O conhecimento condensado

O conhecimento construído tendo como ponto de partida a intuição, que o Pe. Rambo chamou de “condensado, perpassa a linguagem humana como uma melodia concomitante”. “É a nota dominante  no concerto musical  do espírito dinâmico do homem”. Coloca-se a essa altura a questão de como esse conhecimento, chamado também de “conhecimento popular”, pode ser observado, identificado e acompanhado no quotidiano dos indivíduos e das comunidades. Para quem tem olhos para ver  e ouvidos para escutar, apresentam-se muitas  modalidades que permitem perceber o “som subliminar” que acompanha  como melodia de fundo a linguagem. Um simples diálogo entre dois camponeses, por ex., sobre valores de família, de honestidade em negócios, de lealdade comunitária, de solidariedade, de compromisso mútuo, de posicionamento relativo ao significado de gênero, revela um conhecimento consolidado pela tradição camponesa. O mesmo vale para inúmeras outras situações de manifestações da cultura popular: contos, novelas, romances, teatros, músicas, artes plásticas ... Não por nada a “história do quotidiano” é valorizada hoje como uma fonte de informação aceita em qualquer centro de pesquisa para legitimar trabalhos acadêmicos, tanto dissertações de mestrado quanto teses de doutorado, artigos de revistas de circulação internacional ou livros de grande aceitação pelo público especializado. O conhecimento popular, portanto, está sendo tratado como fonte fidedigna para fazer ciência em História, em Sociologia, em Filosofia e em outros campos específicos do saber.


Mas há uma modalidade que perpetua por excelência o “conhecimento condensado”: os Provérbios. Tanto as grandes culturas e civilizações do ocidente, quanto do oriente, da América pré-colombiana e as dezenas de milhares de culturas menores espalhadas pelos cinco continentes, consagraram o seu repertório de provérbios. Famosos tornaram-se os provérbios chineses, japoneses, romanos, gregos, só para destacar alguns. Nenhuma tradição cTirol). “O homem conhece tão pouco suas fraquezas, quanto o boi sua força” (chinês); -  “Nem em cem anos o homem chega à perfeição, para corromper-se basta um dia” (chinês); -  “O homem ama seus próprios defeitos” (Cachimira); - “Os olhos enxergam tudo, menos a si mesmo” (Sérvia); - “O homem comporta-se como lobo para com os demais homens” (Roma); - “Despreza a tua própria vida e serás senhor da vida dos outros” (Tibet); - “Quem perde a vergonha perante os homens, perde o temor perante Deus” (Sérvia); - “Uma mula esfrega-se na outra” (Roma); - “É mais fácil tomar partido do que ficar fiel ao partido”. (Galês); - “Há muitos que não temem a Deus, ao bastão sim” (Sérvia); - É mais fácil ameaçar do que matar” (Itália); - “A alegria tem um corpo pequeno” (Nigéria); - “Deus perdoa ao ignorante” (Mauritânia); - “Os instruídos loucos são os melhores” (Suécia); - “Evita a quem nada sabe  e não sabe que não sabe – Ensina a quem não sabe e sabe que não sabe – Instrui a quem sabe e não sabe que sabe; Segue a quem sabe que sabe” (Índia); - “Saber pouco é perigoso” (chinês); - “Deus perdoa ao ignorante” (Mauritânia); - “Com o juízo alheio não irás longe” (Lituânia); - A sabedoria não está nos anos, mas na cabeça” (Armênia); - “Deixa o ignorante agir, ele próprio se arruína” (Pérsia); - “Quem nada sabe, duvida de nada” (França); - “É fácil opinar quando se está na praia, quando ocorre um naufrágio no mar” (Lapônia); - “Cuidado com loucos e tesouras” (Japão); - “As preocupações são como um tesouro que se confia”  apenas aos amigos (Madagascar); - “Há quarenta formas de loucura, mas só uma de juízo sadio” (Bantu); - “Saber é poder” ( Inglaterra); - “O ignorante sempre se revela quando fica tempo demais” (Sânscrito); - “O que não se entende, admira-se” (Índia); - “Uma coisa é ocultar, outra é calar” (Roma); - “A barba não faz o filósofo” (Roma”); - “Um gago entende o outro” (Roma); - “Bem viveu quem soube viver na obscuridade” (Roma): -  Menos músculos, mais cérebro.

A intuição #2

A intuição teve em Jean Jacques Rousseau a sua reabilitação como forma legítima de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que subjazem às mais diversas culturas. Com sua autoridade incontestável o grande filósofo da modernidade, deixou claro de que o homem busca a matéria prima do conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas depende da natureza de cada uma delas, do entorno cultural em que é recebida e da maneira única pela qual é percebida e  elaborada pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em apresentar idéias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa maneira de conceber a gênese do conhecimento. E o valor prático, inovador e revolucionário encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida individual e coletiva do homem: a Educação.

A importância em começar a educação das crianças incentivando-as a entrar em contato com o maior número possível de estímulos vindos das mais diversas realidades que se encontram no seu entorno ambiental, tem, no presente, em Edward Wilson um dos seus propositores  e  entusiastas de maior peso.  Com o nome consagrado entre as maiores autoridades em entomologia, é óbvio que suas sugestões sobre a educação de crianças tivessem como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por muitos desprezado e rejeitado, conceito de “História Natural” que para Wilson confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na pesquisa científica. Em outra parte já tivemos ocasião de destacar que para ele a “Natureza é um fato objetivo” e, portanto, tem uma “História”, uma “História Natural” também “objetiva”. Não se trata apenas de uma cosmovisão construída a partir dos dados oferecidos por um momento determinado das pesquisas científicas. No capítulo 15 do seu livro “A Criação”, Wilson demorou-se em esboçar toda uma proposta pedagógica, em primeiro lugar destinada para a educação da criança a partir da natureza e numa imersão existencial progressiva nesse universo de surpresas sem conta, que vem a ser “mãe e a pátria” do homem conforme observou Balduino Rambo na “Fisionomia do rio Grande do Sul”. Mas voltemos a Edward Wilson. Apresenta sua proposta pedagógica com as palavras.

