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Deitando Raízes #8

Capítulo quarto
A Guerra dos Farrapos de 1835-1845
Falando em termos gerais Bom Jardim não sofreu com a guerra na mesma escla do que outros lugares. É certo, perdeu tudo que tinha, mas graças a Deus! Crueldades como em outra parte não aconteceram. Pereceram Apenas dois colonos pereceram durante a guerra. Um deles foi o velho Knierien, que morava na casa  que mais tarde pertenceu a Tiefenthäler e, finalmente, a Simonis. Caíra em suspeita perante os detentores do poder do momento, como acontecia com facilidade naqueles tempos perturbados. Ao saber que já não  confiavam nele, procurou salvar-se pela fuga, mas foi perseguido, aprisionado e morto. O outro colono foi o velho Morschel. Com ele as coisas  se deram assim. O mal afamado capitão Menino Diabo, mandou alguns homens de Dois Irmãos até a nossa picada. Estes, ao que consta, comportaram-se de modo inconveniente. Houve briga e Morschel matou a tiro o filho do velho Laval. Morschel foi em seguida sentenciado à morte por Menino Diabo e executado de forma cruel. Primeiro o estaquearam, isto é, estirado com tiras de couro molhado entre duas estacas de madeira. Com as mãos e pés estirados ficou exposto ao sol que queimava e presa de todo o tipo de insetos. As tiras foram secando pouco a pouco, encurtaram e, entre dores indescritíveis, desconjuntaram os membros. Depois de um longo tempo foi executado a tiros por seis homens. Afirma-se, entretanto, que uma só o acertou, varando-lhe a cabeça. O crime aconteceu perto do mato na roça de Franz Meng, no caminho de Dois Irmãos.
Enquanto para a maioria a guerra civil teve conseqüências  tristes, alguns tiraram proveito. Os cidadãos que gozavam de melhor conceito recebiam, não raro, dinheiro dos imperiais para garantir a sua fidelidade. Em lugar de se empenhar pelo Imperador ou até combater por ele, valiam-se do dinheiro, raro na época, para comprar mais terras. Tratava-se de uma especulação muito vantajosa, o que pode ser deduzido do fato de que, durante a revolução, era possível adquirir uma colônia inteira por cinco a seis mil réis. (16) Não poucas famílias que hoje possuem um grande patrimônio, fizeram a felicidade na época com poucos recursos. Durante a revolução dos Maragatos o comportamento dos colonos pareceu  estranha para muitos. Exatamente na nossa paróquia percebeu-se uma lamentável oscilação, indecisão e falta de seriedade. Quem, porém, conhece mais de perto os acontecimentos da Guerra dos Farrapos, o comportamento indeciso de muitos, não causa maior admiração. O clima de insegurança generalizada, somado à crueldade dos chefes de bandos, assustava a todos e paralisava qualquer  iniciativa coletiva, única forma de superar a situação como o demonstrou a ação do grupo de autodefesa de São Salvador. Com esta afirmação não queremos de forma alguma nivelar os comandantes Farrapos com os irmãos Correa. Pessoas que conheceram pessoalmente Bento Gonçalves, testemunham que ele era um homem belo, nobre  e um oficial talentoso, que nada tinha em comum com os chefes Farrapos posteriores. Somente um dos comandantes da época merece ser qualificado como verdadeiro bandido. Falamos do arqui-revolucionário Giuseppi Garibladi, que defendeu corajosamente a causa da revolução, onde quer que não houvesse perigo, mas com covardia onde se defrontava com um inimigo resoluto. Mesmo que um ou outro idiota o considere um herói, para um católico é o suficiente para julgá-lo, o fato de ter praticado assaltos com seus bandos no território romano, cometendo inomináveis crueldades com  os  prisioneiros. O melhor exemplo do seu heroísmo foi o esforço do governo francês que, no ano de 1870, fez de tudo para livrar-se  do aliado, que lhe causou mais prejuízo do que vantagens e mais vergonha  do que fama. Conclui-se do que foi dito por Adalberto Jahn quando descreveu a verdadeira situação em seu livro, não demonstrando preconceito nem faltando à verdade: "A colônia alemã dividia-se desta maneira em dois arraiais. Um deles formado com predominância por católicos e, entre eles, o pastor protestante Klingelhöfer e seu valente filho Germano, são adeptos da revolução. O outro integrado quase exclusivamente por protestantes, reunidos em torno do seu comandante o futuro diretor da Colônia, adeptos do partido imperial. Esta situação não podia deixar de contribuir para os grandes danos que a colônia sofreu durante a revolução. Mesmo que relativamente poucas vidas tivessem sido perdidas na colônia, o estrago causado se fez sentir durante anos. Ouçamos a opinião  de um dos maiores beneméritos da colônia, o dr. J. Daniel Hildebrand que em 1824 acompanhou desde Novo Hamburgo, a segunda leva de colonos. Mais tarde viajou como médico até a Província Cisplatina, onde prestou os mais relevantes serviços ao exército imperial durante a campanha. Depois da guerra que culminou com a independência do Uruguai, trabalhou a partir de 1828, como médico em São Leopoldo. Conquistou grandes méritos colaborando com a administração da colônia, então sob a responsabilidade do inspetor Lima. Adalbert Jahn  observou com acerto: "Durante a Revolução encontramos o dr. Hildebrand ao lado dos leais, isto é, do partido do governo, na condição de comandante da corporação alemã e, em 1844 como coronel e comandante de todo o distrito de São Leopoldo que se estendia até Porto Alegre. Nesta condição continuou prestando serviços ao governo imperial, tanto mais importantes porque, por meio deles, beneficiou também os colonos alemães revolucionários. Finda Revolução e chegados novos imigrantes e a colônia necessitando de um diretor, o coronel Hildebrandt foi convocado para o posto e, em 1848 nomeado diretor geral de todas colônia da Província. Permaneceu no posto até março de 1854, portanto até a entrada em vigor da nova Lei de Terras terminando com a situação confusa da colônia. Relembremos  agora o que dr. Hildebrandt escreveu no relatório dirigido ao Presidente da Província, sobre a participação dos alemães na Revolução e sobre seu posicionamento em relação aos brasileiros.
