As
conclusões práticas da concepção do universo e da natureza de Teilhard,
relativas à convivência e interferência
no meio ambiente assim como a exploração dos recursos que oferece, vem a coincidir
com as que concluímos da cosmovisão de Rambo.
Erich Wassmann, outro jesuíta como o papa
Francisco, tornou-se conhecido e respeitado
nos debates sobre o monismo
materialista de Ernst Haeckel, no começo do século XX. Partindo das suas
observações em colônias de formigas e térmites e sua relação simbiótica com
fungos, concluiu pela incapacidade de a ciência e seus métodos esclarecerem as
bases últimas da existência da natureza, da leis que a regem e o sentido que
subjaz a tudo isso. A limitação dos seus métodos permite apenas responder ao
“como” tudo funciona. Fica faltando a resposta para o “donde”, “porque” e “para
onde” e consequentemente a lógica e a teleologia que impedem que tudo desande
confiada a uma dinâmica cega e errática, entregue ao acaso, terminando no caos,
precisa ser procurada em outro nível.
Aqui se oculta uma linha de
raciocínio eminentemente teleológica. Se for levado às últimas consequências
lógicas, termina necessariamente no reconhecimento de um Criador pessoal,
responsável pelas leis da natureza pois, as leis da evolução devem ter sido
concebidas pelo mesmo legislador que outorgou as leis para o mundo ambiente
como um todo e as aplicou harmonicamente
às leis da evolução dos seres vivos. Esse legislador só pode ser uma sabedoria
supra-humana que, como causa primeira, regula e inclui a natureza toda nas leis
que a regem. Assim as adaptações orgânicas constituem-se num testemunho vivo,
numa prova da moderna concepção teísta do mundo (Stimmen der Zeit, vol. 100,
1921, p. 136)
Começamos
a contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco com a visão do mundo
de Edward Wilson que se auto define como
um “humanista secular” e defende que a natureza é um “fato objetivo”, isto é,
uma realidade, um ente objetivo que não se resume na simples soma de suas
partes. O entendimento da natureza como uma unidade sistêmica ou orgânica, dos
três cientistas, jesuítas como o papa, Wassmann, Teilhard e Rambo, coincide na
sua essência com a do “humanista secular” Edwartd Wilson. A diferença mais
significativa entre ele e os três jesuítas talvez seja o fato de ele não
responder como foi “o começo dos
começos” e o sentido e o destino final de tudo. Respondeu ao “como” e, ao afirmar
que a natureza é um “fato objetivo”, sinalizou para uma saída para o “porque” e
o “para onde”. Os outros três coerentemente pressupõe um ato criador de Deus
que desencadeou tudo e potencializou a natureza para evoluir garantindo a
unidade na diversidade. Para todos eles a natureza é a “casa”, a “querência”, a
“pátria” do homem. Nela a espécie humana surgiu, vive e sobrevive dos seus
recursos, constrói a sua história. Nela
cumpre o papel como espécie singular na sinfonia
das coisas. A conclusão legítima e lógica resume-se no fato de a natureza
constituir-se ontologicamente num bem comum que exige que se recorra a
critérios éticos quando do seu uso e fruto.
E,
afim de ampliar e enriquecer a
contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco, apresentamos a
cosmovisão de ouros três cientistas de renome, representantes do universo
científico leigo: Ludwig von Bertalanffy, Francis Collins e Theodosius
Dobhansky.
Para
Ludwig von Bertalanffy a arquitetura e o funcionamento da natureza acontece na
forma de um “sistema” como ensina na sua
“Teoria Geral dos Sistemas”. Aos
elementos aparentemente mais insignificantes cabe uma função. Colaboram
para que o todo funcione corretamente. A natureza, mais especificamente a
biosfera, enquadra-se perfeitamente no conceito de sistema proposto por ele.
Nenhum micro-organismo, nenhum inseto, nenhum vegetal ou outro ser vivo
qualquer, pode ser descartado sem de alguma maneira afetar o bom funcionamento
do todo. E como qualquer sistema cumpre
uma finalidade, obedece a um plano e, por isso mesmo, é impulsionado por uma
teleologia inerente à sua própria natureza. Como tal é o cenário no qual a espécie humana existe, subsiste,
prospera ou perece.
