Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 2 -

As conclusões práticas da concepção do universo e da natureza de Teilhard, relativas à  convivência e interferência no meio ambiente assim como a exploração dos recursos que oferece, vem a coincidir com as que concluímos da cosmovisão de Rambo.

Erich  Wassmann, outro jesuíta como o papa Francisco, tornou-se conhecido e respeitado  nos debates  sobre o monismo materialista de Ernst Haeckel, no começo do século XX. Partindo das suas observações em colônias de formigas e térmites e sua relação simbiótica com fungos, concluiu pela incapacidade de a ciência e seus métodos esclarecerem as bases últimas da existência da natureza, da leis que a regem e o sentido que subjaz a tudo isso. A limitação dos seus métodos permite apenas responder ao “como” tudo funciona. Fica faltando a resposta para o “donde”, “porque” e “para onde” e consequentemente a lógica e a teleologia que impedem que tudo desande confiada a uma dinâmica cega e errática, entregue ao acaso, terminando no caos, precisa ser procurada em outro nível.

Aqui se oculta uma linha de raciocínio eminentemente teleológica. Se for levado às últimas consequências lógicas, termina necessariamente no reconhecimento de um Criador pessoal, responsável pelas leis da natureza pois, as leis da evolução devem ter sido concebidas pelo mesmo legislador que outorgou as leis para o mundo ambiente como um todo e as  aplicou harmonicamente às leis da evolução dos seres vivos. Esse legislador só pode ser uma sabedoria supra-humana que, como causa primeira, regula e inclui a natureza toda nas leis que a regem. Assim as adaptações orgânicas constituem-se num testemunho vivo, numa prova da moderna concepção teísta do mundo (Stimmen der Zeit, vol. 100, 1921, p. 136)

Começamos a contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco com a visão do mundo de Edward Wilson que  se auto define como um “humanista secular” e defende que a natureza é um “fato objetivo”, isto é, uma realidade, um ente objetivo que não se resume na simples soma de suas partes. O entendimento da natureza como uma unidade sistêmica ou orgânica, dos três cientistas, jesuítas como o papa, Wassmann, Teilhard e Rambo, coincide na sua essência com a do “humanista secular” Edwartd Wilson. A diferença mais significativa entre ele e os três jesuítas talvez seja o fato de ele não responder  como foi “o começo dos começos” e o sentido e o destino final de tudo. Respondeu ao “como” e, ao afirmar que a natureza é um “fato objetivo”, sinalizou para uma saída para o “porque” e o “para onde”. Os outros três coerentemente pressupõe um ato criador de Deus que desencadeou tudo e potencializou a natureza para evoluir garantindo a unidade na diversidade. Para todos eles a natureza é a “casa”, a “querência”, a “pátria” do homem. Nela a espécie humana surgiu, vive e sobrevive dos seus recursos, constrói a sua história.  Nela cumpre o  papel como espécie singular na sinfonia das coisas. A conclusão legítima e lógica resume-se no fato de a natureza constituir-se ontologicamente num bem comum que exige que se recorra a critérios éticos quando do seu uso e fruto.

E, afim de ampliar e enriquecer  a contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco, apresentamos a cosmovisão de ouros três cientistas de renome, representantes do universo científico leigo: Ludwig von Bertalanffy, Francis Collins e Theodosius Dobhansky.

Para Ludwig von Bertalanffy a arquitetura e o funcionamento da natureza acontece na forma de um  “sistema” como ensina na sua “Teoria Geral dos Sistemas”. Aos  elementos aparentemente mais insignificantes cabe uma função. Colaboram para que o todo funcione corretamente. A natureza, mais especificamente a biosfera, enquadra-se perfeitamente no conceito de sistema proposto por ele. Nenhum micro-organismo, nenhum inseto, nenhum vegetal ou outro ser vivo qualquer, pode ser descartado sem de alguma maneira afetar o bom funcionamento do todo. E como  qualquer sistema cumpre uma finalidade, obedece a um plano e, por isso mesmo, é impulsionado por uma teleologia inerente à sua própria natureza. Como tal é o cenário no  qual a espécie humana existe, subsiste, prospera ou perece.

