Archive for julho 2017

Conclusões - 4

A Educação Ambiental

Apesar de toda a capacidade de destruição de que o homem é capaz com as tecnologias de que dispõe hoje, subsistem ecossistemas que, apesar de já terem sido percorridos pelo homem não deixaram de conservar a natureza de “áreas naturais intactas”. Quando se toma como base para definir essas áreas o critério especificado pela “Conservação Internacional”, uma área com esse perfil deve cobrir no mínimo 10.000 quilômetros quadrados e 70% da cobertura vegetal original. Nesse critério cabem as grandes florestas tropicais da América do Sul, da bacia do Congo e em parte da Nova Guiné. Somam-se às florestas tropicais o cinturão de florestas subárticas, a taiga composta basicamente de coníferas que cobrem ainda grandes extensões do norte dos Estados Unidos, Canadá e Alasca, Finlândia, Suécia e Noruega, centro norte da Rússia e Sibéria. No critério da “Conservação Internacional” cabem também os grandes desertos com suas peculiaridades, as regiões polares, o alto-mar além do leito profundos dos oceanos. O mesmo já não se pode afirmar da foz e delta dos rios, das baías, de modo especial se utilizadas como portos e destino dos dejetos de centros urbanos. A essas áreas naturais de 10.000 ou mais quilômetros quadrados somam-se centenas de áreas menores na forma de parques naturais e reservas. A lei que criou essas áreas protegidas nos Estados Unidos determina que que sirvam “para o uso e desfrute do povo americano, de tal maneia que sejam deixados em bom estado para o futuro uso e desfrute”. No Brasil dispomos também  um respeitável número  de parques nacionais e reservas de proteção à natureza. O Parque Nacional do Iguassú, o Parque Nacional dos Aparados da Serra, o Parque Nacional do Itatiaia, a reserva do Guarita, só para citar alguns. Não é aqui o lugar para desenhar um mapa mais preciso dos parques e reservas de proteção ambienta. Interessa, isso sim, o significado e a importância da sua multiplicação num momento da história em que a agressão a consequente deterioração do meio ambiente avança, em muitas partes do mundo, sem o controle necessário.

Os parques e reservas de proteção à natureza, porém, só então tem condições de cumprir a sua missão como instrumentos de preservação, quando de fato forem cenários em que o homem é visitante. Não se fixa  neles mas mantem uma relação de mero visitante para apreciar o que “a mãe terra não degradada pelo homem”  oferece  para o apreço dos sentidos, para alimentar as emoções intuir o belo na sua forma original. Além disso os parques e as reservas desempenham um papel pedagógico excepcional. São escolas ao ar livre onde as crianças, jovens e adultos, caminhando sem compromisso com a ordem disciplinar e ou a burocrática, entram diretamente em contato com o mundo que num passado não tão remoto, foi o cenário em que a grande maioria dos povos passava a vida. Uma caminhada solitária ou em boa companhia pela tranquilidade de um parque, vendo, ouvindo, apalpando, farejando, sentindo, intuindo, mesmo as pessoas que passam a maior parte da vida na artificialidade das metrópole e megalópoles sentem-se em casa. A relação existencial que as vincula à natureza original  não violada pela civilização, pode ter sido perdida no quotidiano em meio à muralhas de concreto, em escritórios ascéticos, respirando poluição e o odor do asfalto, mas não esquecida. Num  parque, numa reserva ou numa simples caminhada num parque urbano essa relação atávica se faz sentir. Por essa razão é tão importante que às crianças se proporcione  contato seguido e livre com a “mãe terra”, que foi o cenário e a escola  de vida dos  seus coleguinhas do Paleolítico, do Neolítico, em toda história e ainda hoje nos lugares privilegiados onde o sol ainda nasce entre árvores e se percebe o odor da terra molhada depois de uma chuva. A esse respeito Edward Wllson ensina.

A ascensão à Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos  -  tudo isso  está presente em seu cerne ais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas  em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilsnon, 2006, p. 158).

