Archive for junho 2018

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 88


Depois dessas colocações de caráter mais teórico vem a pergunta se, consideradas as circunstâncias concretas, a realização do sonho de paisagens humanizadas inspiradas na combinação dos dois trinômios que formulamos acima, é exequível. Fiquei horas empacado procurando uma resposta para esse questionamento. A proposta feita há 50 anos pelos técnicos alemães para a valorização do vale do rio dos Sinos prova a sua validade em dezenas de pequenos municípios emancipados de então para cá em todos os vales dos rios que confluem para formar o Guaíba. Embora não se tenha feito um planejamento  técnico como o descrito acima a maioria desses municípios desenvolveu-se de forma muito parecida com o modelo desenhado tecnicamente para o vale do Sinos. Têm em comum que sua população na média não passa dos 5.000 habitantes. As sedes urbanas contam com uma infraestrutura administrativa enxuta e eficiente confiada a prefeitos, vereadores, funcionários e técnicos, que têm como prioridade o progresso e o bem-estar da população. Os desvios desse objetivo e a prática de atos de corrupção, se ocorrem, são exceções e de proporções toleráveis. A população conta com postos de saúde bem equipados a cargo de profissionais treinados e, em casos de cirurgias e situações de maior gravidade, as prefeituras dispõem de ambulâncias para levar os pacientes aos hospitais  regionais e a Porto Alegre quando o caso o requer. A educação costuma ser, a par da saúde, a preocupação maior das administrações municipais e da população em geral. Para tanto dispõem de uma rede de escolas que vão do maternal até o ensino médio. O transporte escolar  eficiente atende os alunos, as professoras e professores são relativamente bem pagos e os prédios e instalações adequadas a um ensino de qualidade. Ha exemplos em que municípios investem  até 30% dos seus recursos na educação. Não podem faltar salões de festa, para casamentos, bailes, e comemorações de datas importantes como os aniversários das emancipações. Há municípios que dispõem de museus e centros de eventos. Os Kerbs fazem parte do calendários onde predominam os descendentes de imigrantes alemães. As estradas municipais em muitos casos costumam ser asfaltadas até os limites dos municípios, facilitando a circulação  das mercadorias e pessoas. Mas, o que mais se destaca é o complexo da atividade econômica. Nas sedes, em vez das antigas casas de comércio, as lendárias “vendas”, foram substituídas por lojas especializadas bem ao estilo urbano. Pequenas, médias e até indústrias de porte maior oferecem um número significativo de postos de trabalho. No interior desses municípios a típica policultura familiar de subsistência deu lugar a atividades mais seletivas, tornando obsoleto todo o complexo de instrumentos e ferramentas tradicionais. Arados de bois, moendas de cana, carroças de bois, machados, serras manuais e até enxadas e machados, máquinas de costura manuais ou com pedais, são hoje, em grande parte, artigos de museu Com a chegada da eletricidade tudo foi substituído por ferramentas que tornaram a produção rural muito mais produtiva e muito menos penosa do que das gerações passadas. Motosserras dispensaram o machado e o traçador, roçadeiras, micro-tratores e  tratores de maior porte dispensaram os arados e as juntas de bois, carros, motos e caminhões tomaram o lugar das  carroças  puxadas por bois, cavalos ou mulas. Em vez de montarias as pessoas deslocam-se em automóveis que já não são mais motivo de ostentação e riqueza mas, fazem parte das utilidades normais da imensa maioria das pessoas, também do meio rural. Como já afirmamos mais acima, a produção rural tornou-se mais seletiva e especializada para atender ao mercado regional, estadual, nacional e até internacional.   Dezenas de aviários  alinham-se nas encostas dos morros acomodados no meio de árvores nativas  e em não poucos casos rodeados pela mata secundária em constante avanço. Abastecem o mercado estadual, nacional e internacional. Famílias inteiras, filhos ou netos de antigos agricultores encontram trabalho rentável  e, ao mesmo tempo, saudável nesse ramo de atividade amparados por tecnologias de última geração no manejo de frangos de corte e galinhas e/ou perdizes de postura. A suinocultura intensiva valendo-se também de tecnologias de ponta como a seleção genética de raças mais apuradas, inseminação artificial, alimentação balanceada,  assistência veterinária, higiene e destinos dos dejetos, substituíram a criação suínos destinados  a suprir as necessidades das famílias. Como no caso da avicultura a suinocultura destina-se ao atendimentos das demandas regionais, nacionais e do mercado internacional em constante crescimento quantitativo e com exigências qualitativas  cada vez mais rigorosas. Esse setor de atividade oferece um mercado de trabalho difícil de dimensionar além de perspectivas para evitar que muitos jovens nascidos no meio rural se deixem iludir com os encantos ilusórios das oportunidades oferecidos pela vida urbana. Um ensino fundamental e médio que inclua em suas programações o alerta pela, as oportunidades e a realização de uma vida sadia e digna no meio rural de hoje, pode evitar que muitos jovens iludidos pela fantasia de uma vida fácil e cômoda nas cidades, terminem subempregados, mal empregados e desempregados, expostos a todos os riscos que infestam os bairros periféricos. Os administradores dos municípios, os conselhos comunitários, as autoridades e agremiações religiosas e outras tantas, têm condições de prestar um serviço de valor incalculável para as futuras gerações, conscientizando, propondo iniciativas e propondo soluções concretas. As escolas agrícolas de nível médio podem ser multiplicadas formando técnicos na produção de hortigranjeiros orgânicos, fruticultura, suinocultura, avicultura, floricultura, silvicultura e por aí vai. E já que o público consumidor e legislação e controle sanitário e o manejo dos reflorestamentos e a proteção da mata nativa, exigem conhecimentos especializados, abre-se espaço para egressos das escolas superiores de agronomia, veterinária, engenharia florestal e similares.

