REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 89


A Encíclica começa a reflexão sobre a pesquisa científica e o caminho que abre para intervir na natureza, tanto vegetal, quanto animal e humana, insistindo no fato de que o ser humano dotado de inteligência reflexa não se situa fora da natureza mas, acha-se ontologicamente inserido nela. Munido da “razão”, fato que o distingue de todos os outros seres vivos, está em condições de              interferir nos processos naturais de posse dos conhecimentos que a pesquisa científica multiplica sem parar, contanto que redundem em benefício da qualidade de vida individual e coletiva. “As experimentações em animais só são legítimas desde que não ultrapassem os limites do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas”. (Laudato si, 130). Em termos essa advertência vale também para o transplante de órgãos nos próprios seres humanos. Em ambos os casos, principalmente no segundo, os limites das pesquisas e os procedimentos que possibilitam, devem se orientar pelo princípio ético do “duplo efeito”. Em outras palavras. Os eventuais danos  à natureza em geral e ao homem em especial justificam-se quando resultam num efeito qualitativo superior ao dano causado. Por exemplo. Ninguém duvida que um rim sadio doado por alguém não seja uma mutilação do doador mas, em compensação, vai resultar num bem maior que é a salvação da vida do receptor.

Não é possível frear a criatividade humana. Se não se pode proibir a um artista que exprima a sua capacidade artística, também não se pode obstaculizar quem possui dons especiais para o progresso científico e tecnológico, cujas  capacidades foram dadas por Deus para  serviço dos outros. Ao mesmo tempo, não se pode deixar de considerar os objetivos, os efeitos, o contexto e os limites éticos de tal atividade que é uma forma de poder com grandes riscos. (Laudato si, 131)

Mais acima já refletimos sobre as duas faces do uso da tecnologia. Segundo Teilhard de Chardin, também já referido, a tecnologia e seu constante aprimoramento e diversificação põe na mão do homem as ferramentas  que permitem que o progresso mantenha seu ritmo. De outra parte, quando desviada da sua vocação de promover o bem comum e melhorar a qualidade de vida do maior número possível de seres humanos e os  resultados concentrados nas mãos de poucos, de ferramenta do progresso a tecnologia transforma-se em instrumento de poder. Voltamos a insistir que a Ciência e a Tecnologia implicam no postulado ético de explorar os potenciais da natureza e pô-los à disposição do homem permitindo assim que atenda às suas aspirações tanto materiais quanto espirituais. No momento, porém, em que a tecnologia e seus resultados se concentrarem nas mãos de poucos, de ferramenta de progresso degenera em instrumento de poder.

Neste quadro, deveria situar-se toda e qualquer reflexão acerca da intervenção sobre o mundo vegetal e animal que implique hoje mutações genéticas geradas pela biotecnologia, a fim de aproveitar as possibilidades presentes na realidade natural. ( ... ) Em todo o caso, é legítima uma intervenção que atue sobre a natureza para ajudar a desenvolver-se na sua própria linha, a da criação querida por Deus. (Laudato si, 132)

Postas essas premissas algumas implicações nesse processo merecem ser destacadas quando falamos de tecnologias de manipulação da natureza. Uma delas aponta para o fato de que, por ex., as mutações genéticas fazem parte como um dos mecanismos fundamentais responsáveis pela origem e diversificação das milhões, talvez bilhões ou trilhões de macro, micro e nano espécies vivas que povoam a biosfera. Há aquelas que levam à extinção de espécies, outras dão origem a novas espécies, outras ainda modificam espécies tornando-as mais ou menos viáveis no decorrer das  transformações físico geográficas ocorridas  na sucessão dos diversos períodos da história da terra. Acontece que quando as mutações ocorrem ao natural levam períodos longos para que seus efeitos somados configurem uma nova realidade intra ou  interespecífica.