A ascensão na Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia  seja introduzida logos nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilson. Edward. 2006. p. 158)

Wilson demora-se um pouco para chamar a atenção de que as raízes remotas  do conhecimento devem ser procuradas entre os caçadores e coletores do paleolítico. Munidos com ferramentas as mais simples e rudimentares que se possam imaginar, a sobrevivência acontecia numa dependência total das condições ambientais. Valendo-se dos cinco sentidos como janelas, como pontes de contato e relação com o meio ambiental, foi obtendo as informações necessárias para a sobrevivência. Orientado pelos instintos instrumentalizados  pela intuição e os resultados postos à disposição da inteligência reflexa, o homem foi colocando os fundamentos do conhecimento. A partir daí, somando observação à observação, experiência à experiência, intuição à intuição, explicação a explicação, resposta a resposta, consolidaram-se numa velocidade geométrica os corpos de conhecimento entre os grupos humanos que, ao mesmo tempo, dispersavam-se pelas mais diversas regiões disponíveis. Não se pode esquecer que em paralelo e em estreita interdependência e mútua emulação com o instinto, a intuição e a reflexão, aconteceu a descoberta, a diversificação e aperfeiçoamento de instrumentos. Do primeiro instrumento de fato identificado como tal, o rudimentar, tosco e pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu uma sofisticada indústria e tecnologia de lascamento de sílex, granito, basalto  e vidro vulcânico. Do primitivo instrumento multifuncional, porém, pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu, durante dezenas e centenas de milhares  de anos, um arsenal de ferramentas e instrumentos líticos especializados: instrumentos para cortar, cavar, desbastar, arremessar, para a defesa, tirar a pele de animais, separar a carne dos ossos. Entre esse arsenal de pedra lascada merece destaque a infinita variedade de pontas de flecha, facas e punhais de vidro vulcânico de proporções fora de comum, cujo acabamento exigiu técnicas refinadas de lascamento. Explica-se que entre os vestígios materiais que acompanharam o homem durante todo o paleolítico, predominem os artefatos de pedra. Pela sua própria natureza são muito mais duráveis e resistentes à  ação do tempo do que qualquer outra matéria prima. Pelo fácil manuseio, disponibilidade em qualquer lugar, a versatilidade para usos e utilidades múltiplas, para muitas das quais a pedra, o sílex ou a obsidiana simplesmente não entravam em questão, a opção óbvia seria a madeira, o osso e o chifre. Muito mais perecíveis do que o sílex ou o vidro vulcânico, aparecem só bem mais tarde.

A sobrevivência e o sucesso histórico do homem do paleolítico, portanto, até menos de 30.000 anos, dependia inteiramente dos seus instintos, sua intuição e sua inteligência reflexa, instrumentados por um complexo, variado e multifuncional aparato de tecnologias, tornadas práticas em matérias primas imediatamente disponíveis. Por todos os séculos, milênios, centenas de milênios e, provavelmente, milhões de anos, em que o paleolítico prolongou-se, a humanidade vivia na mais completa simbiose com a natureza, na forma e modalidade própria de cada região geográfica. O grande salto veio por volta dos quinze a vinte mil anos atrás. Darci Ribeiro chamou-o de “Revolução dos Alimentos” que tem na agricultura e na domesticação e criação de animais seu fator dinâmico mais determinante. Mas não é só nessas duas conquistas. Ela vêm reforçada por outras  que foram de uma importância difícil de ser dimensionada. Entre elas destacam-se o uso universal do fogo, a descoberta e a utilidade de metais “in natura”, como o cobre e o estanho, o ouro e a prata. A amálgama do cobre e do estanho foi uma descobertas, sem dúvida mais importantes do período da Revolução dos Alimentos. O homem não só aperfeiçoou matérias primas disponíveis no seu entorno, como deu início a tecnologias que combinam as qualidades de matérias primas diversas obtendo ferramentas, utensílios e armas cada vez mais sofisticados, diversificados, especializados e  eficientes. Entre as tecnologias  que acompanharam, implementaram e aperfeiçoaram a Revolução Agropastoril soma-se a fundição de ferro, técnicas de irrigação, seleção e aprimoramento de plantas úteis, seleção e aprimoramento das raças de animais domesticados, o aproveitamento da energia eólica e hidráulica. Não é aqui a ocasião de detalharmos o potencial de progresso e de perspectivas  de desenvolvimento que essa sucessão de conquistas proporcionaram ao homem do neolítico e, considerando bem, continuam sendo os fundamentos das civilizações também do começo do terceiro milênio.

No contexto da reflexão que estamos fazendo sobre a construção do conhecimento, a intenção foi chamar a atenção para a superação das muitas amarras que prendiam o homem às condições do seu entorno geográfico. Se de um lado significou a conquista de superar condicionamentos inibidores do progresso do homem, de outro representou um afastamento sempre maior do contato com a natureza e seus estímulos telúricos. A distância alcançou um nível tal nos grandes centros urbanos que os homens vivem num mundo fabricado artificialmente ao ponto de o lar, o berço original foi esquecido quase por completo. Mas, conforme observa Edward Wilson,

Mesmo assim, os instintos ancestrais  continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte, nos mitos e na religião, nos parques e nos jardins, nos esportes da caça e da pesca, tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais tempo  nos jardins zoológicos do que em eventos esportivos profissionais, e ainda mais tempo em áreas protegidas dos parques nacionais, cada vez mais abarrotados de visitantes. A recreação  nas florestas nacionais e reservas naturais – isto é, nas partes que permanecem intactas – gera uma renda de mais de vinte bilhões de dólares anuais ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da Natureza virgem. Um símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em um ambiente pastoral ou natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não esquecido. (Edward Wilson. 2006. p. 159)

Quem expressou da forma mais completa o fato de a natureza constituir-se na fonte, no manancial que irriga os sentidos e, a partir das impressões sensoriais, estimula a intuição e a reflexão, fornece os dados para fundamentar a ciência, a filosofia, a teologia e termina na Arte, em suas expressões mais sublimes., foi o Pe. Rambo.

A natureza de certo age sobre todos os sentidos a modo de arte musical, pictórica e espacial,  a saber, a água em todas as suas formas de mar-oceano, de rio, de lago, de fonte, nuvens e gelo; a terra firme em todas as suas configurações de ilha, montanha, planície e a vegetação em todas as suas modificações de selva ou mata, de relva, estepe e pântano. Dessas partes componentes, estruturam-se em muitas combinações as paisagens predominantes, mas elas também se repetem no pequeno e no mínimo. Pode falar-se, outrossim, de direções ou correntes artísticas e de estilo da Natureza, ligadas elas ao tempo. Significativamente, elas valem tanto mais quanto mais próximo se acha o meio de representação. (Aparados da Serra – na trilha do P. Rambo. 2007. p. 19)