Wilson deixou uma série de sugestões para que o aprendizado em contato direto com a  natureza produza os melhores resultados, seja o mais rico possível. Já que a mente da criança, o interesse pelo mundo natural que a cerca, se manifesta desde muito cedo, a educação ambiental deve começar igualmente em cedo pois, a criança está pronta para mergulhar existencialmente basta abrir-lhe as portas e mostrar-lhe o caminho. Sem forçar, apenas orientando o professor ou o guia apontem os lugares onde há surpresas a descobrir. É preciso que a criança individualmente ou em pequenos grupos explore o ambiente, entre em contato íntimo com as descobertas que vai fazendo por sua própria conta. Havendo oportunidade um binóculo, uma lupa, uma bússola tornam a aventura ainda mais emocionante e educativa. Os resultados serão surpreendentemente abundantes e duradouros.

Com adaptações à idade a educação para a natureza deveria continuar num crescendo harmônico pela adolescência afora a fora, o que não significa que todos optem por um futuro de naturalista. O tipo de aprendizado, porém, pelo que passaram será útil em qualquer profissão pois, identificar as coisas, classificá-las, ordená-las, colocá-las no seu devido lugar, são procedimentos úteis em qualquer profissão e atividade. Engenheiros, médicos, advogados, historiadores, e outros mais, valendo-se do  treinamento e da disciplina assimilados nos incursões na natureza, levarão vantagem sobre aqueles que nunca pisaram num parque, numa reserva, ou simplesmente conviveram com a natureza em qualquer outra circunstância. E, se não tiver servido para outra coisa são inspiradoras para que profissionais de todo tipo de especialidade direcionem as suas horas de lazer para objetos da natureza, observando pássaros, animais silvestres, árvores, explorando cavernas, escalando montanhas, ou simplesmente caminhando pelo campo deliciando-se com o ar puro, observando as flores silvestres, bebendo água dos arroios de montanha, meditando na penumbra da floresta, ou admirando os monumentos naturais. Wilsnon conclui o capítulo sobre a educação para a natureza.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender.  Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de obter mais conhecimentos. E ao dominar esse  novo e belo mundo que está à espera de cada criança, surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer por toda a vida para os mais, benefício para toda a humanidade. (A criação, 2006, p. 166)

Bibliografia

A Pluralidade na Unidade – memória, cultura, religião e ciência.  Organizadores: Arthur Blasio Rambo, Imgart Gruetzmann, Isabel Cristina Arendt. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2007.
Bertalanffy, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas. Trad. Francisco M. Guimarães, Editora Vozes, Petrópolis, 2006.
Chardin, Pierrre Teilhard de. O Fenômeno Humano. Trad. de José Luiz Archanjo, Editora Cultrix, São Paulo, 1986.
------------------------------------  O Lugar do Homem na Natureza. Trad. Armando Pereira da Silva, , Lisboa, 1956. Instituto Piaget
Collins, Francis. A Linguagem de Deus. Trad. Giorgio Cappelli, Editora Gente, São Paulo 2.007.
Dalto, Renato – Tavares Eduardo. Aparados da Serra – na trilha do Padre Rambo. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2007
Dobzhansky, Theodosius. Herencia y Nauraleza  del Hombre. Editorial Losada, S.A., Buenos Aires, 1969.
Kneipp, Sebastian. Meine Wasser-Kur. Verlag der Jos.Koes’schen Buchhandlung, Kempten (Bayern), 44 Auflage, 1893.
Koesters, Paul Heinz. Deutschland deine Denker.  Verlag Gruner+Jahr AG&Co, Hamburg, 4. Auflage, 1981.
Collins, Francis S. A Linguagem de Deus. Trad. Giorgio Capelli, Editora Gente, São Paulo, 2007.
Rambo, Balduino. A Fisionomia do Rio Grande do Sul. Imprensa Oficial, Porto Alegre, 1942.
------------------------  Em busca da Grande Síntese. Editora Unisinos, São Leopoldo, 1994.
------------------------  Diário pessoal  original e inédito, Memoria Jesuíta na Unisinos, São Leopoldo.
------------------------  Três Meses na América. Trad. Arthur Bl. Rambo, Edit da Univrsidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016.
Tavares, Eduardo – Dalto Renato. Aparados da Serra – Na trilha do Padre Rambo. Editora Unisinos. São Leopoldo, 2007.

