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Natureza como Síntese
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Relação Homem-Natureza - 2
A relação
diuturna, íntima, existencial entre o homem e a natureza, não pôde
deixar de despertar a curiosidade para entender os processos naturais. Acontece
que ele não foi um mero espectador dos acontecimentos que movimentavam o mundo
ambiente em que vivia. Em sintonia com ela elaborou a sua cultura e construiu a sua história. Ele
próprio foi um dos protagonistas, um dos atores em meio a essa dinâmica. Sua
inserção nela se deu em todas as dimensões existenciais: no plano físico,
biológico, instintivo, racional e espiritual. Pelo físico, como se apontou mais
acima, situa-se numa dimensão que o
nivela com a natureza mineral, no biológico com a vegetal e animal, no
instintivo com o animal e pelo racional e espiritual, supera e distancia-se dos
demais níveis. Teilhard de Chardin diria que o homem insere-se existencialmente
na “litosfera” e na “biosfera”, mas supera essas duas dimensões porque, pela inteligência
reflexa, dando existência à “noosfera”. Mas em todos os níveis, num mais noutro
menos e, à sua maneira, as circunstâncias naturais deixam suas marcas
indeléveis. Afinal o homem encontra-se existencialmente inserido no contexto
natural. Não é aqui o lugar para examinarmos como aconteceu e como nesta
relação simbiótica as coisas se deram no plano material e instintivo da vida do
homem e da sua cultura. Deixamos esta análise para os estudiosos da biologia
humana, para os etnógrafos, os etnólogos e os historiadores da cultura.
Tomando como base a publicação das fontes
referentes à história ambiental, para que as presentes reflexões devem servir de introdução, o interesse em
primeiro lugar concentra-se no que eles tem a oferecer e a sugerir em termos de
uma cosmovisão ambiental.
A inserção existencial do homem no
universo natural ou, repetindo mais uma vez, a relação simbiótica existente na
sua raiz, fica evidente nos traços mais diversificados, mais discretos e nas
aparências até mais insignificantes.
Basta um olhar um pouco mais atento para
nos convencermos do acerto desta afirmação. Entre os povos agricultores, por
exemplo, o sol e a lua, a alternância mensal das suas fases e da sucessão das
estações do ano, fez com que
construíssem o seu mundo simbólico, com todo um universo de costumes,
hábitos, valores, crenças, cultos e
rituais. O sol definia os ciclos anuais e, pela alternância das estações
comandava a preparação da terra, a semeadura, a germinação das sementes,
crescimento, o florescimento, a maturação dos frutos e, finalmente, a colheita.
Em meio ao fluxo e refluxo, germinar, nascer, crescer, declinar e morrer,
fenômenos pela sua natureza
astronômicos, cosmológicos, geográficos, climatológicos, transformaram-se em
fatores causais de fundamental importância na consolidação da identidade dos
povos e culturas.. A primavera passou a simbolizar o germinar da vida, a
infância, a juventude; o verão o vigor e a plenitude adulta; o outono a colheita dos bons ou maus resultados; o
inverno o declínio e, finalmente a morte para, em seguida, germinar nova vida e recomeçar o eterno vir e devir. A
sucessão e o ritmo das estações e os ciclos da vida confundem-se simbolicamente
numa única e mesma dinâmica. Fala-se então em primavera da vida, outono da
vida, inverno da vida. Pela mesma importância em não poucas culturas o sol e a
lua são cultuados como divindades.
No mesmo sentido vai toda uma compreensão
de outras realidades naturais. Cito apenas algumas mais. A água como elemento
indispensável à vida, figura como objeto de veneração na história de inúmeros
povos. Água e vida tornaram-se
sinônimos. Como a água que dá vida é, por excelência, aquela que se bebe nas
fontes, brotando da rocha ou das entranhas da terra, atribuem-se às próprias
fontes propriedades curativas especiais,
efeitos mágicos, milagrosos ou afrodisíacos. Combinada com outras realidades,
mereceu ser cultuada em não poucas culturas. Assim, por exemplo, prometia-se em
não poucas tradições vida longa e saudável para quem se banhasse no primeiro dia do novo ano
numa fonte, brotando diretamente da terra ou da rocha.
