A mensagem da natureza e suas
criaturas
Aos
bispos do Canadá, do Japão, de João Paulo II e Paul Ricoeur, invocados nesta
passagem da Encíclica, podemos somar a manifestação do Presidente Clinton ao
anunciar oficialmente a conclusão do mapa genético da espécie humana, já citada
em outo momento. Parece que aqui é o lugar oportuno para distinguir entre os
diversos níveis em que a mensagem da natureza é recebida. Melhor talvez, a que
tipo de pessoas se destina essa mensagem e como elas recebem essa mensagem e
seus significados.
O primeiro nível, caracteriza-se por mensagens eminentemente
práticas, utilitaristas, primárias e imediatistas. A floresta, os animais, os
campos naturais, os rios e os oceanos, chamam a atenção pelo que oferecem para suprir as demandas básicas da
sobrevivência física. Entre os coletores do paleolítico as árvores e arbustos
chamavam a atenção e tinham seu valor nos frutos que ofereciam, outros vegetais
pelas raízes e tubérculos. Aos caçadores
e pescadores daquele mesmo período, interessavam os animais passíveis de caça
que chamavam a atenção. As mensagens das frutas, tubérculos e raízes e animais
de caça, ao homem antigo, eram simples, diretas e pragmáticas: estamos aqui
para alimentá-lo, tranquilizar o estômago e evitar que morra de fome. Este
mesmo nível de mensagem orientou também os agricultores e pastores do neolítico
e continua ditando as regras, em proporções geometricamente multiplicadas, na agricultura
familiar e no agronegócio de hoje. Se nos dermos o trabalho de seguir a linha
mestra da relação homem-natureza, verificamos que é ditada pela motivação do
suprimento da existência material-física
da espécie humana. A mensagem de uma árvore coberta de frutas, um pé de inhame
ou mandioca, uma castanheira carregada de castanha, um carvalho com bolotas,
era simples e direta: “Colhe meus frutos e escava minhas raízes e não morrerás
de fome”. A mesma mensagem vale para o
porco selvagem, o antílope, o peixe do arroio e da lagoa. Uma antiga
“Oração da Floresta”, de procedência francesa, citada por Hornsmann, dá bem uma
noção do que estamos falando.
Homem, eu sou o calor do
teu lar nas noites frias de inverno, a sombra protetora no calor do sol do verão. Sou a armação do
telhado da tua casa, a tábua da tua mesa. Sou o leito em que dormes e a madeira
com que constróis teus barcos, eu sou o cabo do teu machado e a porta da tua
cabana. Sou a madeira do teu berço e as tábuas do teu esquife. Sou o pão da bondade,
a flor da beleza. Escuta minha oração e não me destrói. (Hornsmann, 1955, p.
69)
É
sobre esta concepção primária e utilitarista que costumam ser conduzidos os
encontros e convenções em nível regional, nacional ou internacional, que tem
como objeto a conservação e a proteção de meio ambiente.
O segundo nível. Acontece que o ser humano busca muito mais
do que alimento e abrigo no seu relacionamento com o habitat natural. O
convívio do animal como o meio ambiente termina neste nível. Já o homem dotado
de inteligência reflexa sobe para um nível superior nessa relação. Desde o
momento em que a centelha da inteligência reflexa do primeiro da nossa espécie,
cintilou em alguma savana da África, ou
em qualquer outro local do nosso planeta, consolidou-se uma relação que
ultrapassou o nível prosaico do alimentar-se, abrigar-se e cuidar da
perpetuação da espécie. Com olhar curioso e inquiridor o homem
embrenhava-se nas florestas, percorria
estepes e savanas, adentrava desertos, escalava montanhas, vasculhava florestas,
banhava-se nos rios e lagos. Observando, experimentando, comparando,
distinguindo, refletindo, foi aprendendo a identificar e a selecionar o que a natureza lhe oferecia
em alimentos, vestuário e abrigo. Sem demora as reflexões levaram esses seres
humanos, que denominamos com certo ar de desprezo de “primitivos”, “selvagens”
ou “bárbaros”, a equipar as mãos com artefatos, instrumentos e ferramentas que
tornava menos trabalhoso e mais rendoso o acesso aos alimentos e as às matérias
primas para confeccionar as vestimentas e abrigos, mais segura a defesa e mais
eficiente a proteção contra as intempéries.
