Archive for janeiro 2018

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 50

Uma comunidade universal

Mais acima já insistimos exaustivamente no fato de que a Natureza  forma, de um lado um grande síntese, e do outro manifesta-se em incalculáveis formas. Só para lembrar, a unidade resume  a natureza como um gigantesco sistema, finamente calibrado e de alta resolução. Nesse sistema nenhum componente, nenhum elemento é dispensável. Por mais sem importância que possa parecer, cabe-lhe uma função. No momento em que for impedido de dar conta da sua tarefa específica que lhe é atribuída, por uma razão qualquer, sua falta afeta o todo.

É sobre esse pressuposto, isto é, “a unidade na pluralidade”, sugerido pelas Ciências Naturais, incluindo nesse todo a próprio homem, que o Papa Francisco, fundamenta sua proposta para uma Filosofia e, principalmente,  uma Teologia da natureza atualizada, afinada  com os resultados mais avançados, apresentados pelas Ciências Naturais. Em  outras palavras, formula uma Cosmologia e uma Teologia Natural, isenta de um fundamentalismo avesso ao diálogo, dando lugar à abertura de um entendimento honesto e sem preconceitos, entre as Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Humanidades, as Letras e Artes.

É importante relembrar também que a Humanidade faz parte ontológica desse jogo. O homem é “Adam”, “nascido da terra”. Outro aspecto não pode ser esquecido, em se tratando de um documento pontifício, que valida as conquistas das Ciências as quais tem como tarefa  descobrir e explicar o “como” funciona a natureza para subsidiar a tarefa da Filosofia e Teologia, de oferecer uma resposta satisfatória para o “donde”, o “porque” e o “para onde”, porque senão a “Ciência é manca e a Religião é cega”, conforme o entendimento de Einstein. É nesse encontro, nessa confluência em que, por assim dizer torna-se possível afinar os instrumentos para a sinfonia e evitar que cada parte toque o seu instrumento  fora do contexto, resultando em cacofonia em vez de harmonia. A metáfora da sinfonia, da harmonia encontrou e encontra ainda hoje sua expressão na poética, nas canções populares, na música e demais manifestações artísticas. Um exemplo. Uma antiga lenda da tradição anglo-saxônica conta que um monge, poeta e pastor de ovelhas de nome Cadmon, escutou numa noite de vigília solitária junto ao rebanho, uma voz que o chamava: “Cadmon, canta-me a canção do começo de todas as coisas”. A  resposta para o conteúdo, o “Leitmotiv” dessa canção foi dada 1500 anos depois por ninguém menos que Einstein,  numa carta à sua filha Lieserl:

Há uma força extremamente  poderosa para a qual a Ciência até agora não encontrou uma resposta formal. É uma força que inclui e governa todas  as outras, existindo por trás de qualquer fenômeno que opere no universo e que ainda não foi identificada por nós. – Esta força universal é o AMOR – Quando os cientistas estavam procurando uma teoria unificada do universo esqueceram  a mais invisível e poderosa de todas as forças. – O MOR é luz, dado que ilumina aquele que dá  e o que recebe. – o AMOR é gravidade, porque faz com que as pessoas se sintam atraídas umas pelas outras – o AMOR é potência, pois multiplica o melhor que temos, permitindo assim que a humanidade não se extinga em seu egoísmo cego. – o AMOR revela e desvela. – Por AMOR, vivemos e morremos. –o AMOR é Deus e Deus é AMOR. – Esta força tudo explica e dá SENTIDO à vida. Esta é a variável que temos ignorado por muito tempo, talvez porque o AMOR provoca medo, sendo  o único poder  no universo que o homem  ainda não aprendeu a dirigir a seu favor.

 A letra dessa canção poderia ter muito bem inspirado o papa Francisco ao escrever na encíclica Laudato se.

Isto gera a convicção que nós todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos  pelos mesmos laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão  sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde. Quero lembrar que Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um e podemos lamentar  a extinção de cada espécie como se fosse uma mutilação. (Laudato se, 89)

Partindo desse pressuposto o Papa chama a atenção aos riscos de interpretação a que pode levar. O primeiro. O homem é a razão de ser da Natureza e como tal seu destinatário final. Essa linha de pensamento é conhecida como a “teoria antrópica”. Resumidamente essa teoria afirma que a Natureza foi gerada e evoluiu para receber o homem. Se há muita verdade nessa teoria, se mal interpretada pode levar, como de fato levou, a uma concepção equivocada do lugar do homem no seu ambiente natural.


