muito. Já que muitos não tiveram tempo suficiente para resolver os negócios, foi-lhes concedido uma prazo adicional de 48 horas, motivo de esperança que a contra ordem entrasse nesse meio tempo.
Passou o domingo, 14 de fevereiro. Estávamos sobre brasas. Nenhuma notícia! Eu estava desesperada. Repetiram a ameaça de me prender caso me metesse de novo. Seguiu então a ordem: Para a estrada! Para frente e ninguém mais poderia retornar. Apesar de tudo, munida com os documentos americanos, cavalguei mais uma vez até Itapiranga. Várias pessoas chamaram-me a atenção que não fosse tão afoita. De passagem parei na casa da vovó. O que fazer? Vovó beijou-me a testa, traçou um sinal da cruz sobre a minha fronte e disse: “Com certeza, deves ir, filha. Vê o que podes conseguir. O teu anjo te acompanhe”. O conselho da vovó não poderia sido outro. Fiz o que ela teria feito se estivesse em meu lugar. Cavalguei até a cidade para negociar com a polícia, munida dos meus parcos conhecimentos da língua e com o telegrama do sr. Englert na bolsa.
No meio do caminho dois comissários vieram ao meu encontro. Vinham com a ordem para colocar imediatamente na estrada as famílias Pölking e Custodies. Dona Neff e Schickling tiveram permissão para ficar. Soube também que os alemães romenos e o povo da Linha Popi já estavam a caminho, formando uma caravana de 11 carroças de bois. No arroio Santa Fé topei com um comissário e dois soldados armados, que levavam a ordem de colocar à força as duas famílias Hoffmann. Fique com nojo frente a tanta brutalidade. Tentei falar com os soldados mas eles se afastaram dando risadas.
A situação tornou-se mortalmente séria. Continuei a galope, primeiro até a agência do correio e mandei mais telegramas a Porto Alegre: ”Expulsão à força!” O telegrafista Erasmo Mello, um brasileiro de sentimentos nobres, mandou sem hesitar o meu telegrama. Seguindo instruções, fora ele que endereçara a mim o telegrama que prometia ajuda. Lamentou a situação e mostrou-se em todos os sentidos um homem correto e pronto para ajudar. Do correio fui à delegacia par negociar mais um prazo. A resposta foi que não me metesse no assunto. Na delegacia encontrei o Pe. Theodor Treis, que acabar de retirar o seu salvo conduto para viajar. Segui-o até a casa paroquial e pedi que viajasse imediatamente a Porto Alegre para levar informações pois, a polícia ameaçava interromper o serviço telegráfico.
Naquela mesma noite o Pe. Treis, que já fora denunciado e intimado, foi até nossa zona e levou cartas e notícias e no dia seguinte de manhã cedo tratou de alcançar o chão do Rio Grande do Sul e esperar por ocasião para viajar. Graças a Deus, ele e as notícias estavam garantidas e seguiriam em boas mãos
15 de fevereiro. Sobre a ponte coberta encontravam-se as carroças dos moradores de Popi, que se tinham abrigado de uma tormenta. No dia anterior o Pe. Treis despedira-se do seu rebanho com lágrimas nos olhos. Cavalguei de volta até em casa, depois que a polícia me negou todo e qualquer entendimento. Com crescente angústia esperávamos por socorro e a resposta não vinha .... A marcha para a morte iria começar ....

Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Relatório II da Polícia #2

O documento que apresentamos a seguir é o Relatório II da Chefatura de polícia do Rio Grande do Sul, publicado em 1942.  Consiste na continuação e complementação do Relatório I. É apresentado e, 7 partes: uma introdução geral;  -  a segunda, uma análise da participação da propaganda do consulado e, em especial, do cônsul Ried;  -  a terceira, sobre religião e política nazista, abordando a questão dos pastores protestantes e pregadores do Evangelho como meio para contrabandear a ideologia nacional-socialista para dentro do País;  -  a quarta, ocupa-se como envolvimento da União Beneficente e Educativa Alemã  na difusão das ideias e propostas nazistas;  -  a quinta, ocupa-se com a propaganda e mostra como os ideais nacional-socialistas são veiculadas por meio de toda a sorte de publicações como livros, jornais, almanaques, revistas, periódicos, impressos avulsos, etc.;  -  a sexta, leva o título “Juventude Brasileira” e trata do aliciamento dos jovens para a ideologia nazista, principalmente pelas organizações criadas para essa finalidade;  -  sétima, esse capítulo centra sua as atenções à Liga Colonial do Reich e o Boicote Comercial.