E,
assim, estavam postas as premissas para começar, lentamente, numa dinâmica
autoalimentada e num ritmo sempre mais acelerado, a simbiose entre o homem e
suas florestas, rios, montanhas, estepes, desertos savanas. trópicos e climas
temperados e frios. Neste conviver íntimo e diuturno com o habitat despertou e
cresceu a curiosidade pelo sentido que
se escondia atrás dos fatos e fenômenos da natureza, as incógnitas e os
mistérios com que se deparava no
quotidiano. O nascer, o viver e morrer do homem e dos animais, os ciclos da
natureza, a alternância das estações do ano, o curso diário do sol, as fases da
lua, o nascer, crescer e fenecer das plantas, o amadurecer das frutas, tudo
desafiava a curiosidade e a compreensão. E na procura de respostas tomou
formato um corpo de conhecimentos, simbologias, crenças e mitologias que
terminariam por compor a cosmovisão peculiar de cada espaço geográfico individual.
Desde logo o ato de alimentar-se, vital para a
sobrevivência física, ultrapassaria o nível do instintivo e compulsório
fazendo-se acompanhar de procedimentos natureza cultural como hábitos,
etiquetas, boas maneiras, proibições, tabus, etc. O ato de alimentar-se vai
assumindo entre todas culturas as características de um ritual. Mais. Os próprios
alimentos passaram a fazer parte integrante das culturas como sagrados, dotados
de poderes mágicos, milagrosos, maléficos, impuros, ou simplesmente prejudiciais
à saúde.
O
convívio do homem com a natureza ensinou-lhe caminhos e formas de como conviver
melhor com ela e consolidar com ela uma parceria e torná-la uma aliada sempre
presente na construção e consolidação das culturas.
A
relação imediata, íntima e diuturna com
que a natureza despertou no homem a percepção de fazer existencialmente parte
dela. Além de dela depender para a vida e a morte, a sua vida se desenrola na
mesma cadência e nos mesmos ciclos. E, neste conviver simbiótico a humanidade constrói suas culturas, sua história, suas
simbologias, mitologias, crenças, religiões, seus rituais, seus sistemas enfim,
sua cosmovisão. Tudo em sua volta, por assim dizer, se animava, se
personalizava de acordo com o significado material somado ao imaginário que as
diversas culturas lhe acrescentavam. Consolidou-se desta maneira um espelhar-se
mútuo entre o homem e seu habitat. E, no
andar desse processo de interação, as culturas foram desenhando seus contornos,
a identidade individual e coletiva
definindo suas características e a História traçando o seu rumo.
Deus escreveu um livro
estupendo, cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presente
no universo. ( ... ) podemos afirmar que, ao lado da revelação propriamente
dita nas Sagradas Escrituras, há uma manifestação divina no despontar do sol,
no cair da noite. Prestando atenção a esta manifestação o ser humano
aprende a reconhecer a si mesmo na
revelação com as outras criaturas. (Laudato si, 85).
A reflexões que nos conduziram até aqui, tendo como linha orientadora
a Encíclica Laudato si, desdobram diante de nós um cenário de novas e
fascinantes perspectivas. A história da humanidade com suas múltiplas culturas
vem a ser o resultado dos ensinamentos da leitura e interpretação do monumental “Livro” que vem a
ser a natureza. É compreensível que em cada momento dessa história se tenha
feito uma interpretação singular dos
códigos secretos escondidos nos fenômenos físicos, nas plantas, animais e no próprio homem.
