REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 49

O terceiro nível

No decorrer das reflexões que estamos fazendo sobre  a natureza, perpassa um fio condutor, um “Leitmotiv”, que serviu de orientação. O mundo em que vivemos é uma gigantesca e harmoniosa unidade que se nos manifesta numa incrível variedade de formas. Passamos a nossa existência numa “morada”, numa “casa” sólida na sua unidade, mas aconchegante em milhares de detalhes que conferem sentido para a existência de cada pessoa. De outra parte é legítimo comparar a “nossa casa” a uma sinfonia pelo fato de essa metáfora se aproximar mais do significado de “nossa casa” casa. A essência da sinfonia é a sua harmonia. Nenhum dos muitos e variados instrumentos tem valor em si, assim como os que os tocam. Todos, instrumentos e músicos, obedecem aos gestos do regente que transmite aos instrumentistas a forma de como tocar violinos, flautas, celos,  trombetas e clarins, para dar alma, vida e sonoridade à harmonia concebida pelo compositor e desenhada nas partituras.

Assim é a natureza. É uma obra de arte assim como a sinfonia é uma obra de arte pois, da mesma forma como uma pintura,  um espetáculo, uma paisagem, um fenômeno natural, deixa no apreciador a percepção do Belo. O Belo não se mede em decibéis, não se resume na soma das cores ou dos componentes de uma paisagem. O Belo emana, irradia da própria essência das coisas. O Belo não se resume no brilho, na cor, na forma, no tamanho, etc. Qual, então, é a causa do Belo?. “O Belo é o resplendor que circunda todo o ser e irradia da qualidade material dos objetos enquanto existentes. Eu preferiria compará-los com a vida, que envolve de modo igual todo o ser, sem confundir-se com a própria matéria”. (Rambo, 1994, p. 222)

Como fica claro há uma  dificuldade não pequena em definir a essência do Belo. Na natureza uma parte do problema encontra-se no fato de que, tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências do Espírito, não têm como identificar o Belo na sua essência. Nem a indução das Ciências, nem a dedução da Filosofia dispõem de potencial para identifica-lo nem descrevê-lo. O Belo simplesmente irradia de uma obra de arte, de um poema, de uma pessoa, de uma paisagem, de uma árvore ou de um fenômeno natural qualquer. Para perceber o Belo dispensa-se a instrução formal numa escola ou numa academia e prescinde-se de títulos acadêmicos. Aliás essa supra-estrutura pode até atrapalhar a sensibilidade na percepção da alma das coisas que é fonte e raiz da beleza.

O homem vem ao mundo munido com as ferramentas para intuir, a partir das percepções sensoriais, o que no fundo no fundo, confere sentido, autenticidade, veracidade aos personagens, às paisagens e fenômenos que escrevem a história da nossa terra, da “nossa casa”. O Belo não se identifica pelo estudo, não se descobre no laboratório, não se deduz por silogismos. Simplesmente percebe-se, intui-se, vivencia-se. Por isso mesmo, quanto menos entulho inventado pela racionalidade, tanto científica, quanto filosófica e teológica, atrapalhar o acesso ao gozo espontâneo do Belo, tanto melhor.

Não será por certo “por nada” que o vocábulo “Belo”, “schön” no alemão, tenha neste idioma a mesma raiz, ou seja a de “Schauen”, “contemplar”, no nosso vernáculo! O selvagem mais humilde e a pessoa mais culta concordam que um “por de sol”, um prado florido e uma pessoa vendendo juventude, sejam dotados de beleza objetiva. E, se vem a ser difícil o conhecimento da Verdade e o alcance da bondade, fácil se faz , por sua vez, a vivência da Beleza. (Rambo, 1994, p.222)

Refletindo melhor, a percepção não marca a estação final da jornada em busca do significado último da Criação. Resta encontrar a razão última que confere beleza à coisas. Estamos falando nada mais nada menos do que do Divino que tudo explica, tudo permeia e a tudo confere sentido. Partindo do pressuposto que a natureza foi de alguma forma criada, em outras palavras, é a realização de um projeto Divino e como algo do divino perpassa todas as suas manifestações. Não por nada Santo Agostinho extasiava-se com a vivência da “pulchritude eterna, semper antiqua et semper nova – “beleza eterna, sempre antiga e sempre nova”.

Deus escreveu um libro estupendo, cujos caracteres  são representadas pela multidão e a multiplicidade das criaturas encontráveis no universo. É o sentido da manifestação dos bispos do Canadá de que nenhuma  criatura fica fora dessa manifestação de Deus. Desde os panoramas mais grandiosos até as formas de vida mais frágeis, a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência. Em tudo e continuamente o Divino se revela nas criaturas. Os bispos do Japão deixaram uma mensagem muito sugestiva ao afirmarem: perceber em  cada criatura que canta o hino da sua existência e o viver jubilosamente  no amor de Deus e na sua esperança. Esta contemplação da Criação permite descobrir os ensinamentos que Deus  quer transmitir, através de cada criatura, porque, para o crente, contemplar a Criação significa também escutar uma mensagem, ouvir uma voz silenciosa. Pode-se afirmar que, ao lado da Revelação propriamente dita, contida nas Sagradas Escrituras, há uma manifestação do divino no despontar do sol e no crepúsculo do anoitecer. Prestando atenção a esses e outros fenômenos, o ser humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas. “Expresso-me exprimindo o mundo e exploro a minha sacralidade decifrando a do mundo”. (cf. Laudato se, 85)


Aos bispos do Canadá, do Japão, João Paulo II e outros mais invocados pela encíclica, merece destaque a afirmação de Clinton, presidente da nação tida como modelo de estado laico, ao apresentar ao mundo a conclusão do mapa do genoma humano. “Hoje  estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus”. (Collins, 2007, p. 10)– e Francis Collins diretor do projeto que mapeou o genoma humano,  acrescentou  -  “Para mim a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável dos textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração”. (Collins, 2007, p. 11)

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