Mesmo nos ambientes urbanos onde a artificialização e o conseqüente distanciamento do mundo natural alcançou um ponto extremo, persiste uma espécie de nostalgia atávica, uma consciência coletiva nem tão adormecida, dos tempos em que o homem do paleolítico andava de pés descalços, pelas florestas, savanas, montanhas e planícies. Reencontrar-se com esse passado remoto e contudo tão presente, é um desejo, para não dizer instinto, que se faz valer também no homem que nasceu numa selva de arranha-céus e respira de dia e de noite o odor do asfalto. Creio que não é temerário  afirmar que é exatamente nessa atmosfera de artificialidade, que se faz notar com crescente  vigor a nostalgia da volta ao paraíso perdido, pelo menos para  usufruir pequenos intervalos de paz. Encontramos aqui, salvo melhor explicação, a resposta ou as respostas para uma série de fenômenos e movimentos que se tornaram evidentes depois da Segunda Grande Guerra e que  acompanham o fenômeno da urbanização e se tornam cada vez mais comuns, na medida em que o homem do campo se transfere para os espaços das grandes cidades, metrópoles e áreas metropolitanas. O primeiro deles acontece a nível macro sob rótulos como salvemos o planeta terra, salvemos a biodiversidade, salvemos as florestas tropicais, salvemos as paisagens naturais, previnamos o aquecimento global, além de muitos outros rótulos. Na sua essência todos são manifestações comuns da natureza, ou se preferirmos, do “instinto” do homem que percebe que o chão em que estão fincadas suas raízes existenciais, está a perigo. Os alertas a respeito já se fazem ouvir, cá lá, desde a segunda metade do século XIX. Cientistas, geógrafos, historiadores, filósofos, moralistas e teólogos ocuparam-se e ocupam-se cada vez mais com o  assunto. A questão manteve-se, entretanto, a nível mais teórico e dela ocupavam-se  intelectuais, cientistas e pensadores confinados em suas academias. A “questão ecológica”, como já afirmamos mais acima, baixou, entretanto,  ao nível dos interesses e preocupações das instituições responsáveis por traçar políticas públicas, cuidar da saúde pública, da condução da economia, do disciplinamento do uso do espaço, tanto rural quanto urbano, da educação e de uma jurisprudência em condições de criar parâmetros legais para coibir os abusos em relação ao aproveitamento dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, estimular iniciativas que apresentem propostas para a preservação do que ainda existe de natureza original, prevenir danos futuros e  recuperar o já danificado. Ações patrocinadas por organismos governamentais como o Ministério do Meio Ambiente, secretarias estaduais ou municipais  do Meio Ambiente, etc., ou se promovidas por ONGS e similares, ou ainda por empresas de natureza diversa ou indivíduos. Relevando os interesses menos “ecológicos” que acompanham, viciam ou até movem não poucas dessas iniciativas, no fundo, no fundo, são movidas por uma preocupação, sob todos os aspectos, louvável, para não dizer impositiva. Evitar que ao homem dessa e das futuras gerações não falte o mínimo de chão no qual captar matéria prima indispensável para realizar o “humano” da sua natureza, assim como o fizeram sem preocupação, os nossos ancestrais durante centenas de milhares de anos. Não é aqui o momento de nos alongarmos demais sobre essa questão. Mas vale acrescentar ainda que o homem “é filho desta terra, que lhe fornece o pão de cada dia e lhe fornece os símbolos da sua vida espiritual, como escreveu o Pe.  Rambo. (Rambo. 1942. p. 337). E vale acrescentar que basta percorrer a história do homem enquanto dispomos de  provas objetivas, e para além e para trás, valendo-nos da  lógica que comanda os processos históricos, que a arte, o imaginário, as crenças, as religiões, as mitologias, as próprias organizações espaciais, tem no entorno natural o seu grande inspirador e modelador. O receio, para não dizer pavor instintivo do homem vivendo em ambiente urbano cada vez mais distante dessa “mãe e pátria”, prive-o da paisagem que o inspirou e iluminou na sua trajetória.

No varejo a mesma nostalgia motiva os estressados seres humanos, triturados pela zoeira e dos congestionamentos das metrópoles, a buscar algumas horas ou momentos de paz , na penumbra silenciosa, porém, eloqüente das árvores, povoadas de pássaros executando sons, músicas e sinfonias que, desde as brumas do tempo, vem embalando os sonhos, os momentos tristes e as horas de alegria, dos nossos antepassados de vinte, cinqüenta, cem e mais mil anos passados. É na tentativa de saborear pelo menos por algumas horas o prazer de reencontra-se com o cenário que tornou possível a caminhada do homem através dos tempos, que o homem esmagado pelo demiurgo da metrópole, procura em fins de semana um sitio, acampa aos pés de uma cascata, de mochila nas costas percorre trilhas na florestas, ou fica horas e mais horas escutando a marulhar da água de um arroio de montanha, respirando o ar leve do planalto, contemplando as araucárias várias vezes seculares, ou fica a imaginar-se o alguém quem mora nos abismos ou faz-se de eterna sentinela nos mirantes sobre os penhascos.

A partir das constatações acima Edward Wilson sugere (propõe) que a familiarização da criança, desde o mais cedo possível, comece a ser estimulada a observar o seu entorno natural até as suas últimas minúcias. Para ele os fundamentos para a construção de um conhecimento sólido deve começar o mais cedo possível. E o primeiro passo consiste em despertar e estimular o interesse pelo mundo natural, que todo o ser humano, pela sua própria natureza, carrega consigo desde que veio mundo.

A mente da criança se abre muito cedo para a natureza viva. Se for estimula ,ela se desdobra em estágios que vão fortalecendo seus laços com as formas de vida não humanas. O cérebro é programada para o que os psicólogos chamam de “aprendizado programado”: nós nos lembramos facilmente de algumas experiências. Em contraste, somos preparados para evitar e aprender outras experiências, ou então aprendê-las e depois evitá-las. Por exemplo, flores e borboletas sim; aranhas e cobras, não. Edward Wilson. 2006. p. 161)

O autor chama também a atenção de que o despertar das habilidades cognitivas na criança a partir da observação da natureza, consolida  categorias mentais que encontram aplicação prática em outros departamentos da sociedade humana. A habilidade de classificar categorias naturais como plantas, animais, rochas, sedimentos, fontes, e mais ainda aprender a reconhecer por ex., as árvores de um bosque, os pássaros que vivem nele, os insetos que polinizam as flores, etc., organizam a mente e disciplinam seu uso também em outras atividades. Mesmo que se possa afirmar que toda a criança é um naturalista pela sua própria natureza, um número insignificante irá dedicar-se a algum campo das Ciências Naturais como profissional. Acontece, porém, que o treinamento e a disciplina mental adquirido na infância e na adolescência, facilitam-lhe na futura profissão por ex., a dar importância a uma boa organização entre os diversos produtos que saem de uma indústria ou são postos à venda numa loja. Concluindo acrescenta: “É possível que o talento para reconhecer padrões recorrentes que identificamos nos artistas, poetas, cientistas sociais  cientistas naturais, seja construído sobre as habilidades fundamentais de percepções que encontramos na inteligência naturalista”. (E. Wilson. 2006. p. 160)