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 49

O terceiro nível

No decorrer das reflexões que estamos fazendo sobre  a natureza, perpassa um fio condutor, um “Leitmotiv”, que serviu de orientação. O mundo em que vivemos é uma gigantesca e harmoniosa unidade que se nos manifesta numa incrível variedade de formas. Passamos a nossa existência numa “morada”, numa “casa” sólida na sua unidade, mas aconchegante em milhares de detalhes que conferem sentido para a existência de cada pessoa. De outra parte é legítimo comparar a “nossa casa” a uma sinfonia pelo fato de essa metáfora se aproximar mais do significado de “nossa casa” casa. A essência da sinfonia é a sua harmonia. Nenhum dos muitos e variados instrumentos tem valor em si, assim como os que os tocam. Todos, instrumentos e músicos, obedecem aos gestos do regente que transmite aos instrumentistas a forma de como tocar violinos, flautas, celos,  trombetas e clarins, para dar alma, vida e sonoridade à harmonia concebida pelo compositor e desenhada nas partituras.

Assim é a natureza. É uma obra de arte assim como a sinfonia é uma obra de arte pois, da mesma forma como uma pintura,  um espetáculo, uma paisagem, um fenômeno natural, deixa no apreciador a percepção do Belo. O Belo não se mede em decibéis, não se resume na soma das cores ou dos componentes de uma paisagem. O Belo emana, irradia da própria essência das coisas. O Belo não se resume no brilho, na cor, na forma, no tamanho, etc. Qual, então, é a causa do Belo?. “O Belo é o resplendor que circunda todo o ser e irradia da qualidade material dos objetos enquanto existentes. Eu preferiria compará-los com a vida, que envolve de modo igual todo o ser, sem confundir-se com a própria matéria”. (Rambo, 1994, p. 222)

Como fica claro há uma  dificuldade não pequena em definir a essência do Belo. Na natureza uma parte do problema encontra-se no fato de que, tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências do Espírito, não têm como identificar o Belo na sua essência. Nem a indução das Ciências, nem a dedução da Filosofia dispõem de potencial para identifica-lo nem descrevê-lo. O Belo simplesmente irradia de uma obra de arte, de um poema, de uma pessoa, de uma paisagem, de uma árvore ou de um fenômeno natural qualquer. Para perceber o Belo dispensa-se a instrução formal numa escola ou numa academia e prescinde-se de títulos acadêmicos. Aliás essa supra-estrutura pode até atrapalhar a sensibilidade na percepção da alma das coisas que é fonte e raiz da beleza.

O homem vem ao mundo munido com as ferramentas para intuir, a partir das percepções sensoriais, o que no fundo no fundo, confere sentido, autenticidade, veracidade aos personagens, às paisagens e fenômenos que escrevem a história da nossa terra, da “nossa casa”. O Belo não se identifica pelo estudo, não se descobre no laboratório, não se deduz por silogismos. Simplesmente percebe-se, intui-se, vivencia-se. Por isso mesmo, quanto menos entulho inventado pela racionalidade, tanto científica, quanto filosófica e teológica, atrapalhar o acesso ao gozo espontâneo do Belo, tanto melhor.

Não será por certo “por nada” que o vocábulo “Belo”, “schön” no alemão, tenha neste idioma a mesma raiz, ou seja a de “Schauen”, “contemplar”, no nosso vernáculo! O selvagem mais humilde e a pessoa mais culta concordam que um “por de sol”, um prado florido e uma pessoa vendendo juventude, sejam dotados de beleza objetiva. E, se vem a ser difícil o conhecimento da Verdade e o alcance da bondade, fácil se faz , por sua vez, a vivência da Beleza. (Rambo, 1994, p.222)

Refletindo melhor, a percepção não marca a estação final da jornada em busca do significado último da Criação. Resta encontrar a razão última que confere beleza à coisas. Estamos falando nada mais nada menos do que do Divino que tudo explica, tudo permeia e a tudo confere sentido. Partindo do pressuposto que a natureza foi de alguma forma criada, em outras palavras, é a realização de um projeto Divino e como algo do divino perpassa todas as suas manifestações. Não por nada Santo Agostinho extasiava-se com a vivência da “pulchritude eterna, semper antiqua et semper nova – “beleza eterna, sempre antiga e sempre nova”.