Wilson, Edward O. A Criação – como salvar a vida na terra, Trad. Isa Maria Lando, Companhia das Letras, São Paulo, 2008.

Conclusões - 3

A nova linguagem interdisciplinar

A partir do momento em que as Ciência Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas as Letras e Artes celebram um pacto para, solidários e mutuamente comprometidos, entender cada vez melhor o nosso maravilhoso mundo e seus inquilinos com destaque para o homem, um novo  vocabulário conceitual começou a circular nos meios acadêmicos empenhados em produzir um conhecimento fundado numa perspectiva interdisciplinar. É fundamental que os especialistas dos mais variados  campos, intercambiem experiências, se sirvam de conceitos a que as partes atribuam o mesmo sentido. Em outras palavras, é indispensável que se fale a mesma língua nesse esforço que visa o entendimento entre os muitos segmentos do saber, um discurso honesto, desarmado, sincero. Vão nesse sentido, por ex., os dois conceitos, “Weldbild e Weldauffassung – o retrato, a imagem do mundo e o significado do mundo ou a cosmovisão” formulados por Erich Wassmann. Cabe ao cientista desenhar o retrato tangível, visível e material, com os dados fornecidos pelos  métodos e técnicas de investigação empírica, o “Weldbild”. Ao filósofo e ou teólogo compete identificar o “donde, o como e o porque” do retrato do mundo desenhado pelo cientista. Em outras palavras, o sentido que lhe confere razão de ser, isto é, os significados que lhe garantem vida, sentido  e identidade, para a compreensão do mundo, ou a cosmovisão. Se a cosmovisão, a compreensão do universo e da natureza, a “Weldauffassung”, não for legitimada pelos dados que a ciência oferece, ela será “cega”. O retrato do mundo, o “Weldbild” é “manco” se não passar de um volume maior ou menor de informações aleatórias detectadas pela ciência.

Um outro conceito que vem fazendo parte cada vez mais frequente da linguagem dos cientistas que se ocupam com a natureza como um todo, a natureza como síntese e, de modo especial preocupados com a saúde do planeta, é a Ética. Apelam para a Ética como como argumento mais convincente. Note-se que o conceito na sua origem   é   próprio do linguajar da Filosofia e a Moral, sua versão religiosa, da Teologia. Como outros conceitos, o Darwinismo, por ex., a ética foi incorporada no  mundo conceitual de outros campos do conhecimento. Conquistou um lugar obrigatório nas mais diversas áreas dos conhecimentos aplicados, com a finalidade de disciplinar o comportamento dos respectivos profissionais. Fala-se muito em ética médica, ética no exercício da advocacia, ética na atividade econômica, ética social e por aí vai.

Com cada vez maior frequência e mais insistência cientistas de renome como Edward Wilson, Francis Collins, Dobzhansky, para ficar com três cuja concepção da natureza foram analisados mais acima, terminam em colocar a ética, a capacidade de o homem distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado como terreno comum para a diálogo interdisciplinar. É óbvio que isso não acontece quando se debatem questões exclusivamente científicas e especializadas. Num encontro entre botânicos ou zoólogos sistematas, geólogos à procura de minérios ou campos de petróleo, entre outros, não é o lugar para falar em Ética.

