Capítulo oitavo
A Campanha contra o Paraguai
O arresto do vapor
brasileiro Marques de Olinda por parte do governo do Paraguai, terminou em guerra entre os dois países. Pela História
são conhecidos os enormes esforços que o ambicioso ditador Carlos Solano Lopes
fez, para colocar em campo um numeroso exército. Não obstante a aliança de três
países: Uruguai, Argentina e o gigantesco Brasil para atacar o pequeno inimigo,
a guerra prolongou-se por cinco anos. Custou um incrível número de vidas
humanas - calcula-se que teriam sido muito mais do que 100.000 - para,
finalmente, conquistar-se a vitória. Lopes mantinha sua frota de guerra na
melhor das condições e, além disto, construíra um bom número de fortalezas
inexpugnáveis. E, além do mais, era muito difícil aproximar-se do inimigo. As
características do país ofereciam as melhores condições imagináveis para uma
guerra defensiva, protegido pelos descampados, pelos rios e os inúmeros
pântanos, como que formando um cinturão de fortalezas. Se Solano não tivesse
sido morto num assalto em primeiro de março de 1870, a Guerra provavelmente
ter-se-ia prolongado e causado ainda
mais miséria ao Brasil. Devido a importância desta campanha para o Brasil,
queremos descrevê-la um pouco em seus detalhes.
O motivo da guerra
foi o fato de o ditador do Paraguai se ter imiscuído indevidamente na guerra do
Brasil com Uruguai. Sem declaração de guerra Lopes invadiu com suas tropas,
simultaneamente, o território brasileiro e o argentino. O resultado foi a
celebração em maio de 1865, de uma tríplice aliança entre o Brasil, a Argentina
e a República Oriental, governada pelo general Flores. Primeiro os paraguaios
foram expulsos do território brasileiro, das cidades de São Borja, Itaqui e
Uruguaiana, menos de uma faixa do Mato Grosso. Depois, durante o ano de 1866 o
cenário da guerra foi transferido para o Paraguai, com a travessia do Uruguai e
o Paraná no Passo da Pátria. No começo o comando supremo das forças de combate
aliadas coube ao general Mitre, presidente da Argentina. Mais tarde o comando
passou para as mãos do fervoroso Duque de Caxias e por fim nas do Conde D´Eu.
Sua condução incansável levou ao fim da guerra. Os contingentes brasileiros
foram comandados pelos generais Osório e Polidoro.
No ano de 1865
travou-se a gloriosa batalha do Riachuelo, cuja memória é festejada anualmente
pelo Brasil no dia 11 de junho. Praticamente todo o ano de 1867 transcorreu sem
maiores feitos de armas, porque a cólera paralisou todas as operações. Somente
em 19 de fevereiro de 1868, os brasileiros lograram forçar a passagem por
Humaitá, uma fortaleza no rio Paraná e, finalmente, tomar este bastião chave,
no avanço sobre a capital. No ano seguinte as tropas brasileiras entraram de
fato em Assunción. No dia primeiro de março de 1870 o ditador do Paraguai
tombava sob os golpes de lança das tropas do general Câmara, o futuro visconde de Pelotas. É
curioso registrar que neste episódio colaboraram três personalidades, que mais
tarde se posicionariam como adversários: o então general Visconde de Pelotas, o
tenente-general Joca Tavares e o Major
Floriano Peixoto.
As conseqüências
para o Brasil resumiram-se numa enorme perda de homens, tão necessários ao país
e a ruína total das finanças. Acontece que nos quatro primeiros anos a dívida
estatal aumentou em 60 a 100 por cento e foi preciso criar sempre mais impostos
novos, a fim de levar a guerra adiante. Com o desfecho feliz da guerra o Brasil
lucrou muito pouco em reconhecimento e prestígio externo.