Deus escreveu um libro estupendo, cujos caracteres  são representadas pela multidão e a multiplicidade das criaturas encontráveis no universo. É o sentido da manifestação dos bispos do Canadá de que nenhuma  criatura fica fora dessa manifestação de Deus. Desde os panoramas mais grandiosos até as formas de vida mais frágeis, a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência. Em tudo e continuamente o Divino se revela nas criaturas. Os bispos do Japão deixaram uma mensagem muito sugestiva ao afirmarem: perceber em  cada criatura que canta o hino da sua existência e o viver jubilosamente  no amor de Deus e na sua esperança. Esta contemplação da Criação permite descobrir os ensinamentos que Deus  quer transmitir, através de cada criatura, porque, para o crente, contemplar a Criação significa também escutar uma mensagem, ouvir uma voz silenciosa. Pode-se afirmar que, ao lado da Revelação propriamente dita, contida nas Sagradas Escrituras, há uma manifestação do divino no despontar do sol e no crepúsculo do anoitecer. Prestando atenção a esses e outros fenômenos, o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas. “Expresso-me exprimindo o mundo e exploro a minha sacralidade decifrando a do mundo”. (cf. Laudato se, 85)


Aos bispos do Canadá, do Japão, João Paulo II e outros mais invocados pela encíclica, merece destaque a afirmação de Clinton, presidente da nação tida como modelo de estado laico, ao apresentar ao mundo a conclusão do mapa do genoma humano. “Hoje  estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus”. (Collins, 2007, p. 10)– e Francis Collins diretor do projeto que mapeou o genoma humano,  acrescentou  -  “Para mim a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável dos textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração”. (Collins, 2007, p. 11)

Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 48 -

Uma comunidade universal

Mais acima já insistimos exaustivamente no fato de que a Natureza  forma, de um lado um grande síntese, e do outro manifesta-se em incalculáveis formas. Só para lembrar, a unidade resume  a natureza como um gigantesco sistema, finamente calibrado e de alta resolução. Nesse sistema nenhum componente, nenhum elemento é dispensável. Por mais sem importância que possa parecer, cabe-lhe uma função. No momento em que for impedido de dar conta da sua tarefa específica que lhe é atribuída, por uma razão qualquer, sua falta afeta o todo.

É sobre esse pressuposto, isto é, “a unidade na pluralidade”, sugerido pelas Ciências Naturais, incluindo nesse todo a próprio homem, que o Papa Francisco, fundamenta sua proposta para uma Filosofia e, principalmente,  uma Teologia da natureza atualizada, afinada  com os resultados mais avançados, apresentados pelas Ciências Naturais. Em  outras palavras. formula uma Cosmologia e uma Teologia Natural, isenta de um fundamentalismo avesso ao diálogo, dando lugar à abertura de um entendimento honesto e sem preconceitos, entre as Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Humanidades, as letras e Artes.

É importante relembrar também que a Humanidade faz parte ontológica desse jogo. O homem é “Adam”, nascido da terra. Outro aspecto não pode ser esquecido, em se tratando de um documento pontifício, que valida as conquistas das Ciências que tem como tarefa  descobrir e explicar o “como” funciona a natureza para subsidiar a tarefa da Filosofia e Teologia, de oferecer uma resposta satisfatória para o “donde”, o “porque” e o “para onde”, porque senão a “Ciência é manca e a Religião é cega”, conforme o entendimento de Einstein. É nesse encontro, nessa confluência em que, por assim dizer torna-se possível afinar os instrumentos para a sinfonia e evitar que cada parte toque o seu instrumento, resultando em cacofonia em vez de harmonia. A metáfora da sinfonia, da harmonia encontrou e encontra ainda hoje sua expressão na poética, nas canções populares, na música e demais manifestações artísticas. Um exemplo. Uma antiga lenda da tradição anglo-saxônica conta que um pastor de ovelhas de nome Cadmon, escutou numa noite de vigília solitária junto ao seu rebanho, uma voz que o chamava: “Cadmon, canta-me a canção do começo de todas as coisas”. A letra dessa canção poderia ter muito bem inspirado o papa Francisco ao escrever a encíclica Laudato si.