 Mas é na compreensão e no convívio do homem com a  natureza que,  cada dia que passa, essa relação ganha mais importância. Toda uma área de conhecimento a “Bioética”, vem se tornando mais popular e os que a ela se dedicam gozam cada vez de mais respeito e suas opiniões em questões ambientais são levadas em conta com muita seriedade. E é no plano das preocupações ecológicas que a Ética, mais especificamente o conceito de Bioética, assumiu um papel chave, como plataforma comum,  sobre a qual cientistas, filósofos, geógrafos, economistas, juristas, ecologistas sérios, têm condições de se entender, falando a mesma linguagem. A razão que subjaz aos esforços de qualquer profissional sério e ativista digno deste nome, consiste em tratar “a natureza como um bem comum”. Relembramos a máxima que colocamos como motivação  para escrever essas reflexões: “A natureza vive e sobrevive sem o homem, mas o homem não vive nem sobrevive sem a natureza”. Os motivos, os dados e argumentos que validam essa afirmação já foram exaustivamente confirmados pelas autoridades científicas que forneceram as informações que nortearam as reflexões que registramos até aqui. Cabe repetir mais uma vez chamar a atenção para o significado mais profundo que se esconde atrás da ideia chave que nos vem orientando até aqui. A espécie humana está existencialmente inserida na natureza. Sobrevive nela e dela em todos os níveis da sua identidade. Portanto, a natureza representa um bem comum e como tal, todo e qualquer ser humano tem o direito de usufruir dos seus benefícios. Por isso mesmo, o comprometimento com o equilíbrio da natureza se constitui num  dever ético, que deve ser sobreposto a qualquer outro interesse, quando a questão ambiental entra em discussão.

“Sistema” é mais um  conceito que faz parte do dicionário interdisciplinar quando se procura entender  a natureza na sua globalidade. Foi popularizado por Ludwig von Bertalanfy, e amplamente e consistentemente formulado na sua obra clássica: “Teoria Geral dos Sistemas” (trad. port. Vozes, 2008). Salvo melhor juízo trata-se da formulação de uma síntese global que contempla todos os níveis e áreas do conhecimento, a começar pelas Ciências Naturais, passando pelas Humanas, as Letras, Artes e Filosofia. Como tal oferece, senão o melhor, certamente uma das fundamentações teóricas mais consistentes, para as iniciativas sérias de qualquer natureza e procedência, em favor da saúde do nosso planeta. Se no parágrafo anterior argumentamos com o sentido ético da natureza, como justificativa para o interesse pela saúde do meio ambiente, a Teoria Geral dos Sistemas, contribui com a fundamentação científica e até técnica para justificar o mesmo propósito. O conceito de sistema segundo Bertalanffy não resume a natureza a uma máquina, um relógio que funciona perfeita e automaticamente. A montagem do sistema como o defendido pelo autor citado, tem a sua razão de ser amarrada a uma teleologia, ou se quisermos, destinado a produzir resultados que não se resumem na soma do desempenho das partes e funções de cada peça. Há uma tarefa a cumprir um objetivo a alcançar. Esse fato implica de um lado que a participação de cada peça, cada componente do sistema tem razão de ser em função em relação ao que lhe compete contribuir para o bom funcionamento do todo em vista do fim para que existe. Do outro lado a contribuição de cada um é indispensável na proporção e no nível  que lhe compete no sistema como um todo. A lógica da conclusão não deixa dúvidas.  por mais insignificante que pode parecer um componente ele cumpre uma tarefa indispensável. No caso de não comprometer o funcionamento essencial diminui de alguma forma a sua qualidade e os seus resultados.  

Um bom exemplo é um organismo vivo superior como o do homem. Na base da sua estrutural e funcional estão as células. Organizadas em tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas formam o organismo. A destruição de um número menor de células por alguma lesão, obviamente não ameaça a  viabilidade do todo, mas de alguma forma, mesmo imperceptível, afeta o todo. O avanço das pesquisas científicas  somadas às conquistas da medicina  comprovam que a destruição de certos órgãos não compromete organismo como um todo, mas reduz a qualidade de vida da pessoa e limita de igual forma seu desempenho na razão direta da função afetada. A solução para órgãos como o coração, o fígado,  pulmões,  rins, etc., quando comprometidos no seu funcionamento,  soluciona-se até certo ponto com o transplante. Mesmo nesses casos o risco da rejeição prova que a natureza calibrou as células,  órgãos,  sistemas e  aparelhos,  em função de cada indivíduo.

