O destino dos bens da Natureza
Um
número crescente de cientistas e filósofos da Natureza, vão concluindo com
convicção cada vez maior, de que o universo do qual fazemos parte e do habitat imediato em que passamos a nossa
existência, forma uma gigantesca unidade e um sistema finamente calibrado e de alta
resolução. A pluralidade sem fim de fatos, fenômenos e formas de vida têm a sua
explicação e razão de ser nesta unidade. Mais acima já aprofundamos essa
questão. O que interessa a esta altura das reflexões à margem da Encíclica, é o
significado do pertencimento do homem ao meio natural em comunhão com os demais
seres vivos. Novamente, para relembrar, o homem é uma das muitas realizações
dos potenciais da natureza e, por isso mesmo, sua existência na origem, na
perpetuação e no seu destino é por ela condicionada.
Este
dado filosoficamente correto e cientificamente comprovado, nos fez afirmar
tantas vezes que a natureza e seus recursos são um bem comum. Deles depende o
existir e o continuar a existir da vida
na terra. Essa compreensão faz parte do senso comum, pois para “crentes e não crentes a terra é, essencialmente uma herança comum, cujos
frutos devem beneficiar a todos”. (Laudato si, 93). Sendo assim os bens não
podem ser objeto de propriedade privada sem limites. “A propriedade privada
está subordinada ao destino universal dos bens.
Assim, a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto e intocável o direito à propriedade privada e, salientou
a função social de qualquer forma de
propriedade privada”. (Laudato si, 93). Supostos estes limites a Igreja defende
a propriedade privada.
Faz
parte da própria natureza do homem sentir-se dono de bens materiais, terra,
imóveis, empresas etc., dando-lhe segurança, realização, estímulo e
compromisso. Foram exatamente esses fatores que levaram Wilhelm Ketteler,
bispo de Mainz a defender a propriedade
privada, nos famosos sermões proferidos na catedral daquela cidade em 1848,
coincidentemente no mesmo ano em Marx publicou seu “Manifesto”. Mas, ao defender o direito à propriedade
chamou também a atenção aos limites impostos pela dimensão social da posse e do
seu uso. Heinrich Pesch, teórico do Solidarismo resumiu essa relação na sentença: “O que importa não
é a socialização da propriedade privada, mas a socialização da mente dos
proprietários”. Em outras palavras. De um lado a propriedade é um direito
natural das pessoas como fator de
estímulo e realização pessoal. Do outro, porém, as demais pessoas gozam do mesmo direito. A
convivência e o acesso aos recursos não pode ocorrer por meio de um “pacto”
acertado entre as partes pelo qual se garante total autonomia sobre a
exploração e uso fruto dos bens. Neste cenário de competição e livre concorrência,
não passa de ilusão imaginar que as “mentes dos proprietários se socializem” e
como tal respeitem a dimensão social das
sua propriedade. A livre disputa irá, de alguma forma impor “o lado do lobo”
que faz parte da própria natureza da espécie humana. No relacionamento entre os
membros de uma sociedade estruturada sobe esses moldes, “o lobo” fatalmente
mostrará os dentes.
O
mesmo fenômeno dita as normas também numa sociedade coletivista. O Estado
incarnado na nomenclatura burocrática, administra os bens e deles usufrui com
se fossem sua propriedade. A grande massa da população que se conforma com as
migalhas que eventualmente sobram da voracidade do monstro burocrático.
Concluindo,
o único regime capaz de lidar com os
recursos naturais preservando sua destinação social é aquele em que as pessoas
comuns e as demais camadas da sociedade selam um compromisso legitimado pelos
princípios do Solidarismo.
A Igreja defende como
legítimo o direito à propriedade privada, mas ensina, com não menor
insistência, que sobre toda a propriedade particular pesas sempre uma hipoteca
social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu. Por isso
afirma que não é segundo o desígnio de Deus gerir este dom de modo tal que os seus benefícios aproveitem apenas
alguns. (Laudato si, 93) ( ... ) O rico
e o pobre tem a mesma dignidade porque quem os fez foi o Senhor. (Pr. 22,2 ) e
faz com que o sol se levante sobre os bons e os maus. (Mt. 5,45). (Laudato si ,
94).