Na suposição de que os (17) colonos tivessem sido tão grandes inimigos do governo imperial, com certeza não lhes teria faltado ocasião para mostrar essa hostilidade quando, no 20 de setembro, irrompeu a sublevação nesta Província.
Repito. A ocasião teria sido propícia para trazer para a luz do dia as supostas animosidades. Acontece que reinava ainda um grande descontentamento, porque as condições dos contratos,  segundo os quais haviam sido arregimentados, não haviam sido cumpridos. Pairavam dúvidas  também sobre a consolidação da situação dos colonos no futuro. E, apesar destes fatos, como é que se comportaram os colonos alemães, tanto no começo, quanto no decurso desta luta infeliz? Não aconteceu nenhuma ação hostil contra o governo imperial. Esta deu-se apenas quando os rebeldes se aproveitaram das circunstâncias nomeadas acima e souberam fazer crer aos colonos que a Província já tinha conquistado a sua independência e, se não combatessem pelos interesses do novo governo, ser-lhes-iam tirados ou queimados os bens. Se, ao contrário, porém, se dispusessem a colaborar com o novo governo, seus serviços seriam remunerados. Cada colono receberia duas colônias de terra, etc., assim como os subsídios atrasados, negados pelo governo imperial. Apesar de todas essas ameaças e promessas, os colonos não quiseram pegar em armas contra o governo imperial. Somente depois que agitadores queimaram  algumas casas, destruíram plantações e mataram algumas reses, que serviam para o sustento da família e arrastaram a força alguns colonos, somente depois que os colonos presenciaram os maus tratos sofridos pelos vizinhos, apresentaram-se espontaneamente.
Para concluir este capítulo acrescentamos algumas vivências de colonos. Do tempo dos Farrapos foram-nos relatadas algumas particularidades por nosso venerando amigo Jacob Jung. Nosso informante contava com pouco mais de 18 anos quando eclodiu a  Guerra dos Farrapos. Era solteiro e exercia a profissão de aprendiz de sapateiro, com seu futuro sogro Eckert. Acabara de sair do mato  onde, em lugar  seguro, escondera 300 Thalers, pertencentes  ao mestre, quando um pequeno grupo de Farrapos visitou a linha. Logo que o viram ordenaram que ficasse parado. Mas o nosso jovem não confiou nos sujeitos e saiu correndo. Perseguiram-no a cavalo, mas ele desviou-se do caminho, entrou no mato e correu o que pôde. Dois dos cinco cavaleiros saltaram dos cavalos e tentaram encontrá-lo. Mas ele conhecia melhor as características do local e tinha pernas mais ágeis. Em vão gritaram: "Pára, senão atiramos!" Precipitou-se para frente como um veado e sem demora sumiu dos olhos dos inimigos. A fuga, porém, não passou sem um pequeno transtorno. Ao disparar por uma ladeira de rochas abaixo, amassou  um dedo do pé que começou a sangrar muito. Somente parou na casa de um conhecido para fazer um curativo na ferida. Não terminara quando ouviu outro grito: "Os farrapos estão chegando!" Recomeçou a fuga pela roça e por infelicidade foi de novo descoberto pelos inimigos, que tornaram a persegui-lo. Contudo logrou evadir-se apesar do pé machucado. No momento de enveredar pela orla do mato, chamou-o o velho Spindler, um veterano soldado do Império, que se encontrava aí com 11 companheiros, todos adeptos do Imperador, apelidados de Caramurus. Disse-lhe que não tivesse medo que eles o ajudariam. Atiraram na direção dos perseguidores que pararam com os disparos e depois se retiraram.
Desta vez Jacob Jung estava salvo, mas seu mestre sofreu na ocasião um grande prejuízo. Os Farrapos invadiram a casa e levaram botas e couros no valor de 1.500 mil réis.  Roubaram-lhe além disto três belos cavalos, que ele havia escondido no mato. Foi neste assalto que aconteceu (18) o episódio com Morschel, referido acima. O jovem filho adotivo do velho Lavall, um rapaz a serviço dos Farrapos, observou Morschel que antigamente servira ao Imperador. saindo do mato. Apontou a espingarda para alvejá-lo. O tiro falhou e Morschel atirou no agressor. Caiu morto varado por uma bala e Morschel o enterrou no mato. Ninguém além de Morschel soube do fato e do lugar da sepultura. No outro lado do arroio Feitoria, que passa pelo "Buraco do Diabo", na época ainda não havia ponte, aguardavam os Farrapos sob o comando de Menino Diabo, enquanto no lado oposto concentravam-se os Caramurus, isto é, os adeptos do governo imperial. Houve negociações de uma margem  do arroio para a outra. Os Farrapos convidaram amigavelmente os adversários a cruzarem o arroio, prometendo não lhes causar mal. Quando sem suspeitar concordaram, agarraram Morschel e o estaquearam. Suportou a terrível tortura durante dois dias e duas noites e, por fim concedeu que foi ele que matara Lavalt em legítima defesa. Imediatamente veio a ordem de fuzilá-lo. Depois dos disparos Morschel continuou sentado ileso na sua cadeira. Aproximaram-se e um dos Farrapos disse: Alguma coisa está errada. Sim, respondeu Morschel, eu tenho um escudo espiritual, nenhuma bala me atinge. Tiraram-lhe o amuleto e uma bala varou-lhe a testa. A explicação, como qualquer homem de sã razão entende, não foi porque perdera o escudo espiritual e por isso tornara-se vulnerável, mas única e somente porque o tiro foi disparado mais de perto e a mira foi mais precisa do que antes. Neste primeiro assalto à picada, seguido de mais seis, foram cometidas muitas e grandes atrocidades. Uma delas mostra  muito bem como se comportavam os Farrapos. Para demonstrarem bravura sangraram por pura diversão seis animais. Carl Wild, um oficial, chegou a censurar o procedimento dos companheiros, mas não conseguiu evitar a maldade. Quando os colonos tentaram salvar a carne, foi-lhes sinalizado que quem tocasse nos animais levaria um tiro. Apodreceram no local sem proveito para ninguém.
