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Natureza como Síntese
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Relação Homem-Natureza -3
A relação simbiótica, a relação
existencial do homem com a natureza, os simbolismos, as metáforas, os mitos, o
imaginário, que povoam a história e a cultura do homem de todos os tempos e de
todas regiões do planeta, como fruto dessa simbiose homem-natureza, compõem um
campo fascinante pouco explorado. Edward O. Wilson, [1]
um dos mais respeitados entomologistas definiu nos seguintes termos essa
relação:
A atração gravitacional da Natureza sobre a psique humana pode ser
expressa em um único termo, mais contemporâneo: Biofilia, que defini, em 1984,
como a tendência inata para se afiliar à vida e aos processos vitais. Desde a
infância até a velhice, as pessoas de todas as partes do mundo sentem atração pelas outras espécies.
A novidade e a diversidade da vida são apreciadas. Hoje em dia a palavra ”extraterrestre” evoca,
melhor do que nenhuma outra, as incontáveis imagens da vida inexplorada,
substituindo a antiga palavra “exótico”,
antes poderosa, que atraia os viajantes do passado para selvas remotas e ilhas
ainda sem nome. Explorar a vida e filiar-se a ela, transformar criaturas vivas
em metáforas carregadas de emoção, inseri-las na mitologia e na religião – eis
os processos fundamentais, facilmente
reconhecíveis, da evolução cultural biofílica. Essa filiação tem uma consequência moral: quanto mais compreendemos outras formas de vida, mais o nosso
aprendizado se expande, abrangendo sua
diversidade e maior é o valor que atribuímos a elas – e, inevitavelmente a nós mesmos. (Wilson, 2008. p. 75)
Refletindo com mais atenção sobre esse
depoimento da autoridade de peso do
prof. Edward Wilson, a Natureza e o Homem nela inserido, fazem intuir o
universo que se oculta atrás desse binômio. De outra parte salta aos olhos a
temeridade, para não falar presunção, de alguém, por maior especialista que
seja, querer oferecer explicações conclusivas, sobre questões fundamentais,
como a natureza do homem, a existência ou não de Deus, o sentido do universo e
outros mais. O homem está inserido na natureza que se desdobra à sua frente,
não só na condição de integrante passivo, mas como curioso que não se cansa em
procurar um sentido para tudo que o rodeia e, principalmente, entender a razão
da sua própria existência no universo ao qual está entregue o seu destino como
espécie. Assim cada conquista tecnológica, cada avanço científico e cada
incursão e aprofundamento na reflexão filosófica e, cada atualização das
concepções religiosas, significam passos a mais em direção à compreensão do
Homem e da Natureza. Acontece, entretanto, que
cada incógnita respondida, traz à tona outras tantas para desafiar os
especialistas. A busca do homem pela
compreensão da Natureza e o seu sentido assemelha-se ao desenrolar de um novelo que não tem fim.
Cada passo nesse desenrolar revela mais surpresas e incógnitas não esperadas, do que soluções e respostas
dadas. Uma reposta definitiva e
conclusiva parece distanciar-se a cada passo que se avança. Tanto o cientista,
quanto o filósofo e o teólogo flagram-se no esforço de se aproximar da linha do horizonte que se afasta na mesma
velocidade em que se tenta a aproximação.
A pior atitude nesta corrida é aquela em que o cientista afirma:
“encontrei ou certamente encontrarei a explicação final para todas as coisas”;
quando o filósofo conclui que “já não restam dúvidas diante das conclusões do
seu raciocínio; quando o teólogo aponta “que divindades ou forças
sobrenaturais comandam, em última
análise, tudo”. Este tipo de postura
leva fatalmente a posições fundamentalistas irredutíveis, tanto no plano
religioso, quanto no filosófico e no científico. Infelizmente foi essa
radicalização que impediu o diálogo entre a pesquisa científica, a filosofia e
a teologia, durante o século dezenove e boa parte do século vinte. E, na medida
em que o embate se acirrava, saíam prejudicados os avanços em todos os campos
do conhecimento e a produção de novos conhecimentos encolheu de forma visível.
Basta percorrer as estantes das bibliotecas com acervos significativos que
guardam obras publicadas nos últimos cinco séculos. Salta aos olhos o volume e
o alcance das produções que revolucionaram o pensamento e terminaram por
imprimir as características da civilização moderna e contemporânea. Os autores
e as obras reitoras dessa revolução
histórica de proporções planetárias, concentram-se no que às vezes se chama de
“grande século XIX” – 1750-1914. Nele definiram-se as linhas filosóficas
mestras do Iluminismo, do Racionalismo, do Evolucionismo, do
Materialismo, do Socialismo, ao
lado das correntes filosóficas da antiguidade e da Idade Média que nunca
perderam a importância e o vigor. Paralelamente consolidaram-se as bases
teóricas e metodológicas das Ciências Naturais e foram feitas algumas das
descobertas cuja validade a moderna tecnologia científica comprova a cada dia
que passa. Entre estas sobressaem os dois campos complementares que, por assim
dizer, representam a alma de muitos dos mais importantes laboratórios espalhados
pelo mundo, empenhados tanto na pesquisa
pura quanto na aplicada: as leis e processos que comandam a evolução da vida em
geral e as leis e processos que comandam a herança biológica e a utilização
desses conhecimentos para o desenvolvimento de biotecnologias.