Não é aqui o lugar de entrar mais a fundo, na análise mais detalhada do conceito de sistema assim como Bertalanffy o propõe. No contexto das reflexões sobre a “Encíclica Verde”, o importante é destacar a ideia de unidade, de totalidade, de dinâmica teleológica subentendida na natureza como um sistema total  e nos inúmeros sub sistemas em que pode ser desdobrada. Do bom ou mau estado da natureza como sistema, depende a quantidade e a qualidade dos recursos de que o homem dispõe para atender suas demandas materiais e espirituais. Por essa razão o equilíbrio desse sistema significa um bem comum e, por isso mesmo seu correto uso vem a ser uma exigência ética. Uma segunda lição, e esta fundamental na motivação de iniciativas  em defesa do ecossistema global da terra e  os inúmeros subsistemas que o integram, recomenda uma vigilância severa sobre as diversas formas de explorar os recursos naturais pois, toda e qualquer ação invasiva numa parte afeta o equilíbrio  na proporção direta da sua capacidade destrutiva.  A unidade funcional defendida pelo conceito de sistema  deveria servir de marco de referência para qualquer iniciativa preservacionista que mereça esse nome. Serve também de alerta que mesmo o combate a uma só espécie, ou a extinção de qualquer espécie animal ou vegetal afetará proporcionalmente o bom ou mau desempenho do todo. Quanto mais invasiva  a ação, tanto maior o estrago. Como exemplo lembramos a ruina em cascata da biosfera com o desaparecimento, por ex., dos insetos como a detalhou Edward Wilson.

Francis Collins, especialista em genética médica e diretor do Projeto Genoma a partir do qual foi desenhado o mapa do código genético do homem, é outro que defende a  unidade da natureza em seu magnífico livro “A Linguagem de Deus”. Como sugere o título, o código genético é uma outra modalidade, uma outra linguagem com que Deus se comunica, para quem sabe ler essa escrita cifrada na qual as letras são os genes. Collins informa que foi agnóstico até os 21 anos. Daí até os 27 ateu convicto. Quando, como médico residente, entrou em contato com os doentes  no hospital, a atitude deles, a maioria pessoas comuns, frente aos males que os afligiam, convenceu-o da razoabilidade, para não dizer necessidade, de admitir a existência de um Deus. Desde então não se cansa em mostrar que não há nenhuma incompatibilidade entre a Ciência e a Fé em Deus; que para a origem do universo e da natureza não há como não invocar a mão de um Deus Criador; que Ele muniu a matéria original da qual evoluiu a natureza, o “estofo”  do universo como diria Teilhard, com as potencialidades que a evolução se encarregou e ainda se encarrega de concretizar. Nessa perspectiva o universo e a natureza são logicamente uma grande unidade com todas as consequências práticas sinalizadas pelos cientistas acima mencionados. O Dr. Collins resumiu a sua compreensão do universo, da natureza e do homem assim.

Minha proposta é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos” ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos  reconhecerão “Bios” como vida em grego e “Logos” como palavra em grego. Como muitos que acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo de Deus, como expressou de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do Evangelho de João. “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus”. (João 1:1). BioLogos expressa a crença que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. /A Linguagem de Deus, 2007, p. 209).

E, para concluir essa introdução  de contextualização, que já se avoluma, acrescentamos mais um cientista, uma das maiores autoridades em genética do século XX, Theodosius Dobzhansky, crente e filiado à igreja ortodoxa russa. Não é aqui o lugar para comentar a pesquisa em genética e os resultados  por ele obtidos. Importa destacar as esperanças e as incertezas que o cenário natural e o homem interferindo nele, sugere. Tomando como base os conhecimentos de genética de que Dobzhansky dispunha o dados, na sua essência confirmados durante os últimos 45 anos, para formular seu diagnóstico que coincide com os demais cientistas citados e o da Encíclica Verde. Concluindo seu livro “La Herencia e la Naturaleza del Hombre , (1969, p. 177), deixou sua opinião conclusiva sobre a questão. A evolução do homem pressupõe os fundamentos biológicos da natureza humana e fornece a bases operacional que permitiram que as manifestações culturais se tornem possíveis.


Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 1 -

O Contexto

Conceitos como ecologia, clima, aquecimento global, degradação ambiental, poluição, etc., etc., fazem parte dos discursos de intelectuais, políticos, administradores, educadores, religiosos, ambientalistas, ecologistas de todas as matizes e interesses. Fazem parte também das conversas das pessoas comuns. Pensando bem não há nada de inusitado nessa preocupação. Trata-se afinal de contas de uma problemática que afeta a todos indistintamente pois, nada mais verdadeiro do que a sentença: “A natureza existe e subsiste sem o homem, mas o homem não existe nem subsiste sem a natureza”. Essa realidade obriga a refletir sobre o comprometimento com o que está acontecendo com a “casa comum” em que habita a humanidade, lhe condiciona a existência e lhe garante a subsistência. O sucesso ou a ruina da humanidade depende da preservação “dessa sua casa”, da proteção da paisagem natural com seus animais, plantas, solos, mananciais de água e atmosfera não poluída. Numa situação extrema, um colapso ambiental implicaria inevitavelmente no colapso da espécie humana.

A grande maioria dos preservacionistas, ecologistas, integrantes de “Ongs” ou outras formas de organização, focam suas preocupações na macro fauna e macro flora. Interessa o que cai em vista a qualquer observador, o que rende dividendos econômicos e políticos imediatos e desperta admiração e comoção no grande público. Acontece que os danos à natureza mais destruidores e não raro irreversíveis passam despercebidos a muitíssimos defensores do meio ambiente. Uma área desmatada  novamente entregue aos próprios potenciais de recuperação, recompõe-se em questão de algumas décadas na sua forma e composição próxima ao original. As espécies de animais e plantas nativas, se não tiveram sido extintas, voltam dos refúgios em que se abrigaram para repovoar o antigo cenário e com ele recriando um ecossistema em muito semelhante ao que fora danificado.

Os exemplos podem ser  encontrados, por ex., em toda a encosta da serra, de Torres a Santa Maria. Há 50 ou 60 anos passados suas encostas haviam sido desmatadas, excetuando a coroa dos morros totalmente impraticáveis pela  agricultura familiar. Hoje, em toda essa região a floresta secundária com uma composição, em grandes linhas igual à original virgem, cobre as encostas e desce até os arroios nas parte mais plana. Com elas voltou a grande maioria das aves silvestres: inhambus, aracuãs, tucanos, papagaios, pombas além das espécies de menor tamanho. Dos mamíferos carnívoros  e herbívoros, por enquanto pelo menos, não se perceberam vestígios de onças, pumas, antas e outras de porte maior.

A ação invasiva sobre o meio ambiente assume proporções de catástrofe quando a micro e nano fauna for afetada ao ponto de por em risco o equilíbrio que mantém em funcionamento esse micro universo e a sua relação funcional com a macro flora e fauna. Essa é uma questão que não costuma ser aprofundada em seminários, congressos, simpósios  e similares nos quais se discutem os problemas relacionados com o meio ambiente e são propostas iniciativas, ações e estratégias de maior alcance. As razões são óbvias. Obrigatoriamente deveriam entrar nos debates o uso de agrotóxicos, herbicidas e inseticidas, produtos químicos para combater pragas agrícolas e outros similares. Os lobies  da indústria química e da indústria responsável pela emissão de gás carbônico, entram em campo e com argumentos como produção, produtividade, criação de empregos e outros do gênero, contaminam os arrazoados objetivos, com motivações de natureza econômica e ou social que se refletem nas decisões técnicas e geralmente as frustram.

