REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 59


Pela influência, para não dizer hegemonia, pior ainda, a tirania, que a “Teoria Crítica” formulada pela Escola de Frankfurt exerce em todos os níveis de ensino, também no Brasil, merece algumas considerações.

A matriz da “Teoria Crítica” desenvolvida pelos pensadores da Escola de Frankfurt fundamenta-se na lógica do marxismo. Entretanto,  ampliaram o seu alcance, tornando-a válida não só para a Economia, mas para o funcionamento da dinâmica da cultura como um todo e o potencial de manipulação da mesma por meio das mais diversas formas de comunicação social hoje disponíveis. O resultado prático leva o nome de “Indústria da Cultura”, isto é, a manipulação da produção cultural com todas as suas vertentes pelos meios de comunicação, com o objetivo de anular a individualidade e fazer  valer o pensamento politicamente correto ou a ideologia hegemônica, como ensina Gramsci. Assim a Teoria Crítica caracteriza-se como a antípoda do Idealismo que defende a individualidade como fator determinante na dinâmica da evolução das culturas. O que parece mais grave na Indústria da Cultura é o fato de negando a individualidade, as pessoas são reduzidas a simples números num rebanho tangido conforme as regras ditadas pelo pensamento politicamente correto. Com isso se destrói o princípio de que o individuo é essencialmente um ser moral dotado da capacidade de discernir o que é certo ou errado e, o mesmo tempo livre para agir de acordo ou contra os ditames dessa consciência. Os donos do pensamento hegemônico valendo-se dos meios de comunicação social, as instituições de ensino de todos os níveis e outros meios de que dispõe, tentam moldar a cosmovisão das pessoas de acordo com seus objetivos, isto é, impor a cultura de cima para baixo e desta maneira traçar o caminho de como fazer história. Neutralizam-se, melhor, destroem-se, assim,  os ditames da consciência dos indivíduos e, por isso mesmo, a ética junto com a liberdade pessoal. Ético ou moral vem a ser  aquilo que é vendido como tal pelo aparato da propaganda em todas as suas modalidades, engajada nos objetivos de um projeto cultural defendido por seus teóricos e executado pelos seus adeptos.

Abre-se com isso um leque de reflexões sem conta e efeitos embutidos na proposta da “Teoria Crítica”. Não é aqui nem o momento nem o lugar para uma reflexão exaustiva dessa questão. Chamamos apenas a atenção ao que leva a defesa da sua proposta e, sobretudo, seu significado prático, quando  entram em pauta iniciativas, projetos e estratégias para enfrentar os graves problemas que resultam da ação predatória do homem ao lidar com a natureza, “a nossa casa”, a “nossa mãe e pátria”,  explorando seus recursos e, pelo direito natural,  o justo acesso a eles por todo e qualquer ser humano. Não há necessidade de um esforço especial para concluir o que resulta na prática no momento em que o referencial do que o ético ou moral é ditado pelo politicamente correto, ou se preferirmos pela tirania do pensamento hegemônico.

E com essas considerações chegamos à última reflexão inspirada no Capítulo II da Encíclica Verde. Parece oportuno relembrar o pensamento que inspirou e com que apresentamos o livro “A Natureza como Síntese”, Edit. Oikos, 2017.

Em  dezembro de  2015, realizou-se em Paris a Conferência Internacional do Clima. Reunidos estavam os chefes dos governos das grandes potências, dos emergentes, além de representações de países do terceiro mundo. O show foi comandado  pelas estrelas dos primeiros. Não deixaram de se fazer ouvir também as vozes das organizações que pululam pelo mundo afora, com o propósito sincero ou nem tanto para salvar  o que sobrou da natureza “a casa da humanidade” na qual surgiu a espécie humana, a briga e sustenta. (A. Rambo, 2017, p. 13)

Como não podia deixar de ser os debates que orientaram aquela conferência tiveram como preocupação central os interesses geopolíticos, geoeconômicos, geoestratégicos além de outros mais ou menos legítimos ou não. O documento final assinado por 180 países o confirma mais nas entrelinhas do que nas próprias linhas. Mas esse é um assunto com que nos ocupamos em outra passagem das presentes reflexões. O que preocupa não é tanto o que o documento final assinado por perto de duas dezenas de países, mas o que falta nele. Os compromissos assumidos pelas autoridades signatárias baseia-se numa lógica que o condenam diante mão à inocuidade pelas propostas apresentadas, pelos prazos de execução estipulados e, principalmente, o cumprimento do proposto entregue à reponsabilidade e, como tal, ao arbítrio dos governos de plantão no momento de por em prática as necessárias medidas.