O professor de
Göttingen Wappäus expressou-se da seguinte forma sobre a guerra, no seu livro:
"Manual de Geografia e Estatística do Império do Brasil": "O
livre trânsito nos rios foi apenas um
pretexto para uma verdadeira guerra de conquista. Desde então a experiência
mostrou que a famosa e patriótica Tríplice Aliança de primeiro de maio de 1865,
baseava-se em pressupostos falsos, supondo-se que os motivos e intenções
constantes nos documentos, tivessem sido de fato sinceros. Após uma luta
de fato heróica de quatro anos,
até agora sem precedente na América, o Paraguai sucumbiu a enorme superioridade
em tropas e, de modo especial, em material bélico, que o Brasil estava em
condições de adquirir, enquanto o Paraguai totalmente isolado, só podia contar
com o que o país podia oferecer. No mínimo a metade da população masculina do Paraguai
foi sacrificada." No interior do Brasil evidentemente não se tinha nenhuma
noção de semelhante estado de coisas, no momento em que a belicosa juventude
das colônias alemãs, foi conclamada a se engajar numa guerra nacional. A
imprensa e as autoridades falavam da
guerra como uma questão de honra e defesa da honra nacional. Por isso não nos
admiremos, de que em parte os alemães das cidades jogarem-se com entusiasmo na
guerra, como o demonstra a história da bateria alemã. Na maioria das colônias,
é verdade, a coisa foi recebida com bastante frieza e foi preciso lançar mão da
pressão e outros meios discutíveis. Comissões de recrutamento passavam pelas
colônias para localizar jovens alemães. Foi-lhes dito que seriam destinados à
defesa e somente voluntários cruzariam as fronteiras do País. Mas, como costuma
acontecer em tais situações, as autoridades subalternas não costumam observar a
palavra ao pé da letra.
Não poucos imaginavam-se que se repetiria o que
acontecera na luta contra Rosas. As tropas auxiliares alemãs só avançaram até
Caçapava de onde foram mandados para casa incólumes, depois de executarem por
algumas semanas os serviços do acampamento e comerem não poucos churrascos.
Desta vez a guerra não foi brincadeira mas algo muito sério, tanto assim que
dos mobilizados, no máximo a metade voltou para casa.
Bom Jardim
contribuiu com um contingente para a campanha. Da Picada Café entre outros
tomou parte da guerra Johann Sebastiani de 18 anos, que perdeu a vida longe da
terra natal. A mesma sorte tiveram os filhos de Johann Stein e Jacob Jung,
ambos de nome Johann. Schneidersthal e Bohnenthal registraram perdas iguais. O número de mortos e
mobilizados de Bom Jardim foi maior, no mínimo oito homens. Na sangrenta
batalha de Curupaiti Morreu Mattes Dilli, cujo irmão Hannes sucumbiu mais tarde
de cólera. Entre os que se salvaram e voltaram para casa conta-se Jacob Dilli,
que chegou a sargento. Mais tarde ele, em companhia de Heinrich Schneider,
cantou a guerra do Paraguai em versos bem humorados e, a seu tempo publicados
no "Deutsches Volksblatt". Creio que prestaremos um bom serviço para
os nossos leitores, publicando em anexo toda essa produção poética em estilo
humorístico e, assim, salvá-la do esquecimento. Da boca do informante ficamos
sabendo de outras vivências, para as quais reservamos um espaço modesto. A
partir desses breves quadros será possível avaliar melhor essas variadas
experiências, do que por longas descrições. O primeiro quadro mostra o vapor de
uma companhia, servindo de hospital militar, ancorado no rio. Era uma
embarcação enorme que abrigava algumas centenas de brasileiros feridos ou
doentes. Aconteceu que, certo dia, não se sabe como, irrompeu fogo no navio.
Espalhou-se com tamanha rapidez que, em questão de minutos, as chamas envolveram
toda a embarcação. No momento encontravam-se no convés apenas o comandante e um
único marinheiro. Mal tiveram tempo para salvar-se pulando na água. Não deu
tempo para levar nada dos seus pertences. O capitão segurava uma bengalinha na
mão, único objeto que levou nadando até a margem. Das pessoas sob o convés
ninguém conseguiu fugir. Deve ter sido um espetáculo assustador, levado ao
máximo pelos gemidos e gritos que se elevavam do navio. Todo o mundo reuniu-se
na margem e botes foram descidos de outros navios para correr em socorro dos
infelizes. Mas todos os esforços foram inúteis e os gritos de desespero dos
ameaçados pelo fogo e, em parte, já atingidos, avolumaram-se como uma
avalanche. Como qualquer possibilidade
de salvamento estava excluída e, para abrevia o sofrimento dos
infelizes, dois disparos de canhão de 12 libras destroçaram o navio. Só quando
o navio se fez em pedaços e afundou, silenciaram os pavorosos gritos.