As tecnologias de manipulação genética permitem que se desenvolvam, plantas ou animais modificados e adaptados para atender as mais diversas finalidades, num espaço de tempo muito mais reduzido do que acontece na natureza. De outra parte a prática da seleção genética é tão antiga quanto a história da domesticação animal e do cultivo de cereais e outras espécies de plantas úteis. As técnicas utilizadas não se valiam de modificações genéticas induzidas pelas manipulações diretas nos genes pois, estas tornaram-se possíveis somente após a descoberta das leis fundamentais da hereditariedade por Mendel. Mas, o grande salto em direção à possibilidade de manipulação por meio de técnicas cientificamente seguras e controladas, veio a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A composição química do DNA e sua estrutura e funcionamento  foram  identificadas  e esclarecidas, no decorrer da segunda metade do século XX, sobressaindo, entre muitos outros geneticistas Theodosius Dobzhansky como o nome mais destacado. Com esses conhecimentos em mão foi possível, a partir do final do século passado, desenhar em tese, os mapas genéticos individualizados de quantas espécies for interessante. O mapa da espécie humana foi concluído e anunciado ao mundo pelo presidente Clinton no primeiro semestre do terceiro milênio. O médico geneticista Francis Collins coordenador responsável peto projeto, abriu a introdução da sua obra: “A Linguagem de Deus” com essa reflexão:

Num dia quente de verão do primeiro semestre do novo milênio, a humanidade atravessou uma ponte rumo a uma nova era de tremenda importância. Ao mundo inteiro foi transmitido um pronunciamento, com destaque em praticamente todos os jornais mais importantes, apregoando que o primeiro rascunho do genoma humano, nosso manual de instruções havia sido concluído.
O genoma humano é formado por todo o DNA de nossa espécie; é o código da hereditariedade da vida. O texto recém-revelado apresentava 3 bilhões de letras, escrito num código estranho e enigmático composto de quatro letras. A complexidade de informações contidas em cada célula do corpo humano é tamanha e tão impressionante que  ler uma letra por segundo desse código levaria 31 anos, dia e noite, ininterruptamente. Se imprimíssemos essas letras num tamanho de fonte regular, em etiquetas normais, se as uníssemos, teríamos como resultado uma torre do tamanho aproximado de um prédio de 53 andares. Pela primeira vez naquela manhã de verão, aquele enredo fabuloso, que continha todas as instruções para construir um ser humano, encontrava-se disponível no mundo. (Collins, 207, p. 9-10)

Para Collins, médico geneticista, o mapeamento do código genético do homem, significou muito mais do que um conquista científica. Abriu o caminho para identificar e localizar naquele “mapa enigmático” os genes responsáveis por males diretamente hereditários e os que predispõem os portadores a contrair com maior probabilidade alguma anomalia hereditária. Com esses dados na mão, tornou-se possível desenvolver  tecnologias terapêuticas mais adequadas para situações concretas. A partir daí tomou impulso a “Biogenética”, subcampo da Biologia que tem por objeto específico o conhecimento até as últimas minúcias da natureza biológica de todos os seres vivos e os mecanismos tanto da perpetuação das espécies, quanto da sua diversificação, inclusive a formação de novas espécies. A partir dessa base tornou-se  possível a “Engenharia Genética” que permite a manipulação do genoma valendo-se de nanotecnologias de alta complexidade e finíssima resolução. Assim, abrem-se as portas para entender “aquele enredo fabuloso” por Collins referido acima, que contém todas instruções para construir a vida em todas as suas modalidades e níveis taxonômicos.
Os métodos da engenharia genética e suas respectivas ferramentas colocam nas mãos do homem, nada mais nada menos, do que o poder de manipular a vida com destaque para a humana. De todos os campos da tecnologia este contém um potencial ainda não dimensionável de benefícios quando bem intencionado e bem conduzido, como também devastador quando mal direcionado. De um lado põe à disposição dos cientistas e tecnólogos as ferramentas para melhorar as condições de vida, principalmente da humanidade, e, do outro um instrumento de poder ilimitado àqueles que se apoderam e concentram em suas mãos o controle das biotecnologias e seus frutos e benefícios.