O documento carece de uma análise exaustiva da exigência ética e do dever moral  de que os recursos naturais são bens comuns e, portanto, a oportunidade de acesso a eles é um direito natural de qualquer pessoa. Mas,  essa questão também já foi abordada mais acima, como também já foi examinado o alerta da Encíclica tendo em vista as doutrinas e práticas de disciplinamento do corpo. Uma conclusão que não pretende esgotar toda a extensão e profundidade da relação do homem com a natureza, consiste num repensar e redefinir os conceitos políticos, econômicos, culturais, antropológicos, históricos, filosóficos, teológicos e, sobretudo, éticos e morais que regem as relações do homem com a “sua casa”, “sua mãe e pátria”. O Papa na sua encíclica sinaliza com ênfase nessa direção  ao propor uma revisão da Cosmologia e da Teologia Natural de mãos dadas com resultados que o  avanço das Ciências Naturais oferecem a todo o dia que passa.

O Novo Testamento não nos fala só de Jesus terreno e da sua relação tão concreta e amorosa com o mundo; O mostram também como ressuscitado e glorioso, presente em toda a criação com seu domínio universal. ‘Foi Nele que aprouve a Deus habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas (...), tanto as que estão na terra como as que estão no céu´. (Cl 1, 19-20). Isto lança-nos para o fim dos tempos, quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas ‘afim de que Deus seja tudo em todos’. (1Cor 15,28). Assim as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele admirado, contemplou com seus olhos humanos, agora são cheias da sua presença luminosa. (Lauato si, 100)

Acontece que a ciência e tecnologia pela sua natureza não são nem boas  nem más, em outras palavras são eticamente neutras. O homem dotado de razão e liberdade destina-as tanto para  fins moralmente aceitáveis ou rejeitáveis. Teilhard de Chardin comentando esses viés da questão deixou a advertência de que todo o progresso da humanidade deve-se às “maravilhosas  ferramentas” que as conquistadas da ciência e tecnologia desenvolveram nos últimos dois séculos. Mas, chama a atenção que há um lado preocupante em tudo isso. Os especialistas nas mais diversas áreas levam as pesquisas até ponto em que a penetração até as minúcias da estrutura  e funcionamento dos seres vivos, ou o desmonte e análise das peças de uma máquina, o fazem ignorar ou desperceber que o tecido que estão dissecando ou a peça que estão examinando, fazem parte funcional de um organismo ou que a peça que procura substituir ou consertar  foi desenhada por um engenheiro mecânico como componente funcional sem o qual o todo de uma máquina não funciona ou funciona mal quando danificado. Quando a especialização ultrapassa um determinado nível termina por confinar o universo do especialista numa redoma mental e conceitual hermeticamente limitada. Para evitar esse perigoso afunilamento da mente, Oscar Niemeyer o mais respeitado arquiteto Brasileiro recomenda que nos currículos como engenharia, arquitetura e outros mais se inclua a filosofia e história para que os especialistas ou técnicos nas respectivas áreas, estejam em condições de participar de reflexões sobre a vida. Aliás, a produção de conhecimento de alto nível, e o desenvolvimento de tecnologias de ponta do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets), deve-se, sem dúvida ao currículo dos seus cursos com o feitio recomendado pelo exímio arquiteto que projetou Brasília. A superespecialização sem a complementação de conhecimentos oferecidos pelas Humanidades, Letras e Artes pode até levar a resultados tecnicamente irretocáveis, porém, monstrengos sob o ponto de vista humano. Uma cabana de costaneiras numa paisagem rural construída por um prático semianalfabeto pode sugerir muito mais conforto, aconchego e calor humano do que um apartamento de luxo num prédio imponente no centro de uma metrópole. Voltando a Niemeyer, aquele prático certamente percebe e entende muito mais da vida e das suas alegrias e dramas humanos, assuntos do seu quotidiano do que um engenheiro enclausurado no seu gabinete climatizado, montando projetos de edifícios, viadutos, pontes. E, depois do expediente enfrenta um trânsito infernal, respira o odor do asfalto e se recolhe a um apartamento, também climatizado, sem possibilidade de encher os pulmões com a brisa da tarde cheia de vida, soprando do campo aberto. Creio que deu para sentir o que acomete muitos especialistas quando seu ofício os sega para o grande mundo humano e as pessoas que o rodeiam com seus dramas e alegrias que não são passíveis de medição com uma régua ou não previstos num programa de computador.

