Entre
das perguntas que poderiam ser formuladas quando se pretende entender Campanha de Nacionalização, poderia ser
esta: Qual foi o motivo porque os responsáveis por essa campanha elegeram como alvo
prioritário os imigrantes alemães e seus descendentes. Numericamente os
alemães ocupavam um modesto quarto lugar entre os diversos grupos de
imigrantes. Depois da independência, entraram no Brasil mais imigrantes
portugueses, espanhóis e italianos do que alemães. O que, entretanto, lhes
conferiu uma posição de destaque, aquilo que de fato marcou e marca ainda hoje
a presença alemã no Brasil, foi sua contribuição a nível cultural.
Destacamos,
em primeiro lugar, o grande valor dado à educação pelos imigrantes alemães.
Organizaram uma vasta rede de mais de mil escolas, instaladas, administradas e
controladas pelas comunidades. Devido a essas escolas, ao ser desencadeada a
Campanha de Nacionalização em 1938, o analfabetismo estava praticamente
erradicado nessas comunidades, quando no restante do País ultrapassava os 80%.
E segundo lugar, as comunidades alemãs organizaram-se solidamente em torno de
suas igrejas, escolas e cemitérios, casas de comércio, artesanatos e
instalações para o lazer e fomento da cultura. Recebiam das igrejas e escolas
uma orientação doutrinária segura, além de diretrizes disciplinares
responsáveis por uma conduta disciplinada e respeitadora em relação às
autoridades religiosas e civis. Em terceiro lugar, pelas inúmeras associações, sociedade e clubes
fomentaram uma intensa e movimentada vida associativa, oferecendo lazer e
incentivando a arte, o canto, o teatro e múltiplas outras atividades. Grandes e
abrangentes iniciativas de organização e interesse comum: a “Associação
Rio-Grandense de Agricultores” o “Bauernverein”, a “Sociedade União Popular” o
“Volksverein”, a “Liga das Uniões Coloniais”, tinham como finalidade coordenar
a vida e a atividade das comunidades, assim como identificar, avaliar, propor
soluções e traçar estratégias, para enfrentar os desafios e as necessidades de
caráter comum que as comunidades enfrentavam.
As
atividades, a iniciativas e os projetos que acabamos de caracterizar contaram
com a imprensa nas suas mais variadas modalidades, como o instrumento de
formação e informação por excelência, já que na época o rádio estava apenas
engatinhando como veículo de comunicação, a televisão uma possibilidade e os
demais não passavam de um sonho. Pois bem. Desta forma a imprensa
teuto-brasileira destacou-se como “o instrumento” responsável pela realização
do sonho que levou os imigrantes a se fixarem em terras brasileiras. Entretanto,
essa decisão teria que ser complementada por uma outra, isto é, esquecer o
passado como cidadãos de outros Estados e empenhar-se de corpo e alma na
edificação de uma nova pátria. Essa decisão não significou o esquecimento muito
menos a negação da tradição e dos valores dos antepassados. Pelo contrário colocaram esse imenso tesouro
cultural amealhado durante uma história milenar, a serviço da nova pátria. Foi
nesse passado que encontraram as ferramentas que lhes garantiram o êxito na
inserção numa outra pátria, num outro continente, fazendo-os progredir e
prosperar. E nessa caminhada em busca da inserção progressiva na sociedade
nacional brasileira, a imprensa nas suas mais diversas modalidades, desempenhou
um papel decisivo.
Os
responsáveis pela Campanha de Nacionalização, ao proibirem a circulação de todo e qualquer tipo de imprensa em língua
estrangeira, de modo especial a alemã, incorreram num dos equívocos mais
funestos. Cegos pela ideia fixa de que a língua alemã, a maneira ser alemã,
mantida viva e realimentada pela imprensa, representava o obstáculo mais
renitente para a assimilação para os assim chamados alemães, partiram para uma
campanha de terra arrasada. Para eles, a imprensa representava o elemento mais eficaz
para manter as comunidades alemãs isoladas, enquistadas e avessas a uma
inserção efetiva e completa na sociedade nacional brasileira.