Dispensam-se
teorias complicadas ou métodos refinados de observação. Basta um olhar um pouco
mais atento para a história, a fim de nos convencermos do acerto dessa
afirmação. Entre os povos agricultores, o sol e a lua, imprimindo com seus
ciclos regulares, a cadência da natureza, tornaram-se referência da própria
dinâmica da história. Em torno do nascer e do por dos sol, da alternância
mensal das fases da lua, da sucessão das estações do ano, o homem foi
elaborando e construindo todo um universo simbólico, todo um universo de costumes,
de hábitos, valores, crenças, cultos e rituais. O sol define os ciclos anuais e, pela alternância das
estações, comanda a preparação da terra, a semeadura, a germinação das
sementes, o crescimento, o florescimento, a maturação dos frutos e, finalmente,
a colheita. Em meio a esse eterno fluxo e refluxo do germinar, nascer, crescer,
amadurecer, declinar e morrer, fenômenos
pela sua natureza biológicos, climáticos, geográficos, astronômicos,
cosmológicos, transformaram-se em fatores causais de fundamental importância na consolidação da
identidade dos povos e suas culturas. A primavera veio a simbolizar o desabrochar da vida; o verão o
vigor e a plenitude da vida; o outono a colheita dos bons ou maus frutos; o
inverno, o declínio e finalmente a morte para, em seguida germinar nova vida e
recomeçar o interminável ir e devir. A sucessão e o ritmo das estações e dos
ciclos da vida confundem-se simbolicamente numa única e mesma dinâmica. Fala-se
em primavera da vida e a idade é contada em primaveras. Pela sua importância em
não poucas culturas, o sol é cultivado como uma divindade e a lua uma deusa.
No
mesmo sentido vai toda uma compreensão de outras realidades naturais. Cito
apenas algumas mais. A água indispensável para a vida figura como objeto de
veneração na história. Água e vida tornaram-se sinônimos. Como a água que dá
vida é, por excelência, aquela que se
bebe nas fontes, à água brotando da rocha ou das entranhas da terra,
atribuem-se às próprias fontes propriedades curativas especiais, efeitos mágicos,
milagrosos, regeneradores. Banhar-se, por ex., no primeiro dia do ano num fonte
promete vida longa e saudável.
Pelo
mistério natural que costuma envolver montanhas, lagos, mares e oceanos, eles
terminaram por personificar figuras mitológicas ou representar lugares
sagrados, que passaram para o imaginário dos povos na forma de crenças, mitos,
tabus, etc. Os deuses e deusas do universo mitológico grego no monte Olimpo,
distantes dos homens, entregavam-se às suas intrigas e pouco se importavam com o que acontecia no quotidiano dos
mortais. Uma atitude olímpica tornou-se sinônimo de postura sobranceira,
distante, alienada e desprezadora da realidade, acima do bem e do mal. O vulcão
Fuji simboliza a história do povo japonês. Espíritos que não tolera a presença
do homem povoavam lagos como ode Lhanguhe no Chile, fazendo com as proximidades
permanecessem despovoadas até a chegada dos imigrantes alemães em meados do
século XIX.
Poderíamos
continuar enumerando ao indefinido os vínculos e as relações das culturas e
identidades com o entorno físico-geográfico.
No
decorrer do Mesolítico, período de transição entre o Paleolítico e o Neolítico,
coletores de caçadores deram um passo
revolucionário na busca do controle do suprimento de suas necessidades básicas
de sobrevivência. Darcy Ribeiro chamou essa conquista de “Revolução dos
Alimentos” e Edward Wilson de a “Primeira Traição à Natureza”. Como já
analisamos em outra ocasião, ambos têm razão, do ponto de vista peculiar que
cada qual entendeu o fenômeno. O convívio com os animais, a observação dos seus
hábitos, deixaram claro que havia uma grande diferença entre as muitas espécies
que partilhavam o mesmo espaço geográfico com o homem. Uns agrediam, outros
evitavam a presença do homem, outros ainda ariscos fugiam da proximidade dos
humanos. Havia-os também que se acostumaram com a presença dos
acampamentos dos caçadores e coletores
e, com o tempo, com os próprios humanos. E neste convívio, de observação em
observação, de tentativa em tentativa, algumas espécies sob os mais diversos
aspectos passaram a fazer parte do quotidiano e da rotina diária. Foi mais do
que natural que neste relacionamento o homem fosse identificando as melhores
formas de lidar com as diversas espécies, experimentasse influir nos seu
comportamento, induzisse novas formas de conduta e assim amoldá-las aos seus
propósitos. Deve ter sido assim que o
acúmulo de experiências e a soma de resultados, levou à domesticação de
espécies fornecedoras de alimentos e abrigo como ovinos, bovinos suínos, espécies
auxiliares nas atividades diárias como o cão de guarda e espécies empregadas no
transporte de carga, tração e montaria. Essa transição evidentemente não
aconteceu de um dia para o outro. Foram necessários séculos e milênios para que
aos caçadores nômades sucedessem os pastores e criadores. Essa passagem representou um passo gigantesco para o homem
em direção à libertação da imposição da natureza e assumir gradativamente o
controle sobre os recursos indispensáveis à sobrevivência.