O Papa aponta para o pior dos resultados  negativos quando as conquistas da Ciência e Tecnologia servem como instrumentos de poder.

Não podemos, porém, ignorar que a energia nuclear, a biotecnologia, a informática, o conhecimento do nosso próprio DNA e outras potencialidades que adquirimos, nos dão um poder tremendo. Ou melhor: dá, àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder econômico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do Gênero humano e do mundo inteiro. Nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante que utilizará bem, sobretudo se considera a maneira como está a fazer. (Laudato si, 104)

Não há necessidade de grande esforço para comprovar o alerta da Encíclica. O simples fato de que a humanidade está em condições de inventar e produzir artefatos cada vez mais potentes e destruidores já por si só deveria assustar. O exemplo mais gritante temos no constante aperfeiçoamento da energia atômica para desenvolver armas de um poder devastador imprevisível. Ninguém de sã razão irá negar que de posse das tecnologias de fabricação de armas atômicas somada ao desenvolvimento de artefatos que são capazes de transportá-los a dezenas de milhares de quilômetros, transforma até países economicamente insignificantes, em ameaça para o equilíbrio regional  até do mundo todo. Em mãos de títeres ébrios de poder,  seus  recursos são canalizados em benefício de suas ambições, condenando o povo a se contentar que as parcas migalhas que sobram ou simplesmente abandonado à própria sorte. O poder que essas conquistas colocam nas mãos dos que as geram e dos que dispõem delas, é preocupante e em certos casos assustador. À tecnologia que tem como objetivo o aproveitamento cada vez mais exaustivo da energia nuclear, soma-se o arsenal dos demais armamentos destinados a alimentar guerras e conflitos. A serviço de  sistemas  totalitários e nas mãos de autênticos genocidas vitimaram dezenas de milhões de pessoas nos campos de batalha, campos de concentração e sob bombardeios impiedosos de cidades com sua população civil de mulheres, crianças, inválidos, enfermos em hospitais e idosos, no decorrer do último século. E não podemos deixar de chamar a atenção aos efeitos agressivos à natureza que acompanham ou são consequência do descontrole e do uso sem limites, por ex., do emprego da energia nuclear. Lembramos como exemplos o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki e o acidente com a usina de Chernobil na Ucrânia e de Fukushima no Japão.  Se todo esse poder e potencial tivesse sido investido para melhorar as condições de vida dos povos e não na marginalização e no mútuo extermínio, a “nossa casa” seria de fato, relembrando os conceitos que acompanham as nossas reflexões, uma “querência”, “uma mãe e  pátria”. Infelizmente, admoesta o Papa,

Tende-se a crer que toda a aquisição de poder seja simplesmente progresso, aumento de segurança, de utilidade, de bem-estar, de força vital, de plenitude de valores, como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia. a verdade é que o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder, porque o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência. (Laudato si, 105)

Bem considerado “o homem moderno não foi educado para o reto uso do poder


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 58


Não há dúvida de que essas reflexões terminam por nos enfrentarmos com uma problemática que merece atenção: a Ascese e a Moral. Trata-se de um desafio que de um lado afeta os indivíduos e da outra organizações religiosas como ordens e congregações, seitas, filosofias de vida, e por aí vai. Entram nessa linha os extremos de iniciativa individual dos anacoretas que passavam isolados em cavernas no deserto, em montanhas inacessíveis ou outros tipos de negação do mundo, jejuando, rezando e impondo-se todo o tipo de mortificações corporais. Não é nossa intenção fazer um juízo de valor sobre tais atitudes e modos de passar a existência tratando seus corpos como se fossem bestas de carga que precisam ser mantidas sob um regime de  negação daquilo para que a própria natureza os destinou.