A educação, a conscientização, a formação técnica emtodos os níveis e o  acesso às tecnologias e métodos de última geração, não mudou apenas o rendimento e a qualidade dos produtos, como também uma  paisagem físico geográfica inimaginável há 80 anos passados. A policultura à base da enxada e do arado de bois nas  encostas pedregosas e muito íngremes foi  abandonada e entregue  ao avanço da vegetação nativa. Já nos referimos a esse fenômeno em outa ocasião mais acima. Vai se formando uma floresta secundária muito parecida na sua composição e formato àquela original e intocada que os imigrantes encontraram ao desembarcarem e se fixarem nessas paragens. Em não poucos casos, no fundo dos vales mais estreitos essa recuperação florestal já desceu até os arroios formados pelos muitos córregos que descem dos morros. Um outro efeito extremamente benéfico desse florestamento espontâneo consiste na retenção da água das chuvas aumentando a vasão das fontes e córregos e fazendo reaparecer fontes que haviam secado depois do desmatamento. Na medida que a nova floresta avança horizontalmente e se avoluma verticalmente vai-se confundindo com as manchas de floresta virgem original que sobreviveram nas coroas e nos topos dos morros. E, na medida em que a floresta secundária se espalha e avoluma, as espécies de aves, mamíferos, répteis, batráquios e insetos, que não foram  extintos, saem dos seus refúgios e voltam a povoar a nova “casa”, enchendo-a com a sinfonia dos seus cantos, assobios, gritos, pios, roncos, urros. A proibição da caça anima pássaros, mamíferos e outas espécies a se aproximarem das moradias e por assim dizer, conviver em harmonia e comunhão com o homem e seus animais domésticos. A grande maioria das espécies de aves originais e mamíferos, exceto a onça e o puma, encontram tranquilidade nos terrenos acidentados de inúmeras áreas abandonadas, impraticáveis para a produção agrícola nos moldes da demanda de alimentos de hoje. A floresta reconquistando o seu espaço nos declives dos morros e montanhas, as pastagens, a fruticultura e o reflorestamento artificial, nas encostas menos íngremes, as áreas mais planas ocupadas com a produção de hortaliças e legumes, as moradias acomodadas na sombra de grandes árvores, o traçado das estradas e caminhos acompanhando as características topográficas, as cidades em franco progresso no centro ou na saída dos vales, compõem uma paisagens que provam que o “jardim” confiado por Deus ao homem, quando “cultivado” racional e afetivamente resulta em panoramas de uma beleza singular. (cf. Laudato si, 124).