Compreende-se que essas e outras violências fizessem subir ao máximo a animosidade da maioria dos alemães contra os Farrapos. Entende-se assim de alguma foram a sentença de morte ditada contra o Menino Diabo. Ferido na Schwabenschneis com um tiro na perna, foi cruelmente mutilado. Foi encontrado enrolado na bandeira dos Farrapos, o bigode cortado com a pele e enterrado vivo. Uma revolta semelhante ocorreu por ocasião do ataque dos imperiais a Viamão (Capela Grande), que se encontrava em poder dos Farrapos. 

Deitando Raízes #7

Capítulo terceiro.
Um pedaço de Alemanha no Brasil
As condições sociais na colônia
O período logo após a fundação
No capítulo anterior examinamos a casa do colono com o seu entorno. E para fazermos um quadro objetivo e completo, é preciso  avaliar a picada como um todo e a região colonial no seu conjunto. Os limites são demarcados pelos brasileiros entre os quais os colonizadores alemães se fixaram como uma etnia, fiel aos seus hábitos, à sua cosmovisão e à sua língua.
Além da colônia não havia povoação maior fora de Porto Alegre. As poucas casas junto às capelas de Sant`Ana, Viamão e Aldéia dos Anjos, [1] não merecem o nome de cidadezinha. Na maioria dos casos os brasileiros moravam dispersos, os ricos nas suas enormes estâncias, os mais pobres em algum canto perdido do mato ou do campo, onde cultivavam uma pequena propriedade rodeada de capoeiras e macegas. Os habitantes da terra distinguiam-se pelo  caráter nobre e generoso, especialmente no tempo em que o contato acompanhado pela  desconfiança ainda não os havia corrompido. Os brasileiros receberam os adventícios com certa demonstração de amizade e, na medida do possível, prestimosos na melhoria das condições. O alemão espantava-se  quando, ao admirar o cavalo de um brasileiro, escutava as palavras: "o cavalo é seu". E não se tratava de palavras vazias. Na atitude mais cavalheiresca possível, o brasileiro não teria mais aceito de volta o presente. Só mais tarde a generosidade dos filhos da terra sofreu um certo esfriamento. O alemão não imitou o seu modo de proceder e limitava-se a aceitar os presentes. Se esta atitude faz parte de uma peculiaridade dos germanos antes do seu contato com os romanos, não é assunto a ser decidido aqui. Basta a menção desta característica. Na época praticava-se ainda entre os brasileiros a repugnante escravatura, abolida apenas no dia 13 de maio de 1888. Brasileiros em melhor situação eram donos de um número maior ou menor de escravos. A eles cabia a obrigação de todas as tarefas na casa e no campo, enquanto o senhorio se entregava ao ócio.
Conhecemos de outros países as condições  vergonhosas causadas pela escravidão. Queremos apenas  chamar a atenção que o alemão aplicado, acostumado  ao trabalho duro, numa livre competição, só pôde levar a melhor sobre o brasileiro indolente e arredio ao trabalho.
Enquanto a média dos alemães conquistou a riqueza e o bem estar, muitos brasileiros regrediram sem parar. Em vez de fazerem suas terras produtivas e viver da renda, lançaram mão do seu capital de raiz, venderam colônia após colônia, chegando ao ponto de a família decaída mal e mal vencer a pobreza com o que sobrou. Os alemães, pelo contrário, lançavam-se ao trabalho com denodo e perseverança e, em questão de poucas décadas, transformaram a região colonial num centro produtivo, rodeado pelos  campos exclusivamente de criação de gado dos brasileiros. Acontece que os brasileiros e os orientais dedicavam-se de preferência à criação de animais. Não obstante homens de visão  que, somente se encontram no meio de um povo formado por agricultores livres e autônomos, conquistaria o reconhecimento e a riqueza para as fronteiras do sul do Brasil, como de fato aconteceu. Levado por esta razão o imperador D. Pedro I tomou a decisão de trazer agricultores diligentes. Sabia muito bem que a escravatura não se manteria por muito tempo. Por isso empenhou-se (10) na preparação do terreno para o trabalho livre. Esta preocupação fez nascer em 1824 a Colônia de São Leopoldo, batizada assim em homenagem à sua esposa D. Leopoldina, uma princesa austríaca. Os soldados foram arregimentados para a guerra contra os rebeldes da então Província Cisplatina, hoje Estado Oriental, sob a condição de que, após quatro anos de serviço, serem indenizados com terras. Entre esses primeiros colonos encontravam-se imigrantes, já mencionados mais acima, vindos de Mecklenburg, Birnfeld e Hessen, As belas promessas segundo as quais os agentes ofereciam lotes de 160.000 braças quadradas, passagem gratuita entre o local de embarque e o destino e muitas outras vantagens, acenavam com perspectivas  promissoras aos agricultores do Reno e  do Mosela. Em 1828, um determinado número de alemães e irlandeses, que se tinham sublevado no Rio, foram embarcados para a Província do Sul para aí serem assentados. Somente os alemães lograram um certo progresso. 
No ano de 1830 a imigração chegou a ser interrompida em conseqüência de uma lei,  inspirada num nativismo tacanho, isto é, num favorecimento unilateral dos brasileiros. Durante a assim chamada Guerra dos Farrapos as colônias foram entregues à própria sorte. Somente em  1846 a corrente imigratória recomeçou a fluir para o Brasil. Santa Catarina, Espírito Santo, assistiram à formação de colônias alemãs em seus territórios. Em toda a parte os pioneiros demonstraram serem laboriosos. A maior parte dos imigrantes daquele ano foi assentada na nova picada da Feliz, na margem direita do rio Caí. Entretanto, o ano seguinte, 1847, trouxe apenas a metade dos imigrantes. Nos anos posteriores foi diminuindo cada vez mais o número ao ponto de, entre 1848 e 1855, chegarem apenas 305 novos imigrantes. Como se pode concluir do que se disse acima, o governo central chamou a si a tarefa de oferecer aos alemães condições muito favoráveis. Mas a boa disposição da dinastia imperial nem sempre era cumprida plenamente devido a ciumeiras e mesquinharias. Muitas vezes os lotes lhes eram designados sem  medirem a área exata de 160.000 braças. Acrescia  que os lotes nem sempre pertenciam ao governo - terras devolutas - mas propriedade privada. O governo se via em apuros quando se tratava de expedir os títulos de propriedade que os colonos reclamavam. Prometia tudo sem nunca fornecer os títulos, resultando em intermináveis contendas e provocando uma insatisfação generalizada.  Finalmente foi nomeada uma comissão encarregada das medições e aprontar os respectivos títulos de propriedade. Ficaria demasiado longo se entrássemos em detalhes desta confusão. Basta registrar que dos 1.500 lotes coloniais, 1.400 foram regularizados. Essas medidas devolveram grande tranqüilidade para a colônia que, durante décadas vira ameaçada a propriedade das terras legitimamente conquistadas.