 Nessa perspectiva o aprofundamento do conhecimento e o aperfeiçoamento das técnicas de manipulação abre o caminho para  intervir na natureza biológica do homem até um desfecho, de momento pelo menos, difícil de prever. Certamente é prometedor a melhora das perspectivas de vida de pessoas portadores de genes que direta ou indiretamente afetam o desenvolvimento normal do corpo ou de partes dele, ou então predispõem a contrair mais facilmente doenças como diabete, pressão alta, determinadas modalidades de câncer e outras a serem identificadas.  A constatação de Francis Collins, acima mencionada,  “o genoma humano é formado por todo o DNA de  nossa espécie como  vem a ser o código  hereditário da vida. O texto recém-revelado apresenta  3 bilhões de letras, escrito num código estranho e enigmático de quatro letras” (Collins, 2007, p. 10). A combinação e recombinação dessas 3 bilhões de letras agrupadas de quatro em quatro, permite estatisticamente calcular  um número astronômico de modalidades de combinações. Cabe aos estatísticos enfrentar o desafio desse cálculo. Para a reflexão que estamos fazendo aqui interessam os reflexos visíveis e invisíveis sobre o organismo humano, no momento em que por mecanismos  naturais ou por meio da tecnologia se mexe nas letras desse “alfabeto”, aparentemente simples, porém, finamente calibrado e de incalculável resolução. O lugar ocupado por cada “letra” ou gene agrupados de quatro em quatro, determina, por assim dizer a “palavra”, “o conceito”, o código cujo sentido repercute de alguma forma no organismo. Se as “letras” ocuparem o seu devido lugar na formação da “palavra” o organismo se desenvolverá normalmente obedecendo ao comando do código que ela representa. No momento em que, por uma razão qualquer, ocorrer uma troca de posição de local no código, ou a ausência de uma das quatro “letras”, ou ainda o conjunto, essa “mutação” se manifestará na forma de uma anomalia hereditária e/ou num potencial de maior viabilidade. Uma vez acontecida a mutação ela se perpetua e é transmitida para as gerações descendentes da pessoa que a sofreu. Isso acontece com as mutações positivas e negativas. À base dessas  descobertas desenvolveu-se toda uma linha de tecnológicas de alta precisão para localizá-las e  identificar as consequências e os possíveis tratamentos dos portadores ou, na medida do possível, evitar que se transmitam aos seus descendentes.