O capítulo mais complexo de avaliar refere-se ao emaranhado cipoal de regras, diretrizes, filosofias e teologias, consolidadas em códigos, manuais, tratados e outras formas de racionalização do comportamento das pessoas. Fique claro que não estamos fustigando uma orientação sadia, um mostrar caminhos, fazer o papel de guia sem violar ou anular a liberdade de optar. Uma orientação, seja no plano material, seja no espiritual, nunca deveria  esquecer que o que faz com que um humano seja humano é a consciência do que é certo ou errado e, ao mesmo tempo, gozar da liberdade de optar pelo certo ou o errado. Em outras palavras. Qualquer  doutrina ou qualquer orientação que não tomar em consideração esse pressuposto, agride o que distingue os humanos dos outros seres vivos. Vale a pena relembrar a afirmação de Kant: “As duas coisas que mais me impressionam são o firmamento estrelado lá fora e a lei moral cá dentro”. E o filósofo da esperança, Ernst Bloch acrescenta: “Onde há liberdade há possibilidades, onde existem possibilidades há esperança e onde há esperança a harmonia na natureza é possível”. O Pe. Balduino Rambo resumiu com grande precisão essa discussão numa reflexão anotada no diário escrito na visita a Marburg, no dia 10 de julho de 1960.

A Ciência que tem como objeto a Fé, chamada Teologia, e a doutrina que se ocupa com a piedade, conhecida como nome de Ascese. Ambas espalharam uma interminável confusão entre os homens e seu Deus. Sempre de novo percebe-se a tentativa de impor leis gerais e fórmulas  indecifráveis, onde a natureza da coisa é a ausência de leis. Não estou contestando simplesmente toda e qualquer legislação que se opõe à essência do divino, mas a rejeição das leis racionalistas impostas pelo homem. Respeitemos essas leis e as entendamos até certo ponto. Nenhuma mente, nem todas elas reunidas são capazes de abarcar todo o seu sentido. Aproxima-se da fronteira com o Hybris[1] no momento em que se pretende regulamentar com leis o relacionamento com Deus. Apesar de dois mil anos de Revelação e apesar das elucubrações do homem, desde que a terra existe, é sempre o mesmo e toda a soma do conhecimento humano, mostrou-se um vaso pequeno demais para conter a incomensurável grandeza do sentido contido no Mistério de Deus.
Enquanto a Ascese não for  uma expressão singela do dogma, da lei moral e da razoabilidade, não passa de mais um conhecimento humano falível e cheio de falhas. Também nos dias de hoje a tirania das opiniões é poderosa o suficiente para torturar até a morte pessoas de sentimentos apurados e provocar a revolta dos que não concordam. O tempo para as ordens religiosas na forma atual, um dia terá passado. Não o heroísmo no serviço de Deus, mas o tempo em que esse heroísmo era medido com a régua dos donos da piedade.
Deus é o eterno vivo. O homem tende a transformar Deus num fóssil. Ele projeta a sua pequenez e estreiteza de coração sobre a percepção que faz de Deus e se diverte como uma criança quando essa representação corresponde de alguma forma à imagem que tem de si próprio. Quem ousaria desencadear essa revolução que há muito está madura.