Numa outra ocasião
um hospital de campanha, melhor um hospital de acampamento paraguaio, ofereceu
aos brasileiros que entraram nele no seu
avanço, um espetáculo não menos desolador. Deve ter-se assemelhado a um
verdadeiro inferno. Deitados no chão estavam os paraguaios, os vivos ao lado
dos mortos e cadáveres em decomposição, a maioria nua e mutilada. Especialmente
chocante e digno de compaixão era o espetáculo dos muitos soldados, mal saídos
da idade de meninos, que tão cedo encontraram o desfecho (54) de suas vidas
cheias de esperança.
Um outro espetáculo
vem de um campo de batalha. Em volta de um forte, os cadáveres expostos durante
dias, enchiam as sepulturas. E no pântano apareciam nas mais diversas posições
os corpos dos mortos e feridos. A muito alemão valente sangrou o coração de tristeza,
experimentando desta maneira pela primeira vez os horrores da guerra, fazendo com que de vez perdesse a
vontade de participar dela.
Mas olhemos para
cenas menos assustadoras. Nosso sargento recebera ordens de fazer chegar
canhões e munição na outra margem, com o auxílio de dois escaléres. as tropas
receberam ordem para atravessar o rio a vau, bastante raso naquele local.
Tiveram que se despir, amarrar roupas e arma numa trouxa, colocá-la sobre a cabeça e, pela diagonal, levá-las até
a outra margem, num travessia de 45 minutos. Para a tropa não foi muito
difícil, mas os senhores oficiais não sentiam prazer algum. Quando o sargento
apareceu com suas duas canoas, pareceu-lhes o socorro em carne e osso para
tirá-los do aperto. Falaram-lhe que lhes cedesse as canoas por algum tempo.
Deram ordens, ameaçaram e, por fim, imploraram. Mas o valente sargento ficou
irredutível. Argumentou que tinha ordens determinantes de fazer chegar
imediatamente canhões e munições dos
quais se tinha urgente necessidade na outra margem e acrescentou que não tinha
nenhuma vontade de se fazer culpado de desobediência. Assim não restou outra
saída para os oficiais do que seguir o exemplo dos seus camaradas e se submeter
ao desagradável banho.
É notório o tamanho
do trabalho que não poucos fortes paraguaios exigiam dos brasileiros, devido às
suas extensas proteções externas que davam muito trabalho. Mesmo os generais
mais valentes viam-se numa situação a tal ponto desesperadora que, ao cabo de
muita luta, foram forçados a ordenar a retirada das tropas de assalto. Chegou
finalmente um balão fixo procedente da América do Norte. Foi alçado e assim,
finalmente, foi possível ter-se do alto uma visão clara sobre as linhas de
defesa e, de acordo com ela, organizar o ataque. Graças a este reconhecimento
aéreo, o seguinte assalto foi bem sucedido. Foi, ao que se presume, a primeira
vez que se utilizou na América do Sul um balão para fins militares. Com que
sensação supersticiosa os paraguaios terão olhado para o gavião gigante lá no alto,
fora do alcance das suas balas, metendo-se com tamanho atrevimento nas suas
cartas.
Dois episódios de
caráter hilariante fecham as vivências do nosso sargento. O primeiro refere-se
a um almoço festivo no acampamento, havido em homenagem a alguma autoridade
maior ou em comemoração a algum acontecimento importante. O informante não se
lembra do motivo verdadeiro. Mas recorda-se bem de que ele não participou do
almoço como convidado, mas como servente e como chefe de serviços. Com ares de
importante o comandante do batalhão passou-lhe as instruções necessárias para os preparativos. acabavam de
chegar novos suprimentos para o exército, não só o indispensável pão e farinha, mas também guloseimas, que
aliás costumavam aparecer somente na mesa dos distintos. Latas de conservas,
guloseimas doces, vinho e até champagne em abundância. O sargento, homem de
confiança do comandante, desempenhou tão bem a sua função, que este o teve em
ainda maior consideração do que antes. Ao encontrá-lo certa vez quando ele
próprio limpava a sua roupa, o comandante o interpelou: "O que é isto
sargento, por acaso o senhor não dispõe de homens para executar este
serviço?" Ao responder que os homens já tinham muito que fazer, o chefe
retrucou: "O que, se algum dos soldados se negar a fazer o trabalho para o
senhor, manda-o comigo, eu o farei escovar para que não se esqueça para o resto
da vida." É óbvio que o sargento continuou lavando a roupa como o fizera
até então. Não estava disposto a sobrecarregar ainda mais os camaradas, mas
dar-lhes um exemplo de fraternidade. (55) O motivo por termos mencionado este
fato, foi para mostrar o bom conceito que o sargento gozava junto ao
comandante, um bom conceito que conquistara rapidamente com o empenho em
servir, com sua aplicação e com a sua maneira de ser.