Pensando bem é preciso contar com esse pressuposto para tomar qualquer decisão nessa área. Para se formar uma ideia da importância desse micro e nano universo que age na biosfera conferindo-lhe equilíbrio e a própria possibilidade de continuar existindo, vão aí alguns dados fornecidos pelo entomólogo e especialista em ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson. No capítulo quarto do seu livro “A Criação – como salvar a vida na terra”  detalha esse universo de seres vivos aparentemente “sem importância”. “esses bichinhos” como são tratados pelo leigo em zoologia. As plantas verdes bem com as incontáveis legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa vida. (A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua explicando que pela sua diversidade genética esse micro mundo permite dividir funções e papéis em ecossistemas  num grau altíssimo de resolução; que são tão numerosas algumas espécies que estão presentes em todo metro quadrado de terra; que suas funções são calibradas de tal maneira que, se uma espécie for eliminada, uma outra está à espera para tomar o seu lugar e sua função; que espécies de todo tipo de “mato” ou “bichinhos” governam a natureza exatamente como nos convém; que no decorrer da pré-história a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres vivos e da garantia  da estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo”. (cf. A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua suas considerações focando nos insetos, sua especialidade, os argumentos para defender a vida no planeta. Em 2006 as espécies de insetos classificadas somavam em torno de 900.000. Estima-se que  o total de espécies situe-se em torno dos 10 milhões.  A  biomassa total dos insetos existentes neste momento, é incalculável pois, falamos em 1 milhão de trilhão. O peso, por ex., da biomassa das formigas, totalizando 10 mil trilhões, equivale a de 6,5 bilhões de seres humanos. Esses números, embora ainda provisórios e subestimados, indicam que os insetos ocupam em volume o topo da escala animal. Os Copípodos, minúsculos crustáceos marinhos rivalizam com os insetos em termos de biomassa. Bem no ápice encontram-se os vermes nematoides. Formam populações imensas e somam milhões de espécies, responsáveis por quatro quintos de todos os animais. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação. 2008, p. 41-42)

O nosso cientista dirige sua atenção para ressaltar a importância dos insetos na manutenção do equilíbrio ambiental e na própria sobrevivência  do homem que depende dos ecossistemas. “As pessoas precisam dos insetos para sobreviver, mas os insetos não precisam de nós”. (A Criação, 2008, p. 42).

Se a humanidade desaparecesse, provavelmente nenhuma espécie de insetos deixaria de existir por essa razão. Na eventualidade da extinção da espécie humana, num lapso de tempo relativamente curto, a natureza com seus ecossistemas voltaria ao estado de equilíbrio de 10.000 anos passados. Mas se os insetos desaparecessem a harmonia e o equilíbrio da natureza com seus ecossistemas, entraria em colapso como num efeito dominó, numa rapidez assustadora. Wilson apresenta os acontecimentos em sequência de cascata que seguiram após a extinção dos insetos.

1. A maioria das plantas com flores, os angiospermas,  param de se reproduzir.
2. Entre elas, a maioria das espécies herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e a árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos e em casos raros alguns séculos.
3. A grande maioria das aves e outros vertebrados terrestres, privados de sua alimentação especializada de folhas frutas e insetos, segue as plantas  e cai na extinção.
4. Desprovido de insetos, o solo não é revolvido, o que acelera o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
5. Populações de fungos e bactérias explodem e prosseguem no auge durante alguns anos. enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai-se acumulando.
6 Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
7. A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos  polinizados pelo vento e de pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos seus níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, os sofrimentos, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
8. Apegando-se à sobrevivência em um mundo devastado, aprisionado em uma verdadeira Idade das Trevas do  ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (A Criação, 2008, p. 43-44)

Evidentemente a extinção de todos os insetos e suas consequências é um cenário com probabilidades muito remotas de se concretizar. Acontece, entretanto, que o uso exagerado e indiscriminado de inseticidas já provocou as preocupações de cientistas da envergadura de Edward Wilson. O abuso no recurso aos herbicidas, além de eliminar indiscriminadamente plantas e insetos afeta seriamente a micro e nano fauna, organismos vivos dos quais depende  o equilíbrio edafológico e em casos extremos torna os solos estéreis, improdutivos e de difícil recuperação.

