Frentes de Colonização #1

No final do século XIX, setenta anos depois da chegada dos primeiros imigrantes alemães, um dos grandes problemas a desafiar a Associação Rio-grandense de Agricultores recém fundada, veio a ser a saturação  populacional da  assim chamada região colonial antiga nos vales do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Entre as diversas causas destacamos três: A pequena propriedade rural; a alta taxa de natalidade; a baixa mortalidade infantil.

Quanto à primeira, merece destaque que os lotes coloniais destinados para as primeiras levas de imigrantes, mediam 77 hectares. O tamanho foi diminuindo no correr das décadas, até 25 hectares nas últimas fronteiras de colonização no oeste de Santa Catarina e oeste do Paraná. Praticava-se a agricultura de subsistência e empregavam-se métodos primários e até rudimentares no manejo da terra. O mato era derrubado e, depois de seco, queimado e o solo arável assim conquistado usado até a exaustão. Todos os anos abatia-se mais um eito de mato. Entende-se assim que a escassez de terra fértil se tornasse em  pouco tempo uma dura realidade. A recuperação dos solos esgotados dava-se pelo repouso de alguns anos. Cá ou lá recorria-se à adubação utilizando estrume de animais ou a plantação de alguma leguminosa como adubo verde. Nessas condições subdividir a propriedade significava condenar à miséria as  famílias que dependiam delas. Esse lado da questão assumia características ainda mais preocupantes, quando se toma em conta de que o milho, o feijão, a batata e a mandioca eram as variedades mais cultivadas, exigiam solos férteis e áreas consideráveis e, além disso, não se prestavam bem para o cultivo associado.

Quanto à segunda, é fato conhecido que as famílias do começo do século XX eram numerosas e muito numerosas. Casais com 11 ou 14 filhos não eram exceções. Não aro famílias mais numerosas ainda não causavam surpresa. Ao elevado número médio de filhos somavam-se dois outros fatores que estimulavam uma rápido crescimento demográfico, gerando na média duzentos excedentes por ano por 1000 famílias. Normalmente não faltava comida na mesa do colono nem quantitativa nem qualitativamente falando. Os hábitos de higiene e os cuidados básicos com a saúde mantinha-se ne média em níveis razoáveis. Esses fatores somados resultaram numa mortalidade infantil relativamente baixa, acelerando a superpopulação. A grande maioria dos excedentes obrigava-se a procurar terra para cultivar fora da propriedade paterna. No começo do século XX  essa questão tornara-se um dos grandes desafios a ser enfrentado. O avanço convencional e sem maior planejamento sobre áreas devolutas ou em mãos de particulares, já não atendia à demanda. Era preciso encontrar uma solução a médio e longo prazo. A questão entro na pauta da assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em São José do Hortêncio em 1902.

Expondo a situação aos participantes da assembleia, o Pe. Amstad partiu da realidade estatística revelada pelo elevado índice de excedentes que vinha se acumulando de ano para ano. A conclusão foi que a solução a médio e longo prazo seria possível sob a condição de se encontrarem áreas com dimensões consideráveis e em situação legal definida. Outras exigências deveriam complementar as  duas anteriores: solos férteis, topografia que permitisse a mecanização futura e facilidade de escoamento dos produtos até os mercados consumidores. Após o exame de várias áreas ainda  disponíveis ao norte dos atuais municípios de Lajeado, Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Candelária e Cachoeira do Sul, chegou-se à conclusão de que, além de montanhosa, a superfície total era insuficiente.

A opção voltou-se finalmente para as grandes áreas cobertas de florestas virgens da Região das Missões e do Alto Uruguai. Além de uma superfície considerável, em torno de 36000 quilômetros quadrados, os solos eram de excelente  qualidade e a topografia pouco acidentada. O acesso aos mercados consumidores dos produtos coloniais foi o único senão. As grandes distâncias e as precárias vias de comunicação da época poderiam desencorajar os menos afoitos. Nesse particular terminou impondo-se o princípio defendido pelo Pe. Amstad. Segundo ele, na opção entre terras férteis mas com problemas de escoamento e terras de baixa fertilidade próximas aos centros de consumo, deveria prevalecer a preferência pelas terras férteis. De acordo com a sua lógica, áreas em condições de produzir grandes volumes de produtos agrícolas, inevitavelmente acelerariam a melhoria das vias de escoamento e, a médio e longo prazo, induziriam o surgimento de mercados consumidores locais e regionais. De nada servem centros consumidores próximos, se não há mercadorias para oferecer.