De todos os
acontecimentos no acampamento nenhum deixou uma recordação mais alegre em Jacob
Dilli, do que a festa da vitória depois da morte de Lopes. "Festa da
vitória" não é propriamente o
termo. Foi, antes de mais nada, uma retreta, um concerto improvisado, no qual
participaram todos os músicos, na medida em que foi possível reuni-los na
pressa. Logo que se espalhou a notícia
que o ditador havia tombado, o quartel general providenciou a requisição de
todos os músicos, especialmente trombeteiros e tamboreiros, para anunciar o
acontecimento ao acampamento inteiro. E que alegre soprar nas trombetas e bater de tambores! Centenas
deles se esforçaram para, por meio dos instrumentos, dar vazão da maneira mais
vibrante, a sua alegria e sentimentos de
vencedores. Apenas no momento em que acabou a primeira onda de embriagues, de
empolgação e de júbilo, seguiram as usuais salvas de canhão que, com o seu
trovejar deveriam anunciar o fim da guerra. Ainda é digno de nota descrição do retorno da terra inimiga, a
recepção festiva das tropas na cidade de Rio Grande, contado pelo nosso
informante do tempo da campanha.
O contingente
riograndense voltou à sua Província, via Montividéo. Na cidade portuário de Rio
Grande fora preparada uma recepção festiva. Na chegada ao porto foram recebidos
no trapiche por moças vestidas de branco, enfeitadas com fitas azuis e
vermelhas acompanhadas de música. Os
batalhões vitoriosos, porém, maltrapilhos, marcharam pelas ruas, por debaixo de
arcos de triunfo, até o centro da cidade, onde se perfilaram numa grande praça.
Em todo o trajeto o povo os ovacionava, jogando flores, um bombardeio que
agradou aos soldados mais do que a chuva de balas no Paraguai.
Depois de descansarem um pouco e, depois de bem servidos com queijo, pão
e vinho, pelos alemães de Rio Grande, o Pe. Lopes, especialmente vindo de Porto
Alegre, rezou uma missa campal em ação de graças, como era usual na época. À
tarde houve procissão solene, da qual participou toda a população, também as
tropas recém-chegadas. Como alusão às fortalezas conquistadas no Paraguai, fora
construída numa praça uma réplica com traves e tábuas. Seguiram-se a tarde
inteira jogos, cantos e manifestações de
júbilo. À noite as tropas foram levadas aos quartéis e aí aconteceu um banquete
festivo em regra. Comeu-se o que e o quanto apeteceu e bebeu-se de tudo o que
vinha à boca. Na falta de copos recorreu-se a garrafas com a parte cima cortada
ou quebrada. No dia seguinte houve uma
complementação com salvas de canhão e foguetes. Seguiu-se a ordem de embarcar
para Porto Alegre. Os nobres guerreiros e vencedores pensaram: Se tivemos um
tratamento tão distinto em Rio Grande, o que não nos espera em Porto Alegre. O
povo se acotovelará em nossa volta e nos
cobrirá com balaios de flores, latas de goiaba em calda, cigarros e mil
outras coisas boas. Acontece que as esperanças exageradas dos que voltavam para
casa, foram uma ilusão. Quem desejar saber mais detalhes de como as coisas se passaram sóbrias em
Porto Alegre, leia as poesias sobre a guerra do Paraguai de Jacob Dilli nos anexos.
Muito interessante (56) é também
a história que Nicolau Rech nos conta do seu irmão Johann. Os recrutadores
andavam em busca de rapazes da Picada 48 e, sem serem percebidos,
aproximaram-se do moinho de Jorge
Reinheimer, onde supunham estarem escondidos os 13 rapazes. Enganaram-se feio.
Encontravam-se aí de fato 11 rapazes
(oito filhos de Reinheimer e três do Reichert), ocupados com o ensacamento
de farinha, isto é, carregando a farinha pronta até o sótão. Estavam no momento
no sótão e apenas dois em baixo no moinho, onde trabalhavam também três moças.
Ouviu-se então: "Os recrutadores estão chegando!" Os de cima
mantiveram-se em absoluto silêncio. Os dois rapazes em baixo se mandaram. Um
desceu pela roda da água. E as valentes moças não ficaram de braços cruzados.