Da mesma forma como um organismo vivo funciona como um sistema, ressalvadas as peculiaridades, a natureza é um “organismo” à sua maneira, um mega sistema. O conceito compreende, em última análise, o universo e a natureza com todos os seres vivos que integram a biosfera. É nessa percepção da Natureza que se  encontra o argumento que justifica as ações de qualquer natureza a serviço de qualquer causa. Mas vamos restringir-nos à Natureza como sistema e a morada imediata de todas as espécies vivas conhecidas e, ao mesmo tempo, o cenário na qual evoluíram, prosperaram ou se extinguiram. Perguntamos: o que  afinal é a Natureza?. Edward Wilson assim a define: “A Natureza é  aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do impacto humano, Natureza é tudo aquilo que no planeta Terra não necessita de nós e pode existir por si”. (Wilson, 2006, p. 23)

Wilson pondera que para muitos essa definição não tem valor prático, porque não há recanto no planeta que não sofreu com a presença do homem. Todos os espaços disponíveis já foram tão humanizados e, por isso mesmo, descaracterizados ao ponte de se duvidar da existência de ecossistemas  que conservam a sua identidade original. Subsistem poucos quilômetros quadrados que nunca foram pisados pelo homem. Somos obrigados a dar parcialmente razão a essa visão pessimista. Poluentes industriais de tudo que é procedência e natureza, sobrecarregam anualmente a atmosfera e carregadas pelas correntes aéreas e marítima até além dos círculos polares, ameaçando inclusive o equilíbrio das calotas perenemente congeladas dos polos. O efeito estufa  agravado por esse processo fazendo subir gradativamente a temperatura média da terra põe em xeque a vida em espaços cada vez maiores. O autor observa ainda  que

A maior parte da megafauna terrestre, que compreende animais que pesam de quilos ou mais, já foi caçada até a extinção. A fauna das planícies e florestas do mundo contemporâneo tem pouca semelhança com o majestoso desfile de gigantescos mamíferos e ave que foram levados à extinção pelos habilidosos caçadores do Paleolítico Boa parte dos animais sobreviventes está na lista dos ameaçados. Há 12 mil anos, a fauna das planícies americanas era mais rica do que a hoje existente na África. (Wilson, 2006, p. 24).

Conclusões - 2

O “porque e para que” fazer Ciência

Depois desse alerta que é válido  a toda e qualquer especialidade no âmbito das Ciências Naturais, Dobzhansky, vale-se da genética, sua especialidade, para ilustrar sua maneia de conceber o “fazer ciência”. No avanço das conquistas modernas da ciência, a genética é, sem dúvida uma das mais dinâmicas e mais promissores. A Genética, segundo o autor, não inventou uma nova  superbomba, nem tão pouco está em condições de competir com os lances românticos  das viagens interplanetárias. A importância e razão de ser dessa especialidade localiza-se em outro lugar e num outro nível.

Passaram-se mais de dois milênios, que os sábios gregos descobriram que o “conhecer-se a si mesmo”,  é a bases de toda a sabedoria. Quem sabe o objetivo principal e a finalidade maior (ou pelo menos um deles), da genética, da biologia e da ciência em geral, consiste em o homem compreender-se a si mesmo e tomar consciência de seu lugar no universo. (Dobzhansky, 1969, p. 11).

Com essa colocação Dobzhansky ensina que a ciência somente tem sentido quando ajuda ao homem a compreender-se a si mesmo. E esse compreender-se implica não apenas na compreensão da sua identidade como espécie taxonômica, mas em respostas para todas as dimensões da natureza humana. Para essa primeira questão podemos aceitar tranquilamente que a ciência tem respostas, senão definitivas, mas plenamente satisfatórias. Enumeram-se na linha daquelas que explicam a origem e a evolução  das demais espécies. Mas no caso do homem colocam-se perguntas para as quais o potencial de resposta da ciência é insuficiente, embora indispensável. Em outros momentos essas questões já foram objeto das nossas reflexões.  Rambo resumiu num conceito o tamanho do desafio posto para as Ciências Naturais e demais áreas do conhecimento, isto é, explicar e entender a “Menschlichkeit” – o “Humano no Homem”. O que afinal vem a ser “Menschlichkeit” – “o Humano no homem?”.