E foi esse o ponto de vista que prevaleceu. Imediatamente começaram as tratativas no sentido de a Associação dos Agricultores dar início à colonização naquela região. Na prática a história mostrou o acerto da decisão. Do núcleo original da colonização de Serro Azul, hoje Cerro Largo, as fronteiras de ocupação avançaram sobre as florestas de todo médio e alto Uruguai. A Associação dos Agricultores, no começo, a Sociedade União Popular, a Liga União Colonial, companhias colonizadoras particulares e empreendedores individuais, iniciativas públicas estaduais e municipais, encarregaram-se de transformar a região num vasto e rico celeiro.

A história dessa região do Rio Grande do Sul oferece uma dessas coincidências que fazem pensar. 150 anos antes encerrara-se aí uma das experiências civilizatórias mais controvertidas e mais originais da história das Américas. O tratado de limites entre Espanha e Portugal obrigava os sete povos guaranis a se transferirem para a margem direita do rio Uruguai. Uma resistência no mínimo compreensível da parte dos índios e dos missionários jesuítas não logrou a ressonância nas cortes, nem de uma nem de outra parte. A expulsão dos jesuítas dos domínios de Portugal em 1759 e, em seguida, a supressão da Ordem pelo papa Clemente XIV, levaram as reduções à desorganização, à anarquia, a conflitos internos e ao genocídio. A florescente, a original e magnífica civilização que deitara raízes promissoras no solo rio-grandense, fruto de um trabalho paciente persistente de 150 anos deu lugar  a um melancólico cenário de ruinas e abandono. O mato cobriu as terras cultivadas, invadiu as aldeias, encobriu as praças e apoderou-se dos próprios templos. A cobiça dos lagunenses apoderou-se dos imensos rebanhos que pastavam na “Vacaria do Mar”, no sul do Estado e da “Vacaria dos Pinhais” nos campos de Cima da Serra. Em algumas décadas, a natureza selvagem encobrira, como uma mortalha verde, a espetacular civilização que florescia nas reduções dos sete povos.

Quando no começo do século XX, chegaram aos mesmos locais, não os índios guaranis om seus missionários jesuítas, mas os filhos e netos dos imigrantes europeus acompanhados dos seus pastores, também jesuítas, o mistério do destino dos homens e da História, ainda pairava  sobre a paisagem. Quem tivesse um mínimo de sensibilidade poderia escutar ainda, partindo  das entranhas da floresta ao longo do rio Ijuí ou em  meio ao estrondo do salto do Pirapó, a pergunta pelo porquê  desses desfecho. A resposta foi dada por um jesuíta do século XX, filho dessa terra, descendente de imigrantes e entusiasta admirador da obra missioneira.

A beleza das ruinas antigas, inexistentes no resto do Estado, comunica a essa região um encanto imortal.li, a fé cristã e a civilização europeia, pela primeira vez, firmaram pé nas plagas abençoadas do “Tape” misterioso. alí, nesses campos marchetados  de capões, viajaram a pé a cavalo os Roque Gonzales, os Montoyas, os Romeros. Ali os selvagens, saindo do covil de suas matas, curvaram reverentes perante a cruz aquela soberba cerviz, que a espada dos conquistadores não conseguira. Ali floresceram plantações, pastaram rebanhos sem conta, ferveu uma cultura de intenso dinamismo.

