Capítulo quarto
A Guerra dos Farrapos de 1835-1845
Falando em termos
gerais Bom Jardim não sofreu com a guerra na mesma escla do que outros lugares.
É certo, perdeu tudo que tinha, mas graças a Deus! Crueldades como em outra
parte não aconteceram. Pereceram Apenas dois colonos pereceram durante a
guerra. Um deles foi o velho Knierien, que morava na casa que mais tarde pertenceu a Tiefenthäler e,
finalmente, a Simonis. Caíra em suspeita perante os detentores do poder do
momento, como acontecia com facilidade naqueles tempos perturbados. Ao saber
que já não confiavam nele, procurou
salvar-se pela fuga, mas foi perseguido, aprisionado e morto. O outro colono
foi o velho Morschel. Com ele as coisas
se deram assim. O mal afamado capitão Menino Diabo, mandou alguns homens
de Dois Irmãos até a nossa picada. Estes, ao que consta, comportaram-se de modo
inconveniente. Houve briga e Morschel matou a tiro o filho do velho Laval. Morschel
foi em seguida sentenciado à morte por Menino Diabo e executado de forma cruel.
Primeiro o estaquearam, isto é, estirado com tiras de couro molhado entre duas
estacas de madeira. Com as mãos e pés estirados ficou exposto ao sol que
queimava e presa de todo o tipo de insetos. As tiras foram secando pouco a
pouco, encurtaram e, entre dores indescritíveis, desconjuntaram os membros.
Depois de um longo tempo foi executado a tiros por seis homens. Afirma-se,
entretanto, que uma só o acertou, varando-lhe a cabeça. O crime aconteceu perto
do mato na roça de Franz Meng, no caminho de Dois Irmãos.
Enquanto para a
maioria a guerra civil teve conseqüências
tristes, alguns tiraram proveito. Os cidadãos que gozavam de melhor
conceito recebiam, não raro, dinheiro dos imperiais para garantir a sua
fidelidade. Em lugar de se empenhar pelo Imperador ou até combater por ele,
valiam-se do dinheiro, raro na época, para comprar mais terras. Tratava-se de
uma especulação muito vantajosa, o que pode ser deduzido do fato de que,
durante a revolução, era possível adquirir uma colônia inteira por cinco a seis
mil réis. (16) Não poucas famílias que hoje possuem um grande patrimônio,
fizeram a felicidade na época com poucos recursos. Durante a revolução dos
Maragatos o comportamento dos colonos pareceu
estranha para muitos. Exatamente na nossa paróquia percebeu-se uma
lamentável oscilação, indecisão e falta de seriedade. Quem, porém, conhece mais
de perto os acontecimentos da Guerra dos Farrapos, o comportamento indeciso de
muitos, não causa maior admiração. O clima de insegurança generalizada, somado
à crueldade dos chefes de bandos, assustava a todos e paralisava qualquer iniciativa coletiva, única forma de superar a
situação como o demonstrou a ação do grupo de autodefesa de São Salvador. Com
esta afirmação não queremos de forma alguma nivelar os comandantes Farrapos com
os irmãos Correa. Pessoas que conheceram pessoalmente Bento Gonçalves,
testemunham que ele era um homem belo, nobre
e um oficial talentoso, que nada tinha em comum com os chefes Farrapos
posteriores. Somente um dos comandantes da época merece ser qualificado como
verdadeiro bandido. Falamos do arqui-revolucionário Giuseppi Garibladi, que
defendeu corajosamente a causa da revolução, onde quer que não houvesse perigo,
mas com covardia onde se defrontava com um inimigo resoluto. Mesmo que um ou
outro idiota o considere um herói, para um católico é o suficiente para
julgá-lo, o fato de ter praticado assaltos com seus bandos no território
romano, cometendo inomináveis crueldades com
os prisioneiros. O melhor exemplo
do seu heroísmo foi o esforço do governo francês que, no ano de 1870, fez de
tudo para livrar-se do aliado, que lhe
causou mais prejuízo do que vantagens e mais vergonha do que fama. Conclui-se do que foi dito por
Adalberto Jahn quando descreveu a verdadeira situação em seu livro, não
demonstrando preconceito nem faltando à verdade: "A colônia alemã
dividia-se desta maneira em dois arraiais. Um deles formado com predominância
por católicos e, entre eles, o pastor protestante Klingelhöfer e seu valente
filho Germano, são adeptos da revolução. O outro integrado quase exclusivamente
por protestantes, reunidos em torno do seu comandante o futuro diretor da
Colônia, adeptos do partido imperial. Esta situação não podia deixar de
contribuir para os grandes danos que a colônia sofreu durante a revolução.