A natureza humana, desde que o homem se fez homem manteve-se na sua essência inalterada e com ela o “humano” – a “Menschlichkeit”. Ela se expressa nos mesmos medos, nos mesmos temores, nas mesmas esperanças, nas mesmas alegrias, nas mesmas perguntas existenciais, ao procurar o sentido para a sua própria existência: donde viemos, o que somos e para onde vamos. Somam-se a isso as perguntas pela natureza e razão do universo, da existência ou não de uma vida depois da morte, do lugar ou não lugar Deus, divindades, espíritos bons ou maus. Esses elementos, por comporem o “Humano”, vem intrigando os homens de todos os tempos e de todas as culturas e civilizações. Com essa matéria prima, cada povo e cada indivíduo procuraram respostas no seu mundo ambiente peculiar, para responder às questões existenciais a que nos acabamos de referir. Qualquer um conclui que não se trata de tarefa nem simples nem fácil. A complexidade do desafio é de tal ordem que a sua solução somente é possível quando enfrentado com métodos e instrumentos capazes de identificar as notas e os acordes dessa peça e, principalmente, como interagem para resultar numa  sinfonia harmônica. Parece evidente que os métodos convencionais, o analítico indutivo e o sintético dedutivo não conseguem dar conta para identificar e explicar a incógnita que é “o humano” – a “Menschlichkeit”. Segundo a opinião de Alfonso Borrero, esses métodos são chamados  para  conferir mais segurança e maior credibilidade para o conhecimento baseado na intuição e na percepção sensorial, numa fase histórica na qual, por assim dizer, exige-se “o preto no branco”, como selo de validade para que algo possa ser chamado de científica e racionalmente aceitável.

A ciência  apenas possui  então valor quando cultivar o que o cientista tem de humano (Menschlichkeit), quando compreendida e praticada a partir do todo. Pressupõe isso um treinamento escolar geral voltado para o todo – coisa que foge à grande maioria dos pesquisadores atuais.  A ciência praticada como deve ser  é uma recriação do mundo, semelhante a de Deus, dando assim em culto divino. (Rambo, 1994, p. ?)

A linha de reflexão que estamos seguindo pode até parecer uma digressão desnecessária, melhor complicadora, em relação ao que pretendemos, isto é, encontrar o terreno comum em que a as Ciências Naturais   e as Ciências dos Espírito encontrem condições para um diálogo construtivo. E para que o diálogo se estabeleça nesse nível, é fundamental que haja consenso na compreensão  daquilo que é essencial á realidade em causa: o Homem. Além do consenso sobre a natureza da realidade, objeto do diálogo, é indispensável que se fale a mesma língua. Os conceitos chave de que se valem os interlocutores precisam, no essencial pelo menos, serem  entendidos da mesma forma, isto é, terem o mesmo sentido, tanto para o cientista, quanto para o filósofo, o humanista, o letrado e o artista. É fundamental que os especialistas de todos os campos do saber tenham uma noção clara de que os postulados da ética decorrem da própria natureza humana e suas necessidades, portanto perenes, e não uma questão que pode ser relativizada ao sabor das ideologias no momento em moda;  de que a espécie humana como uma categoria taxonômica pode ser perfeitamente entendida como qualquer outra espécie, animal ou vegetal, quanto à sua origem  e gênese biológica;  de que a espécie humana comunga com as demais espécies vivas da mesma estrutura química e que seu organismo tem  o mesmo DNA  como o código responsável pelo funcionamento de todas funções vitais; que o DNA é susceptível  à recodificação para o melhor ou  o pior influenciado pelo meio ambiente; de que a sobrevivência da espécie está condicionada a um mínimo de recursos naturais necessários para alimentar-se e abrigar-se; de que a espécie humana depende para a vida e a morte de condições climáticas e atmosféricas minimamente estáveis e finamente calibradas; de que a espécie humana compartilha com as outras espécies animais dos mesmos instintos básicos para garantir a sobrevivência dos indivíduos e a perpetuação da espécie; de que, como as demais, tem conhecimento, memória, consciência e inteligência. Em se tratando da espécie humana, porém,  entram em jogo outros atributos exclusivamente humanos. O mais determinante de todos é sem dúvida a “Inteligência Reflexa”, a capacidade única pela qual o ser humano toma consciência de si mesmo, do mundo em sua volta e suas relações com ele próprio, com os demais seres humanos e com as relações que determinam a convivência com eles; a capacidade única de procurar as origens e raízes do mundo  e sua própria e interessar-se “pelo como, o porque e o para que”, da sua existência e o sentido do universo e da natureza. Nesse cenário há um outro conjunto de desafios que não podem se menosprezados. Dizem respeito às esperanças, aos medos, aos temores, às mesmas perguntas existenciais, à procura de respostas para  o sentido para  a própria existência, da natureza e do universo, da continuação da vida de pois da morte, da existência ou não de um Deus ou de deuses, espíritos e ou ouras realidades além do mundo visível e tangível.