Quem, como nenhum outro,  percebeu o alcance do conhecimento intuitivo como instrumento pedagógico foi Pestalozzi,  conterrâneo e contemporâneo de Rousseau. Ele fez da intuição, ou se preferirmos da percepção sensorial, a razão de ser, a base da sua filosofia educacional e do seu método didático-pedagógico. A aplicação prática dos pressupostos pedagógicos de Pestalozzi veio a ser adotada na condição de método oficial para as escolas da Prússia. Desde meados do século XVIII os reis da Prússia foram investindo na educação das novas gerações. Entendiam que somente dessa maneira seria possível formar em grande número pessoas úteis ao Estado e à comunidade nacional, como cidadãos conscientes e comprometidos, como funcionários eficientes e como soldados leais. Um século mais tarde todas as crianças entre os  seis e os quinze anos eram obrigadas a freqüentar a escola. O resultado não deixa dúvidas. Em 1870 a porcentagem de analfabetos entre os meninos de mais de dez anos não passava dos dez por cento e das meninas de quinze por cento. Em não poucos lugares não passava dos cinco por cento. Somada à política oficial de por meio de dispositivos legais implantar a obrigatoriedade do ensino entre os seis e os quinze anos, foi de importância fundamental na estrutura educacional. Os povoados mais insignificantes contavam com um escola primária e cada cidade um pouco mais importante oferecia um ginásio. O interesse pela educação fazia parte das preocupações, desde os mais altos funcionários, empresários, comerciantes, profissionais liberais, donas de casa e o povo em geral. Investiam tempo e dinheiro em parceria com o governo no esforço de erradicar a ignorância do povo e aprimorar cada vez mais a filosofia  e os métodos da educação.

E o esforço concentrou-se exatamente no ponto mais sensível, isto é, no pressuposto teórico e metodológico do sistema escolar que pode ser definido como “prussiano-pestalozziano”.  Fundamentou-se na doutrina de Rousseau de que a educação é um processo; que esse processo deve fluir livremente da natureza da criança que é boa por natureza; que  cada uma é peculiar quanto à sua individualidade. Libânio (1991, p. 61) destacou como idéias mais importantes de Rousseau:

1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem  às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo estudo. Os verdadeiros professores são a natureza,  experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais.

2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural de se desenvolverem. (Libâneo, J.   C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991)


Não é aqui o lugar para detalhar a proposta pedagógica e o método didático de Pestalozzi, mas chamar a atenção para a importância do conhecimento construído a partir dos dados, ou, se preferirmos, da matéria prima que é oferecida pela via sensorial-intuitiva. Entre as perspectivas pelas quais  seu  significado pode ser apreciado, destacamos.

 Percebe-se um paralelismo sintomático, uma analogia que faz pensar, entre a construção do conhecimento de uma criança e o conhecimento elaborado pela humanidade nos assim chamada fase “pré-científica e pré-racionalista”, ou se preferirmos, antes de entrar em ação método sintético dedutivo e o analítico indutivo. Os sentidos captam as informações  que são processadas e elaboradas intuitivamente. Os significados que lhes são atribuídos, o papel que lhes cabe cumprir no quotidiano das comunidades humanas e dos indivíduos, são determinados pela tradição cultural e pelas ideosincrasias individuais. Propomos como exemplo a astrologia. A impressão que os astros e a coreografia celeste deixam no homem que contempla o firmamento noturno sem nuvens,  representam  animais, personagens imaginários, eventos misteriosos, presságios, infortúnios e muito mais do que o espetáculo é capaz de despertar na imaginação. Nesse processo de aprendizagem e de elaboração intuitiva e sensorial das informações captadas pelos sentidos, adquirem forma os muitos corpos  de conhecimento construídos durante séculos e milênios. Corresponde à fase, diria, infantil, na qual tanto a criança quanto a humanidade, atribuem personalidade, significado, simbologia ao mundo que entra pela janela dos sentidos. É nessa fase que se consolidam os elementos qualitativos das culturas expressos nas  crenças, nas religiões, nos costumes, nos hábitos, nos valores sociais, éticos e morais. Enfim é nessa fase que acontece a educação e a formação da personalidade do ser humano. E é nessa fase também que se consolidam as linhas mestras das tradições culturais. E a analogia entre a fase “infantil”, a fase do aprendizado e da colocação dos fundamentos da personalidade pela percepção sensorial e a intuição na educação, tanto de uma criança, quanto os fundamentos das culturas, um elemento determinante merece atenção. Assim como a forma e, principalmente, a consistência do conteúdo assimilado pela criança determinam como o “Leitmotiv”, o norte para o resto da vida, assim também as conquistas dos povos na sua fase “infantil”, continuam repercutindo, de alguma forma, até hoje. Voltamos a chamar a atenção ao Horóscopo que continua, mais do que nunca, gozar de público e popularidade. O conhecimento adquirido via sensorial-intuitiva perpassa a história individual e a história coletiva como um “som subliminar e a ressonância que desperta”, como diria o Pe. Rambo, faz com que o resultado seja uma sinfonia harmônica ou uma cacofonia desafinada. Foi essa, sem dúvida, a razão de ser porque a educação infantil e fundamental, principalmente, tinham em vista o desabrochar das potencialidades inatas na criança, pondo-a  por meio dos sentidos em contato com o mundo em que vive. A proposta educacional e curricular, ditada pelo fato de a criança “ser boa por natureza” e ser levada pela “tendência natural de desenvolver-se”, foi, por isso, concebida como facilitadora para despertar e desenvolver as qualidades e  potenciais inatos. O resultado prático da educação resulta num cidadão útil à comunidade e num cidadão consciente das suas obrigações e direitos em relação ao Estado. Ao educador,  mestre ou professor cabe a tarefa de tornar o aprendizado o mais espontâneo e o mais amplo e completo possível. Os resultados dessa filosofia e prática educacional concebida e popularizada pela Prússia, foram tão espetaculares que foram sendo copiados e implantados em outros paises, também fora da Europa. Forneceu. Por ex.,  a base teórico-metodológica da proposta pedagógica executada nas escolas comunitárias teuto-brasileiras no sul do Brasil até 1940. As linhas mestras do chamado “construtivismo”, com perfil fortemente ideológico, têm sua  inspiração em Pestalozzi, Commenius e outros,