A melancolia da História paira sobre esta paisagem. Tudo que é bom e belo é fadado a fenecer. A inveja entre duas nações irmãs, linhas geográficas traçadas a esmo nos gabinetes de Madri e Lisboa, instintos interesseiros, ódio à religião – um dragão de sete cabeças se arremessou sobre as reduções, baniu os missionários, fez debandar os índios, votou à ruina os templos. Os restos de São Miguel, de São Lourenço, de São João Velho, invadidos pela vegetação, por longo tempo aproveitados como pedreiras, falam uma linguagem muda, mas eloquente de acusação contra o mistério da humana iniquidade. (Rambo, Balduino. A Fisionomia do Rio Grande do Sul. 1942, p. 323)

Os critérios determinantes portanto, que levaram à escolha das terras virgens do médio e alto Uruguai, foram o tamanho da área, a fertilidade do solo, a topografia pouco acidentada e perspectiva de bons mercados a médio e longo prazo. E a evolução da colonização demonstrou o acerto da escolha.


(NB. Continua na seguinte postagem)

Imigração e meio ambiente - Parte #4

A preocupação para com o ambiente natural, a preservação da natureza original, a recomposição da paisagem adulterada pelo homem, encontrou adeptos qualificados na década de 1930 e 1940. Seria muito longo enumerá-los todos no âmbito limitado de uma palestra. Como referência, escolhi o Pe. Balduino Rambo, maior botânico que o rio Grande do Sul já conheceu, inventariante incansável da flora do Estado e sincero admirador da nossa paisagem natural. Em maio de 1942, apareceu a primeira edição da sua obra prima, intitulada “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”. Nela o autor retratou o Estado do Rio Grande do Sul em todos os seus aspectos naturais mais significativos, tais e quais se apresentavam no final da década de 1930:  a geologia, a topografia, a cobertura vegetal, campos, matas, áreas agrícolas, animais, clima, paisagens humanizadas. O último capítulo ele dedicou a considerações sobre a proteção à natureza. Sendo difícil acrescentar alguma coisa ou omitir outro tanto, é pertinente reproduzir o texto original.

O homem filho desta terra, que fornece o pão de cada dia e os símbolos da vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade  demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.

Assim no curso de todas as culturas humanas, mais cedo ou cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno  da terra, com que a pródiga mão do Criador  o presenteou.

Sob a rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos naturais, das espécies botânicas e  zoológicas periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as necessidades concretas da sociedade humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está a serviço das ciências naturais, antropogeográficas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre o princípio da ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária  ou inconsiderada dos tesouros da beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de precioso, restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terá, torna-se um aliado de valor da higiene e pedagogia sociais, e um adjutório indispensável da educação nacional. (Rambo, Balduino. A fisionomia do Rio Grande do Sul, 1942, p. 337, ss)

Na prática, a proteção à natureza abrange quatro setores. Conforme o Pe. Rambo essas propostas resumem-se.
Primeiro. Na proteção aos Monumentos Naturais, criações individuais da natureza, de importância cientifica, histórica e fisionômica, como sejam árvores destacadas pelo seu volume ou sua forma, formações geológicas locais interessantes ou instrutivas, rochedos, montanhas de caráter peculiar.
No Rio Grande do Sul, quanto às árvores cabe proteção principalmente às figueiras perto dos núcleos habitados, muitos delas de grande beleza natural outras  ligadas a recordações históricas. E, em geral todas as árvores, coqueiros, paineiras, cedros, pinheiros, colocados no meio da paisagem como elementos essenciais de beleza natural, tem direito à conservação. Mais do que árvores, os monumentos rochosos como os tabuleiros da Campanha, as margens do Ibicuí na estação do Tigre, o Botucaraí, o morro do Sapucaia, o morro das Cabras, o complexo do Itacolumi com a torre em ruínas, o promontório de Torres, para os que ocorrem no primeiro momento, são de tal maneira rio-grandenses, que a destruição dos seus aspectos, seja pelo desmatamento, seja por pedreiras, roubaria elementos insubstituíveis da nossa riqueza estética.