Mesmo que relativamente poucas vidas tivessem sido perdidas na colônia, o
estrago causado se fez sentir durante anos. Ouçamos a opinião de um dos maiores beneméritos da colônia, o
dr. J. Daniel Hildebrand que em 1824 acompanhou desde Novo Hamburgo, a segunda
leva de colonos. Mais tarde viajou como médico até a Província Cisplatina, onde
prestou os mais relevantes serviços ao exército imperial durante a campanha. Depois
da guerra que culminou com a independência do Uruguai, trabalhou a partir de
1828, como médico em São Leopoldo. Conquistou grandes méritos colaborando com a
administração da colônia, então sob a responsabilidade do inspetor Lima.
Adalbert Jahn observou com acerto:
"Durante a Revolução encontramos o dr. Hildebrand ao lado dos leais, isto
é, do partido do governo, na condição de comandante da corporação alemã e, em
1844 como coronel e comandante de todo o distrito de São Leopoldo que se
estendia até Porto Alegre. Nesta condição continuou prestando serviços ao
governo imperial, tanto mais importantes porque, por meio deles, beneficiou
também os colonos alemães revolucionários. Finda Revolução e chegados novos
imigrantes e a colônia necessitando de um diretor, o coronel Hildebrandt foi
convocado para o posto e, em 1848 nomeado diretor geral de todas colônia da
Província. Permaneceu no posto até março de 1854, portanto até a entrada em
vigor da nova Lei de Terras terminando com a situação confusa da colônia.
Relembremos agora o que dr. Hildebrandt
escreveu no relatório dirigido ao Presidente da Província, sobre a participação
dos alemães na Revolução e sobre seu posicionamento em relação aos brasileiros.
Na suposição de que
os (17) colonos tivessem sido tão grandes inimigos do governo imperial, com
certeza não lhes teria faltado ocasião para mostrar essa hostilidade quando, no
20 de setembro, irrompeu a sublevação nesta Província.
Repito. A ocasião
teria sido propícia para trazer para a luz do dia as supostas animosidades.
Acontece que reinava ainda um grande descontentamento, porque as condições dos
contratos, segundo os quais haviam sido
arregimentados, não haviam sido cumpridos. Pairavam dúvidas também sobre a consolidação da situação dos
colonos no futuro. E, apesar destes fatos, como é que se comportaram os colonos
alemães, tanto no começo, quanto no decurso desta luta infeliz? Não aconteceu
nenhuma ação hostil contra o governo imperial. Esta deu-se apenas quando os
rebeldes se aproveitaram das circunstâncias nomeadas acima e souberam fazer
crer aos colonos que a Província já tinha conquistado a sua independência e, se
não combatessem pelos interesses do novo governo, ser-lhes-iam tirados ou
queimados os bens. Se, ao contrário, porém, se dispusessem a colaborar com o
novo governo, seus serviços seriam remunerados. Cada colono receberia duas
colônias de terra, etc., assim como os subsídios atrasados, negados pelo
governo imperial. Apesar de todas essas ameaças e promessas, os colonos não
quiseram pegar em armas contra o governo imperial. Somente depois que
agitadores queimaram algumas casas,
destruíram plantações e mataram algumas reses, que serviam para o sustento da
família e arrastaram a força alguns colonos, somente depois que os colonos
presenciaram os maus tratos sofridos pelos vizinhos, apresentaram-se
espontaneamente.
Para concluir este
capítulo acrescentamos algumas vivências de colonos. Do tempo dos Farrapos
foram-nos relatadas algumas particularidades por nosso venerando amigo Jacob
Jung. Nosso informante contava com pouco mais de 18 anos quando eclodiu a Guerra dos Farrapos. Era solteiro e exercia a
profissão de aprendiz de sapateiro, com seu futuro sogro Eckert. Acabara de
sair do mato onde, em lugar seguro, escondera 300 Thalers, pertencentes ao mestre, quando um pequeno grupo de
Farrapos visitou a linha. Logo que o viram ordenaram que ficasse parado. Mas o
nosso jovem não confiou nos sujeitos e saiu correndo. Perseguiram-no a cavalo,
mas ele desviou-se do caminho, entrou no mato e correu o que pôde. Dois dos
cinco cavaleiros saltaram dos cavalos e tentaram encontrá-lo. Mas ele conhecia
melhor as características do local e tinha pernas mais ágeis. Em vão gritaram:
"Pára, senão atiramos!" Precipitou-se para frente como um veado e sem
demora sumiu dos olhos dos inimigos. A fuga, porém, não passou sem um pequeno
transtorno. Ao disparar por uma ladeira de rochas abaixo, amassou um dedo do pé que começou a sangrar muito.
Somente parou na casa de um conhecido para fazer um curativo na ferida. Não
terminara quando ouviu outro grito: "Os farrapos estão chegando!"
Recomeçou a fuga pela roça e por infelicidade foi de novo descoberto pelos
inimigos, que tornaram a persegui-lo. Contudo logrou evadir-se apesar do pé
machucado. No momento de enveredar pela orla do mato, chamou-o o velho
Spindler, um veterano soldado do Império, que se encontrava aí com 11
companheiros, todos adeptos do Imperador, apelidados de Caramurus. Disse-lhe
que não tivesse medo que eles o ajudariam. Atiraram na direção dos perseguidores
que pararam com os disparos e depois se retiraram.
Desta vez Jacob Jung
estava salvo, mas seu mestre sofreu na ocasião um grande prejuízo. Os Farrapos
invadiram a casa e levaram botas e couros no valor de 1.500 mil réis. Roubaram-lhe além disto três belos cavalos,
que ele havia escondido no mato. Foi neste assalto que aconteceu (18) o
episódio com Morschel, referido acima. O jovem filho adotivo do velho Lavall,
um rapaz a serviço dos Farrapos, observou Morschel que antigamente servira ao
Imperador. saindo do mato. Apontou a espingarda para alvejá-lo. O tiro falhou e
Morschel atirou no agressor. Caiu morto varado por uma bala e Morschel o
enterrou no mato. Ninguém além de Morschel soube do fato e do lugar da
sepultura. No outro lado do arroio Feitoria, que passa pelo "Buraco do
Diabo", na época ainda não havia ponte, aguardavam os Farrapos sob o
comando de Menino Diabo, enquanto no lado oposto concentravam-se os Caramurus,
isto é, os adeptos do governo imperial. Houve negociações de uma margem do arroio para a outra. Os Farrapos
convidaram amigavelmente os adversários a cruzarem o arroio, prometendo não
lhes causar mal. Quando sem suspeitar concordaram, agarraram Morschel e o
estaquearam. Suportou a terrível tortura durante dois dias e duas noites e, por
fim concedeu que foi ele que matara Lavalt em legítima defesa. Imediatamente
veio a ordem de fuzilá-lo. Depois dos disparos Morschel continuou sentado ileso
na sua cadeira. Aproximaram-se e um dos Farrapos disse: Alguma coisa está
errada. Sim, respondeu Morschel, eu tenho um escudo espiritual, nenhuma bala me
atinge. Tiraram-lhe o amuleto e uma bala varou-lhe a testa. A explicação, como
qualquer homem de sã razão entende, não foi porque perdera o escudo espiritual
e por isso tornara-se vulnerável, mas única e somente porque o tiro foi
disparado mais de perto e a mira foi mais precisa do que antes. Neste primeiro
assalto à picada, seguido de mais seis, foram cometidas muitas e grandes
atrocidades. Uma delas mostra muito bem
como se comportavam os Farrapos. Para demonstrarem bravura sangraram por pura
diversão seis animais. Carl Wild, um oficial, chegou a censurar o procedimento
dos companheiros, mas não conseguiu evitar a maldade. Quando os colonos
tentaram salvar a carne, foi-lhes sinalizado que quem tocasse nos animais
levaria um tiro. Apodreceram no local sem proveito para ninguém.