No que se refere ao relacionamento dos colonos  alemães com seus concidadãos brasileiros, pode-se afirmar que a maioria da população mostrava-se favorável  aos alemães. Na verdade eles mereciam plena confiança e benevolência, justificada pelos anos que se seguiram. É verdade que os alemães se agarravam  aos seus costumes, às suas convicções religiosas e, de modo especial, à sua língua materna, sem contudo, em circunstância alguma, emitir sinais de suspeita sobre a condição de cidadãos da nova pátria.
Prova da autenticidade da sua cidadania foi o comportamento adotado no período da Revolução e, mais tarde, por ocasião da guerra contra o Paraguai. Em nenhuma dessas ocasiões mostraram  menos espírito de sacrifício e coragem do que seus concidadãos brasileiros. Outro testemunho neste sentido foi a vida regrada e o amor à ordem dos moradores da colônia, fazendo com que ocorressem relativamente poucas transgressões da lei, provando serem bons cidadãos. O boato de que havia um estado dentro do estado, que havia risco de separação, não passava de uma fantasia hostil e irresponsável. Podemos afirmar com razão que o Rio Grande do Sul deve à imigração alemã o seu florescimento atual.
Observemos as pessoas que vieram da Europa para cá. Eram quase sem exceção pobres, pequenos agricultores, diaristas e mineiros. Entre eles não raro encontravam-se existências mal sucedidas, algumas até com "o chão queimando debaixo dos pés", [2] desejosos de começar uma vida nova em terras distantes. Para esses elementos o abandono da terra natal significava um benefício e o Brasil, na verdade, uma terra prometida. Exigia, entretanto, duros combates com gigantes para transformar-se  na Canaã do tempo dos Israelitas. No Brasil os gigantes eram: a natureza selvagem, a mata virgem, a falta de estradas, a distância dos mercados para a colocação dos produtos. Num combate que durou  anos  esses gigantes foram vencidos. A escravidão do Egito, neste caso eram as minas de carvão, os salários de fome no Hunsrück. Na nova pátria encontraram condições bem diferentes. Pelo menos tinham com que enfrentar a fome e não havia preocupações pelo amanhã e o futuro dos filhos.
Podiam movimentar-se livremente no campo e na floresta que Deus fazia crescer para todos sem o risco de, a cada passo, ter que enfrentar a vigilância do gendarme [3] ou a espingarda do caçador, a serviço do senhor. Por vezes confiantes demais e provocadores, julgavam-se  fora do alcance da lei e acima da decência. Infelizmente portavam-se com esta auto-valorização perante aquelas autoridades das quais não tinham a temer castigos materiais. Mostravam, porém, uma enorme submissão perante as autoridades policiais menos graduadas. Fique claro que se tratava de excrescências que, comparadas com o muito de bom que havia, não pesavam muito na balança. A situação dos colonos melhorava de dia para dia emprestando à colônia um aspecto de bem estar. A partir de então toda a Província entrou num ritmo de prosperidade, tanto no que se refere ao comércio, à economia, à autonomia política e o progresso. A administração das colônias era muito simples. O Diretor da Colônia decidia tudo, sendo como, por ex., José Thomas de Lima e mais tarde o Coronel Dr. Daniel Hildebrand, homens íntegros e bem intencionados com os colonos. Além disto, durante os primeiros dez anos, os colonos estavam isentos de todos os tributos além do serviço militar, estando em condições de cuidar com sossego do seu progresso material. As condições de saúde na nova terra eram também bastante boas, numa temperatura média em torno dos 17º, conhecidamente a mais apropriada para o organismo. Somavam-s a isto os preços muito baixos. Na média pagavam-se sete a oito mil réis por um cavalo. Em muitos casos meia colônia valia apenas cinco a seis mil réis e até chegava a ser torrada em troca de uma garrafa de cachaça. Os trabalhadores que hoje ganham dois mil réis ao dia, na primeira década tinham que contentar-se com oito vinténs e, mesmo assim, para os robustos trabalhadores no mato. Eram obrigados a trabalhar honestamente para ganhar o dinheiro, fato que hoje, como se sabe, já não é mais (12) levado tão a sério. Em contrapartida podiam fazer cinco refeições frugais mas fartas ao dia. De manhã lhes eras servido café feito de milho torrado sem açúcar e pouco leite, de vez em quando acompanhado  por um ovo. Ao meio dia o cardápio assemelhava-se bastante  ao dos primeiros anos. A diferença estava na maior freqüência de charque, de carne de cavalo e sebo no lugar da banha, fornecido pelas charqueadas, naturalmente nem sempre fresco e de odor agradável. De mais a mais a situação melhorou de ano para ano e não poucos alemães adquiriram um escravo por 100 mil réis. Como serviçal fazendo parte da herança recebia normalmente bom tratamento. A educação, porém, deixava muito a desejar, ou porque o clima favorecia a moleza ou porque os brasileiros contaminavam os alemães. Em poucas palavras, a juventude já não era mais educada naquele sistema sólido e, entre pais e filhos, estabeleceu-se uma relação estranha. Estes eram tratados antes como iguais e menos como subordinados, assumindo em família, uma postura de autonomia. Não raro o filho tinha seu próprio cavalo ou cultivava uma determinada área da roça por conta própria, o que, com certeza, não contribuía para fomentar o respeito dos filhos para com os pais. Com o incremento do bem estar insinuou-se também, pouco a pouco na vida pública, a tendência de usufruir a vida e entregar-se às diversões. Se as diversões se limitassem à caça não haveria muito a objetar. Acontece que há muito animal selvagem que, se não forem exterminados, precisam ao menos ser reduzidos em número em favor das plantações. De modo especial os porcos selvagens causavam grandes prejuízos às lavouras e, eram exatamente eles, o principal alvo dos caçadores. Na roça do velho Bihler foram abatidos de uma só vez sete exemplares, apesar das armas ruins então disponíveis. Usava-se uma espingarda de dois canos, dos quais funcionava um só. Tanto nas colônias quanto no País todo havia veados em abundância. Aconteceu, segundo o relato confiável de um homem,  que em São Gabriel todo o morro estava tomado por pequenos veados e ele próprio galopou atrás de dois filhotes até, de tão cansados, deixaram-se pegar com as mãos. As aves ofereciam fartura semelhante ao caçador. Galos selvagens cujas penas eram muito apreciadas, podiam ser vistos até 20 juntos numa árvore. Pode-se dizer que estavam a ponto de arrebentar de tão gordos e mesmo com um tiro não levantavam vôo. Nas planícies reinava a ema, caçada no interior de São Gabriel. Certa feita Johann Finger encontrou num único ninho 25 ovos. Como se tratava de uma raridade fez das ceroulas e da camisa dois sacos e, cantarolando de satisfação, levou seu tesouro para casa, obviamente a cavalo. 