Não
é aqui o lugar de entrar mais a fundo, na análise mais detalhada do conceito de
sistema assim como Bertalanffy o propõe. No contexto das reflexões sobre a
“Encíclica Verde”, o importante é destacar a ideia de unidade, de totalidade,
de dinâmica teleológica subentendida na natureza como um sistema total e nos inúmeros sub sistemas em que pode ser
desdobrada. Do bom ou mau estado da natureza como sistema, depende a quantidade
e a qualidade dos recursos de que o homem dispõe para atender suas demandas
materiais e espirituais. Por essa razão o equilíbrio desse sistema significa um
bem comum e, por isso mesmo seu correto uso vem a ser uma exigência ética. Uma
segunda lição, e esta fundamental na motivação de iniciativas em defesa do ecossistema global da terra
e os inúmeros subsistemas que o
integram, recomenda uma vigilância severa sobre as diversas formas de explorar
os recursos naturais pois, toda e qualquer ação invasiva numa parte afeta o equilíbrio
na proporção direta da sua capacidade
destrutiva. A unidade funcional
defendida pelo conceito de sistema
deveria servir de marco de referência para qualquer iniciativa
preservacionista que mereça esse nome. Serve também de alerta que mesmo o combate
a uma só espécie, ou a extinção de qualquer espécie animal ou vegetal afetará
proporcionalmente o bom ou mau desempenho do todo. Quanto mais invasiva a ação, tanto maior o estrago. Como exemplo
lembramos a ruina em cascata da biosfera com o desaparecimento, por ex., dos
insetos como a detalhou Edward Wilson.
Francis
Collins, especialista em genética médica e diretor do Projeto Genoma a partir
do qual foi desenhado o mapa do código genético do homem, é outro que defende
a unidade da natureza em seu magnífico
livro “A Linguagem de Deus”. Como sugere o título, o código genético é uma
outra modalidade, uma outra linguagem com que Deus se comunica, para quem sabe
ler essa escrita cifrada na qual as letras são os genes. Collins informa que
foi agnóstico até os 21 anos. Daí até os 27 ateu convicto. Quando, como médico
residente, entrou em contato com os doentes
no hospital, a atitude deles, a maioria pessoas comuns, frente aos males
que os afligiam, convenceu-o da razoabilidade, para não dizer necessidade, de
admitir a existência de um Deus. Desde então não se cansa em mostrar que não há
nenhuma incompatibilidade entre a Ciência e a Fé em Deus; que para a origem do
universo e da natureza não há como não invocar a mão de um Deus Criador; que
Ele muniu a matéria original da qual evoluiu a natureza, o “estofo” do universo como diria Teilhard, com as
potencialidades que a evolução se encarregou e ainda se encarrega de
concretizar. Nessa perspectiva o universo e a natureza são logicamente uma
grande unidade com todas as consequências práticas sinalizadas pelos cientistas
acima mencionados. O Dr. Collins resumiu a sua compreensão do universo, da
natureza e do homem assim.
Minha proposta é rebatizar
a evolução teísta como “Bios pelo Logos” ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos
reconhecerão “Bios” como vida em grego e “Logos” como palavra em grego.
Como muitos que acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo de Deus, como expressou de
maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do Evangelho
de João. “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus”. (João 1:1). BioLogos
expressa a crença que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a
vontade de Deus. /A Linguagem de Deus, 2007, p. 209).
E,
para concluir essa introdução de
contextualização, que já se avoluma, acrescentamos mais um cientista, uma das
maiores autoridades em genética do século XX, Theodosius Dobzhansky, crente e
filiado à igreja ortodoxa russa. Não é aqui o lugar para comentar a pesquisa em
genética e os resultados por ele
obtidos. Importa destacar as esperanças e as incertezas que o cenário natural e
o homem interferindo nele, sugere. Tomando como base os conhecimentos de
genética de que Dobzhansky dispunha o dados, na sua essência confirmados
durante os últimos 45 anos, para formular seu diagnóstico que coincide com os
demais cientistas citados e o da Encíclica Verde. Concluindo seu livro “La
Herencia e la Naturaleza del Hombre , (1969, p. 177), deixou sua opinião
conclusiva sobre a questão. A evolução do homem pressupõe os fundamentos
biológicos da natureza humana e fornece a bases operacional que permitiram que
as manifestações culturais se tornem possíveis.