Segundo. Na proteção a Espécies Botânicas e Zoológicas em perigo.
No tocante às plantas, a maior parte das espécies rio-grandenses cresce em grande número de indivíduos, além disso, a catalogação ainda não progrediu suficientemente, para poder designar as espécies estritamente locais ou muito raras. Apesar disso, é certo que bom número de espécies é local, basta o caso de se encontrarem nada menos do que as poucas espécies de ericácias riograndenses no topo do Sapucaia. Outros exemplos são os vegetais típicos do sul do Estado, por exemplo a quina do campo no morro da Policia, muitos vegetais dos tabuleiros da Campanha. Plantas raras são, por exemplo, a cancrosa de folhas rômbicas, muitas espécies limitadas à borda  dos Aparados: Griselinia, Gunera, Clethra, Weinmannia, Orquídeas terrestres, Ericácias. Merece especial menção o Parque Espinilho da Barra do Quarai, composto de Nhanduvaí e Algarrobo.

Afora esta proteção a espécies  estreitamente localizadas ou raras, surge o problema geral da conservação das matas virgens. Até hoje o desmatamento esteve entregue ao acaso, sujeito ao bel-prazer dos donos do lote colonial ou da fazenda. As consequências aí estão, acentuando-se de  dia para dia mais, na devastação  da borda da Serra e do vale do Uruguai. É um erro funesto entregar todas as matas a proprietários individuais e abandoná-las  em seguida, ao machado. No interesse geral, o Estado deve reclamar para si porções  importantes da reserva florestal, e além disso, vigiar sabiamente as derrubadas necessárias para a lavoura.

Em terceiro lugar levanta-se o problema do reflorestamento natural. Existem iniciativas promissoras, nas plantações de eucalipto, de acácia, de pinheiro. Quanto ao eucalipto, por mais útil e necessário que seja seu cultivo nas regiões pobres de mato, o certo é, que essa árvore australiana nunca há de enquadrar-se, do ponto de vista fisionômico, na expressão natural da nossa terra. Quanto à acácia, embora também estrangeira, seus conjuntos, nos campos de São Leopoldo por exemplo, condizem muito melhor com a nossa vegetação nativa, apesar de destoarem pela limitação a uma espécie, caso inexistente no mato nativo. Porque não tentar reflorestar com espécies nativas? Porque não promover a renovação das matas destruídas a exemplo da mata mista secundária? Por que não recorrer a madeiras de lei nacionais, os cedros, os louros, as cabriúvas? Crescem devagar, sim, mas o nosso esforço frutificará tanto mais para as gerações do porvir.

No tocante aos animais, o Estado do Rio Grande do Sul já é desolador. Nas matas da borda das Serra colonizada, nada resta da maior parte dos mamíferos e aves de caça. Nas matas do Uruguai, não passarão dez anos, e a miséria será a mesma. A anta, a capivara, o veado galheiro, os porcos do mato, o tamanduá bandeira, já são raridades. É que as melhores leis de caça não aproveitam, se não se cuidar  da sua execução.

Praticamente no Rio Grande do Sul, a destruição da fauna de mamíferos, aves e peixes continua em escala ascendente, podendo-se prever o dia em que o tamanduá bandeira, a capivara, o bugio, a ariranha, os porcos do mato, a paca e bom número de aves galináceas lamelirostres, terão desaparecido.

Harmonização das Obras Humanas com a Paisagem Natural. Numa terra recente, como  é o Rio Grande do Sul, não se pode esperar que, fora de razões impostas pela natureza do terreno, as necessidades práticas, os gostos individuais, motivos ideais tenham influído  na estrutura da paisagem humana. A geometrização dos traçados das ruas certamente contribuiu para a beleza das cidades, não condiz com o estilo da paisagem. O estilo colonial, sempre mais substituído pelos edifícios de estilo moderno, condiz admiravelmente como ambiente da Campanha. O estilo das vivendas coloniais antigas, dos colonos germânicos, embora seja de caráter estrangeiro, adapta-se muito bem à fisionomia da paisagem colonial  da borda da Serra. Outro tanto já não se pode afirmar das casas inteiramente construídas de material, sem as linhas pitorescas das traves pintadas de vermelho ou pardo, como estava em moda no início do século vinte. Uma casa destas, principalmente quando o telhado é de zinco, é destituída de todo o valor estético. O estilo bugalow, com sua variada distribuição massas, suas tintas discretas, seus telhados de telha cor de tijolo, como se encontram em crescente número na região colonial do Taquari, enriquece agradavelmente a paisagem.