Conheciam-se os mesmos macacos de hoje, principalmente o vermelho grande e o pequeno mico. Naquela época havia um número maior deles, assim como de cães selvagens,  quatis, tatus e outros mais. Com a presença dos muitos caçadores domingueiros, estes animais retiraram-se para lugares mais afastados no mato, onde ainda hoje podem ser encontrados.
Os tempos melhores levaram a abertura de número maior de vendas que ofereciam a preços baixos cachaça e vinho português, tendo como conseqüência a entrada de vícios na colônia. Muito poucos se preocupavam em aproveitar este bem-estar crescente, para melhorar a formação, um equívoco que perdurou até os dias de hoje. Nos domingos era preciso divertir-se a qualquer custo. Mesmo que na época não houvesse como formar uma banda de música completa, as pessoas costumavam reunir-se em volta de algum artista, que sabia tocar com certa maestria as velhas melodias na sua gaita de fole. Daqueles dias ficou na memória o velho Heck Hannickel, um valente tocador de clarinete, o qual, como comprovam testemunhas oculares, tinha quase a altura do Spielmann. Os músicos iam tocando de uma picada para a outra e em toda a parte eram hóspedes bem vindos. Oxalá tivesse permanecido ao nível da música simples  e da alegria inofensiva. Mas as conseqüências  normais da paixão pela diversão instalaram-se também aqui. O espírito religioso e a freqüência à missa  entrou em decadência. A preocupação pela escola passou para um segundo plano. Perdeu-se o interesse pelo progresso espiritual e os excessos, (13) as animosidades e  coisas piores tomaram o lugar dos velhos  costumes frugais. O espírito de moderação cedeu lugar ao desperdício, a sobriedade à tendência de consumir bebidas alcoólicas e a  germanidade que florescia com vigor, correu o risco de perder-se e embrutecer-se  na maioria das pessoas. Esta mudança rápida tornou-se prejudicial para pessoas que saíram de circunstâncias difíceis e, de uma hora para a outra, transferidas para a fartura. A sorte faz do cavalo um arrogante e as mulas que vão bem demais vão dançar na neve. [4] Foi quando, de uma hora para a outra, uma terrível tempestade varreu o Rio Grande do Sul, mergulhando  também a colônia num período de grandes sofrimentos, do qual saiu mais tarde purificada e rejuvenescida. Falamos da Guerra dos Farrapos, assunto para o capítulo que segue. Antes, porém, de discorrer sobre ela, descrevendo suas idas e vindas, queremos chamar a atenção dos nossos leitores para a ação da Divina Providência, como ela interveio magnificamente na história da imigração e colonização.
Da mesma forma como antigamente o  povo de Israel, oprimido pelo Egito, foi libertado pelo Deus dos seus antepassados e recebeu uma nova herança, assim aconteceu  também, não sem um desígnio especial, que grupos indigentes foram tirados de solo europeu e assentados em um novo continente. Os homens de estado quebravam inutilmente a cabeça, para resolver a difícil situação de uma população que crescera além da medida. As medidas por eles adotadas pareciam-se com as de uma criança comparadas, com os planos da Providência.  Donde surgiu repentinamente o impulso, a nostalgia e o ímpeto de migrar, que se apoderou com súbita força, de significativas camadas de um povo e o forçou a partir em busca de uma terra longínqua? Obviamente Daquele que, de uma extremidade da terra à outra, ordena tudo e governa as criaturas com  energia e suavidade. Os míopes encontram nas circunstâncias externas, como pobreza, falta de trabalho, dominação militar, a única e bastante explicação. Para aqueles que enxergam mais longe, revelam-se desígnios superiores e destinos relacionados com a história do mundo. Durante muito tempo foi rejeitada a solução dos males oriundos da escravatura pelo aporte de trabalhadores livres. O Brasil que, em questão de meio século,  transformou-se  em República, teve que ser preparado para a mudança de forma de governo. Por essa razão  foi preciso providenciar pela consolidação e unidade, por meio de um povoamento estável, exatamente nos estados limítrofes do sul. Mas o que confere à imigração alemã um valor ético incalculável, é a sólida vida religiosa que o alemão trouxe consigo e com a ajuda de Deus conserva até o momento.