Nas
considerações que seguem fica claro que a imprensa alemã aqui no Brasil, de
modo especial no Sul, foi a grande responsável que em meados da década de 1930,
a imensa maioria dos chamados alemães se
assumissem com cidadãos brasileiros. É óbvio que não é possível esgotar o
assunto nos limites de uma postagem de “blog”. Limito-me, por isso, a alguns dos
veículos mais significativos que circulavam
entre os teuto-brasileiros do sul do Brasil, com destaque para o
periódico “Lehrerzeitung” (Jornal do Professor) publicado pela “Associação dos
Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul”. A razão da escolha
dessa publicação está no fato de ela ter sido a responsável pela divulgação
entre os professores das escolas comunitárias pela orientação pedagógica e,
principalmente, pelo cumprimento fiel da missão confiada a essas instituições
de ensino. Acontece que essas escolas e
seus professores constavam, para os nacionalizadores, como os grandes vilões da
resistência à Nacionalização. Percorrendo as dezenas de números dos 39 anos (1900-1939)
dessa publicação quinzenal, constata-se que as acusações dos nacionalizadores
careciam de fundamento. No primeiro ano de sua circulação em 1900
“Lehrerzeitung” publicou o currículo obrigatório para todas as escolas
comunitárias católicas, que acabava de ser implantado. A língua portuguesa
constava como matéria de ensino a partir da 3ª série. O registro é importante
pelo fato de que as circunstâncias do
começo do século XX não favoreciam em nada um aprendizado mais completo do
português. Entre as dificuldades merecem destaque os seguintes. Primeiro,
poucos professores dominavam o vernáculo em nível razoável. Segundo, as pessoas
comuns não sentiam falta do português pois, a comunicação diária dava-se
exclusivamente em alemão. Exatamente por esses e outros motivos a
obrigatoriedade do português nas escolas revela sua importância. É prova, de um
lado que os responsáveis pelas escolas, professores e líderes comunitários
tinham consciência que eram cidadãos brasileiros de fato e de direito e nessa
condição tinham o dever de aprender a língua oficial do País e por isso mesmo
fazia parte dos deveres patrióticos ensiná-lo nas escolas.
No
nº 11/12 de 1916 a Lehrezeitung propõe como deveria ser ensinado o português
nas escolas comunitárias: “No que diz respeito à língua portuguesa, é preciso
cuidar, em primeiro lugar que a dominem para o uso na comunicação diária.
Recomenda-se para tanto o livrinho:
‘Sabe falar português?’, adotado em muitas escolas. Nos no nº 9/10 a insistência do aprendizado da língua
vernácula voltou devido a uma ordem do arcebispo D. João Becker, nos seguintes
termos: “Como já do conhecimento dos senhores professores, sua Excia. o Revmo. Sr. Arcebispo ordenou que em todas as
escolas católicas particulares se desse uma importância toda especial ao ensino
da língua do País. Temos que aplaudir semelhante disposição já que a
mudança das circunstâncias do tempo
exigem o conhecimento da língua portuguesa, cada dia com maior urgência”. – Em
1923 a Associação dos Professores publicou uma resolução com seguinte teor:
“Para que a escola paroquial nas colônias alemãs obtenha pleno êxito nos seus
propósitos, é necessário que, assim como a língua alemã deve continuar sendo a
base do ensino, assim a língua portuguesa deve ser cultivada com todo
entusiasmo”. - Ainda no mesmo ano de 1923, comentando a
criação de escolas complementares, o assunto língua portuguesa voltou a
preocupar os professores: “A razão mais importante que motiva a criação dessas
escolas é a convicção de que a língua portuguesa representa para nós uma
necessidade de sobrevivência. Desta maneira a língua portuguesa situa-se no
centro das preocupações. Essa necessidade generalizou o costume de mandar os
adolescentes, após a conclusão do período regular da escola, por mais um ou
dois anos para uma escola do Estado”.