O traçado das estradas, até os últimos anos, obra do acaso, não deixa de ser um elemento de beleza, pois, seguindo geralmente pelos vales dos rios, acentua as linhas naturais da paisagem. A Estrada Federal através da borda da Serra, por suas serpentinas, seus profundos cortes, suas vistas surpreendentes, seu ambiente grandioso no vale do Caí, harmoniza perfeitamente a acidentação do relevo e a vitória da engenharia.

Ponto de grande utilização das quedas de água, combinando a utilidade pratica com a conservação da natureza. Havendo grande número de quedas de água na borda da Serra, em parte já captadas, em parte susceptíveis de captação, deverá ser o empenho dos órgãos públicos proteger-lhes  a beleza natural. A melhor solução, a nosso ver, se conseguiu na usina da Toca, onde a construção da represa, o traçado do canal, o estilo da usina discretamente encostada aos rochedos, se emolduram naturalmente no ambiente do canhão fluvial coroado de pinheiros, mesmo a queda de água não foi essencialmente afetada pela corrente desviada para as turbinas.

A sua expressão mais forte, as tendências de proteção à natureza acham-se nos Parques Naturais e Nacionais. São territórios maiores, em que a natureza primitiva se conserva totalmente intacta, aumentando os atrativos com o acréscimo discreto dos elementos consoantes, quando for conveniente. Assim todos os grandes países tem os seus parques  nacionais.

Quer-nos parecer que, fora das medidas de proteção a se dispensarem a certas  formas individuais, aos animais selvagens em geral e a espécies botânicas raras, o Rio Grande do Sul, bem mereceria um parque nacional. Na sua possível localização decidem dois fatores: o perigo da destruição incessante pela lavoura e a riqueza das formas naturais.

Quanto ao primeiro, o litoral e sua  riqueza, a Serra do Sudeste e a Campanha, enquanto nelas predomina a pecuária, não estão em perigo imediato de perderem as suas feições nativas. No litoral, visto a sua pequena fertilidade, sua falta de portos, provavelmente nunca sobreviverá tal perigo. É uma paisagem  fadada a conservar naturalmente a sua beleza primigênia. Também a Campanha, apesar de já estar ocupada por mais de 200 anos pelo homem, ainda hoje conserva o seu caráter nativo. Na Serra do Sudeste, caso a agricultura, como parece acentuar-se  nos últimos tempos, e a futura mineração, tomarem incremento, será preciso proteger certos trechos, como são o curso médio do Camaquã, ao sul de Caçapava. Na Depressão Central, não há possibilidade de parque nacional, dado o desenvolvimento demográfico sempre crescente. No planalto, as regiões puramente campestres se protegem a si mesmas. Outro tanto não se dá com o mato. Não se pode acentuar o bastante: o mato  rio-grandense está em grave perigo! E não são apenas as derrubadas da agricultura, é também a indústria madeireira que, mais tempo menos tempo, despojará as selvas uruguaias dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais.

Ora, é justamente no planalto que a riqueza de formas insinua a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas regiões: Um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados.

No alto Uruguai conviria tomar em vista a parte, onde se acumulam todas as belezas peculiares da região, o Salto de Mucunâ e suas adjacências. Tanto do lado brasileiro como do lado argentino, a riqueza florestal se acha intacta. De comum acordo com o pais vizinho, criar-se-ia um parque com reservas de mato suficiente para oferecer refúgio à fauna das selvas rio-grandenses. Se não for feito em breve, a colonização acabará com a beleza do Mucunã, assim como já despiu o Estreito de Marcelino Ramos dos atrativos da sua moldura.