Quando os recrutadores entraram cada uma agarrou a arma mais à mão. Uma pegou a
grande concha com a qual se tira a farinha da torradeira. Desencadeou-se
então uma batalha na qual os
recrutadores foram forçados à retirada, saltando pela janela e Loureiro, o chefe, terminou dentro da
torradeira. Plantado na porta da casa, o velho Reinheimer montava guarda,
armado com um rabo-de-tatu, revoltado com a invasão noturna da sua propriedade.
Estava disposto a fazer uso dos direitos de dono da casa e separar a
cabeça do tronco ao primeiro que ousasse entrar. "Entrem se
quiserem", gritou em tom de deboche. Eles, porém, não fizeram uso do convite.
No dia seguinte Loureiro mandou que Reinheimer se apresentasse e o povo já achava que ele seria enforcado.
Mas o cônsul prussiano Ter Brüggen
chamou a coisa a si. Durante a intermediação soube que os recrutadores
agiam durante a noite. Tratava-se de uma violação da lei e Reinheimer foi posto
em liberdade embora ninguém pudesse evitar a surra que levou na ocasião. Da
casa de Reinheimer os recrutadores foram até a casa de Nicolau Rech. Cercaram a
casa. De fato encontraram nela Johann
Rech de 17 anos e Friedrich Rauber. De susto os rapazes perderam a cabeça, mas
tanto mais coragem demonstraram as moças. Rapidamente decidiram pelos rapazes e
os ajudaram a saltar pela janela. Mas o Hannes e companheiros foram agarrados
perto da cerca. Neste meio tempo Nicolaus Rech, sem saber de nada, esperava na
sua janela da casa por Ely Peter e Mathes e Math. Marx, que vinham do Vigia. O
relógio bateu oito horas da noite e Nicolaus
pôs-se em pé e disse: "Deve ter acontecido alguma coisa porque
ainda não chegaram." (Ely Peter, na condição de inspetor, estava a procura
de um preto de nome Mariano.) "Se tivesse um cavalo iria ao encontro
deles." Não acabara de falar quando apareceu uma das suas irmãs e gritou:
"Niclolaus, Nicolaus, pegaram o Hannes." Nicolaus precipitou-se porta
afora em direção à casa dos pais. E o que viu? O Hannes manietado diante da
porta e viu também como o Loureiro deu um soco no peito da sua mãe,
derrubando-a na lama. O Nicolaus foi tomado de uma raiva incontrolável. Havia
um monte de lenha na beira do caminho. Precipitou-se até ele e tentou agarrar
uma vara. Não o conseguiu. Os recrutadores ao o perceberem pularam nos cavalos e seguiram pela estrada
parra Bom Jardim. O Hannes que levaram com eles berrava como um terneiro quando
apartado da vaca. A mãe chorando seguiu os 40 homens que, sem dar-lhe atenção pararam no
Bauermann. Nicolaus atalhou pelo potreiro para ver a direção que os
recrutadores tomariam. Depois de tomar café
saíram para continuar o recrutamento. Antes disto já haviam passado ao
largo da casa de Adams, embora lá se encontrassem dois rapazes. Deixaram o
Hannes na casa do Bauermann. O Nicolaus não os seguiu mas ruminava um único
pensamento: Informar-se onde se encontrava o seu Hannes e libertá-lo, mesmo que
lhe custasse a vida. Entrou na sala da frente que estava vazia. Na segunda sala
encontrou o seu Hannes sentado numa cama de campanha e, num lado, um brasileiro
e um alemão no outro. Sentou-se perto do Hannes. Em atenção às súplicas da mãe
e os gritos dele próprio - as mãos estava pretas como graxa de sapato - as
amarras foram afrouxadas um pouco. (57) Cochichou-lhe ao ouvido: "Hannes
quando te pisar nos do pé, trata de correr!" Durante algum tempo todos se
mantiveram quietos. O alemão, um bem conhecido, saiu deixando a porta aberta. Depois
de mais ou menos um minuto o Nicolaus pisou nos dedos do pé do Hannes como
combinado. Este se pôs rapidamente em pé e, veloz como um veado e silencioso
como uma sombra, deslizou porta afora. Sentado aí o brasileiro parecia não
perceber nada. Mas o Nicolaus estava preparado. No momento em que o brasileiro
se mexesse, fecharia a porta com o pé, agarraria a tranca de madeira e o
tornaria inofensivo. Este não se mexeu.