Isto gera a convicção que nós todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos  pelos mesmos laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão  sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde. Quero lembrar que Deus uniu-nos tão estreitamente ao mundo que nos rodeia, que a desertificação do solo é como uma doença para cada um e podemos lamentar  a extinção de cada espécie como se fosse uma mutilação. (Laudato se, 89)

Partindo desse pressuposto o Papa chama a atenção aos riscos de interpretação a que pode levar. O primeiro. O homem é a razão de ser da Natureza e como tal seu destinatário final. Essa linha de pensamento é conhecida como a “teoria antrópica”. Resumidamente essas teoria afirma que a Natureza foi gerada evoluiu para receber o homem. Se há muita verdade nessa teoria, se mal interpretada pode levar, como de fato levou a uma concepção equivocada do lugar do homem no seu ambiente natural.


O primeiro equívoco, resume-se no fato de que a espécie humana é considerada como a coroação dos potenciais da evolução e como tal ocupa uma posição privilegiada e especial na natureza. Como já foi insistido mais acima, o homem é dotado de inteligência reflexa, de consciência moral capaz de distinguir o bem do mal e, ao mesmo tempo, é dotado de liberdade para escolher o bem ou o mal. Não há dúvida de que essa visão, se bem entendida, goza de toda a legitimidade. Acontece, porém, que esses dotes exclusivos, se mal avaliados podem levar, como levam, a uma auto estima indevida que leva o homem a assumir-se como  senhor da natureza e dos seus recursos. A consequência prática dessa cosmovisão levada ao extremo resulta na prática à dicotomia em que homem e natureza são duas realidades pela sua própria natureza ontologicamente distintas. Nessa perspectiva a espécie humana deixa de ser “Adam”, isto é, “o nascido da terra”, ou deixa de fazer sentido a advertência que acompanha a liturgia da aplicação das cinzas na quarta-feira da semana santa: “Lembra-te mortal que és pó e ao pó retornaras”. Os que adotam esse princípio como baliza para a vida prática lidam com os recursos naturais agem como se fossem seus senhores ou seus donos. Assim fica livre a aplicação do princípio darwinista da seleção natural como regra mestra a reger as relações humanas em todos os seus níveis, também, e principalmente, no acesso e uso fruto dos recursos naturais. Identificamos assim uma das causas determinantes do nível de degradação da “nossa casa”, da “nossa mãe e pátria”, que nos abriga e nos sustenta. Os mais espertos, ignoram que os  recursos naturais são um bem comum pelo fato de serem uma condição sem a qual, não só a vida em si, mas uma mínimo de dignidade no viver, depende do acesso a esses bens numa quantidade e qualidade decente. Os grandes vilões da degradação ambiental em todos os seus níveis e formas podem ser encontrados nas cúpulas dos poderes políticos, nos escritórios dos poderosos da economia e dos formuladores de estratégias no plano geopolítico e geoeconômico. Como seus objetivos resumem-se em poder e posses são apátridas por natureza. Podem ser encontrados com o mesmo espírito predatório e ambição sem freios, tanto no mundo “capitalista”, quanto no “socialista”. No primeiro caso a responsabilidade  maior pesa sobre os empreendimentos privados e a livre competição entre os cidadãos.No segundo caso a responsabilidade fica por conta dos governos centralizadores sustentados por ditadores e suas nomenclaturas que se refestelam até a saciedade dos recursos disponíveis e deixam à mingua povos inteiros. Propostas como a privatização dos mananciais de água por parte de megaempresários e/ou políticos, não passam de sinais alarmantes da concentração sob o arbítrio de poucos de um bem que significa a própria viabilidade da vida. Que se pague um preço justo pelo tratamento da água, nada a opor, mas transformar os mananciais naturais e mercadoria e instrumentos de poder econômico e político, ultrapassa os limites justificáveis e toleráveis da prepotência de uma mentalidade que ignora os princípios éticos mais elementares da convivência humana. Faltam, o que não parece impossível nesse panorama, propostas e projetos de privatização do ar que respiramos.