Enquanto reflito sobre a realidade que acabo de pintar circulam nas redes sociais em torno de duas dúzias de documentários que retratam pequenos municípios no interior do Rio Grande do Sul, todos contando com a mesma trajetória histórica. Derrubada a floresta virgem original,  a terra foi cultivada durante 100 ou mais anos no mesmo molde da agricultura familiar de enxada e arado de bois descrito mais acima. De meio século para cá moldaram os seus perfis de acordo com as demandas dos mercados de consumo. Substituíram os tradicionais instrumentos de trabalho pelas ferramentas oferecidas pela tecnologia moderna. Os meio de comunicação ao alcance de qualquer colono na mais remota extremidade  de um vale, mexeram fundo na maneira de ser dos produtores rurais, pondo-os em contato com o que há e acontece de novo, de bom, de discutível e/ou de deplorável no âmbito regional, nacional e internacional. Nesse cenário já não há mais lugar para as famílias numerosas de 10 ou mais filhos. Deram lugar a casais com um ou dois filhos e o próprio conceito de matrimônio tradicional indissolúvel convive tranquilamente com uniões consensuais, mães solteiras, separações, divórcios, etc. A prática rigorosa e controlada da religião cedeu o lugar a uma opção mais pessoal e livre do que há duas ou três gerações passadas. Ficou no passado o agricultor que costumava percorrer apenas dois caminhos: o diário de ida e volta da roça e o semanal de ida e volta à igreja. Mas, não é aqui o lugar para uma análise antropológica e sociológica mais aprofundada. Resumindo, parece lícito afirmar que os pequenos municípios que surgiram no interior colonial e ocupam uma significativa parcela dos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e outros estados, moldaram um paradigma, diria civilizatório que, descontados os senões e mesmo críticas mais severas e contundentes,  apontam o caminho para “cultivar” o “jardim” em que o Criador colocou homem para que tenha condições de realizar os seus anseios existenciais. Tendo sempre em vista que falo do modelo da pequena propriedade familiar dedicada à policultura de subsistência,  horticultura, fruticultura e tantas outras modalidades, atrevo-me concluir nas linhas e sugerir  nas entrelinhas, que o “agricultor” deu lugar ao “produtor rural”. Munido de um comportamento social e familiar urbano, cultivador de costumes e valores, hábitos religiosos, preocupações econômicas e políticas, pretensões de uma formação mais apurada, sem demora passará ser um personagem da história, como os artesãos e tantas outras ocupações. E, para concluir as reflexões que têm o “trabalho” como um dos instrumentos mais determinantes no cuidado e cultivo racional da natureza, sugiro como opção de lazer circular em domingos ou feriados pelos vales dos rios que formam o Guaíba: Santa Maria do Erval, Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi, São Pedro da Serra, Salvador do Sul, Poço das Antas, Teutônia, Westfália, Sinimbu, Sobradinho e tantos outros pequenos municípios.









REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 87


A partir do final da Segunda Guerra Mundial os tempos mudaram radicalmente afetando em cheio o personagem humano moldado pela pequena propriedade familiar com sua produção direcionada, antes de mais nada, para suprir as demandas da família. A última fronteira de colonização ao modelo consagrado pelos imigrantes alemães, italianos, poloneses e de outras procedências  da Europa, encerrou-se com a ocupação das terras ainda disponíveis no oeste do Paraná. Paralelamente à industrialização tomou fôlego e multiplicou e diversificou as oportunidades e opções de trabalho nos centros urbanos para os excedentes das famílias ainda numerosas no interior colonial. Os meios de comunicação com o acesso ao rádio primeiro e da televisão um pouco mais tarde, impulsionados pela eletrificação também do meio rural, resultaram em dois efeitos complementares. Em primeiro lugar, o agricultor entrou em contato com o que acontecia além dos topos dos morros que delimitavam sua comunidade e tomou conhecimento dos avanços da industrialização, da disponibilidade de tecnologias em constante aperfeiçoamento e, de modo especial as oportunidades de trabalho. Aconteceu com isso uma profunda transformação na percepção do mundo pelo agricultor. Costumes, hábitos, valores, todo um estilo de vida de “colono” vai transformando a cosmovisão dessa gente e moldá-la de acordo com o figurino urbano. Assistimos a uma autêntica urbanização das mentes. As famílias numerosas de 10 ou mais filhos vão dando lugar a casais com dois ou três filhos no máximo. Em segundo lugar, a oferta de oportunidades de trabalho desencadearam uma crescente onda migratória do meio rural para o centros urbanos. Em poucas décadas inverteu-se  a situação do  Brasil de um país predominantemente rural para um país em urbanização cada vez mais acelerada.  Hoje as tecnologias de comunicação permitem aos agricultores conectar-se com o mundo todo até nos intervalos dos trabalhos na lavoura. Os filhos dos colonos foram tendo cada vez mais oportunidade e facilidade para se formarem no ensino médio e terem acesso ao superior. Com os respectivos certificados e diplomas na mão o leque de oportunidades de trabalho se multiplicaram absorvendo uma porcentagem importante da mão de obra disponível no meio rural. Inúmeros filhos e filhas de agricultores encontraram trabalho na construção civil, no setor de serviços, no exercício de profissões liberais, no comércio, nas indústrias, no funcionalismo público, nas forças armadas e por aí vai. O processo de urbanização daí resultante exigiu e continua exigindo empenho cada vez maior das administrações públicas responsáveis, no limite de suas competências, um empenho todo especial no disciplinamento da formação de sempre novos bairros periféricos. São fundamentais nesse esforço políticas, ações e estratégias centradas no saneamento básico, abastecimento de água potável, mobilidade urbana, escolas e educação, saúde pública e, sobretudo, o acesso aos produtos que formam o complexo de uma alimentação qualitativa e quantitativamente adequada.

Já que a preocupação da Encíclica coloca o “trabalho” como um dos pressupostos para a realização integral as pessoas, do “humano no homem”, tentamos refletir sobre essa questão não apenas de forma teórica e abstrata, mas inserida num contexto regional concreto, no caso o vale do rio dos Sinos e numa proposta tecnicamente elaborada por uma equipe altamente credenciada e habilitada para tanto. Depois de nos demorarmos em mostrar a dinâmica da urbanização do leito do rio impulsionada pela industrialização e seus reflexos sobre a infraestrutura, sobre a revolução social, cultural, econômica, etc., inerente ao próprio fenômeno da passagem de a cosmovisão rural para a urbana, um outro complexo de potencialidades da região, chama a atenção. A geomorfologia  dos curso médio e superior do Sinos como dos demais rios que terminam no Guaíba, não permitem monoculturas ao modelo do grande agro negócio. As florestas originais que cobriam as várzeas dos rios e arroios e subiam até as bordas dos Campos de Cima da Serra, deram lugar à pequena propriedade familiar, em torno de 70 hectares no começo. A produção diversificada destinava-se, em primeiro lugar, para o sustento da família. Passados  quase 200 anos depois do desembarque dos primeiros imigrantes, os lotes coloniais foram sucessivamente  repartidos para 10 ou menos hectares. A agricultura familiar e a criação de animais domésticos caminha para a extinção. Em outra ocasião, mais acima, já nos referimos aos efeitos dessa mudança. Nas encostas dos morros onde há 70 anos as roças de milho, feijão, batata, mandioca subiam até onde era possível a prática da agricultura de enxada, foram substituídas e ainda estão sendo tomadas por uma floresta secundária parecida à original ou reflorestadas com acácia e/ou eucalipto. Por estranho que possa parecer nesse cenário    que vai tomando conta do espaço da  agricultura familiar abrem-se perspectivas para implantar um modelo de produção que encontra na expansão urbana um potencial de consumo em contínuo crescimento. Vai nessa perspectiva que a Encíclica aponta a solução tanto da produção de alimentos quanto da abertura de postos de trabalho para os que se sentem atraídos por um estilo de vida e, ao mesmo tempo, por uma realização profissional e pessoal fora da rotina e das opções que oferecem os centros urbanos. Isso vale tanto para os filhos dos agricultores, mesmo que concluam o primeiro ou segundo grau, quanto para àqueles jovens que conquistam títulos universitários. Aliás são mais do que louváveis as escolas de agronomia e veterinária que oferecem em seus currículos opções para os alunos se especializarem para atuar e assim melhorar os resultados nesse setor de vital importância para cobrir as demandas do quotidiano dos centros urbanos.