Neste Relatório as autoridades policiais oferecer às demais autoridades e aos brasileiros em geral, as provas definitivas da existência de um “perigo alemão” no Estado, desmascarando sues agentes e denunciando seus métodos. O Relatório II começa com uma introdução na qual se afirma:
“Outras faces do problema, não divulgadas então, (no Relatório I) aparecem agora examinadas de forma a permitir, não só ao Governo do Estado, como aos altos responsáveis da República, um estudo completo da matéria. Julgamos ter cumprido assim, um indeclinável dever patriótico, tornando possível aos novos dirigentes o exame de um assunto que afeta a própria nacionalidade. Durante muito tempo não se acreditou e até zombou-se da existência de semelhante caso. Os documentos apresentados em nosso primeiro relatório em parte abalaram tal incredulidade. O povo só mais tarde foi orientado pelos jornais, com a divulgação de noticiários estrangeiros, referentes às pretensões de Hitler na América do Sul. (Relatório II. P. 7)
Após essas palavras introdutórias, segue uma série de referencias indicando os tópicos que foram considerados especialmente ilustrativos par comprovar o “perigo nazista” no Estado. Afirma-se que o nazismo, em nome do princípio da autodeterminação dos povos, exige a união de todos os alemães em uma grande Alemanha. Segundo o Relatório, foi essa a razão pela qual se estabeleceram comunidades alemãs no exterior que, pelas sociedades e associações perseguiam como finalidade maior a preservação dos valores,  costumes e a maneira de ser alemã.
Seguindo na sua exposição o relator afirma que germanismo e nazismo são conceitos que se confundem. Um é essência do outro. Portanto, sem nazismo não há razão de ser para o germanismo, sendo o inverso também verdadeiro. Estamos aqui frente a mais um equívoco em incorreram os nacionalizadores. Basta abrir o dicionário Aurélio e conferir o significado do termo “germanismo”. Os três significados básicos são: 1.Palavra, expressão ou construção peculiar à língua alemã; 2. Admiração excessiva ou fanática de tudo quanto é alemão; 3. Imitação das maneiras, costumes ou coisas alemãs. A confusão é evidente.  Tomando como base o segundo e o terceiro sentidos, o temo germanismo reporta-se à história, às tradições, , usos, costumes, enfim, à maneira peculiar de os alemães se identificarem, o normalmente se chama  de germanidade. Ora o nazismo não passa de uma ideologia política que defende a ideia  de um estado nacional-socialista. O conceito de “germanismo” foi, entretanto, interpretado no Relatório como número conceito racial: “Eliminando a questão racial (germanismo), terá desaparecido o nazismo”. (Relatório II, p. 8). Em vez de esclarecer a questão alemã do nazismo, o autor do Relatório agrava ainda mais a confusão. Quando em qualquer ambiente razoavelmente informado, o termo germanismo é entendido como um conceito de natureza cultural, no Relatório  é reduzido a uma um mero significado biológico, confundindo-o com o conceito de raça.
O autor ou os autores do Relatório incorrem num segundo equívoco e este ainda mais danoso, quando afirmam que “nazismo e germanismo” são a essência um do doutro. É a mesma coisa do que afirmar que a ideologia nacional-socialista é fruto do germanismo e que o germanismo, por sua vez, se perpetua pelo nazismo. Aqui há duas coisas que merecem destaque. A primeira, quando se fala em germanismo entende-se de fato uma tradição cultural e não uma concepção idiossincrática da raça alemã. É certo que uma tradição cultural, uma história de muitos séculos, com valores consolidados e implementados por usos e costume próprios, oferece solo fecundo para germinar e medrar uma determinada ideologia, no nosso caso, a nazista. Concluir daí, porém, que foi produto do germanismo, não passa de um reducionismo simplista. Ninguém nega que o nacional-socialismo encontrou chão fértil numa Alemanha destroçada pela guerra e mergulhada numa profunda crise de identidade, somada ao caos social, político e econômico. Seus defensores souberam aproveitá-lo magnificamente como forma para reafirmar a identidade nacional e reencontrar a sua própria dignidade.