Um século antes da proclamação da República, aconteceram movimentos revolucionários em várias províncias, visando conquistar a independência e fundar repúblicas. Assim ocorreu em Pernambuco de 1817 a 1824. Na época, porém, estes levantes foram dominados sem maiores esforços. No Rio Grande do Sul a revolução irrompeu em Porto Alegre em 1935. Por esta razão o 20 de setembro ainda hoje é comemorado como feriado nacional e a bandeira dos velhos Farrapos é, de momento, o pendão do estado do Rio Grande do Sul. O cabeça do levante foi o coronel imperial Bento Gonçalves. Muitos aderiram a ele e  o presidente imperial Braga viu-se obrigado a retirar-se primeiro para Rio Grande e depois para o Rio de Janeiro. Sem tardar os insurretos exigiram um governo próprio tendo Marciano Ribeiro como presidente e Bento Gonçalves como comandante das armas. Somente as cidades de Rio Grande e São José do Norte permaneceram  em poder do Império. Do Rio de Janeiro foi então nomeado um novo presidente na pessoa de um certo Araújo Ribeiro. Sua habilidade conseguiu espalhar o desentendimento entre os revoltosos. Conquistou para a causa da legalidade o competente oficial Bento Manoel e de um golpe a situação estava mudada. No dia 17 de junho de 1836 a cidade voltou à submissão e recebeu o título honorífico de "a valorosa e fiel cidade de Porto Alegre." O capitão do mar Greenfal assegurou o domínio sobre a Lagoa dos Patos e, em questão de pouco tempo, os imperiais conquistaram a dupla  vitória em Itapuã e na Ilha do Fanfa. Os revolucionários  apoderaram-se da cidade de Pelotas e instalaram uma república na cidade de Piratini e Bento Gonçalves, que caíra prisioneiro numa batalha anterior, proclamado seu presidente. Mas pouco a pouco a causa perdeu o apoio até o infeliz embate  final em Candiota. Desta forma  a guerra civil estaria encerada no começo de 1837 se o regente Diogo Feijó não tivesse feito uma escolha infeliz. O presidente nomeado não agradou a Bento Manoel e, como conseqüência passou para o lado dos sublevados. Os imperiais perderam as escaramuças do Rio Pardo e Caçapava e, apesar de todos os esforços, não conseguiram mais o controle da Província. Um novo presidente nomeado foi aprisionado e seu sucessor, marechal Elisário de Miranda, derrotado no Caí. Mais tarde os revolucionários, sob o comando de Davi Canabarro, empreenderam uma expedição a Santa Catarina, onde se apoderaram da cidade de Laguna em 1839, mas foram forçados a abandoná-la depois de poucos meses. De volta ao Rio Grande do Sul sofreram várias derrotas, como a de Taquari e no malogrado assalto a São José do Norte. Neste meio tempo chegou a Porto Alegre o general Andreas, como Presidente e comandante das tropas e manteve com êxito os inimigos em xeque. Uma mudança decisiva, entretanto, deu-se apenas em 1842, quando o famoso barão de Caxias, vencedor da revolução em São Paulo e Minas Gerais, assumiu a administração e pacificação do Rio Grande do Sul. No final de 1842 destroçou facções do exército em diversos lugares (Poncho Verde,, Camaquã, Cangussu) nos quais se celebrizou o conhecido barão do  Jacuí e Bento Manoel passou de novo para os imperiais. Daqui para frente a guerra prolongou-se apenas na aparência. As forças rebeldes estavam esgotadas e prontamente aceitaram em 1º de março de 1845, a oferta de uma anistia magnânima.
É compreensível diante mão que a posição da colônia em relação às facções envolvidas na guerra, fosse muito difícil. Os imigrantes alemães vieram imbuídos de fortes sentimentos monarquistas e, obviamente, tomados de gratidão para com o governo imperial que, com mão generosa, os presenteara com uma nova e bela querência. Tomavam, por isso, posição em favor do Imperador e, do íntimo, abominavam os revolucionários, mesmo que não gostassem de expor seus sentimentos em público. De mais a mais durante a guerra, a adesão  ao Imperador, como ficou claro no decorrer do conflito, lhes dava poucas vantagens pois, uma parte do tempo os revolucionários foram os senhores da terra e da zona colonial. A incerteza do desfecho dos acontecimentos, especialmente a partir de 1837, abalou a fidelidade ao Imperador. Não tinham condições de prever o que resultaria de definitivo no final das constantes reviravoltas, se o Império ou uma República. As simpatias pelo Imperador, incapaz de socorrê-los enfraqueceram em muito. Mais ainda, quando perceberam que o tratamento dado à colônia pelos imperiais, era o mesmo que recebiam da parte  dos republicanos. Se no começo todos mostravam evidente simpatia para com o Imperador, aos poucos insinuou-se a discórdia nas  picadas e até nas famílias, na medida em que uns se declaravam pelos imperiais e os outros pelos republicanos. Ao eclodir a guerra a maioria estava de posse de um considerável patrimônio. As velhas cabanas cederam lugar a casas melhores. Em volta da casa havia estrebarias para vacas e outros animais, no potreiro pastavam alguns cavalos, cinco ou seis reses e, (14) entre eles, andavam porcos soltos e gordos. Durante a revolução as coisas sofreram uma grande modificação. Tanto fazia se na casa entrava um amigo ou um inimigo. Para o colono significava absolutamente o mesmo. A poupança em dinheiro ou em utensílios domésticos, colheitas e animais eram vistos como presa  por ambas as facções em guerra. Os  republicanos apoderavam-se de tudo que lhes fazia falta: porcos, galinhas, lingüiças, presentes e ovos e os baianos  julgavam-se obviamente com o mesmo direito de extorsão. Em resumo. Todo o bem-estar da grande maioria  das famílias foi perdido naqueles tempos infelizes. Jovens foram forçados contra a vontade  a alistar-se nas tropas, o que tinha como conseqüência que um irmão lutasse nas fileiras dos imperiais e o outro nas dos republicanos. Entende-se por si mesmo que em tais circunstâncias as coisas não fossem confortáveis. Todos os tipos de vícios condenáveis insinuavam-se nas picadas: ódio e inimizade, inveja e ciúmes e mais do que qualquer outra coisa, uma incompreensível dureza e crueldade, como demonstram muitos exemplos. Acontecia que vizinhos revelavam ao inimigo onde o vizinho escondia seus animais e que, sob ameaça de morte, extorquia os últimos  bens, até um punhado de sal que porventura ainda sobrava.




[1] Cidade de Gravataí de hoje.
[2] Expressão usada para dizer que alguém tinha cometido algum delito e a plícia estava em sua perseguição
[3] No contexto refere-se ao guarda florestal.

[4] O excesso de confiança faz com que as pessoas se arrisquem além das suas capacidades, como as mulas que vão dançar na neve onde fatalmente levarão tombos.