Para se se conseguir continuar a dar emprego, é indispensável promover uma economia  que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial. Por exemplo, há uma grande variedade de sistemas alimentares rurais de pequena escala que continuam a alimentar a maior parte da população mundial, utilizando uma porção reduzida de terreno e de água e produzindo menos resíduos, quer em pequenas parcelas agrícolas e hortas, quer na caça e recolha de produtos silvestres, quer na pesca artesanal. (...) As autoridades têm o dever e a responsabilidade de adotar medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação de produção. Às vezes,  para que haja uma liberdade econômica da qual todos realmente se beneficiem, pode ser necessário pôr limites àqueles que detêm  maiores recursos e poder financeiro. (Laudato si, 129)

Essas recomendações da Encíclica aplicam-se sem adaptações significativas às condições geográficas, demográficas, econômicas e demandas de abastecimento em geral, do vale do Sinos como também, ressalvadas as características, dos demais vales que convergem para a capital e terminam se fundindo formando o lago Guaíba. Vale a pena comentar algumas das sugestões mais relevantes deixadas pela equipe de técnicos responsável pelo projeto de “Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. O lugar da tradicional policultura de subsistência pode ser perfeitamente preenchido com a produção de hortaliças e legumes para suprir a demanda em franco crescimento com a expansão urbana. Para tanto há áreas disponíveis com solos adequados em toda a extensão do vale. A configuração topográfica, tipo de solos e variação climática permitem o desenvolvimento da fruticultura de todas as espécies, menos as eminentemente tropicais, sempre bem vindos para o consume local e regional. Nos espaços planos e nas meias encostas os cítricos, pêssegos, figos, uvas de mesa abacate e outras variedades subtropicais encontram condições propícias para render bons dividendos para quem os cultivar. Mais para o alto, de 500 metros ou mais podem ser cultivadas peras, maçãs, ameixas e marmelos e outros que exigem temperaturas mais baixas por um bom período do ano. Todas essas áreas oferecem condições favoráveis para pastagens e criação de gado leiteiro. Mas há um outro setor de não pouca importância. Falamos do reflorestamento com espécies de uso diário como acácia e  eucalipto para lenha e tanino a primeira e madeira para a construção e lenha a segunda. Todas essas atividades, praticadas com o uso das modernas tecnologias de manejo oferecem um potencial difícil de dimensionar de mão obra e, portanto, perspectivas de trabalho saudável e retorno garantido para quem se interessar, independente do nível de formação escolar ou acadêmica. A posse do conhecimento teórico e prático da realidade agrária e o emprego da tecnologia abre espaço para técnicos e técnicas formadas em escolas de nível médio e agrônomos e agrônomas, veterinários e veterinárias, portadores de diploma universitário. A combinação do trinômio trabalho-produção-abastecimento com o trinômio natureza-preservação-cultivo temos em mãos o pressuposto para fazer do vale do Sinos e de muitos outros  ecossistemas humanizados altamente produtivos, ecologicamente equilibrados, esteticamente belos.  “Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado, não só para cuidar e guardar o existente, como também para trabalhar nele e cultivá-lo afim de que produza frutos”. (Laudatdo si, 124). 


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 86


No planejamento regional não podia passar despercebida a necessidade de oferecer soluções para facilitar a circulação interna, a circulação regional e o acesso a outras regiões do País. É preciso conceder que de 50 anos para cá muita coisa aconteceu, e para o melhor, nesse particular. Grandes trechos das estradas municipais foram pavimentados, a BR 116 foi duplicada até o entroncamento para Estância Velha, trem metropolitano liga Porto Alegre a Novo Hamburgo e sua extensão até Taquara programada para ser iniciada em breve, viadutos e passarelas para pedestres facilitam a movimentação de pessoas e veículos em pontos estratégicos da da BR 116 e, por fim, entrou em serviço a BR 448. Essa nova rodovia federal desafogou o congestionamento do trânsito da BR 16 entre Sapucaia do Sul e Porto Alegre.