O alerta vale também para as ações invasivas do homem nos ecossistemas naturais. Sua substituição por ecossistemas humanizados, implica necessariamente no extermínio  de  muitas espécies de animais representantes de todos os níveis taxonômicos. Algumas espécies de mamíferos, aves e répteis conseguem migrar e retornam mais tarde quando os ecossistemas naturais se recompõem. Os estragos da degradação fazem-se sentir também sobre o clima, alteração da umidade do ar, circulação das correntes da atmosfera, diminuição ou desaparecimento de fontes, córregos, riachos, arroios e rios.

Acontece que dificilmente se encontram ecossistemas sem a presença do homem ou por ele ainda não visitados. Na sua grande maioria a invasão e a interferência já foi de tal ordem que se chegou aos limites do tolerável, se é que já não foram ultrapassados. Essa situação deve servir de alerta e convidar para um reflexão séria, profunda e responsável sobre o que está acontecendo com “a nossa mãe e pátria”.

Em primeiro lugar o alerta tem como endereço os governantes a quem por ofício cabe zelar pelo bem comum. Lembra também àqueles que de alguma forma se empenham pela preservação da saúde do planeta, para que não caiam na armadilha de interesses mais ou menos nobres; que façam da sua cruzada o cumprimento de uma missão em benefício do bem comum, a terra com seus recursos que permitem à humanidade  viver e  progredir; que o esforço e a dedicação em favor da saúde da “querência” da espécie humana se alimente da convicção de que se trata de um bem a que todos tem direito, independentemente  de raça, cor, posição social, riqueza ou pobreza; que, como consequência  os mova o dever de solidariedade; que esse compromisso de solidariedade tem como fundamento o postulado ético que decorre do fato de a natureza ser um bem comum que deve ser usufruído com parcimônia  e num clima de fraternidade universal.

Antes ainda de começar a refletir sobre a “Encíclica Laudato se”, que  daqui para frente  chamaremos carinhosamente de “Encíclica Verde” do papa Francisco, e para melhor contextualizá-la, permitimo-nos resumir o pensamento ecológico de mais alguns cientistas de renome. Segundo o Pe. Balduino Rambo, jesuíta como o papa Fancisco, a unidade, o sentido, a origem e o destino do universo e da natureza, encontra a explicação última fora e além das conclusões que  a ciência sugere. Para ele, botânico respeitado pela comunidade científica  internacional, o universo e a natureza são, na sua origem, obra de um ato criador divino. A evolução resume-se na realização das potencialidades com que esse ato municiou a matéria, o  “estofo” do universo, lá no começo. Sendo assim, em todas as  manifestações a natureza, especialmente nos seres vivos, o observador isento de preconceitos percebe o eco desse  ato criador primordial.  Em outras palavras, as criaturas, cada uma à sua maneira, revelam o dedo do Criador e as pessoas sensíveis ao sobrenatural intuem a Sua presença em  cada uma delas. Rambo, descansando à beira dos precipícios do Canyon do Fortaleza em Cambará, refletindo sobre  presença do divino naquela paisagem única, registrou no seu diário não de cientista mas de místico amante do belo como expressão suprema da perfeição da natureza.

São únicas  as pinturas da natureza na bela terra de Deus, como as da garganta da Pedra Branca. Poderia chamar-se o quadro de precipícios perpendiculares, de névoas efervescentes e trovoadas uivantes, de mata silente e escolhos altos, cheios de clarividência pétrea, de pintura imperfeita mas bem mais do que isso. É uma construção gigantesca de força e simplicidade que nunca para de rolar para frente. Alguém mora nessas profundezas que sussurram, Alguém vigia nessa torre solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa, brinca com o raio e o trovão nos lugares solitários. (Diário, 9 de fevereiro de 1948)

Por essa razão a natureza é o livro dos livros da Revelação; por essa razão também é uma dádiva com que o Criador presenteou o homem e a ele se revelou e continua revelando; ainda, por essa razão é um bem comum; e também por essa razão  o seu uso e fruto e a exploração de seus recursos implica em compromisso e responsabilidade ética.

