O terceiro nível
No
decorrer das reflexões que estamos fazendo sobre a natureza, perpassa um fio condutor, um
“Leitmotiv”, que serviu de orientação. O mundo em que vivemos é uma gigantesca
e harmoniosa unidade que se nos manifesta numa incrível variedade de formas.
Passamos a nossa existência numa “morada”, numa “casa” sólida na sua unidade,
mas aconchegante em milhares de detalhes que conferem sentido para a existência
de cada pessoa. De outra parte é legítimo comparar a “nossa casa” a uma
sinfonia pelo fato de essa metáfora se aproximar mais do significado de “nossa
casa” casa. A essência da sinfonia é a sua harmonia. Nenhum dos muitos e
variados instrumentos tem valor em si, assim como os que os tocam. Todos,
instrumentos e músicos, obedecem aos gestos do regente que transmite aos
instrumentistas a forma de como tocar violinos, flautas, celos, trombetas e clarins, para dar alma, vida e
sonoridade à harmonia concebida pelo compositor e desenhada nas partituras.
Assim
é a natureza. É uma obra de arte assim como a sinfonia é uma obra de arte pois,
da mesma forma como uma pintura, um
espetáculo, uma paisagem, um fenômeno natural, deixa no apreciador a percepção
do Belo. O Belo não se mede em decibéis, não se resume na soma das cores ou dos
componentes de uma paisagem. O Belo emana, irradia da própria essência das
coisas. O Belo não se resume no brilho, na cor, na forma, no tamanho, etc.
Qual, então, é a causa do Belo?. “O Belo é o resplendor que circunda todo o ser
e irradia da qualidade material dos objetos enquanto existentes. Eu preferiria
compará-los com a vida, que envolve de modo igual todo o ser, sem confundir-se
com a própria matéria”. (Rambo, 1994, p. 222)
Como
fica claro há uma dificuldade não
pequena em definir a essência do Belo. Na natureza uma parte do problema
encontra-se no fato de que, tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências do
Espírito, não têm como identificar o Belo na sua essência. Nem a indução das
Ciências, nem a dedução da Filosofia dispõem de potencial para identifica-lo
nem descrevê-lo. O Belo simplesmente irradia de uma obra de arte, de um poema,
de uma pessoa, de uma paisagem, de uma árvore ou de um fenômeno natural
qualquer. Para perceber o Belo dispensa-se a instrução formal numa escola ou
numa academia e prescinde-se de títulos acadêmicos. Aliás essa supra-estrutura
pode até atrapalhar a sensibilidade na percepção da alma das coisas que é fonte
e raiz da beleza.
O
homem vem ao mundo munido com as ferramentas para intuir, a partir das
percepções sensoriais, o que no fundo no fundo, confere sentido, autenticidade,
veracidade aos personagens, às paisagens e fenômenos que escrevem a história da
nossa terra, da “nossa casa”. O Belo não se identifica pelo estudo, não se
descobre no laboratório, não se deduz por silogismos. Simplesmente percebe-se,
intui-se, vivencia-se. Por isso mesmo, quanto menos entulho inventado pela
racionalidade, tanto científica, quanto filosófica e teológica, atrapalhar o
acesso ao gozo espontâneo do Belo, tanto melhor.
Não será por certo “por
nada” que o vocábulo “Belo”, “schön” no alemão, tenha neste idioma a mesma
raiz, ou seja a de “Schauen”, “contemplar”, no nosso vernáculo! O selvagem mais
humilde e a pessoa mais culta concordam que um “por de sol”, um prado florido e
uma pessoa vendendo juventude, sejam dotados de beleza objetiva. E, se vem a
ser difícil o conhecimento da Verdade e o alcance da bondade, fácil se faz , por
sua vez, a vivência da Beleza. (Rambo, 1994, p.222)
Refletindo
melhor, a percepção não marca a estação final da jornada em busca do
significado último da Criação. Resta encontrar a razão última que confere
beleza à coisas. Estamos falando nada mais nada menos do que do Divino que tudo
explica, tudo permeia e a tudo confere sentido. Partindo do pressuposto que a
natureza foi de alguma forma criada, em outras palavras, é a realização de um
projeto Divino e como algo do divino perpassa todas as suas manifestações. Não
por nada Santo Agostinho extasiava-se com a vivência da “pulchritude eterna,
semper antiqua et semper nova – “beleza eterna, sempre antiga e sempre nova”.
Deus
escreveu um libro estupendo, cujos caracteres
são representadas pela multidão e a multiplicidade das criaturas
encontráveis no universo. É o sentido da manifestação dos bispos do Canadá de
que nenhuma criatura fica fora dessa
manifestação de Deus. Desde os panoramas mais grandiosos até as formas de vida
mais frágeis, a natureza é um manancial incessante de encanto e reverência. Em
tudo e continuamente o Divino se revela nas criaturas. Os bispos do Japão
deixaram uma mensagem muito sugestiva ao afirmarem: perceber em cada criatura que canta o hino da sua
existência e o viver jubilosamente no
amor de Deus e na sua esperança. Esta contemplação da Criação permite descobrir
os ensinamentos que Deus quer
transmitir, através de cada criatura, porque, para o crente, contemplar a
Criação significa também escutar uma mensagem, ouvir uma voz silenciosa.
Pode-se afirmar que, ao lado da Revelação propriamente dita, contida nas
Sagradas Escrituras, há uma manifestação do divino no despontar do sol e no
crepúsculo do anoitecer. Prestando atenção a esses e outros fenômenos, o ser
humano aprende a reconhecer-se a si mesmo na relação com as outras criaturas.
“Expresso-me exprimindo o mundo e exploro a minha sacralidade decifrando a do
mundo”. (cf. Laudato se, 85)
Aos
bispos do Canadá, do Japão, João Paulo II e outros mais invocados pela
encíclica, merece destaque a afirmação de Clinton, presidente da nação tida
como modelo de estado laico, ao apresentar ao mundo a conclusão do mapa do
genoma humano. “Hoje estamos aprendendo
a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela
complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada
de Deus”. (Collins, 2007, p. 10)– e Francis Collins diretor do projeto que
mapeou o genoma humano, acrescentou -
“Para mim a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir
o mais notável dos textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica
excepcionalmente bela e um momento de veneração”. (Collins, 2007, p. 11)