Deixamos de notar  que alguns se arrastam numa miséria degradante sem possibilidades reais de melhoria, enquanto outros não sabem sequer que fazer ao que tem, ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o planeta. Na prática, continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros, como se tivessem nascido com maiores direitos. (Laudato si, 90)

Em segundo lugar, a inegável superioridade  da espécie humana em relação às demais pelas características acima apontadas: inteligência reflexa, consciência moral do que é certo e errado e liberdade para seguir ou não seguir o que a consciência aponta como certo ou errado. Essa constatação faz com que a espécie humana  represente uma grande comunidade na diversidade de suas raças, cores, tradições culturais, crenças religiosas, capacidade de perceber não só a utilidade da natureza que a cerca, como também os estímulos emocionais, a harmonia de suas paisagens, o belo de suas manifestações e a busca da harmonia e perfeição pessoal e coletiva sugeridas pela criação.

Essa constatação não  anula o pressuposto que defendemos, isto é, que a espécie humana encontra-se existencialmente, melhor, ontologicamente  inserida na natureza, tanto no que lhe é comum com seus componentes anorgânicos e orgânicos, quanto os nano e micro organismos e todas formas de vida vegetal e animal. O pertencimento como um dos seus elementos, e por sinal, o mais  completo e perfeito, encontra o seu argumento mais sutil na própria realização daquilo que em outras ocasiões chamamos de “o humano” no homem– “Die Menschlichkeit”. A percepção da harmonia, das belezas naturais, das emoções em todos os seus matizes, são captados pelos cinco sentidos e transformados em vivências existenciais não pela racionalidade indutiva da Ciência nem da dedutiva da Filosofia que tem a sua sede no cérebro. Esse tipo de conhecimento da Natureza tem como fonte e explicação a capacidade intuitiva que tem como sede o coração.  Para tanto não se pressupõe um nível de treinamento formal e  sofisticado nem uma inteligência mais apurada. Tanto uma criança, quanto uma pessoa “iletrada”, um camponês, um operário  ou um cientista, filósofo ou teólogo de alto nível acadêmico, portador de distinções tipo prêmio Nobel, percebem a beleza de uma flor, a harmonia de uma paisagem, o encanto de um sabiá cantando, a majestade de uma montanha coberta de neve, o mistério que se esconde na penumbra de uma floresta, o belo assustador de uma tempestade de verão. A conclusão parece óbvia. É nesse nível que acontece o viver e conviver da espécie humana existencialmente inserida na natureza como todos os demais seres vivos. De outra parte não se pode esquecer que no decorrer  de no mínimo 90% da sua história, a humanidade dispôs apenas dessas ferramentas para relacionar-se com seu entorno geográfico, para suprir as necessidades de sua sobrevivência e perpetuar-se como espécie. Ao mesmo tempo, porém, com essas mesmas ferramentas alimentou a curiosidade de entender o ser e o acontecer do mundo, “sua casa”, e  dar vasão ao potencial sem fim de o coração usufruir e degustar  com o que a “mãe e pátria” o presenteia. É oportuno chamar a atenção que os métodos e ferramentas da investigação científica, as escolas filosófica e teológicas que lidam racionalmente com a natureza foram formuladas e postas em prática nos últimos 10% da história da humanidade. O ritmo de racionalização da natureza foi-se acelerando na medida que se aperfeiçoaram essas ferramentas. Chegamos a um ponto em que só merece ser considerado conhecimento aquele que resulta, preto no branco, do emprego de métodos e instrumentos científicos ou de silogismos irretocáveis. Admitir que o conhecimento via intuição, via percepção sensorial é pelo menos tão legítimo quanto o gerado pela racionalidade científica ou filosófica, causa arrepios, desperta menosprezo e estufa o peito dos integrantes da nata dos círculos científicos e escolas filosóficas em moda. Como seria salutar que se levasse a sério a advertência de Teilhard de Chardin quando afirma que as teorias não costumam “durar mais que uma manhã de verão”, para serem substituídas  por outras não menos fugazes. Cabe ao conhecimento intuitivo o papel de “melodia subliminar”, no entender do Pe. Rambo,  que confere continuidade, solidez e razão de ser às mais diversas forma de lidar com a natureza e perceber a mega síntese  na pluralidade de sua manifestações e tentar entender  “como funciona”, “donde vem”,  “o porque de ela é assim” e “para onde vai”. Vai nesse sentido a advertência do Papa.


Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima  com os ouros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos. É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção, mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas, desinteressa-se dos pobres ou procura destruir outro ser humano de que não gosta. Isto compromete o sentido da luta pelo meio ambiente. ( ... ) Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida a um sincero amor pelos seres humanos e um compromisso constante com os problemas da sociedade. (Laudato si, 91)