Uma vez consolidado o conhecimento haurido pela via sensorial-intuitiva e, paralelamente, definidos os traços fundamentais da personalidade, a criança, o adolescente estava em condições de avançar na construção do conhecimento, recorrendo a “dedução e a indução”. Seguia então a fase em que o educando apropriava-se dos instrumentos indispensáveis para movimentar-se com sucesso nos campos das Ciências Naturais, das Ciências do Espírito, das Ciências Humanas e das Artes e Letras. O currículo punha-o em contato com a matemática, a física, a química, a história natural, a geografia, as línguas clássicas e modernas,  as artes, a filosofia. Só depois de ter-se familiarizado com esse vasto mundo de conhecimentos de cunho geral e com os respectivos métodos e ferramentas, oferecidos nos famosos “gymnasia”, o jovem partia para a especialização e ou profissionalização: Direito, medicina, engenharia, filosofia, línguas, literatura, biologia, botânica, zoologia, história, geografia, ... em escolas técnicas, politécnicas e universidades convencionais. As crianças, candidatas a futuras produtoras de conhecimento, encontravam escolas e mestres que se valiam do potencial inato  como ponto de partida para a educação. Desenvolvê-lo ao máximo despertando e aperfeiçoando ao máximo possível a percepção sensorial aliada à intuição, resumia a tarefa das escolas elementares e dos seus mestres. Superada essa etapa  o esforço concentrava-se no aparelhamento do adolescente e do jovem com as ferramentas indispensáveis para enfrentar uma futura especialização acadêmica ou profissional, oferecidas por uma formação a nível genérico nos “gymnasia”. Nas duas fases iniciais a que nos acabamos de referir, a preocupação com a futura profissão dos alunos não entra como fator, a não ser muito, marginal e secundário, na proposta e  execução do currículo. O que decide é o fato de que o egresso dos “gymnasia” esteja em condições de movimentar-se com desenvoltura na sociedade em que deverá atuar; tenha consolidado uma personalidade que se rege por princípios e valores pessoais, sociais e éticos sólidos e coerentes; e que, por isso mesmo seja um membro útil à sua comunidade e um cidadão comprometido com o Estado, leal  nas mais diversas eventualidades. A formação especializada só depois de vencidas as duas etapas anteriores. Engenheiros, médicos, advogados e juristas, políticos, economistas, religiosos, pesquisadores especializados nas mais diversas áreas do conhecimento, acadêmicos, filósofos, teólogos, todos compartilham da base comum que lhes moldou a personalidade e as bases do conhecimento. Esse fato faz com que um médico esteja em condições de dialogar com um historiador, um filósofo ou um artista; um filósofo ou teólogo tenha condições de entender-se com um geneticista ou um físico; de um jurista ou economista analisar com proveito questões que importam em administração com sociólogos, antropólogos, médicos, ...; os docentes e pesquisadores das universidades se darem conta de que a qualidade dos seus esforços têm tudo a ver com a troca dos resultados e, principalmente, com uma sincera e efetiva cooperação e colaboração interdisciplinar.

A intuição #1

A intuição teve em Jean Jacques Rousseau a sua reabilitação como forma legítima de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que subjazem às mais diversas culturas. Com sua autoridade incontestável o grande filósofo da modernidade, deixou claro de que o homem busca a matéria prima do conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas depende da natureza de cada uma delas, do entorno cultural em que é recebida e da maneira única pela qual é percebida e  elaborada pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em apresentar idéias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa maneira de conceber a gênese do conhecimento. E o valor prático, inovador e revolucionário encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida individual e coletiva do homem: a Educação.

A importância em começar a educação das crianças incentivando-as a entrar em contato com o maior número possível de estímulos vindos das mais diversas realidades que se encontram no seu entorno ambiental, tem, no presente, em Edward Wilson um dos seus propositores  e  entusiastas de maior peso.  Com o nome consagrado entre as maiores autoridades em entomologia, é óbvio que suas sugestões sobre a educação de crianças tivessem como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por muitos desprezado e rejeitado, conceito de “História Natural” que para Wilson confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na pesquisa científica. Em outra parte já tivemos ocasião de destacar que para ele a “Natureza é um fato objetivo” e, portanto, tem uma “História”, uma “História Natural” também “objetiva”. Não se trata apenas de uma cosmovisão construída a partir dos dados oferecidos por um momento determinado das pesquisas científicas. No capítulo 15 do seu livro “A Criação”, Wilson demorou-se em esboçar toda uma proposta pedagógica, em primeiro lugar destinada para a educação da criança a partir da natureza e numa imersão existencial progressiva nesse universo de surpresas sem conta, que vem a ser “mãe e a pátria” do homem conforme observou Balduino Rambo na “Fisionomia do rio Grande do Sul”. Mas voltemos a Edward Wilson. Apresenta sua proposta pedagógica com as palavras.

A ascensão na Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia  seja introduzida logos nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilson. Edward. 2006. p. 158)

Wilson demora-se um pouco para chamar a atenção de que as raízes remotas  do conhecimento devem ser procuradas entre os caçadores e coletores do paleolítico. Munidos com ferramentas as mais simples e rudimentares que se possam imaginar, a sobrevivência acontecia numa dependência total das condições ambientais. Valendo-se dos cinco sentidos como janelas, como pontes de contato e relação com o meio ambiental, foi obtendo as informações necessárias para a sobrevivência. Orientado pelos instintos instrumentalizados  pela intuição e os resultados postos à disposição da inteligência reflexa, o homem foi colocando os fundamentos do conhecimento. A partir daí, somando observação à observação, experiência à experiência, intuição à intuição, explicação a explicação, resposta a resposta, consolidaram-se numa velocidade geométrica os corpos de conhecimento entre os grupos humanos que, ao mesmo tempo, dispersavam-se pelas mais diversas regiões disponíveis. Não se pode esquecer que em paralelo e em estreita interdependência e mútua emulação com o instinto, a intuição e a reflexão, aconteceu a descoberta, a diversificação e aperfeiçoamento de instrumentos. Do primeiro instrumento de fato identificado como tal, o rudimentar, tosco e pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu uma sofisticada indústria e tecnologia de lascamento de sílex, granito, basalto  e vidro vulcânico. Do primitivo instrumento multifuncional, porém, pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu, durante dezenas e centenas de milhares  de anos, um arsenal de ferramentas e instrumentos líticos especializados: instrumentos para cortar, cavar, desbastar, arremessar, para a defesa, tirar a pele de animais, separar a carne dos ossos. Entre esse arsenal de pedra lascada merece destaque a infinita variedade de pontas de flecha, facas e punhais de vidro vulcânico de proporções fora de comum, cujo acabamento exigiu técnicas refinadas de lascamento. Explica-se que entre os vestígios materiais que acompanharam o homem durante todo o paleolítico, predominem os artefatos de pedra. Pela sua própria natureza são muito mais duráveis e resistentes à  ação do tempo do que qualquer outra matéria prima. Pelo fácil manuseio, disponibilidade em qualquer lugar, a versatilidade para usos e utilidades múltiplas, para muitas das quais a pedra, o sílex ou a obsidiana simplesmente não entravam em questão, a opção óbvia seria a madeira, o osso e o chifre. Muito mais perecíveis do que o sílex ou o vidro vulcânico, aparecem só bem mais tarde.