Sem entrar em maiores detalhes esses parecem ser, em grandes linhas, os elementos que fazem que o humano no homem seja de fato “humano” – “mensclich”. Partindo desse pressuposto é também nesse cenário que uma reflexão interdisciplinar isenta, honesta e séria tem condições de frutificar. Deixando de lado preconceitos, idiossincrasias, radicalizações, egoísmos e outras atitudes que impedem o diálogo, fica o convite para um encontro, uma confraternização de todas as áreas do conhecimento no cenário de interesse comum: o homem a sua identidade, a sua razão de ser e sua missão como figura central da “Criação” como a concebe Edward Wilson na sua visão de “humanista secular”, de um lado e  Rambo que pressupõe a “Criação de Deus” como pressuposto no estudo da natureza.  Tanto para o primeiro, quanto para o segundo, quanto para Francis Collins, Dobzhansky e tantos outros, a compreensão do universo e da natureza somente então se justifica e faz sentido, quando, direta ou indiretamente, cria as condições para que a espécie humana se conheça a si mesma, se aperfeiçoe  e se realize sempre mais, corporal e espiritualmente.


Tirando as conclusões lógicas do que tentamos afirmar nas considerações acima, parece indiscutível  que a realização das potencialidades físicas e espirituais do homem, é diretamente proporcional à qualidade ou à degradação do meio ambiente em que vive. Sendo assim os recursos naturais devem estar em primeiro lugar disponíveis para todos indistintamente; que o equilíbrio climático é uma questão que interessa a todos; que a destruição dos ecossistemas naturais vem a ser uma ameaça de extinção de milhares de espécies de animais e vegetais; que o desperdício da água potável, o uso irracional do solo, de produtos químicos, pesticidas e outros artifícios, comprometem a médio e longa prazo, a sobrevivência de povos inteiros, não descartando a da humanidade como um todo. Resumindo. As Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, tem a sua razão de ser como caminhos para, cada uma à sua maneira, contribuir para a compreensão, a promoção e a realização do “humano no homem” – a “Menschlichkeit”. Sendo assim os diversos campos do conhecimento encontram-se em território comum e tem sua justificativa  em se nortearem pelos postulados comuns da Ética Natural. Parafraseando e interpretando Kant é lícito afirmar  que duas realidades deixam o cientistas, os filósofos, os humanistas e, de modo especial, as pessoas comuns, admiradas, pensativas e perplexas: o mundo lá fora que lhes garante alimento para o corpo e o espírito e a lei moral lá dentro, fazendo com que sejam capazes de distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado.