Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 45 -

O destino dos bens da Natureza

Um número crescente de cientistas e filósofos da Natureza, vão concluindo com convicção cada vez maior, de que o universo do qual fazemos parte e do  habitat imediato em que passamos a nossa existência, forma uma gigantesca unidade e um sistema finamente calibrado e de alta resolução. A pluralidade sem fim de fatos, fenômenos e formas de vida têm a sua explicação e razão de ser nesta unidade. Mais acima já aprofundamos essa questão. O que interessa a esta altura das reflexões à margem da Encíclica, é o significado do pertencimento do homem ao meio natural em comunhão com os demais seres vivos. Novamente, para relembrar, o homem é uma das muitas realizações dos potenciais da natureza e, por isso mesmo, sua existência na origem, na perpetuação e no seu destino é por ela condicionada.

Este dado filosoficamente correto e cientificamente comprovado, nos fez afirmar tantas vezes que a natureza e seus recursos são um bem comum. Deles depende o existir e o continuar a existir  da vida na terra. Essa compreensão faz parte do senso comum, pois para  “crentes e não crentes a terra  é, essencialmente uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos”. (Laudato si, 93). Sendo assim os bens não podem ser objeto de propriedade privada sem limites. “A propriedade privada está subordinada ao destino universal dos bens.  Assim, a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto e intocável  o direito à propriedade privada e, salientou a função social de qualquer  forma de propriedade privada”. (Laudato si, 93). Supostos estes limites a Igreja defende a propriedade privada.

Faz parte da própria natureza do homem sentir-se dono de bens materiais, terra, imóveis, empresas etc., dando-lhe segurança, realização, estímulo e compromisso. Foram exatamente esses fatores que levaram Wilhelm Ketteler, bispo  de Mainz a defender a propriedade privada, nos famosos sermões proferidos na catedral daquela cidade em 1848, coincidentemente no mesmo ano em Marx publicou seu “Manifesto”.  Mas, ao defender o direito à propriedade chamou também a atenção aos limites impostos pela dimensão social da posse e do seu uso. Heinrich Pesch, teórico do Solidarismo resumiu  essa relação na sentença: “O que importa não é a socialização da propriedade privada, mas a socialização da mente dos proprietários”. Em outras palavras. De um lado a propriedade é um direito natural das  pessoas como fator de estímulo e realização pessoal. Do outro, porém, as  demais pessoas gozam do mesmo direito. A convivência e o acesso aos recursos não pode ocorrer por meio de um “pacto” acertado entre as partes pelo qual se garante total autonomia sobre a exploração e uso fruto dos bens. Neste cenário de competição e livre concorrência, não passa de ilusão imaginar que as “mentes dos proprietários se socializem” e como tal  respeitem a dimensão social das sua propriedade. A livre disputa irá, de alguma forma impor “o lado do lobo” que faz parte da própria natureza da espécie humana. No relacionamento entre os membros de uma sociedade estruturada sobe esses moldes, “o lobo” fatalmente mostrará os dentes.

O mesmo fenômeno dita as normas também numa sociedade coletivista. O Estado incarnado na nomenclatura burocrática, administra os bens e deles usufrui com se fossem sua propriedade. A grande massa da população que se conforma com as migalhas que eventualmente sobram da voracidade do monstro burocrático.

Concluindo, o único regime  capaz de lidar com os recursos naturais preservando sua destinação social é aquele em que as pessoas comuns e as demais camadas da sociedade selam um compromisso legitimado pelos princípios do Solidarismo.

A Igreja defende como legítimo o direito à propriedade privada, mas ensina, com não menor insistência, que sobre toda a propriedade particular pesas sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu. Por isso afirma que não é segundo o desígnio de Deus gerir este dom de modo  tal que os seus benefícios aproveitem apenas alguns. (Laudato si, 93)  ( ... ) O rico e o pobre tem a mesma dignidade porque quem os fez foi o Senhor. (Pr. 22,2 ) e faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus. (Mt. 5,45). (Laudato si , 94).



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