As Ciências empíricas ou experimentais consolidaram suas bases metodológicas e teóricas e as novas
correntes filosóficas conquistaram espaços sempre mais amplos. A Filosofia
tradicional e, de modo especial, a Teologia tradicional, sofreram uma
diminuição substancial na sua influência, tanto em extensão quanto em
profundidade. Parece que em toda a primeira metade do século dezenove
predominou o distanciamento entre o “moderno” e o “tradicional”. Não se
observam maiores embates entre os protagonistas dos dois arraiais. Mas essa
convivência mais ou menos civilizada cedeu, aos poucos, lugar a um clima de
beligerância e, não raro, de guerra aberta. Dois fatos e dois momentos
praticamente simultâneos levaram a essa situação. O “Manifesto Comunista” de
Karl Marx em 1848 e “ Origem das Espécies” de Charles Darwin em 1859. Essas
duas obras provocaram um autêntico terremoto pelo que significaram em si e, de
modo especial, pelo potencial de munição que uma ofereceu à outra. Em outras
palavras. O princípio da evolução que
para Lamarck[2] e Darwin explicava a
origem e o surgimento de novas espécies, não demorou em ser emprestado pelos
sociólogos, cientistas políticos, economistas, historiadores, estudiosos das
religiões, para explicar a gênese e a dinâmica que ocorre nesses campos. Como
se pode perceber e prever, o confronto direto com a Filosofia e a Teologia
tradicionais, era apenas uma questão de tempo e de ocasião. O Concílio Vaticano
I marcou talvez o momento culminante deste embate. Sua convocação por Pio IX[3]
teve como motivação central definir a posição da Igreja Católica diante da
situação criada pelas Ciências Naturais e pelas correntes filosóficas
responsáveis pela assim chamada Modernidade. Seria longo demais enumerar as
principais decisões tomadas durante a realização do Concílio. Só para sentir o
clima que motivava os debates, basta lembrar que o evolucionismo estava na
pauta de ser declarado como heresia. Felizmente a guerra Franco-Alemã
interrompeu-o definitivamente. Do lado oposto o radicalismo não foi menor,
expresso nos escritos e manifestações de Ernest Haeckel[4]
e adeptos.
[1] Os dados biográficos
de Edward Wilson na introdução do capítulo abaixo que analisa sua concepção da
natureza.
[2] Lamarck, Jean Baptist
Antoine de Monet, nasc eu em 1. de agosto de 1744, Bezantin, França e faleceu em
18 de dezembro de 1829 em Paris. Em resumo sua teoria é a seguinte. Os seres
vivos evoluíram a partir de micro organismos. O mecanismo básico de
complexificação e diversificação é o
“uso e o desuso” dos órgãos. O desuso atrofia e o uso aperfeiçoa e desenvolve
os órgãos. O desenvolvimento e aperfeiçoamento transmite-se pela
hereditariedade aos descendentes.
[3] Pio IX – Giovanni
Maria Mastai – Ferreti, nasceu em Senigalia – Itália em 13 de mio de 1792 e
faleceu em 7 de fevereiro de 1878,
coroado papa em 21 de junho de 1846.
Combateu o que denominou de “falso liberaliso” e na famosa encíclica
“Quanta Cura” de 1864, condenou a teses que contrariavam a doutrina católica da
época. Como completo da encíclica veio
também o famoso “Syllabus errorum”, que enumerava e condenava os principais
erros na visão de Pio IX: o panteísmo, naturalismo, racionalismo, socialismo, comunismo
e outras doutrinas. Convocou o Concílio
Vaticano I em 29 de junho de 1869. Na quarta sessão do concílio a
infalibilidade do papa foi declarada dogma de fé. Durante o seu pontificado
ocorreu a unificação da Itália e a
extinção dos estados pontifícios e sua incorporação na nova República da
Itália. O papa considerava-se um prisioneiro no vaticano, situação que perdurou
até 1927 conhecida como “Questão Romana com a assinatura do Tratado do Latrão
entre Benito Mussolini e o papa Pio XI.
[4] Ernst Heinrich Pfilipp
August Haeckel nasceu em 16 de fevereiro de 1834 e faleceu em Jena em 9 de
agosto. de 1919. Naturalista, médico e filósofo fi um dos convictos divulgadores da teoria da evolução de Darwin.
Levou a evolução até as últimas
consequências fundamentando sobre ela o Monismo Materialista que teve adeptos até no sul do Brasil sob a liderança
de Karl von Koseritz. Haecke é o autor da famosa “Lei Biogenética Fundamental” ou “Lei da
Recapitulação, que ensina que a evolução do embrião é uma repetição da evolução
geral dos seres vivos