Passados mais dois minutos o Nicolaus também saiu. Topou com o Hannes, duro
como um cepo e firme como um muro. "Hannes", interpelou-o, "o
que fazes parado aí ?" Deu um empurrão no Hannes e 15 braças mais adiante
cortou as amarras, um magnífico "maneado", que ainda hoje lhe dá
pena, valendo de seis a sete mil réis. Entraram no mato, subiram até em cima do
morro e o Hannes ficou lá. O Nicolaus buscou algumas roupas em casa, além de
roupa de cama e deixou-se ficar na casa do
irmão. Na primeira vez que voltou para casa, pensou: "Se alguém
vier para me buscar, este pode considerar-se um homem morto!" O fato é que
guardava muitas armas em casa para os treinos. Mas ninguém atravessou-lhe o
caminho. Na manhã seguinte apareceu o Loureiro para pegá-lo e, depois dele,
vários capangas, que de tempos em tempos andavam à procura do Hannes. As outras
pessoas alertaram o Nicolaus dizendo-lhe que o Loureiro tinha a intenção
de mandá-lo para um navio de guerra.
Estas ameaças causaram pouco medo ao nosso Nicolaus. Estava livre e contratara
um substituto por 1.800 mil réis. Além disto estava firmemente decidido a
defender a própria pele. "Quem forçar a entrada na minha casa,
morre", era o seu lema. Mas sua mãe e a mulher não paravam de se lamentar
e insistiam que se escondesse por três semanas no mato. Mais tarde, passando
pela Linha Nova, foi até o Vigia, onde moravam um irmão e um cunhado.
Sustentaram a ele a ao Hannes enquanto
eram fugitivos. Neste meio tempo o pai de Nicolaus Rech viajou para Porto
Alegre, onde, por 600 mil réis, apresentou um substituto para o Hannes. O
próprio inspetor encarregado de olhar duas vezes ao dia pelos fugitivos, lhes
deu o conselho: "Enfie-se num bom esconderijo, para que não o vejamos
quando nos aproximamos."
Foi certamente um conselho bem intencionado da parte do nosso
funcionário, mas Nicolaus Rech não tinha plena confiança nele. Preferiu gastar
mais algumas onças de ouro, para garantir-se em todas as eventualidades, o que
finalmente resolveu a situação.
Os depoimentos acima demonstram que o entusiasmo pela Guerra do Paraguai
em geral não era dos maiores nas colônias alemãs. O que menos agradava era a
maneira como os obrigados e os não obrigados ao serviço militar eram
recrutados. Os colonos conformavam-se quando não conseguiam esquivar-se. E não
faltaram também aqueles que se apresentaram como voluntários.
São de Pedro Fritsch das 48 Colônias os seguintes detalhes. Participara
como voluntário e servira durante cinco anos na cavalaria. Participou de 23
ataques em companhia de outros
companheiros de armas, como o tenente Riess, o velho tabelião de São
Leopoldo e Franz Herzog de Porto Alegre. Um destacamento saiu do Pesqueiro no
Rio dos Sinos, via Capela de Sant´Ana, até Porto Alegre. Viajaram de navio a
Rio Grande, Montevidéu e de lá até Salto. Depois subiram a cavalo até o Rio
Paraná, onde participaram na travessia do Passo da Pátria, sob o comando do
general Borio. Encontrou Jacob Dilli em Povinho, Sto Tomé, na província de
Corrientes. Em sua companhia regressaram felizmente Jacob Mombach, Alfons Petry, Frederico
Rodrigues Ferreira. Outros de seus companheiros ficaram, entre eles Peter e
Mathias Marmit. Da sua parte não soubemos detalhes da guerra. De alguma
importância é apenas aquilo que nos contou sobre o tratamento dado aos
prisioneiros paraguaios. É notório que os paraguaios não raro maltratavam os prisioneiros brasileiros,
os mutilavam e, não poucas vezes, os matavam.
Tal coisa não podia acontecer entre nós. Logo que um inimigo depunha as
armas, não lhe podia acontecer mais nada. Se alguém tivesse ferido ou
simplesmente batido num indefeso, seu
destino era a frente e uma bala a recompensa.
Digno de nota é o que conta a respeito da cachaça como remédio contra a
cólera. Com ela a doença não se manifestava e quem tivesse cachaça à mão não
morria. Outros veteranos afirmam por sua vez, que a casca de laranja era um bom
remédio contra a epidemia. Nós da nossa parte damos preferência a cachaça.
Fritsch partiu do Paraguai com seu contingente no dia 18 de março e chegou em
Porto Alegre no dia 24 de setembro.