Sobre os Aparados nada precisamos acrescentar. Sua beleza grandiosa se recomenda por si  mesma. Além disto, o caso é muito mais fácil do que nos matos do Uruguai. A agricultura não apetece  aquelas terras quebradas e pouco férteis, as porções de campo incluídas facilmente achariam substituto em outra parte. A situação fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao plano a nobre competição de ambos os Estados da União, na realização de uma empresa verdadeiramente nacional. Sobre os trechos a serem incluídos não nos queremos  estender. Em todo o caso o vale do Maquiné superior, o Taimbezinho, a Serra Branca não poderiam faltar.

Ali nos mirantes do Rio Grande do Sul, com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos  abismos dos canhões aos pés, com  o pinhal, a mata branca e o campo, tão rio-grandense, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a reverência com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra. (Rambo, Balduino. A fisionomia do Rio Grande do Sul, 1942, p. 432-438)

Imigração alemã e meio ambiente - Parte #3

A retomada da temática aconteceu no numero 12, de 1925 do Paulusblatt. Na secção da revista intitulada “Escola da Sociedade União Popular”, foram publicados os regulamentos disciplinando a medição e venda de terras do governo no Rio Grande do Sul. O artigo reproduziu, em primeiro lugar, os dispositivos que regulamentavam as reservas florestais, em segundo lugar, discriminou os deveres  dos compradores dos lotes coloniais. Em terceiro lugar fez algumas considerações sobe as condições impostas ao comprador dessas terras referentes ao uso das mesmas. O articulista terminou apontando uma série de problemas  referentes à aplicabilidade dos dispositivos legais que, na sua essência, eram muito pertinentes e não menos urgentes. (Mais sobre o assunto em Paulusblatt, 1925, nº 12, p. 1)

Mas foi no numero 9, do ano de 1927, do mesmo Paulusblatt, que a preocupação com o reflorestamento foi retomada. Na mesma secção “A Escola da Sociedade União Popular”, o prof. Siegrfied Kniest, secretario itinerante, ocupou-se com o tema. Começou dizendo que, com suas andanças pelas diversas comunidades como secretário itinerante, pôde observar que em não poucas delas se faz um belo esforço em favor do reflorestamento, especialmente com variedades de eucaliptos; que em extensas regiões, a necessidade de algum tipo de reflorestamento tornara-se inadiável, já que os colonos tinham dificuldade em conseguir lenha, no caso de que nada fosse feito.
Depois sugeriu que se criassem associações para incentivar o plantio de árvores, como estava acontecendo nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e em outros países. Afirmou que, apesar das queixas, se faz muito de menos em questões de reflorestamento. Apesar de tudo, porém, há inúmeros exemplos que permitem um certo otimismo. Concluiu referindo o exemplo de um colono que comprou um lote de terra completamente esgotado. O povo dizia que ninguém era capaz de alimentar-se nele. Com paciência e perseverança plantou eucaliptos, árvores frutíferas e outras essências. Não demorou e a terra improdutiva começou a dar resultados além da expectativa e o colono transformou-se referência de como recuperar, aproveitar e fazer render uma terra considerada imprestável.

A preocupação pelas florestas  nativas e, mais ainda, o despertar da consciência da necessidade de reflorestar, foi o assunto de longos artigos publicados nos números  7, 8,9,10, 11 e 12de Paulusblatt de 1931.

O primeiro artigo já foi referido quando se falou na situação da cobertura vegetal remanescente no Rio Grande do Sul e na criação  da “Sociedade  de Proteção da Floresta” e os “Dias dedicados à Floresta”, na década de 1890, inspirados pelo Pe. Peter Gasper eo Sr. Alfred Grohmann. No nº 8 do Paulusblatt de 1931, o articulista procurou responder a duas perguntas: Porque é preciso plantar mato e a quem cabe planta-lo?

A resposta para a primeira pergunta foi  pragmática. Havia urgência em garantir o suprimento de lenha e de madeira de construção. A escassez para ambas as finalidades alcançara um nível preocupante  na região colonial. A curto prazo previa-se a mesma situação para as colônias ao longo dos rios Pardo e Jacuí e a médio prazo para as colônias situadas na Serra, nas Missões e no Alto Uruguai. Para dar ênfase à sua análise, o articulista reproduziu a  carta de um sócio da Sociedade União Popular.

