O “porque e para que” fazer Ciência
Depois
desse alerta que é válido a toda e
qualquer especialidade no âmbito das Ciências Naturais, Dobzhansky, vale-se da
genética, sua especialidade, para ilustrar sua maneia de conceber o “fazer
ciência”. No avanço das conquistas modernas da ciência, a genética é, sem
dúvida uma das mais dinâmicas e mais promissores. A Genética, segundo o autor,
não inventou uma nova superbomba, nem
tão pouco está em condições de competir com os lances românticos das viagens interplanetárias. A importância e
razão de ser dessa especialidade localiza-se em outro lugar e num outro nível.
Passaram-se mais de dois milênios, que os sábios
gregos descobriram que o “conhecer-se a si mesmo”, é a bases de toda a sabedoria. Quem sabe o
objetivo principal e a finalidade maior (ou pelo menos um deles), da genética,
da biologia e da ciência em geral, consiste em o homem compreender-se a si
mesmo e tomar consciência de seu lugar no universo. (Dobzhansky, 1969, p. 11).
Com
essa colocação Dobzhansky ensina que a ciência somente tem sentido quando ajuda
ao homem a compreender-se a si mesmo. E esse compreender-se implica não apenas
na compreensão da sua identidade como espécie taxonômica, mas em respostas para
todas as dimensões da natureza humana. Para essa primeira questão podemos
aceitar tranquilamente que a ciência tem respostas, senão definitivas, mas
plenamente satisfatórias. Enumeram-se na linha daquelas que explicam a origem e
a evolução das demais espécies. Mas no
caso do homem colocam-se perguntas para as quais o potencial de resposta da
ciência é insuficiente, embora indispensável. Em outros momentos essas questões
já foram objeto das nossas reflexões. Rambo resumiu num conceito o tamanho do
desafio posto para as Ciências Naturais e demais áreas do conhecimento, isto é,
explicar e entender a “Menschlichkeit” – o “Humano no Homem”. O que afinal vem
a ser “Menschlichkeit” – “o Humano no homem?”.
A
natureza humana, desde que o homem se fez homem manteve-se na sua essência
inalterada e com ela o “humano” – a “Menschlichkeit”. Ela se expressa nos
mesmos medos, nos mesmos temores, nas mesmas esperanças, nas mesmas alegrias,
nas mesmas perguntas existenciais, ao procurar o sentido para a sua própria
existência: donde viemos, o que somos e para onde vamos. Somam-se a isso as
perguntas pela natureza e razão do universo, da existência ou não de uma vida
depois da morte, do lugar ou não lugar Deus, divindades, espíritos bons ou maus.
Esses elementos, por comporem o “Humano”, vem intrigando os homens de todos os
tempos e de todas as culturas e civilizações. Com essa matéria prima, cada povo
e cada indivíduo procuraram respostas no seu mundo ambiente peculiar, para
responder às questões existenciais a que nos acabamos de referir. Qualquer um
conclui que não se trata de tarefa nem simples nem fácil. A complexidade do
desafio é de tal ordem que a sua solução somente é possível quando enfrentado
com métodos e instrumentos capazes de identificar as notas e os acordes dessa peça
e, principalmente, como interagem para resultar numa sinfonia harmônica. Parece evidente que os
métodos convencionais, o analítico indutivo e o sintético dedutivo não
conseguem dar conta para identificar e explicar a incógnita que é “o humano” –
a “Menschlichkeit”. Segundo a opinião de Alfonso Borrero, esses métodos são
chamados para conferir mais segurança e maior credibilidade
para o conhecimento baseado na intuição e na percepção sensorial, numa fase
histórica na qual, por assim dizer, exige-se “o preto no branco”, como selo de
validade para que algo possa ser chamado de científica e racionalmente
aceitável.
A ciência
apenas possui então valor quando
cultivar o que o cientista tem de humano (Menschlichkeit), quando compreendida
e praticada a partir do todo. Pressupõe isso um treinamento escolar geral
voltado para o todo – coisa que foge à grande maioria dos pesquisadores
atuais. A ciência praticada como deve
ser é uma recriação do mundo, semelhante
a de Deus, dando assim em culto divino. (Rambo, 1994, p. ?)