Outro cientista, Teilhard de Chardin, jesuíta como o papa Francisco, sem falar abertamente em Criação como Rambo, leva nessas direção a concepção da natureza que apresenta. Tudo no universo tem o seu começo, seu ponto de partida, no “Alfa”. Diversifica-se e complexifica-se ao extremo para depois convergir para o mesmo ponto de encontro, o “Ômega”. É  legítima a leitura de que o “Alfa” identifica-se com o ator criador responsável pelo “estofo” do universo contendo a ilimitada potencialidade de desdobrar-se, de diversificar-se, complexificar-se, enfim de municiar a evolução com o potencial necessário para “criar” o mundo e a natureza com tudo que nela existe e vive, surge e  desaparece; que as leis da evolução alimentam-se nesse acontecimento inicial e assim dão sentido à diversificação e  complexifcação. Balizada pela teleologia que confere sentido  a tudo que acontece na natureza, a dinâmica vai ao encontro do ponto de chegada, por sua vez, a razão última de tudo quanto existe, o “ômega”. É legítimo concluir, como o próprio Teilhard dá a entender no fim da sua obra clássica, “O Fenômeno Humano”, que o “Alfa” é uma metáfora para significar o Deus Criador que põe tudo em andamento e o “Ômega” a metáfora que significa o retorno da obra ao seu ponto de partida, isto é, ao mesmo Criador.


Conclusões - 4

A Educação Ambiental

Apesar de toda a capacidade de destruição de que o homem é capaz com as tecnologias de que dispõe hoje, subsistem ecossistemas que, apesar de já terem sido percorridos pelo homem não deixaram de conservar a natureza de “áreas naturais intactas”. Quando se toma como base para definir essas áreas o critério especificado pela “Conservação Internacional”, uma área com esse perfil deve cobrir no mínimo 10.000 quilômetros quadrados e 70% da cobertura vegetal original. Nesse critério cabem as grandes florestas tropicais da América do Sul, da bacia do Congo e em parte da Nova Guiné. Somam-se às florestas tropicais o cinturão de florestas subárticas, a taiga composta basicamente de coníferas que cobrem ainda grandes extensões do norte dos Estados Unidos, Canadá e Alasca, Finlândia, Suécia e Noruega, centro norte da Rússia e Sibéria. No critério da “Conservação Internacional” cabem também os grandes desertos com suas peculiaridades, as regiões polares, o alto-mar além do leito profundos dos oceanos. O mesmo já não se pode afirmar da foz e delta dos rios, das baías, de modo especial se utilizadas como portos e destino dos dejetos de centros urbanos. A essas áreas naturais de 10.000 ou mais quilômetros quadrados somam-se centenas de áreas menores na forma de parques naturais e reservas. A lei que criou essas áreas protegidas nos Estados Unidos determina que que sirvam “para o uso e desfrute do povo americano, de tal maneia que sejam deixados em bom estado para o futuro uso e desfrute”. No Brasil dispomos também  um respeitável número  de parques nacionais e reservas de proteção à natureza. O Parque Nacional do Iguassú, o Parque Nacional dos Aparados da Serra, o Parque Nacional do Itatiaia, a reserva do Guarita, só para citar alguns. Não é aqui o lugar para desenhar um mapa mais preciso dos parques e reservas de proteção ambienta. Interessa, isso sim, o significado e a importância da sua multiplicação num momento da história em que a agressão a consequente deterioração do meio ambiente avança, em muitas partes do mundo, sem o controle necessário.