Salvo melhor juízo essa reflexão do Pe. Rambo abre o caminho para entender a “lógica” de como lidar com o  humano, com a “Menschlikeit”, na sua autenticidade ontológica e as consequências quando ocorrem distorções mais ou menos sérias e profundas na sua interpretação. A sina da racionalização como critério maior para regulamentar a vida das pessoas é a deformação das personalidades das pessoas ao ponto de reduzi-las a escravas de códigos, manuais, rituais, prescrições  legais, etc., etc. Não passam de caricaturas  de seres humanos condenados a formar autênticos rebanhos, que impedem o livre desabrochar das potencialidades do coração ou, se preferirmos, da alma. Em tais situações a pregação sobre a liberdade dos filhos de Deus, não passa de um engodo. No momento em que se engessa o comportamento com teses teológicas herméticas para garantir a “ortodoxia da fé” e com cânones e regras que disciplinam e categorizam  até as ultimas minúcias o quotidiano das pessoas, violenta-se o que há de mais sagrado no ser humano: a liberdade de optar pelo que lhe parece melhor para viver como “livre filho de Deus”, orientado pela  consciência do “certo e errado”  definido pela Lei Moral. Que fique bem claro que não estamos propondo uma sociedade sem leis e regulamentos, nem no plano religioso nem no civil. Qualquer tipo e qualquer tamanho de organização requer regulamentação pois, o ser humano é um ente social por natureza e, por isso tem compromisso com seus semelhantes.  Quando, porém, o disciplinamento, pela ascese no plano espiritual e pelas leis e regulamentos no plano civil não permitem mais o espaço mínimo indispensável para a autonomia das pessoas, deixam de ser instrumentos para se tornarem fins. Em vez de servirem de instrumento de aperfeiçoamento dos indivíduos e suas relações com os demais violam a liberdade das pessoas e engessam o convívio humano. Numa situação dessas não sobra espaço para  uma autêntica piedade, um usufruir pleno dos bens  oferecidos pela natureza, nem tão pouco deliciar-se com a arte e emocionar-se com o belo inerente aos fenômenos naturais, às paisagens e às criaturas mais “insignificantes” que as habitam.  Há mais de um século Nietzche alertou para o lado perverso da tirania das leis, ao se referir ao Estado. Vale também para as organizações religiosas. “Antigamente havia  povos e rebanhos, não entre nós, irmãos. Entre nós temos o Estado. Estado? O que vem a ser? Vamos lá. Abram bem os ouvidos para escutar o que penso da morte dos povos. O Estado é o mais gélido de todos os monstros. Mente com frieza. A mentira flui da sua boca: Eu, o Estado sou o povo”. (Nietzsche, 1913, p. 61). No plano religioso, de modo especial no que diz respeito à Ascese o excesso de regulamentação, codificação, estatística de boas ações, contagem e medição de orações, vem acompanhado de outro fator de risco. Os mecanismos de controle implícitos na regulamentação conferem poder aos que os dominam  e controlam. Sem entrar em particularidades ou individualizações, este é um  fenômeno mais ou menos explícito presente em toda e qualquer organização, também no contexto das organizações religiosas, independente da visão confessional que defendem. E é mais uma vez Nietzsche que alerta: “No momento em que se chamam a si próprios de ‘bons e justos’, lembrem-se que não lhes falta nada, a não ser o poder, para serem fariseus”. Nietzsche, 1913, p. 140). Um pouco mais adiante o filósofo insiste: “Não quero ser  igualado e misturado com esses pregadores da igualdade pois, os homens não são iguais”. (Nietzsche, 1913, p. 146)

Dando mais um passo, essas reflexões nos levam a um outro efeito calamitoso da tirania que mede tudo com a régua da racionalidade no plano civil e/ou religioso ou pelas idiosincracias dos pregadores que se julgam donos da verdade. Poderíamos classifica-lo como “efeito rebanho” resultado das pregações da igualdade entre os seres humanos que pela sua própria natureza são diferentes. Cada ser humano é uma individualidade única, não repetida e não repetível. O provérbio da sabedoria popular que afirma que “depois de criar um ser humano, Deus  quebra imediatamente a fôrma, para evitar uma réplica no futuro”, continua válido no  sentido mais rigoroso do termo. Pelos critérios aceitos para a classificação taxonômica clássica, todos os seres humanos pertencem à mesma espécie, subdividida em numeráveis raças de cor, estatura, e traços fisionômicos diversos, Mas, no fundo no fundo, as papilas dos dedos e o DNA, por ex., demonstram a identidade dos vivos, dos mortos e mesmo de restos fósseis de milhares de anos passados, que não se constatou até hoje, uma perfeita identidade entre dois seres humanos contemporâneos ou de períodos diferentes da história. É por esse motivo que  a identificação pelas papilas digitais, onde ainda é possível e hoje, principalmente, pelo DNA, são aceitos legalmente como provas de identificação.

Como no plano biológico a individualidade, a unicidade de cada ser humano, verifica-se também na dimensão psicológica e espiritual. E é neste plano que que os pregadores das doutrinas e ideologias que procuram degradar as pessoas a mais uma ovelha do rebanho, ou mais um lobo da alcateia, cometem os crimes mais deploráveis, privando o indivíduo da possibilidade desenvolver a dignidade na sua unicidade. Este é, segundo Nietzsche  o crime cometido pelos pregadores da igualdade, entre os homens que não são  iguais. A essa filosofia política subjaz a proposta de “sociedade sem classes” do marxismo, da sociedade dominada pela “filosofia ou ideologia hegemônica” de Gramsci,  a “mentira em cascata” de Goebels, a “Teoria Crítica” da Escola de Frankfurt e por aí vai.



[1] Hybris No seu conceito original grego significa tudo que passa da medida. – orgulho exagerado – presunção – arrogância. O oposto da virtude.