Aqui entre nós plantam-se enormes  áreas com erva-mate. Mas as pessoas não se dão conta de que  a fabricação  da erva-mate requer lenha e que o mato vai sumindo cada vez mais. Da mesma forma a maioria dos colonos tem fornos para secar o tabaco e que exige enormes quantidades de lenha. 

Mesmo missivista observou o seguinte sobre os matos da bacia do Taquari.

Participei do Congresso dos Católicos em Arroio do Meio. A região agradou-me muito, principalmente no que diz respeito à qualidade dos solos. O que, porém, me entristeceu foi a quase total ausência de mato e em lugar algum foi possível constatar observar a menor iniciativa de plantio de mato. (Paulusblatt, 1931, nº 8, p. 2)

Depois de encarecer a urgência  de plantar mato por razões pragmáticas, o articulista levou a questão a um nível de discussão mais amplo. A problemática florestal ultrapassa uma simples análise de uma situação local, para transformar-se numa questão ética. Lembrou para tanto uma afirmação feita trinta anos antes pelo “pai” da floresta, Alfred Grohmann.

Quem priva a sua propriedade da madeira indispensável, comete um crime contra a geração futura. Num País uma reserva suficiente de matas é de grande importância para a economia nacional. O governo do nosso Estado faria muito bem em dedicar uma atenção maior ao reflorestamento.

Em resposta fez as seguintes considerações.

Em primeiro lugar, pela sua própria natureza cabe ao Estado a responsabilidade e a tarefa de proteger as reservas  florestais e, ao mesmo tempo, incentivar e orientar os florestamentos e reflorestamentos. Em segundo lugar, já que o Estado e incapaz  de fazê-lo ou não se preocupa como deveria, o reflorestamento poderia ser posto em prática por meio de associações ou cooperativas, oriundas da iniciativa privada e para tal fim criadas. Colonos isolados em suas pequenas propriedades não tem condições para enfrentar o problema. (Paulusblatt, 1931, nº 8, p. 2)

Já no nº 9 de 1931 do Paulusblatt, foi proposto um projeto completo de reflorestamento cooperativo que poderia ter sido implantado perfeitamente, por exemplo, no médio Caí. O ponto de partida poderiam ser as colônias localizadas a partir de São José do Hortêncio, em direção norte, passando pelo vale do Cai e o Cadeia, até Nova Petrópolis e Padre Eterno. As colônias mediam em  média  em 1931, 200 metros de largura por 2000 de comprimento. Começavam na barranca dos rios, subiam pelas encostas até o topo dos morros ou, conforme o caso, seguiam além até atingir o comprimento padrão.

A proposta consistia em reunir os proprietários em grupos e 30, 40 ou 50. Esses grupos formariam a base para as cooperativas de reflorestamento. Na pratica os procedimentos seriam os seguintes:
Uma vez definido o grupo, seria convocada uma primeira reunião na qual se analisaria a questão da plantação do mato. No caso de o grupo fosse composto por 30 proprietários interessados e dispostos a se comprometer com o projeto, uma comissão seria escolhida para determinar a faixa de terra ser destinada para o reflorestamento. Integrariam necessariamente a comissão os dois proprietários dos lotes limítrofes da área escolhida em cujas propriedades se avaliariam as condições requeridas para um reflorestamento. Mas não é suficiente que a comissão demarque a faixa de terra ser  replantada com mato. É preciso proceder também proceder a uma análise do solo, verificar se a rocha aflora ou se encontra em maior profundidade, se o subsolo é saibroso, se a camada de solo é profunda, pantanosa ou mais enxuta. Esses dados fornecidos pelo proprietário, serveriam para organizar um cadastro que forneceria a base para escolher o tipo de árvores mais adequadas e, desta forma, programar o plantio com a maior probabilidade possível de êxito. Por razões práticas, as faixas escolhidas para o reflorestamento deveriam localizar-se  a mais ou menos 1400  1600 metros contados a partir do travessão inferior . Localizam-se, desta forma, mais ou menos no meio da colônia e na meia encosta. A preferência por essa faixa é motivada, em primeiro lugar, pela relativa proximidade das moradias, tornando o abastecimento de lenha mais cômodo. Em segundo lugar corresponde a uma faixa localizada na propriedade onde o desmatamento se deu por primeiro. Uma vez concluídos esses trabalhos preliminares, seria convocada uma reunião na qual a comissão apresentaria  os resultados e as conclusões do levantamento. Todos teriam oportunidade de externar suas opiniões, dar sugestões e propor alternativas.