A sobrevivência e o sucesso histórico do homem do paleolítico, portanto, até menos de 30.000 anos, dependia inteiramente dos seus instintos, sua intuição e sua inteligência reflexa, instrumentados por um complexo, variado e multifuncional aparato de tecnologias, tornadas práticas em matérias primas imediatamente disponíveis. Por todos os séculos, milênios, centenas de milênios e, provavelmente, milhões de anos, em que o paleolítico prolongou-se, a humanidade vivia na mais completa simbiose com a natureza, na forma e modalidade própria de cada região geográfica. O grande salto veio por volta dos quinze a vinte mil anos atrás. Darci Ribeiro chamou-o de “Revolução dos Alimentos” que tem na agricultura e na domesticação e criação de animais seu fator dinâmico mais determinante. Mas não é só nessas duas conquistas. Ela vêm reforçada por outras  que foram de uma importância difícil de ser dimensionada. Entre elas destacam-se o uso universal do fogo, a descoberta e a utilidade de metais “in natura”, como o cobre e o estanho, o ouro e a prata. A amálgama do cobre e do estanho foi uma descobertas, sem dúvida mais importantes do período da Revolução dos Alimentos. O homem não só aperfeiçoou matérias primas disponíveis no seu entorno, como deu início a tecnologias que combinam as qualidades de matérias primas diversas obtendo ferramentas, utensílios e armas cada vez mais sofisticados, diversificados, especializados e  eficientes. Entre as tecnologias  que acompanharam, implementaram e aperfeiçoaram a Revolução Agropastoril soma-se a fundição de ferro, técnicas de irrigação, seleção e aprimoramento de plantas úteis, seleção e aprimoramento das raças de animais domesticados, o aproveitamento da energia eólica e hidráulica. Não é aqui a ocasião de detalharmos o potencial de progresso e de perspectivas  de desenvolvimento que essa sucessão de conquistas proporcionaram ao homem do neolítico e, considerando bem, continuam sendo os fundamentos das civilizações também do começo do terceiro milênio.

No contexto da reflexão que estamos fazendo sobre a construção do conhecimento, a intenção foi chamar a atenção para a superação das muitas amarras que prendiam o homem às condições do seu entorno geográfico. Se de um lado significou a conquista de superar condicionamentos inibidores do progresso do homem, de outro representou um afastamento sempre maior do contato com a natureza e seus estímulos telúricos. A distância alcançou um nível tal nos grandes centros urbanos que os homens vivem num mundo fabricado artificialmente ao ponto de o lar, o berço original foi esquecido quase por completo. Mas, conforme observa Edward Wilson,

Mesmo assim, os instintos ancestrais  continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte, nos mitos e na religião, nos parques e nos jardins, nos esportes da caça e da pesca, tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais tempo  nos jardins zoológicos do que em eventos esportivos profissionais, e ainda mais tempo em áreas protegidas dos parques nacionais, cada vez mais abarrotados de visitantes. A recreação  nas florestas nacionais e reservas naturais – isto é, nas partes que permanecem intactas – gera uma renda de mais de vinte bilhões de dólares anuais ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da Natureza virgem. Um símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em um ambiente pastoral ou natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não esquecido. (Edward Wilson. 2006. p. 159)

Quem expressou da forma mais completa o fato de a natureza constituir-se na fonte, no manancial que irriga os sentidos e, a partir das impressões sensoriais, estimula a intuição e a reflexão, fornece os dados para fundamentar a ciência, a filosofia, a teologia e termina na Arte, em suas expressões mais sublimes., foi o Pe. Rambo.

A natureza de certo age sobre todos os sentidos a modo de arte musical, pictórica e espacial,  a saber, a água em todas as suas formas de mar-oceano, de rio, de lago, de fonte, nuvens e gelo; a terra firme em todas as suas configurações de ilha, montanha, planície e a vegetação em todas as suas modificações de selva ou mata, de relva, estepe e pântano. Dessas partes componentes, estruturam-se em muitas combinações as paisagens predominantes, mas elas também se repetem no pequeno e no mínimo. Pode falar-se, outrossim, de direções ou correntes artísticas e de estilo da Natureza, ligadas elas ao tempo. Significativamente, elas valem tanto mais quanto mais próximo se acha o meio de representação. (Aparados da Serra – na trilha do P. Rambo. 2007. p. 19)

Mesmo nos ambientes urbanos onde a artificialização e o conseqüente distanciamento do mundo natural alcançou um ponto extremo, persiste uma espécie de nostalgia atávica, uma consciência coletiva nem tão adormecida, dos tempos em que o homem do paleolítico andava de pés descalços, pelas florestas, savanas, montanhas e planícies. Reencontrar-se com esse passado remoto e contudo tão presente, é um desejo, para não dizer instinto, que se faz valer também no homem que nasceu numa selva de arranha-céus e respira de dia e de noite o odor do asfalto. Creio que não é temerário  afirmar que é exatamente nessa atmosfera de artificialidade, que se faz notar com crescente  vigor a nostalgia da volta ao paraíso perdido, pelo menos para  usufruir pequenos intervalos de paz. Encontramos aqui, salvo melhor explicação, a resposta ou as respostas para uma série de fenômenos e movimentos que se tornaram evidentes depois da Segunda Grande Guerra e que  acompanham o fenômeno da urbanização e se tornam cada vez mais comuns, na medida em que o homem do campo se transfere para os espaços das grandes cidades, metrópoles e áreas metropolitanas. O primeiro deles acontece a nível macro sob rótulos como salvemos o planeta terra, salvemos a biodiversidade, salvemos as florestas tropicais, salvemos as paisagens naturais, previnamos o aquecimento global, além de muitos outros rótulos. Na sua essência todos são manifestações comuns da natureza, ou se preferirmos, do “instinto” do homem que percebe que o chão em que estão fincadas suas raízes existenciais, está a perigo. Os alertas a respeito já se fazem ouvir, cá lá, desde a segunda metade do século XIX. Cientistas, geógrafos, historiadores, filósofos, moralistas e teólogos ocuparam-se e ocupam-se cada vez mais com o  assunto. A questão manteve-se, entretanto, a nível mais teórico e dela ocupavam-se  intelectuais, cientistas e pensadores confinados em suas academias. A “questão ecológica”, como já afirmamos mais acima, baixou, entretanto,  ao nível dos interesses e preocupações das instituições responsáveis por traçar políticas públicas, cuidar da saúde pública, da condução da economia, do disciplinamento do uso do espaço, tanto rural quanto urbano, da educação e de uma jurisprudência em condições de criar parâmetros legais para coibir os abusos em relação ao aproveitamento dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, estimular iniciativas que apresentem propostas para a preservação do que ainda existe de natureza original, prevenir danos futuros e  recuperar o já danificado. Ações patrocinadas por organismos governamentais como o Ministério do Meio Ambiente, secretarias estaduais ou municipais  do Meio Ambiente, etc., ou se promovidas por ONGS e similares, ou ainda por empresas de natureza diversa ou indivíduos. Relevando os interesses menos “ecológicos” que acompanham, viciam ou até movem não poucas dessas iniciativas, no fundo, no fundo, são movidas por uma preocupação, sob todos os aspectos, louvável, para não dizer impositiva. Evitar que ao homem dessa e das futuras gerações não falte o mínimo de chão no qual captar matéria prima indispensável para realizar o “humano” da sua natureza, assim como o fizeram sem preocupação, os nossos ancestrais durante centenas de milhares de anos. Não é aqui o momento de nos alongarmos demais sobre essa questão. Mas vale acrescentar ainda que o homem “é filho desta terra, que lhe fornece o pão de cada dia e lhe fornece os símbolos da sua vida espiritual, como escreveu o Pe.  Rambo. (Rambo. 1942. p. 337). E vale acrescentar que basta percorrer a história do homem enquanto dispomos de  provas objetivas, e para além e para trás, valendo-nos da  lógica que comanda os processos históricos, que a arte, o imaginário, as crenças, as religiões, as mitologias, as próprias organizações espaciais, tem no entorno natural o seu grande inspirador e modelador. O receio, para não dizer pavor instintivo do homem vivendo em ambiente urbano cada vez mais distante dessa “mãe e pátria”, prive-o da paisagem que o inspirou e iluminou na sua trajetória.