Um outro aspecto da questão mercê ser lembrado. De que maneira o germanismo pode ser considerado como a essência do nacional-socialismo, se esse tipo de ideologia, floresceu nos pontos mais distantes do planeta e entre povos com tradições as mais diversa. Basta lembrar o fascismo na Itália, o falangismo na Espanha, o salazarismo em Portugal e, não esqueçamos, o nacionalismo do Estado Novo no Brasil. Essa confusão toda só foi possível na medida em que as autoridades nacionalizadoras não se aperceberam de que estavam identificando erroneamente, um conceito de natureza cultural com uma concepção ideológica de Estado e da sociedade, aliada a uma concepção da superioridade  biológica de uma raça.
Depois de lido e examinado o conteúdo do Relatório II é lícito tirar algumas conclusões.
A primeira. O Relatório ocupa-se com uma série de fatos que de forma alguma poderiam ter sido ignorados pelas autoridades, tanto civis quanto policiais. Entre eles, destaca-se a tentativa de instalação de um rádio transmissor de longo alcance no navio alemão “Rio Grande”; a posição declaradamente  favorável ao nazismo de certos líderes religiosos; o rumo que uma série de organizações teuto-brasileiras começavam a seguir; a orientação de setores da imprensa  veiculando matérias favoráveis à ideologia nacional-socialista.
A segunda. Outras questões, como foi a de legalizar a União da Juventude Teuto-Brasileira posta fora da lei; o  episódio do boicote comercial; a acusação contra pastores evangélicos como porta vozes disfarçados do nacional-socialismo e  outros, pareem pouco relevantes, quando encarados como seriedade e objetividade.
 Terceira. Ao analista de hoje salta aos olhos o exagero de importância que atribui indistintamente a todos os fatos. As circunstâncias criadas pelo envolvimento progressivo do Brasil no conflito mundial a favor dos aliados, explica de alguma forma a reação das autoridades municipais, estaduais e federais. Não justificam, entretanto, o clima de pânico e terror que espalharam entra as populações de origem alemã.
A quarta. A maioria dos fatos e episódios arrolados continha um potencial de periculosidade nada desprezível. Limitavam-se, porém, a grupos e circunstâncias localizadas e identificadas e a polícia dispunha dos instrumentos necessários para neutralizá-los. De outra parte, 80% ou mais da população teuto-brasileira, estava fora do alcance e da influência exercida pelos postos avançados do nazismo. Inserir qualquer teuto-brasileiro na lista dos nazistas não passou de equívoco funesto e enorme injustiça. O grosso da massa de cidadãos brasileiros de origem alemã nada mais ambicionava do que pôr em prática a sua cidadania por meio do trabalho honesto, cumprindo assim suas obrigações cívicas e religiosas. O nazismo pouco, melhor, nada tinha a lhes oferecer. A maioria o rejeitava por causa da hostilidade à religião e religiosidade.

Com tudo não se quer afirmar que não se desse importância às organizações e aos indivíduos comprometidos com a propaganda nacional-socialista. Seu número e, principalmente, sua virulência e fanatismo exigiam das autoridades responsáveis uma atitude firme. Uma investigação inteligente, seguida de uma ação policial firme, os teria reduzido à inanição, dispensando esforços e aparatos de exceção. No País vigoravam leis suficientes para o caso e, em tempo de guerra, acresciam as regras próprias para a situação, ditadas pelos tratados internacionais. O perigo nazista no sul do Brasil foi exagerado e transformado num monstro que na realidade não passava de um caso de polícia, um pouco mais complexo do que os do dia a dia.

Aurélio Py - Chefe de Polícia no período da nacionalização.