Ao
mesmo tempo em que a domesticação e consequentemente o manejo de animais domésticos
consolidou uma base confiável e controlável
para a subsistência, aconteceu uma revolução semelhante e de repercussão não
menos significativa no suprimento dos recursos de origem vegetal. A observação,
a experiência acumulada com a coleta de frutas, raízes e tubérculos, levaram ao
cultivo das espécies úteis. Essa domesticação de plantas resultou no
aperfeiçoamento gradativo das técnicas de como lidar com as espécies úteis e,
ao mesmo tempo, acrescentar sempre mais novas espécies e variedades cultivadas.
Tanto
a domesticação de animais, quanto a “domesticação” de plantas resultou numa
completa revolução na relação do homem com seu ambiente natural. É difícil
saber quais foram as primeiras espécies de animais domesticados. As evidências
que vestígios de ovelhas, cabras, jumentos, bovinos, além de cães, aparecem
como dos mais antigos. Mas não são tanto as espécies em si que fizeram a
diferença nessa mudança de relação com o
habitat natural, Os pastores e criadores foram em busca de pastagens nas quais
seus rebanhos se pudessem multiplicar e garantir um retorno abundante de carne,
leite, lã, peles, chifres e ossos. Os
criadores começaram a viver em acampamentos seminômades. Deslocavam-se por territórios
variáveis de acordo com a disponibilidade de pastagens. O quotidiano desses
pastores consumia-se em função dos rebanhos e uma cultura toda voltada para o pastoreio começou a povoar as
savanas da África, as estepes semiáridas,
na periferia dos desertos do Oriente Médio e Próximo e nas estepes da
Euro-Ásia. Não há necessidade de insistir que a cultura desses povos nômades ou
seminômades assumisse contornos com marcas diferenciais inconfundíveis. Sem
falar na cultura material, consolidou-se um tipo de organização social com
flagrante predominância do patriarcado. O imaginário, as crenças, os cultos
buscaram a inspiração na dinâmica dos rebanhos, na dinâmica da vida nos
acampamentos e, não em último lugar, nos fenômenos naturais sempre presentes. Fatos
do quotidiano como nascer, crescer, viver e morrer inspiravam poetas, cantores
e músicos. Aos astros coube um significado todo especial na vida desses povos.
O ir e voltar do sol responsável pela alternância dos dias e noites, as fases
da lua, a alternância das estações do ano, transformaram o sol e lua em personalidades mitológicas,
reverenciadas como entidades sobrenaturais, merecendo senão exigindo cultos e
rituais. A vida em tendas e acampamentos móveis, as vigílias noturnas junto aos
rebanhos induziram uma relação toda própria entre os pastores e o firmamento
estrelado. Não tardou que notassem que esse universo nada tinha de estático. Os
astros movimentavam-se numa coreografia
disciplinada, percorrendo roteiros traçados por leis imutáveis. De tempos em
tempos essa dança sofria intromissões de fenômenos estranhos. O sol e lua
passavam por eclipses, clarões estranhos iluminavam as noites escuras ou algum
astro peregrino emergia do desconhecido, passava pelo firmamento para, em
seguida submergir de novo no desconhecido. O inusitado e o mistério que
acompanhavam a passagem de cometas, queda de meteoros, devem ter impressionado os pastores em suas noites
de vigília e mexido com seu imaginário. E, observando a galáxia em noites sem nuvens, os conjuntos de estrelas e
as constelações, foram assumindo contornos de figuras de animais familiares
como o cão, o capricórnio, a ursa, os peixes, o touro, o leão e outros mais. O
firmamento acima de suas cabeças foi-se povoando de criaturas imaginárias,
réplicas daquelas com as quais convivia na realidade concreta do quotidiano.