A
linha de reflexão que estamos seguindo pode até parecer uma digressão
desnecessária, melhor complicadora, em relação ao que pretendemos, isto é,
encontrar o terreno comum em que a as Ciências Naturais e as Ciências dos Espírito encontrem
condições para um diálogo construtivo. E para que o diálogo se estabeleça nesse
nível, é fundamental que haja consenso na compreensão daquilo que é essencial á realidade em causa:
o Homem. Além do consenso sobre a natureza da realidade, objeto do diálogo, é indispensável
que se fale a mesma língua. Os conceitos chave de que se valem os
interlocutores precisam, no essencial pelo menos, serem entendidos da mesma forma, isto é, terem o
mesmo sentido, tanto para o cientista, quanto para o filósofo, o humanista, o
letrado e o artista. É fundamental que os especialistas de todos os campos do
saber tenham uma noção clara de que os postulados da ética decorrem da própria
natureza humana e suas necessidades, portanto perenes, e não uma questão que
pode ser relativizada ao sabor das ideologias no momento em moda; de que a espécie humana como uma categoria
taxonômica pode ser perfeitamente entendida como qualquer outra espécie, animal
ou vegetal, quanto à sua origem e gênese
biológica; de que a espécie humana comunga
com as demais espécies vivas da mesma estrutura química e que seu organismo
tem o mesmo DNA como o código responsável pelo funcionamento
de todas funções vitais; que o DNA é susceptível à recodificação para o melhor ou o pior influenciado pelo meio ambiente; de
que a sobrevivência da espécie está condicionada a um mínimo de recursos
naturais necessários para alimentar-se e abrigar-se; de que a espécie humana
depende para a vida e a morte de condições climáticas e atmosféricas
minimamente estáveis e finamente calibradas; de que a espécie humana
compartilha com as outras espécies animais dos mesmos instintos básicos para
garantir a sobrevivência dos indivíduos e a perpetuação da espécie; de que,
como as demais, tem conhecimento, memória, consciência e inteligência. Em se
tratando da espécie humana, porém, entram em jogo outros atributos exclusivamente
humanos. O mais determinante de todos é sem dúvida a “Inteligência Reflexa”, a
capacidade única pela qual o ser humano toma consciência de si mesmo, do mundo
em sua volta e suas relações com ele próprio, com os demais seres humanos e com
as relações que determinam a convivência com eles; a capacidade única de
procurar as origens e raízes do mundo e
sua própria e interessar-se “pelo como, o porque e o para que”, da sua
existência e o sentido do universo e da natureza. Nesse cenário há um outro
conjunto de desafios que não podem se menosprezados. Dizem respeito às esperanças,
aos medos, aos temores, às mesmas perguntas existenciais, à procura de
respostas para o sentido para a própria existência, da natureza e do
universo, da continuação da vida de pois da morte, da existência ou não de um
Deus ou de deuses, espíritos e ou ouras realidades além do mundo visível e
tangível.
Sem
entrar em maiores detalhes esses parecem ser, em grandes linhas, os elementos
que fazem que o humano no homem seja de fato “humano” – “mensclich”. Partindo
desse pressuposto é também nesse cenário que uma reflexão interdisciplinar
isenta, honesta e séria tem condições de frutificar. Deixando de lado
preconceitos, idiossincrasias, radicalizações, egoísmos e outras atitudes que
impedem o diálogo, fica o convite para um encontro, uma confraternização de
todas as áreas do conhecimento no cenário de interesse comum: o homem a sua
identidade, a sua razão de ser e sua missão como figura central da “Criação”
como a concebe Edward Wilson na sua visão de “humanista secular”, de um lado
e Rambo que pressupõe a “Criação de
Deus” como pressuposto no estudo da natureza.
Tanto para o primeiro, quanto para o segundo, quanto para Francis
Collins, Dobzhansky e tantos outros, a compreensão do universo e da natureza
somente então se justifica e faz sentido, quando, direta ou indiretamente, cria
as condições para que a espécie humana se conheça a si mesma, se aperfeiçoe e se realize sempre mais, corporal e
espiritualmente.
Tirando
as conclusões lógicas do que tentamos afirmar nas considerações acima, parece
indiscutível que a realização das
potencialidades físicas e espirituais do homem, é diretamente proporcional à
qualidade ou à degradação do meio ambiente em que vive. Sendo assim os recursos
naturais devem estar em primeiro lugar disponíveis para todos indistintamente;
que o equilíbrio climático é uma questão que interessa a todos; que a
destruição dos ecossistemas naturais vem a ser uma ameaça de extinção de
milhares de espécies de animais e vegetais; que o desperdício da água potável,
o uso irracional do solo, de produtos químicos, pesticidas e outros artifícios,
comprometem a médio e longa prazo, a sobrevivência de povos inteiros, não
descartando a da humanidade como um todo. Resumindo. As Ciências Naturais, as
Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, tem a sua razão
de ser como caminhos para, cada uma à sua maneira, contribuir para a
compreensão, a promoção e a realização do “humano no homem” – a
“Menschlichkeit”. Sendo assim os diversos campos do conhecimento encontram-se
em território comum e tem sua justificativa
em se nortearem pelos postulados comuns da Ética Natural. Parafraseando
e interpretando Kant é lícito afirmar
que duas realidades deixam o cientistas, os filósofos, os humanistas e,
de modo especial, as pessoas comuns, admiradas, pensativas e perplexas: o mundo
lá fora que lhes garante alimento para o corpo e o espírito e a lei moral lá
dentro, fazendo com que sejam capazes de distinguir entre o bem e o mal, o
certo e o errado.