- Em 1925 o prof. Victor
Schrinner analisando as mudanças ocorridas a partir da Primeira Guerra Mundial, deixou sua conclusão no
Jornal do Professor Lehrerzeiting): “Os
acontecimentos mostram-nos, a nós
professores, que, antes de mais nada somos cidadãos brasileiros. Questões que
já antes da Guerra esperavam solução, acentuaram-se rapidamente sob a pressão
das circunstâncias. Antes de mais nada constatamos claramente a urgência de
dispensar um cuidado todo especial à língua portuguesa” - Na
14ª assembleia geral dos professores em 1929, a resolução de nº 5
recomendava: “A Assembleia recomenda aos
senhores professores que estimulem com insistência o ensino da língua do País,
inspirando-se nos livros didáticos do prof. Rudi Schaefer”. - Uma
recomendação final da mesma 14ª Assembleia Geral reforçava a urgência do
cuidado pela língua portuguesa: “A assembleia
recomenda que nas futuras assembleias regionais da Associação se dê uma atenção
especial ao ensino da língua portuguesa”.
- A 15ª Assembleia realizada em
Porto Alegre em 1930, tomou entre outras, a seguinte resolução: “A Assembleia resolveu recomendar às
Conferências que façam do português o
tema principal de suas discussões”.
- Como conclusão da mesma 15ª
Assembleia os professores presentes tiraram a conclusão: “Defendemos até aqui o ideal do nosso
trabalho a escola bilíngue. Queremos, portanto, honrar a língua dos nossos
antepassados e, ao mesmo tempo, pretendemos
que a juventude se capacite mais e mais na utilização da língua
portuguesa”
Em
1934, Lehrerzeitung, nº 7 publicou um longo arrazoado do prof. Strecker sobre a
conveniência de ensinar as duas línguas, a alemã e a portuguesa. Entre outras
destacamos a seguinte afirmação: “Mesmo
que aqui no Brasil não existe nenhuma lei que obrigue o aprendizado da língua
do País, contudo a conveniência é de tal modo óbvia que não se deveria perder
uma só palavra a respeito. Aqui no Brasil nossos filhos encontraram a sua pátria;
aqui no Brasil irão viver, trabalhar e morrer e, sem a língua da terra?
Como irão defender-se no trabalho, na relação com as autoridades, na justiça,
no serviço militar, sem dominarem a língua do País? Centenas e mais centenas de
ocasiões os põem em contato no relacionamento diário e no comércio, com pessoas
que só falam português. Caso não queiram sucumbir na luta pela vida, precisam
saber português. Essas necessidades são e tal monta, que não existe uma escola
alemã sequer que não considere o português como uma das suas metas mais
importantes”.
Dos
testemunhos e declarações acima além de muitas outras que poderiam ser lembradas,
conclui-se: Primeiro, que a escola comunitária teuto-brasileira, pelo menos na
mente dos responsáveis por ela, de maneira alguma representava um enclave, um
corpo estranho no contexto da nacionalidade. Pelo contrário. Achava-se
perfeitamente integrada consideradas as circunstâncias da época. -
Segundo, fica clara a tendência cada vez mais explícita de que os
professores preparavam uma nacionalização progressiva, insistindo cada vez mais
no aprendizado da língua portuguesa e do conhecimento das realidades
nacionais. -- Terceiro, a nacionalização estava ocorrendo
sem sobressaltos e sem traumas, dispensando uma Campanha de Nacionalização que,
atropelando a dinâmica da lógica histórica e antropológica que preside esses
processos evolutivos. Os resultados foram desastrosos. Mas não é aqui o espaço
para analisá-los mais a fundo.
Até
aqui mostramos como a Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio
Grande do Sul, promoveram o aprendizado da língua portuguesa pelas páginas
da publicação da classe a
“Lehrerzeitung”. Ainda entre os alemães da metade católica do sul do Brasil
circularam outras três publicações regulares: um jornal diário o “Deutsches
Volksblatt”, um periódico mensal o “Skt. Paulusblatt” e um almanaque anual, o
“Familienfreund Kalender”. Também neles encontram-se dezenas de referências à necessidade e a obrigatoriedade do aprendizado da língua
portuguesa como condição para uma inserção definitiva na sociedade nacional. No
formato da postagem não há espaço para citar mais exemplos. Em todo o caso essa
imprensa, como era acusada, nunca se mostrou simpática ao nacional socialismo.
Pelo contrário. Já em 1931 o “Deutsches Volksblaltt” denunciou os perigos dessa
orientação política, fato que lhe valeu a proibição de circular na Alemanha.