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 88


Depois dessas colocações de caráter mais teórico vem a pergunta se, consideradas as circunstâncias concretas, a realização do sonho de paisagens humanizadas inspiradas na combinação dos dois trinômios que formulamos acima, é exequível. Fiquei horas empacado procurando uma resposta para esse questionamento. A proposta feita há 50 anos pelos técnicos alemães para a valorização do vale do rio dos Sinos prova a sua validade em dezenas de pequenos municípios emancipados de então para cá em todos os vales dos rios que confluem para formar o Guaíba. Embora não se tenha feito um planejamento  técnico como o descrito acima a maioria desses municípios desenvolveu-se de forma muito parecida com o modelo desenhado tecnicamente para o vale do Sinos. Têm em comum que sua população na média não passa dos 5.000 habitantes. As sedes urbanas contam com uma infraestrutura administrativa enxuta e eficiente confiada a prefeitos, vereadores, funcionários e técnicos, que têm como prioridade o progresso e o bem-estar da população. Os desvios desse objetivo e a prática de atos de corrupção, se ocorrem, são exceções e de proporções toleráveis. A população conta com postos de saúde bem equipados a cargo de profissionais treinados e, em casos de cirurgias e situações de maior gravidade, as prefeituras dispõem de ambulâncias para levar os pacientes aos hospitais  regionais e a Porto Alegre quando o caso o requer. A educação costuma ser, a par da saúde, a preocupação maior das administrações municipais e da população em geral. Para tanto dispõem de uma rede de escolas que vão do maternal até o ensino médio. O transporte escolar  eficiente atende os alunos, as professoras e professores são relativamente bem pagos e os prédios e instalações adequadas a um ensino de qualidade. Ha exemplos em que municípios investem  até 30% dos seus recursos na educação. Não podem faltar salões de festa, para casamentos, bailes, e comemorações de datas importantes como os aniversários das emancipações. Há municípios que dispõem de museus e centros de eventos. Os Kerbs fazem parte do calendários onde predominam os descendentes de imigrantes alemães. As estradas municipais em muitos casos costumam ser asfaltadas até os limites dos municípios, facilitando a circulação  das mercadorias e pessoas. Mas, o que mais se destaca é o complexo da atividade econômica. Nas sedes, em vez das antigas casas de comércio, as lendárias “vendas”, foram substituídas por lojas especializadas bem ao estilo urbano. Pequenas, médias e até indústrias de porte maior oferecem um número significativo de postos de trabalho. No interior desses municípios a típica policultura familiar de subsistência deu lugar a atividades mais seletivas, tornando obsoleto todo o complexo de instrumentos e ferramentas tradicionais. Arados de bois, moendas de cana, carroças de bois, machados, serras manuais e até enxadas e machados, máquinas de costura manuais ou com pedais, são hoje, em grande parte, artigos de museu Com a chegada da eletricidade tudo foi substituído por ferramentas que tornaram a produção rural muito mais produtiva e muito menos penosa do que das gerações passadas. Motosserras dispensaram o machado e o traçador, roçadeiras, micro-tratores e  tratores de maior porte dispensaram os arados e as juntas de bois, carros, motos e caminhões tomaram o lugar das  carroças  puxadas por bois, cavalos ou mulas. Em vez de montarias as pessoas deslocam-se em automóveis que já não são mais motivo de ostentação e riqueza mas, fazem parte das utilidades normais da imensa maioria das pessoas, também do meio rural. Como já afirmamos mais acima, a produção rural tornou-se mais seletiva e especializada para atender ao mercado regional, estadual, nacional e até internacional.   Dezenas de aviários  alinham-se nas encostas dos morros acomodados no meio de árvores nativas  e em não poucos casos rodeados pela mata secundária em constante avanço. Abastecem o mercado estadual, nacional e internacional. Famílias inteiras, filhos ou netos de antigos agricultores encontram trabalho rentável  e, ao mesmo tempo, saudável nesse ramo de atividade amparados por tecnologias de última geração no manejo de frangos de corte e galinhas e/ou perdizes de postura. A suinocultura intensiva valendo-se também de tecnologias de ponta como a seleção genética de raças mais apuradas, inseminação artificial, alimentação balanceada,  assistência veterinária, higiene e destinos dos dejetos, substituíram a criação suínos destinados  a suprir as necessidades das famílias. Como no caso da avicultura a suinocultura destina-se ao atendimentos das demandas regionais, nacionais e do mercado internacional em constante crescimento quantitativo e com exigências qualitativas  cada vez mais rigorosas. Esse setor de atividade oferece um mercado de trabalho difícil de dimensionar além de perspectivas para evitar que muitos jovens nascidos no meio rural se deixem iludir com os encantos ilusórios das oportunidades oferecidos pela vida urbana. Um ensino fundamental e médio que inclua em suas programações o alerta pela, as oportunidades e a realização de uma vida sadia e digna no meio rural de hoje, pode evitar que muitos jovens iludidos pela fantasia de uma vida fácil e cômoda nas cidades, terminem subempregados, mal empregados e desempregados, expostos a todos os riscos que infestam os bairros periféricos. Os administradores dos municípios, os conselhos comunitários, as autoridades e agremiações religiosas e outras tantas, têm condições de prestar um serviço de valor incalculável para as futuras gerações, conscientizando, propondo iniciativas e propondo soluções concretas. As escolas agrícolas de nível médio podem ser multiplicadas formando técnicos na produção de hortigranjeiros orgânicos, fruticultura, suinocultura, avicultura, floricultura, silvicultura e por aí vai. E já que o público consumidor e legislação e controle sanitário e o manejo dos reflorestamentos e a proteção da mata nativa, exigem conhecimentos especializados, abre-se espaço para egressos das escolas superiores de agronomia, veterinária, engenharia florestal e similares.