Uma outra proposta feita pela  equipe técnica não passou  dos limites da apresentação de uma sugestão tecnicamente viável. Tratava-se de uma combinação dos diques de controle das enchentes e a melhoria da circulação do médio e baixo Rio  dos Sinos. O complexo de diques se estenderia de Campo Bom até Porto Alegre. A jusante de São Leopoldo até a capital o dique poderia ser dimensionado para comportar uma rodovia de duas vias começando na Scharlau  e terminado em Porto Alegre, servindo os diques de contenção das enchentes como leito. Acontece que os diques só foram de fato construídos  em torno de São Leopoldo e com isso a rodovia alternativa também ficou no papel. A BR 448 e as melhorias na BR 116, acima citados atendem em parte as propostas feitas há 50 anos passados.

Além de controlar e amenizar os problemas causados pelas enchentes cíclicas do rio dos Sinos, desafogar e melhorar o tráfico, além de enfrentar o problema do saneamento básico e fornecimento de água potável de qualidade, outros desafios  envolvendo a própria essência de um desenvolvimento regional digo desse nome, aguardavam por um enfrentamento para valer. Soluções tópicas de interesse local,  e/ou de políticos e líderes bairristas munidos de uma visão míope do tamanho de um desenvolvimento regional integrado, movidos por interesses próprios e dos seus grupelhos de apoio, na melhor das hipóteses  se limitavam a uma sabotagem mal disfarçada. Deparei-me com dúzias de figuras emblemáticas desse perfil nas minhas andanças como interlocutor credenciado pela Faculdade de Economia de São Leopoldo junto à equipe de técnicos alemães.

Além de equacionar os problemas causados pelas enchentes periódicas, além de desafogar o tráfico entre a capital e os 100 quilômetros do vale do Sinos, além de atender à demanda da água potável e enfrentar os problemas relacionados com o saneamento básico, outras questões de fundo desafiavam o planejamento regional. Entre elas sobressai, no caso específico do vale do Sinos, a expansão urbana. A implantação de indústrias, com destaque para a coureira, o comércio, a construção  civil, os serviços em todas as modalidades, ofereciam um leque variado e abundante de vagas de trabalho. Com isso o vale do Sinos transformou-se numa poderosa opção para migrantes vindos de todas as regiões do Rio Grande do Sul e  Santa Catarina. Os bairros periféricos em torno de Canoas, Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom, Sapiranga e mais para  o norte até Rolante e Três Coroas cresceram acelerada e desordenadamente. Dezenas de novos bairros foram surgindo igualmente sem o planejamento adequado, loteamentos clandestinos, invasões e outras modalidades de ocupação à margem da lei, transformaram o médio e baixo Sinos numa faixa urbana contínua até Porto Alegre. Essa realidade obviamente desandaria, como desandou, em muitos casos, em problemas sócio- econômicos e de infraestrutura caóticos e de difícil solução. As políticas, as estratégias e a soluções para melhorar esse panorama dependia de iniciativas e projetos envolvendo de alguma maneira toda a região. Iniciativas em nível municipal não seriam suficientes para melhorar a situação a médio e longo prazo. No casso concreto do vale do Sinos o acerto de medidas básicas cabia à “Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos”, como também o encaminhamento das medidas às instâncias estaduais e/ou federais quando a legislação envolvia a competência destes níveis de administração.

As áreas não tomadas pela urbanização que correspondem às meias encostas, as coroas dos morros até altitudes de 500 ou mais metros e no curso médio e superior do Sinos terminam no planalto de 800 a 900 metros. A elas somam-se as  várzeas e terras planas, principalmente ao longo do curso médio e superior do rio. Pelas características geográficas, topográficas,  edafológicas e climáticas, oferecem um potencial difícil de dimensionar para desenvolver a produção e horti-fruti-grangeiros para atender a demanda da área metropolitana em constante expansão. Como é do conhecimento de qualquer um foi a partir do vale do Sinos, mais especificamente de São Leopoldo, que se irradiou pelos estados do sul do Brasil o modelo da pequena propriedade propriedade familiar baseada na policultura de subsistência. Esse modelo de produção agrícola marcou e ainda marca em parte a atividade agrícola associada à criação de animais domésticos.