A
Natureza como Síntese
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A Relação Homem-Natureza
A relação homem-natureza implica, antes de
mais nada, na intrincada relação de causa e efeito entre homem e o ambiente
natural em que vive. E não se trata obviamente de uma mera relação conjuntural,
mas de uma inserção existencial do homem no mundo ambiente que o cerca mediata
e imediatamente.
Essa relação homem-natureza torna-se
evidente, como foi apontado na introdução, quando se presta atenção a alguns
fatos que, de tão presentes no quotidiano e de tão “corriqueiros”, escapam à
percepção do dia a dia. Começa por aí que o corpo material do homem busca os
componentes estruturais entre os
elementos encontráveis na natureza: oxigênio, nitrogênio, gás carbônico, sais minerais, enzimas,
vitaminas, e um número indefinido de outros. Trata-se, portanto, dos mesmos
componentes que entram na composição dos
minerais e dos seres vivos em todos os níveis da escala botânica e zoológica.
Dessa forma a existência biológica do homem é impensável se desenraizada do
chão desse fundamento natural. Mais. Essa relação só se sustenta porque busca
permanentemente no ambiente natural, a reposição das matérias primas exigidas
pelos processos vitais.
A mesma constatação aparentemente simples
e óbvia, leva-nos a dar um passo adiante na nossa reflexão. O homem ao
alimentar-se e ao respirar, busca a matéria prima no meio ambiente. Entre os animais e vegetais o alimentar-se e
o respirar, resume-se em atos e fatos naturais, espontâneos, instintivos,
reflexos, destinados à garantia da sobrevivência e o bem-estar ao nível elementar
da sobrevivência física do indivíduo e da espécie.
Desde que o homem despontou no cenário
deste planeta, não importa há quantos milhares ou milhões de anos, nem em que
continente ou em que circunstâncias ambientais e climáticas, já faiscava em seu cérebro a centelha da inteligência reflexa.
Pouco importa também se ostentava uma fisionomia mais ou menos teromorfa ou
humana, de acordo com os critérios utilizados na etnografia e etnologia
clássicas. Perambulava pelas florestas, pelas estepes, pelas savanas, pelas
montanhas e planícies, com olhar curioso e inquiridor. Observava, experimentava
e selecionava aquilo que a natureza oferecia em alimentos, vestuário, abrigo e
matérias primas para a confecção dos seus artefatos de sobrevivência, armas de
caça e defesa.
Guiado pelo instinto de sobrevivência foi
buscar no meio ambiente os alimentos de que necessitava, meios para proteger-se
contra as intempéries e construir abrigos ou instalar-se em cavernas. Todos esses procedimentos
ultrapassaram, desde o começo, o simples ato instintivo, compulsório, para
fazê-los acompanhar de rituais, cerimônias ou tabus, de natureza cultural. O ato de alimentar-se
assumiu entre muitos povos as características de um ritual mágico ou religioso.
E não somente o ato de alimentar-se, como os próprios alimentos passaram a
fazer parte das culturas, revestidos de sacralidade, dotados de poderes
mágicos, de efeitos afrodisíacos, ou de forças milagrosas. O mesmo se pode
afirmar do vestuário e da habitação.
A convivência e, mais ainda, a
parceria do homem com a natureza, ensinou-lhe caminhos e formas de como
consolidar melhor uma parceria com ela,
de como viver e sobreviver nela e de como transformá-la numa aliada sempre
presente e numa parceira indispensável na construção das suas culturas e
histórias. E desta parceria do homem com a natureza resultou uma autêntica
relação simbiótica entre os elementos e os processos que integram a História
Natural e a História Cultural.
E nesse esforço, uma tríplice gama de
desafios estimulou a criatividade do homem. Em primeiro lugar, foi o
desafio de encontrar na natureza o alimento e o abrigo, garantindo a
sobrevivência biológica. O segundo desafio consistiu em desenvolver tecnologias
cada vez mais eficientes para, gradativamente,
tornar mais fácil e mais eficiente a obtenção dos alimentos, a confecção
do vestuário e a instalação de abrigos. O terceiro e o maior de todos os
desafios foi o esforço de penetrar nos mistérios da natureza, compreendê-los e,
espelhando-se neles, compreender-se a si mesmo, desvendar as incógnitas da
própria existência e tentar formular sínteses compreensivas e compreensíveis
sobre si mesmo e o universo em que vive.
O convívio imediato, íntimo, diuturno,
existencial com a natureza, despertou no homem a percepção inequívoca de fazer
parte integrante dela. Além de depender dela para a vida e a morte, o ritmo da
sua vida seguia na mesma cadência e nos mesmos ciclos. E, neste conviver
simbiótico, foi construindo a sua história, as suas culturas, os seus
imaginários, as suas simbologias, as suas mitologias, os seus rituais, os seus
sistemas éticos, enfim, as suas cosmovisões. Tudo que o rodeava, por assim
dizer, animava-se e personalizava-se de acordo com o significado material,
mágico, simbólico ou religioso de que vinha acompanhado. As realidades e fenômenos naturais assumiam vida e
importância pelo que sugeriam à imaginação e pelo que representavam no
quotidiano. Acontece que, desta maneira, um espelhar-se recíproco entre o homem
e os fenômenos e realidades naturais e, em meio a esse processo de
inter-relacionamento, a cultura foi desenhando seus contornos e a história
definindo o seu rumo.