No varejo a mesma nostalgia motiva os estressados seres humanos, triturados pela zoeira e dos congestionamentos das metrópoles, a buscar algumas horas ou momentos de paz , na penumbra silenciosa, porém, eloqüente das árvores, povoadas de pássaros executando sons, músicas e sinfonias que, desde as brumas do tempo, vem embalando os sonhos, os momentos tristes e as horas de alegria, dos nossos antepassados de vinte, cinqüenta, cem e mais mil anos passados. É na tentativa de saborear pelo menos por algumas horas o prazer de reencontra-se com o cenário que tornou possível a caminhada do homem através dos tempos, que o homem esmagado pelo demiurgo da metrópole, procura em fins de semana um sitio, acampa aos pés de uma cascata, de mochila nas costas percorre trilhas na florestas, ou fica horas e mais horas escutando a marulhar da água de um arroio de montanha, respirando o ar leve do planalto, contemplando as araucárias várias vezes seculares, ou fica a imaginar-se o alguém quem mora nos abismos ou faz-se de eterna sentinela nos mirantes sobre os penhascos.

A partir das constatações acima Edward Wilson sugere (propõe) que a familiarização da criança, desde o mais cedo possível, comece a ser estimulada a observar o seu entorno natural até as suas últimas minúcias. Para ele os fundamentos para a construção de um conhecimento sólido deve começar o mais cedo possível. E o primeiro passo consiste em despertar e estimular o interesse pelo mundo natural, que todo o ser humano, pela sua própria natureza, carrega consigo desde que veio mundo.

A mente da criança se abre muito cedo para a natureza viva. Se for estimula ,ela se desdobra em estágios que vão fortalecendo seus laços com as formas de vida não humanas. O cérebro é programada para o que os psicólogos chamam de “aprendizado programado”: nós nos lembramos facilmente de algumas experiências. Em contraste, somos preparados para evitar e aprender outras experiências, ou então aprendê-las e depois evitá-las. Por exemplo, flores e borboletas sim; aranhas e cobras, não. Edward Wilson. 2006. p. 161)

O autor chama também a atenção de que o despertar das habilidades cognitivas na criança a partir da observação da natureza, consolida  categorias mentais que encontram aplicação prática em outros departamentos da sociedade humana. A habilidade de classificar categorias naturais como plantas, animais, rochas, sedimentos, fontes, e mais ainda aprender a reconhecer por ex., as árvores de um bosque, os pássaros que vivem nele, os insetos que polinizam as flores, etc., organizam a mente e disciplinam seu uso também em outras atividades. Mesmo que se possa afirmar que toda a criança é um naturalista pela sua própria natureza, um número insignificante irá dedicar-se a algum campo das Ciências Naturais como profissional. Acontece, porém, que o treinamento e a disciplina mental adquirido na infância e na adolescência, facilitam-lhe na futura profissão por ex., a dar importância a uma boa organização entre os diversos produtos que saem de uma indústria ou são postos à venda numa loja. Concluindo acrescenta: “É possível que o talento para reconhecer padrões recorrentes que identificamos nos artistas, poetas, cientistas sociais  cientistas naturais, seja construído sobre as habilidades fundamentais de percepções que encontramos na inteligência naturalista”. (E. Wilson. 2006. p. 160)

Quem, como nenhum outro,  percebeu o alcance do conhecimento intuitivo como instrumento pedagógico foi Pestalozzi,  conterrâneo e contemporâneo de Rousseau. Ele fez da intuição, ou se preferirmos da percepção sensorial, a razão de ser, a base da sua filosofia educacional e do seu método didático-pedagógico. A aplicação prática dos pressupostos pedagógicos de Pestalozzi veio a ser adotada na condição de método oficial para as escolas da Prússia. Desde meados do século XVIII os reis da Prússia foram investindo na educação das novas gerações. Entendiam que somente dessa maneira seria possível formar em grande número pessoas úteis ao Estado e à comunidade nacional, como cidadãos conscientes e comprometidos, como funcionários eficientes e como soldados leais. Um século mais tarde todas as crianças entre os  seis e os quinze anos eram obrigadas a freqüentar a escola. O resultado não deixa dúvidas. Em 1870 a porcentagem de analfabetos entre os meninos de mais de dez anos não passava dos dez por cento e das meninas de quinze por cento. Em não poucos lugares não passava dos cinco por cento. Somada à política oficial de por meio de dispositivos legais implantar a obrigatoriedade do ensino entre os seis e os quinze anos, foi de importância fundamental na estrutura educacional. Os povoados mais insignificantes contavam com um escola primária e cada cidade um pouco mais importante oferecia um ginásio. O interesse pela educação fazia parte das preocupações, desde os mais altos funcionários, empresários, comerciantes, profissionais liberais, donas de casa e o povo em geral. Investiam tempo e dinheiro em parceria com o governo no esforço de erradicar a ignorância do povo e aprimorar cada vez mais a filosofia  e os métodos da educação.

E o esforço concentrou-se exatamente no ponto mais sensível, isto é, no pressuposto teórico e metodológico do sistema escolar que pode ser definido como “prussiano-pestalozziano”.  Fundamentou-se na doutrina de Rousseau de que a educação é um processo; que esse processo deve fluir livremente da natureza da criança que é boa por natureza; que  cada uma é peculiar quanto à sua individualidade. Libânio (1991, p. 61) destacou como idéias mais importantes de Rousseau:

1) A preparação da criança para a vida futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem  às suas necessidades e interesses atuais. Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto pelo estudo. Os verdadeiros professores são a natureza,  experiência e o sentimento. O contato da criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas potencialidades naturais.

2) A educação é um processo natural, ela se fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por natureza, elas têm uma tendência natural de se desenvolverem. (Libâneo, J.   C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991)


Não é aqui o lugar para detalhar a proposta pedagógica e o método didático de Pestalozzi, mas chamar a atenção para a importância do conhecimento construído a partir dos dados, ou, se preferirmos, da matéria prima que é oferecida pela via sensorial-intuitiva. Entre as perspectivas pelas quais  seu  significado pode ser apreciado, destacamos.