Deitando Raízes #6

Capítulo segundo
A vida de família na mata virgem

A geração de hoje tem em grande parte a percepção errônea  de que no começo a coisas passavam-se como acontecem no presente. Trata-se de um grande equívoco desmentido por todos os representantes e testemunhas dos velhos tempos. Foram, sem dúvida, tempos difíceis dos quais os velhos e veneráveis pais fundadores nos falam. Os nossos descendentes não fazem a menor idéia daquilo por que nós passamos. Na verdade aquele senhor tem toda a razão. Os velhos veteranos e o povo jovem deveriam dar mais atenção àqueles testemunhos e, antes de mais nada, refletir sobre os caminhos pelos quais os antepassados realizaram tamanha obra. Baseando-nos nos relatos sobre os começos, transportemo-nos para uma daquelas casas de   colono e observemos com atenção. Enxergamos paredes nuas, nem sequer revestidas com barro, muito menos caiadas. Apesar de tudo encotramos nelas alguns quadros envelhecidos de santos, ou um crucifixo e um recipiente para água benta,  recordação ou herança da família, preservada com grande apreço apesar da pobreza. Estes objetos diziam mais ao coração do que qualquer outra coisa.
Naquela época nem vestígio de (06) móveis caros como os que temos hoje. No assoalho de terra  socada foram Sobre cepos fixados no chão batido  armava-se a mesa. Em lugar da cozinha havia um lugar para o fogo perto da casa. Na maioria dos casos consistia numa cova e algumas forquilhas de madeira. Nelas suspendia-se o tacho e as panelas erram penduradas num vara transversal. Não havia necessidade de um armário de cozinha porque não havia talheres para guardar. Os demais utensílios domésticos não passavam  de algumas peças trazidas da terra natal. Seu valor consistia mais nas recordações que despertavam do que no valor do material de que eram feitos. Tudo que havia de livros na casa, resumia-se num livro de orações, mesmo este não poucas vezes velho e roto. Ao abri-lo podia-se ler a comovente despedida de algum amigo querido, ou de um pároco zeloso, que oferecera o livro como o melhor dos anjos da guarda, para a viagem dos seus filhos espirituais. Observamos como a família se reúnia pela manhã  em volta da mesa para a oração e o desjejum. Não havia nem tigelas, nem chaleira para o café, nem leiteira, que hoje acenam tão convidativamente da mesa do colono. Muito menos havia manteiga ou pão perfumado e crocante, que até os dentes velhos conseguem moer com facilidade. E lugar das magníficas coisas de hoje, o olhar do visitante encontrava a panela com mingau de abóbora e farinha grossa de milho, por muito tempo presenças fiéis na mesa. Mesmo que não parecesse tão apetitoso era consumido com avidez e todos mostravam boa saúde, assim como o trabalho pesado o exigia. Depois do desjejum era hora de partir para as tarefas do dia. Em linhas gerais não diferiam muito das de hoje, com a diferença de que eram incomparavelmente mais trabalhosas por causa do desconhecimento dos métodos de trabalho. O braço do colono tomava o lugar do boi e do cavalo. Estes só mais tarde o iriam socorrer.
Ao meio dia indicado pela posição do sol, os membros da família reuniam-se para o almoço, de forma alguma tão farto como hoje. Em situações muito especiais choviam pedacinhos de carne fresca ou seca no indefectível mingau de abóbora ou milho quebrado. Observava-se o mandamento da abstinência  nas sextas feiras e ninguém achava que não era possível dar conta da tarefa diária sem carne, freqüente motivo de desculpa ou incriminação  à Igreja, da parte daqueles católicos que se julgam mais sábios do que ela. Nunca se ouviu dizer que por essa razão, os antigos tivessem tido ossos mais fracos e faces menos rosadas. A que colono de hoje teria agradado um almoço como aquele. Com certeza preferiria ser convidado para  jantar com a esperança de encontrar algo melhor. Evidentemente assim como o dia começou com mingau de abóbora e milho quebrado, assim também  terminaria.
Chegou o momento de examinar os leitos. Eram tão simples quanto imagináveis. Consistiam em algumas esteiras, alguma roupa de cama que superara as peripécias da viagem. Apesar disto exerciam uma admirável atração depois de tamanha jornada diária. Propiciavam um sono restaurador a não ser que algum rapaz de peito robusto levasse o ruído da serra, utilizada nas tarefas diárias, para o silêncio da noite. Enquanto as pessoas dormem vamos dar uma olhada no guarda-roupa.  Ao cabo dos primeiros anos as velhas roupas estavam gastas e puídas. As mulheres fiavam e os homens  teciam o algodão. Esses tecidos não permitiam grande  luxo. Não eram finos mas duravam tanto mais. Depois de levantar não era preciso tratar o gado pelo simples fato de que, na maioria dos casos, (07) não havia nem vacas, nem cavalos e só muito mais tarde foram adquiridas galinhas e porcos. Se alguém pusesse às avessas todos os bolsos e vasculhasse em todos os cantos não  encontraria um único Thaler [1] e muito menos uma onça de ouro. [2] E pergunta-se: donde viria dinheiro? Primeiro foi preciso abrir uma roça  para garantir o sustento da família e, mesmo mais tarde quando a produção se tornou mais abundante, não havia como convertê-la em dinheiro. Faltavam estradas e meios de transporte e os mercados de consumo localizavam-se a distâncias enormes. Vamos sair da casa e voltar a atenção para a roça. Os pés de milho e a mandioca estão em crescimento, no mesmo lugar onde na outra estação cresciam as abóboras. Naquela época o nosso feijão preto que era vendido em Porto Alegre a 30 mil réis, ainda não era cultivado. Em seu lugar plantava-se feijão de cor. Não sabíamos bem como semeá-lo e colocávamos punhados nas covas. Batatas não havia. Quando mais tarde as sementes estava disponíveis, além de pequenas,  custavam dois mil réis a quarta. [3] Muito primitivas eram as nossas ferramentas agrícolas. Não dispúnhamos de arados, somente foices para roçar, machados, facões e enxadas. Com eles nos defendíamos muito bem no clima magnífico. Já que falamos de clima é preciso  acrescentar que, na época, o inverno era menos rigoroso do que hoje. Conforme a recordação das pessoas, nevou apenas duas vezes em 1828 e os flocos mal tocaram o chão. Somente em alguns lugares mais protegidos conservou-se por algumas horas.