Vencida mais essa etapa partir-se-ia para a fundação da cooperativa de reflorestamento. A diretoria seria escolhida e estipulada a contribuição. Essa deveria ser no mínimo de 20$000, para formar um pequeno capital capaz de arcar com as despesas correntes do empreendimento. Na mesma reunião deveria verificar-se quem dos proprietários estaria em condições e com disposição para manter um viveiro no qual os demais se abasteceriam de mudas.

Uma vez acertada a faixa a ser reflorestada, chegou o momento de passar para etapa seguinte: a escolha das espécies e as técnicas de plantio. Esse assunto foi tratado nos números  de outubro, novembro e dezembro de 1931, em Paulusbltt. No número de outubro foi apresentado um modelo concreto de reflorestamento, dando ênfase  à finalidade pratica de plantio, à escolha das espécies, conforme a sua finalidade, como por exemplo, lenha tábuas, madeira de construção e os respectivos cuidados a serem tomados em conta, no manejo da mata plantada. No número seguinte, novembro de 1931, o articulista concentrou-se no controle das pragas que ameaçam as faixas de replantio de árvores, com destaque para as formigas.

No sexto seguimento, dezembro de 1931, foram enumeradas as vantagens de um plantio sistemático de mato.

O suprimento contínuo e indefinido de lenha e madeira de construção.
A distribuição regular e abundante das precipitações pluviométricas pois, as florestas são fatores importantes de equilíbrio neste particular. Além disso, as raízes e o sombreamento controlam a evaporação, garantem a perenidade dos mananciais subterrâneos e evitam que as fontes sequem com qualquer estiagem um pouco mais prolongada.

Essa sequência de seis matérias publicadas na revista de formação e informação mais importante da Sociedade União Popular, demonstra  uma preocupação inequívoca para com a conservação e reposição das matas. E isto há 80 anos, numa época  em que as grandes áreas de   matas virgens do Alto Uruguai, Centro-Oeste de Santa Catarina e oeste do Paraná, pareciam garantir opções de colonização a perder de vista. Na época assumir  uma posição tão decidida em favor da preservação das matas e propor projetos concretos e sérios de reposição das  matas em áreas nas quais o desmatamento já havia ultrapassado os níveis desejáveis, significou, sem dúvida, uma definição de coragem e lucidez.


Essa posição defrontava-se com três dificuldades nada desprezíveis: a primeira provinha do fato de os lotes coloniais com suas pequenas áreas não favorecerem a mentalidade preservacionista. A segunda tinha a ver com a mentalidade imediatista e individualista da maioria dos colonos. A terceira estava no fato de que há 80 anos passados os adeptos da preservação da natureza não passavam  em muito de figuras meio exóticas, meio fora do contexto, meio visionarias. A situação era quase a oposta de hoje.  Hoje, pertencer a uma entidade de proteção à natureza, discutir o assunto, estigmatizar os não preservacionistas como criminosos, como coveiros do planeta e dos seus habitantes humanos e não humanos, empresta uma certa aura às pessoas. Naquela época se dava o contrário. Por isso mesmo, uma atitude coletiva, como a da Sociedade União Popular, preocupando-se com a preservação das matas ainda existentes e pelo replantio das áreas devastadas, revestiu-se de um sentido muito mais profundo e de um valor incomparavelmente  maior do que  numa época como a nossa em que é obrigação adotá-lo.