Não é por nada que a água, pela
importância vital para o equilíbrio da natureza como um todo e pela dependência
dela para a vida e a morte da vida na terra, foi explorada com finalidades terapêuticas na
bases de suas propriedades naturais e as atribuídas pelo homem nas suas
tradições culturais. Não é aqui o
momento para explorarmos em profundidade essa importante questão. Cabe,
entretanto, um exemplo para ilustrar a importância e a popularidade que método
da cura pela água assumiu no final do século XIX e começos do século XX. O
exemplo mais emblemático no recurso à água como terapia para curar praticamente
todas formas de problemas de saúde, foi o método aperfeiçoado por Sebastian
Kneipp, um simples pároco da cidadezinha de Woerishofen na Baviera. Inspirado
no livro dos Reis 4 capítulo 5, vers. 10: “vai e lava-te sete vezes no Jordão e
tua carne recupera a saúde e tu a pureza”, elaborou o método: “Minha Cura pela
Água – A cura pela água e a preservação da saúde”. Na condição de pároco no
interior da Baviera, sul da Alemanha, entrou em contato com inúmeros casos de
doentes e doenças as mais variadas por parte de pessoas pobres simples que não
tinham acesso aos médicos e medicamentos convencionais. Para estes ele ofereceu
seu método experimentado por anos, com resultados extraordinários. Na
introdução para a primeira edição 1886, chamou a atenção para a intenção que o
levou a se interessar pelo problema da “saúde do corpo ao mesmo tempo que
cuidava da saúde da alma”.
Dediquei-me com especial atenção e amor às
classes mais pobres e sem acesso à medicina convencional. A eles dedico em
primeiro lugar o meu livrinho. Por isso seu estilo é simples, despido sem
recurso ao linguajar técnico, em forma coloquial. (...) De forma nenhuma tenho
a intenção de polemizar com qualquer orientação da medicina formal. Tenho a
impressão que a publicação tem o seu valor no fato de que um leigo no assunto
se ocupe com uma questão tão importante e contribua com sua experiência diária
com o povo. Recebo com gratidão sugestões e críticas. (cf. Kneipp, 1886, p. III-IV).
A aceitação do Método Kneipp foi de tal ordem que entre 1886 e 1891 foram publicadas
nada menos do 33 edições. Fundamenta-se no pressuposto de que todas doenças que
de alguma forma são passíveis de cura, encontram solução com a utilização da
água pois, tem como objetivo atacar a raiz de todos os males. Em resumo são os
seguintes: 1. Dissolver no sangue os
agentes das enfermidades; 2. Eliminar os causadores das doenças diluídas no
sangue; 3. Fazer com que o sangue purificado circule normalmente; 4. Por fim
restabelecer as resistências debilitadas do organismo.
Seu colega de estudos Mathias Pfluger,
desenganado pelos médicos, submeteu-se ao método Kneipp. Recuperou-se
completamente, ordenou-se sacerdote e, depois de entrar na Companhia de Jesus,
foi enviado pelos superiores da Alemanha para trabalhar na Missão dos Jesuítas
no Sul do Brasil. Fundou e consolidou a Paróquia de Tupandi, hoje município com
o mesmo nome, onde faleceu em 1905 com 77 anos. Na época, segunda metade do
século XIX, atendimento médico formal e consultórios de médicos diplomados, só
em Porto Alegre. Essas circunstâncias fizeram com que o Pe. Pfluger
popularizasse entre seus paroquianos e comunidades vizinhas o Método Kneipp.
Ainda hoje, mais de 100 anos depois da morte do pároco, mesmo com assistência
medica acessível nos rincões mais remotos,
o recurso à práticas de cura pela água ainda são frequentes especialmente em casos
nas gripes tão comuns em certas estações do ano.
Tão populares como o Método Kneipp as
clínicas de hidroterapia, sob a responsabilidade de médicos e profissionais da
saúde credenciados, atendiam em centros urbanos, em sítios de águas termais, oferecendo uma infraestrutura completa e
credenciada pelas autoridades sanitárias.
Pelo mistério que costumam envolver montanhas, vulcões, lagos e os
próprios mares e oceanos, terminaram por personificar figuras mitológicas ou
representar lugares sagrados, que passaram para o imaginário dos povos na forma
de crenças, mitos e tabus. Os deuses e deusas do monte Olimpo, distantes dos
homens, entregavam-se às suas intrigas e pouco se importavam com o que
acontecia no quotidiano dos mortais. A atitude olímpica tornou-se sinônimo de
uma postura sobranceira, distante,
alienada e desprezadora da realidade, por assim dizer, acima do bem e do mal..
O vulcão Fuji simboliza a própria história do povo japonês. Espíritos que não
toleravam a presença do homem povoavam lagos como o de Lhangue no Chile,
fazendo com que suas proximidades permanecessem despovoadas até a chegada dos
imigrantes alemães em meados do século XIX.