 Percebe-se um paralelismo sintomático, uma analogia que faz pensar, entre a construção do conhecimento de uma criança e o conhecimento elaborado pela humanidade nos assim chamada fase “pré-científica e pré-racionalista”, ou se preferirmos, antes de entrar em ação método sintético dedutivo e o analítico indutivo. Os sentidos captam as informações  que são processadas e elaboradas intuitivamente. Os significados que lhes são atribuídos, o papel que lhes cabe cumprir no quotidiano das comunidades humanas e dos indivíduos, são determinados pela tradição cultural e pelas ideosincrasias individuais. Propomos como exemplo a astrologia. A impressão que os astros e a coreografia celeste deixam no homem que contempla o firmamento noturno sem nuvens,  representam  animais, personagens imaginários, eventos misteriosos, presságios, infortúnios e muito mais do que o espetáculo é capaz de despertar na imaginação. Nesse processo de aprendizagem e de elaboração intuitiva e sensorial das informações captadas pelos sentidos, adquirem forma os muitos corpos  de conhecimento construídos durante séculos e milênios. Corresponde à fase, diria, infantil, na qual tanto a criança quanto a humanidade, atribuem personalidade, significado, simbologia ao mundo que entra pela janela dos sentidos. É nessa fase que se consolidam os elementos qualitativos das culturas expressos nas  crenças, nas religiões, nos costumes, nos hábitos, nos valores sociais, éticos e morais. Enfim é nessa fase que acontece a educação e a formação da personalidade do ser humano. E é nessa fase também que se consolidam as linhas mestras das tradições culturais. E a analogia entre a fase “infantil”, a fase do aprendizado e da colocação dos fundamentos da personalidade pela percepção sensorial e a intuição na educação, tanto de uma criança, quanto os fundamentos das culturas, um elemento determinante merece atenção. Assim como a forma e, principalmente, a consistência do conteúdo assimilado pela criança determinam como o “Leitmotiv”, o norte para o resto da vida, assim também as conquistas dos povos na sua fase “infantil”, continuam repercutindo, de alguma forma, até hoje. Voltamos a chamar a atenção ao Horóscopo que continua, mais do que nunca, gozar de público e popularidade. O conhecimento adquirido via sensorial-intuitiva perpassa a história individual e a história coletiva como um “som subliminar e a ressonância que desperta”, como diria o Pe. Rambo, faz com que o resultado seja uma sinfonia harmônica ou uma cacofonia desafinada. Foi essa, sem dúvida, a razão de ser porque a educação infantil e fundamental, principalmente, tinham em vista o desabrochar das potencialidades inatas na criança, pondo-a  por meio dos sentidos em contato com o mundo em que vive. A proposta educacional e curricular, ditada pelo fato de a criança “ser boa por natureza” e ser levada pela “tendência natural de desenvolver-se”, foi, por isso, concebida como facilitadora para despertar e desenvolver as qualidades e  potenciais inatos. O resultado prático da educação resulta num cidadão útil à comunidade e num cidadão consciente das suas obrigações e direitos em relação ao Estado. Ao educador,  mestre ou professor cabe a tarefa de tornar o aprendizado o mais espontâneo e o mais amplo e completo possível. Os resultados dessa filosofia e prática educacional concebida e popularizada pela Prússia, foram tão espetaculares que foram sendo copiados e implantados em outros paises, também fora da Europa. Forneceu. Por ex.,  a base teórico-metodológica da proposta pedagógica executada nas escolas comunitárias teuto-brasileiras no sul do Brasil até 1940. As linhas mestras do chamado “construtivismo”, com perfil fortemente ideológico, têm sua  inspiração em Pestalozzi, Commenius e outros,


Uma vez consolidado o conhecimento haurido pela via sensorial-intuitiva e, paralelamente, definidos os traços fundamentais da personalidade, a criança, o adolescente estava em condições de avançar na construção do conhecimento, recorrendo a “dedução e a indução”. Seguia então a fase em que o educando apropriava-se dos instrumentos indispensáveis para movimentar-se com sucesso nos campos das Ciências Naturais, das Ciências do Espírito, das Ciências Humanas e das Artes e Letras. O currículo punha-o em contato com a matemática, a física, a química, a história natural, a geografia, as línguas clássicas e modernas,  as artes, a filosofia. Só depois de ter-se familiarizado com esse vasto mundo de conhecimentos de cunho geral e com os respectivos métodos e ferramentas, oferecidos nos famosos “gymnasia”, o jovem partia para a especialização e ou profissionalização: Direito, medicina, engenharia, filosofia, línguas, literatura, biologia, botânica, zoologia, história, geografia, ... em escolas técnicas, politécnicas e universidades convencionais. As crianças, candidatas a futuras produtoras de conhecimento, encontravam escolas e mestres que se valiam do potencial inato  como ponto de partida para a educação. Desenvolvê-lo ao máximo despertando e aperfeiçoando ao máximo possível a percepção sensorial aliada à intuição, resumia a tarefa das escolas elementares e dos seus mestres. Superada essa etapa  o esforço concentrava-se no aparelhamento do adolescente e do jovem com as ferramentas indispensáveis para enfrentar uma futura especialização acadêmica ou profissional, oferecidas por uma formação a nível genérico nos “gymnasia”. Nas duas fases iniciais a que nos acabamos de referir, a preocupação com a futura profissão dos alunos não entra como fator, a não ser muito, marginal e secundário, na proposta e  execução do currículo. O que decide é o fato de que o egresso dos “gymnasia” esteja em condições de movimentar-se com desenvoltura na sociedade em que deverá atuar; tenha consolidado uma personalidade que se rege por princípios e valores pessoais, sociais e éticos sólidos e coerentes; e que, por isso mesmo seja um membro útil à sua comunidade e um cidadão comprometido com o Estado, leal  nas mais diversas eventualidades. A formação especializada só depois de vencidas as duas etapas anteriores. Engenheiros, médicos, advogados e juristas, políticos, economistas, religiosos, pesquisadores especializados nas mais diversas áreas do conhecimento, acadêmicos, filósofos, teólogos, todos compartilham da base comum que lhes moldou a personalidade e as bases do conhecimento. Esse fato faz com que um médico esteja em condições de dialogar com um historiador, um filósofo ou um artista; um filósofo ou teólogo tenha condições de entender-se com um geneticista ou um físico; de um jurista ou economista analisar com proveito questões que importam em administração com sociólogos, antropólogos, médicos, ...; os docentes e pesquisadores das universidades se darem conta de que a qualidade dos seus esforços têm tudo a ver com a troca dos resultados e, principalmente, com uma sincera e efetiva cooperação e colaboração interdisciplinar.