Os parques e reservas de proteção à natureza, porém, só então tem condições de cumprir a sua missão como instrumentos de preservação, quando de fato forem cenários em que o homem é visitante. Não se fixa  neles mas mantem uma relação de mero visitante para apreciar o que “a mãe terra não degradada pelo homem”  oferece  para o apreço dos sentidos, para alimentar as emoções intuir o belo na sua forma original. Além disso os parques e as reservas desempenham um papel pedagógico excepcional. São escolas ao ar livre onde as crianças, jovens e adultos, caminhando sem compromisso com a ordem disciplinar e ou a burocrática, entram diretamente em contato com o mundo que num passado não tão remoto, foi o cenário em que a grande maioria dos povos passava a vida. Uma caminhada solitária ou em boa companhia pela tranquilidade de um parque, vendo, ouvindo, apalpando, farejando, sentindo, intuindo, mesmo as pessoas que passam a maior parte da vida na artificialidade das metrópole e megalópoles sentem-se em casa. A relação existencial que as vincula à natureza original  não violada pela civilização, pode ter sido perdida no quotidiano em meio à muralhas de concreto, em escritórios ascéticos, respirando poluição e o odor do asfalto, mas não esquecida. Num  parque, numa reserva ou numa simples caminhada num parque urbano essa relação atávica se faz sentir. Por essa razão é tão importante que às crianças se proporcione  contato seguido e livre com a “mãe terra”, que foi o cenário e a escola  de vida dos  seus coleguinhas do Paleolítico, do Neolítico, em toda história e ainda hoje nos lugares privilegiados onde o sol ainda nasce entre árvores e se percebe o odor da terra molhada depois de uma chuva. A esse respeito Edward Wllson ensina.

A ascensão à Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos  -  tudo isso  está presente em seu cerne ais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas  em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilsnon, 2006, p. 158).

Wilson deixou uma série de sugestões para que o aprendizado em contato direto com a  natureza produza os melhores resultados, seja o mais rico possível. Já que a mente da criança, o interesse pelo mundo natural que a cerca, se manifesta desde muito cedo, a educação ambiental deve começar igualmente em cedo pois, a criança está pronta para mergulhar existencialmente basta abrir-lhe as portas e mostrar-lhe o caminho. Sem forçar, apenas orientando o professor ou o guia apontem os lugares onde há surpresas a descobrir. É preciso que a criança individualmente ou em pequenos grupos explore o ambiente, entre em contato íntimo com as descobertas que vai fazendo por sua própria conta. Havendo oportunidade um binóculo, uma lupa, uma bússola tornam a aventura ainda mais emocionante e educativa. Os resultados serão surpreendentemente abundantes e duradouros.

Com adaptações à idade a educação para a natureza deveria continuar num crescendo harmônico pela adolescência afora a fora, o que não significa que todos optem por um futuro de naturalista. O tipo de aprendizado, porém, pelo que passaram será útil em qualquer profissão pois, identificar as coisas, classificá-las, ordená-las, colocá-las no seu devido lugar, são procedimentos úteis em qualquer profissão e atividade. Engenheiros, médicos, advogados, historiadores, e outros mais, valendo-se do  treinamento e da disciplina assimilados nos incursões na natureza, levarão vantagem sobre aqueles que nunca pisaram num parque, numa reserva, ou simplesmente conviveram com a natureza em qualquer outra circunstância. E, se não tiver servido para outra coisa são inspiradoras para que profissionais de todo tipo de especialidade direcionem as suas horas de lazer para objetos da natureza, observando pássaros, animais silvestres, árvores, explorando cavernas, escalando montanhas, ou simplesmente caminhando pelo campo deliciando-se com o ar puro, observando as flores silvestres, bebendo água dos arroios de montanha, meditando na penumbra da floresta, ou admirando os monumentos naturais. Wilsnon conclui o capítulo sobre a educação para a natureza.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender.  Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de obter mais conhecimentos. E ao dominar esse  novo e belo mundo que está à espera de cada criança, surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer por toda a vida para os mais, benefício para toda a humanidade. (A criação, 2006, p. 166)

Bibliografia

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------------------------  Em busca da Grande Síntese. Editora Unisinos, São Leopoldo, 1994.
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