A falta de dinheiro foi o grande obstáculo para o nosso progresso. Com os preços irrisórios da época era possível adquirir tudo com facilidade. Mas como ganhar dinheiro? Tínhamos ouvido que no interior era possível adquirir um bom pedaço de terra por meio de um contrato de trabalho junto aos grandes estancieiros. Três homens de Bom Jardim aventuraram.-se na busca deste tipo de trabalho. Friedich Cremer, um certo Neulinger e Johannes Finger, na época com 15 anos, encontraram trabalho na estância do major Adolfo, dez horas distante de São Gabriel. Era uma estância no velho estilo, várias léguas quadradas, na qual se criavam mais de 20.000 cabeças  de gado, entre vacas, bois, mulas e cerca de 3.000 cavalos. A estância subdividia-se nos assim chamados currais. Fomos colocados no curral do Pedro. O nosso trabalho consistia, como conta Johann Finger,  em abrir valas e erguer uma comprida taipa de pedra. Nos dez meses que passamos ali nos familiarizamos com a vida e os hábitos dos brasileiros e também um pouco com a língua. Aquela vida representou para nós uma mudança bem agradável. Comparando a comida com a da mata virgem, vivíamos na fartura. Cada três dias uma ou mais reses eram abatidas, havendo assim carne de sobra. Aprendemos a fazer churrasco e com o muito treino tornamo-nos mestres nessa arte.
Chegamos quase a enjoar da carne devido à facilidade de obtê-la, fazendo com que nos deleitássemos também com pratos  à base de ovos, abundantes, pois, no curral criavam-se 200 galinhas, alimentadas não com milho mas com as sobras de carne e miúdos.  O milho era bastante raro e mais rara ainda a farinha. Uma quarta custava um patacão. [4] Registramos aqui como curiosidade que o major Adolfo numa das suas voltas ofereceu uma grande festa. Enquanto eram servidos à vontade assados suculentos e, para provar que a farinha era algo fino, passava uma tigela de café com farinha para oito a vinte convidados. O pão era outra raridade, que poucas vezes nos era oferecido. E que festa quando, por ocasião de festividades, uma fatia de pão era distribuída para meia dúzia de peões. Mostravam-se mais alegres do que os filhos dos colonos sentados ao redor de uma bacia com cuca. O sal não era apenas muito caro como muito difícil de se conseguir. Nós trabalhadores nos (08) valíamos da cinza para temperar os alimentos. Com o andar do tempo a gente se acostumou a tudo. Descobrimos assim que é possível passar muito bem só com carne e, note-se bem, a carne que nos era oferecida era sempre de primeira qualidade, uma raridade que nos vem entre os dentes hoje. Éramos servidos à vontade quatro vezes ao dia. Garantia energia por dentro e por fora. Tanto o estômago como os braços sentiam-se renovados e bem dispostos para o trabalho.
Mas o que aqui deve ser ressaltado de modo especial, é o fato de que a nossa permanência de 10 meses no interior da província, rendeu-nos uma bela soma para levar de volta para a nossa picada. Com 100 mil réis no bolso foi possível adquirir mais para as nossas famílias do que hoje com cinco contos. É o que fizemos. Compramos um cavalo e algumas vacas e o trabalho em casa tomou um ritmo acelerado. Porcos e galinhas podiam ser adquiridos por alguns trocados quando se dispunha de moedas de bronze a serem oferecidas no ato. Assim a maior parte do dinheiro foi gasto em questão de pouco tempo, porém, bem empregado. Podíamos olhar para o futuro com mais ânimo e redobrada esperança.
De maneira semelhante outros procuravam ajuntar pequenas somas, para com elas melhorar a situação da família. E, na medida em que os filhos cresciam os pais contavam com mais ajuda, permitindo o cultivo de mais produtos. Aos poucos abriram-se estradas e a circulação intensificou-se. Vendas foram instaladas, muito modestas no começo, mas com o tempo foram-se tornando mais bem fornecidas. Muitas coisas já podiam ser adquiridas nelas, mesmo que não fossem os tecidos finos e artigos de luxo que hoje oferecem. Não era preciso recorrer a este tipo de produto para cobrir as nossas necessidades diárias de vestuário. As mulheres faziam os fios de algodão e às vezes de linho e os homens teciam os panos rústicos para camisas e vestidos. Para casar hoje, quantos móveis, utensílios e roupas de cama não são exigidos. Naqueles tempos se a noiva tinha um vestido de chita e o rapaz um casaco do mesmo tecido ou, quem sabe, uma camisa de riscado, o enxoval estava completo. Quantos não cruzaram o portal do matrimônio com muito menos. Igualmente os chapéus  não eram artigos de luxo. Usávamos gorros feitos com pele de macaco que serviam perfeitamente na mata virgem, embora não nos atrevêssemos a ir com eles até a cidade junto ao "Passo." [5] Os sapateiros não tinham  motivo  de queixas por excesso de trabalho, pela simples razão de que homens, mulheres, crianças e anciãos, todos andavam descalços. Se por acaso alguém trouxe um par de botas velhas da Europa, junto com os poucos pertences, calçava-as somente nos dias mais festivos e julgava-se uma cabeça mais alto do que nos outros dias, quando se nivelava com os demais "pés no chão." Assim foram mais ou menos as condições comuns a todos os colonos. A vida diária seguia a sua rotina a não ser que alguma carta da família ou um acontecimento alegre ou triste, como nascimentos ou falecimentos, trouxessem alguma alteração. De qualquer forma foi assim que se fixaram indelevelmente na memória das pessoas, os primeiros anos por terem sido os mais trabalhosos e terem mexido mais com as emoções. Finalmente todos chegaram a um nível de vida livre de preocupações, o que significou, sem dúvida, uma grande vantagem em comparação com a velha pátria.




[1] Moeda alemã mais importante dos tempos modernos. Seu nome vem da cidade de Joachimsthal nas montanhas da Boêmia. Seu nome original foi “Joachimsthaler”.
[2] Moeda espanhola valendo 14.672 réis
[3] Oitava parte de um saco de sessenta quilos.
[4] Várias moedas portuguesas, espanholas, brasileiras e sul-americanas.
[5] O “Passo” correspondia ao local onde o rio dos Sinos permitia a travessia com carroças, cavalos e pessoas, à altura da atual praça do imigrante no centro de São Leopoldo.