A educação, a conscientização, a formação técnica emtodos os níveis e o  acesso às tecnologias e métodos de última geração, não mudou apenas o rendimento e a qualidade dos produtos, como também uma  paisagem físico geográfica inimaginável há 80 anos passados. A policultura à base da enxada e do arado de bois nas  encostas pedregosas e muito íngremes foi  abandonada e entregue  ao avanço da vegetação nativa. Já nos referimos a esse fenômeno em outa ocasião mais acima. Vai se formando uma floresta secundária muito parecida na sua composição e formato àquela original e intocada que os imigrantes encontraram ao desembarcarem e se fixarem nessas paragens. Em não poucos casos, no fundo dos vales mais estreitos essa recuperação florestal já desceu até os arroios formados pelos muitos córregos que descem dos morros. Um outro efeito extremamente benéfico desse florestamento espontâneo consiste na retenção da água das chuvas aumentando a vasão das fontes e córregos e fazendo reaparecer fontes que haviam secado depois do desmatamento. Na medida que a nova floresta avança horizontalmente e se avoluma verticalmente vai-se confundindo com as manchas de floresta virgem original que sobreviveram nas coroas e nos topos dos morros. E, na medida em que a floresta secundária se espalha e avoluma, as espécies de aves, mamíferos, répteis, batráquios e insetos, que não foram  extintos, saem dos seus refúgios e voltam a povoar a nova “casa”, enchendo-a com a sinfonia dos seus cantos, assobios, gritos, pios, roncos, urros. A proibição da caça anima pássaros, mamíferos e outas espécies a se aproximarem das moradias e por assim dizer, conviver em harmonia e comunhão com o homem e seus animais domésticos. A grande maioria das espécies de aves originais e mamíferos, exceto a onça e o puma, encontram tranquilidade nos terrenos acidentados de inúmeras áreas abandonadas, impraticáveis para a produção agrícola nos moldes da demanda de alimentos de hoje. A floresta reconquistando o seu espaço nos declives dos morros e montanhas, as pastagens, a fruticultura e o reflorestamento artificial, nas encostas menos íngremes, as áreas mais planas ocupadas com a produção de hortaliças e legumes, as moradias acomodadas na sombra de grandes árvores, o traçado das estradas e caminhos acompanhando as características topográficas, as cidades em franco progresso no centro ou na saída dos vales, compõem uma paisagens que provam que o “jardim” confiado por Deus ao homem, quando “cultivado” racional e afetivamente resulta em panoramas de uma beleza singular. (cf. Laudato si, 124).

Enquanto reflito sobre a realidade que acabo de pintar circulam nas redes sociais em torno de duas dúzias de documentários que retratam pequenos municípios no interior do Rio Grande do Sul, todos contando com a mesma trajetória histórica. Derrubada a floresta virgem original,  a terra foi cultivada durante 100 ou mais anos no mesmo molde da agricultura familiar de enxada e arado de bois descrito mais acima. De meio século para cá moldaram os seus perfis de acordo com as demandas dos mercados de consumo. Substituíram os tradicionais instrumentos de trabalho pelas ferramentas oferecidas pela tecnologia moderna. Os meio de comunicação ao alcance de qualquer colono na mais remota extremidade  de um vale, mexeram fundo na maneira de ser dos produtores rurais, pondo-os em contato com o que há e acontece de novo, de bom, de discutível e/ou de deplorável no âmbito regional, nacional e internacional. Nesse cenário já não há mais lugar para as famílias numerosas de 10 ou mais filhos. Deram lugar a casais com um ou dois filhos e o próprio conceito de matrimônio tradicional indissolúvel convive tranquilamente com uniões consensuais, mães solteiras, separações, divórcios, etc. A prática rigorosa e controlada da religião cedeu o lugar a uma opção mais pessoal e livre do que há duas ou três gerações passadas. Ficou no passado o agricultor que costumava percorrer apenas dois caminhos: o diário de ida e volta da roça e o semanal de ida e volta à igreja. Mas, não é aqui o lugar para uma análise antropológica e sociológica mais aprofundada. Resumindo, parece lícito afirmar que os pequenos municípios que surgiram no interior colonial e ocupam uma significativa parcela dos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e outros estados, moldaram um paradigma, diria civilizatório que, descontados os senões e mesmo críticas mais severas e contundentes,  apontam o caminho para “cultivar” o “jardim” em que o Criador colocou homem para que tenha condições de realizar os seus anseios existenciais. Tendo sempre em vista que falo do modelo da pequena propriedade familiar dedicada à policultura de subsistência,  horticultura, fruticultura e tantas outras modalidades, atrevo-me concluir nas linhas e sugerir  nas entrelinhas, que o “agricultor” deu lugar ao “produtor rural”. Munido de um comportamento social e familiar urbano, cultivador de costumes e valores, hábitos religiosos, preocupações econômicas e políticas, pretensões de uma formação mais apurada, sem demora passará ser um personagem da história, como os artesãos e tantas outras ocupações. E, para concluir as reflexões que têm o “trabalho” como um dos instrumentos mais determinantes no cuidado e cultivo racional da natureza, sugiro como opção de lazer circular em domingos ou feriados pelos vales dos rios que formam o Guaíba: Santa Maria do Erval, Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi, São Pedro da Serra, Salvador do Sul, Poço das Antas, Teutônia, Westfália, Sinimbu, Sobradinho e tantos outros pequenos municípios.