Não
é de se admirar que as raízes da astrologia e os mais antigos conhecimentos de
astronomia devem ser procurados entre os
pastores de ovelhas e caras do Neolítico. A relação real ou imaginária que se
consolidou, a partir daí, entre o curso, a configuração e a posição dos astros
e a sorte e o destino do homem, não parou de aprofundar. Mesmo hoje em que o
progresso científico desvendou em grande parte os mistérios do universo, o
interesse pelo horóscopo não perdeu nem público nem popularidade incluindo um
número nada desprezível entre as camadas mais cultas e ilustradas. Os fenômenos
cósmicos e demais realidades que integravam o habitat, “a casa”, em que se
consumia a existência dos pastores do Neolítico, incorporados no quotidiano de
suas culturas, são uma prova de que o homem se vê existencialmente inserido
como uma realidade superior no seu universo. Se levássemos avante e
aprofundássemos mais essas reflexões
desembocaríamos com certeza em discussões filosóficas do tipo que
levaram Espinosa a formular a concepção panteísta do mundo, Teilhard de Chardin
a formular a sua grandiosa unidade universal, Ludwig von Bertalanffy apresentar
a unidade organísmica e sistêmica da
natureza, Nicolau de Cusa ensinar que as partes refletem o todo. Entretanto não
é aqui nem o momento nem o lugar para
aprofundar a reflexão nessa perspectiva.
Simultaneamente,
no espaço e no tempo, aconteceu a “Revolução Agrícola”. Evoluiu paralela à
“Revolução Pastoril” e disputando territórios com ela. O manejo controlado das
plantas teve, ao lado do potencial
incalculável das novas perspectivas de prover as necessidades básicas da
sobrevivência, uma profunda revolução na
relação do homem com seu entorno físico-geográfico. Da condição de total
dependente das vicissitudes naturais os povos agricultores passaram a se valer de mais e melhores tecnologias,
melhorando os métodos de plantio, identificando mais espécies de plantas
passíveis de manejo e, desde muito cedo, manipulando pela seleção e cruzamento
diversas variedades nativas, obtendo híbridos mais produtivos. O homem e a
natureza construíram, por assim dizer, uma aliança e solidificaram uma relação
de mutualidade que serviu de trampolim para um salto de qualidade sem precedentes.
Foi a largada para a consolidação da simbiose entre o habitat natural e as
culturas. O resultado dessa parceria entre o homem agricultor e seu chão
fizeram-se sentir de muitas maneiras. Sem privilegiar uma ou outra, apontemos
as que parecem mais importantes.
O
preparo da terra, a semeadura, o cuidado com o desenvolvimento das plantas, a
colheita e o recomeço de um novo ciclo agrícola, selaram o fim da vida
itinerante exigida pela coleta. Os agricultores abandonaram a vida errante e
instalaram as moradias em aldeias definitivas. O chão preferido pelos povos
agrícolas foram as terras planas ao longo dos grandes rios na África, Oriente
Médio e Próximo, Índia e China. Assim, a partir do momento em que dispomos de dados
históricos mais precisos, encontramos o
vale do Nilo, do Eufrates e Tigre, do Indo e Ganges, do Yangze, Amur e Hoango e
muitos outros vales de rios, cobertos por um mosaico de terras cultivadas e
pontilhadas por inúmeras aldeias. Em pontos estratégicos, centros urbanos
polarizavam as atividades de regiões maiores. O gigantesco potencial de
progresso desse processo de humanização da paisagem que se desencadeou a partir
da “domesticação” das primeiras plantas úteis, ainda não está esgotado. Das
várzeas dos rios a agricultura avançou obre as encostas de montanhas, tomou o
lugar das florestas, transformou em grande parte estepes, savanas, pradarias e
campos naturais, impulsionada por sempre novas tecnologias de manejo dos solos
e espécies de plantas. Em regiões inteiras reduziu as sobras da vegetação
original em curiosidades ecológicas. Acontece que as necessidades básicas do
homem de 15000 anos passados e do começo do terceiro milênio, continuam as
mesmas. E quem fornece os alimentos, são ainda hoje os criadores de animais e os agricultores, munidos pelas
descobertas científicas e o aperfeiçoamento das tecnologias de produção. Com
isso o processo de humanização acelera-se num ritmo geométrico, avançando sobre
as últimas paisagens naturais. Em não poucos casos os métodos empregados e a
ausência de critérios, tornam evidente
que se chegou a um limite crítico. Continuando nessa direção corre-se o sério
risco da quebra do equilíbrio na simbiose entre cultura e meio ambiente.