REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 56


Em “A Linguagem de Deus”, Collins descreve  o caminho “tortuoso” até encontrar uma  solução “intelectualmente satisfatória para essa busca da verdade”. Depois de perambular pela química, pela física e a medicina encontrou o caminho na “genética médica” que lhe permitiu aliar o amor pela ciência e a matemática e o desejo de ajudar as pessoas. O convívio com os pacientes nas enfermarias dos hospital chamou sua atenção sobre o vasto mundo das alegrias e, principalmente, dos dramas que fazem parte dos quotidiano das pessoas comuns.  Este é o mundo que não aparece nem conta nas provetas nas lâminas dos  microscópio, nas reações químicas, nos cálculos estatísticos nem nas leis  da física. Aos poucos foi chegando à conclusão de que “Deus era muito mais atraente do que o ateísmo que até então tinha adotado”. Aos poucos foi-se convencendo de que não havia nenhuma  contradição de fundo entre as verdades  científicas e as espirituais. Entrou na “American Scientific Affiliation, formada por milhares de cientistas dos Estado Unidos que creem em Deus. Nos seus encontros, reflexões e publicações, saíram não poucas propostas que fazem sentido, oferecendo saídas inteligentes para harmonizar  a ciência e a fé. Sobre esses cientistas , Collins concluiu.

Confesso que durante muitos anos não prestei muita atenção ao potencial para conflitos entre a Ciência  e a fé – não parecia tão importante assim. Não  havia muito a  descobrir, na pesquisa cientifica, sobre a  genética humana e havia bastante a descobrir sobre  natureza de Deus lendo e discutido sobre a natureza de Deus e discutindo a fé  com outros que acreditavam nele. A necessidade de encontrar a harmonia de minhas visões do mundo   veio.  definitivamente, com o estudo do genoma – nosso e  o de diversos organismos do planeta  - e começou a decolar, oferecendo-me um ponto de vista incrivelmente rico e detalhado de como ocorreu a evolução por modificações  a partir de um ancestral comum. Aquilo para mim, em vez de algo não resolvido era uma evidência distinta do parentesco entre todos os seres  vivos, um momento de admiração. Percebi que se tratava de um plano em detalhes do mesmo Todo-Poderoso que trouxe o universo e estabeleceu seus parâmetros físicos de forma precisa, a fim de permitir  criação de estrelas, planetas, elementos pesados e a própria vida. Sem saber seu nome na ocasião, firmei-me, confortavelmente, numa síntese que em geral é denominada “evolução teísta”,  um a posição que acho muitíssima satisfatória até hoje (Collins, 2007, p 204-205).

A proposta de Francis Collins, o cientista que decifrou as  últimas vírgulas da “linguagem do genoma” e com isso mergulhou nos arcanos mais misteriosos da vida, sinaliza que a natureza, a partir das muitas perspectivas que podem ser observadas e entendidas, é uma síntese harmoniosa, moldada pelos resultados pelas Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. Explica em seguida o que se entende por “evolução teísta”. Observa que nas grandes bibliotecas o espaço reservado para o Darwinismo costuma ocupar  estantes e mais estantes, assim como o Criacionismo e o Design Inteligente. O conceito de “Evolução Teísta” é pouco mencionado mesmo entre os cientistas que creem em Deus. Chama a atenção que entre os biólogos sérios e que acreditam em Deus, entretanto,  a Evolução Teísta conta com defensores renomados em suas respectivas especialidades. Cita, entre outros; Asa Gray, o mais importante defensor do darwinismo nos Estados Unidos  e Theodosius Dobzhansky, talvez o mais importante geneticista  do século XX e convicto defensor do pensamento evolucionista. Além desses e outros cientistas, a ideia da Evolução Teísta encontra-se na base da doutrina do Hinduismo, do Islamismo, do Sionismo  e do Cristianismo. É aceita por João Paulo II e seu antecessor Pio XII nas duas Encíclicas, “Divino Aflante Spiritu” e “Humani Generis”, já nossas conhecidas. Pode ser identificado também no pensamento de Maimonides,  judeu do século XII e Santo Agostinho adotaria sem maiores restrições a Evolução Teísta se dispusesse das conquistas de que hoje dispomos.  Sutilezas e  variações à parte, a Evolução Teísta fundamenta-se nos seguintes pressupostos, sintetizados por Collins.

Primeiro. O universo surgiu do nada, há aproximadamente  14 bilhões de anos. Segundo. Apesar das probabilidades incomensuráveis, as propriedades do universo parecem ter sido ajustadas para a criação da vida. Terceiro. Embora o  mecanismo exato da origem a vida na terra permaneça desconhecido, uma vez que a vida que a via surgiu, o processo de evolução e de seleção permitiu o desenvolvimento da diversidade biológica e da complexidade durante espaços de tempo muito vastos. Quarto. Tão logo a evolução seguiu seu rumo não foi necessária nenhuma intervenção sobrenatural. Quinto. Os humanos fazem parte desse processo, partilhando um ancestral comum com os grandes símios. Sexto. Entretanto, os humanos são exclusivos em características que desafiam a explicação evolucionista e indicam nossa natureza espiritual isso inclui a existência da Lei Moral (o conhecimento do certo e do errado) e a busca de Deus que caracterizam todas as culturas humanas. Collins, 2007, p. 206).

 Collins, entrando  mais a fundo na questão chama a atenção que a proposta “teísta” oferece uma “síntese perfeitamente aceitável que satisfaz intelectualmente e tem consistência lógica. Deus não é limitado pelo espaço e o tempo e, nessa condição, criou o universo e muniu-o com as leis naturais que o regem:

Para povoar este universo antes estéril com criaturas vivas, Deus escolheu o mecanismo distinto da evolução para criar micróbios, plantas e animais de todos os tipos. O mais extraordinário é que Ele escolheu, propositadamente, o mesmo mecanismo para originar criaturas especiais que teriam inteligência, conhecimento do certo e errado, livre-arbítrio e desejo de afinidade com Ele. Deus também sabia que esses seres, ao fim, optariam por  desobedecer a Lei Moral. (Collins, 2007, p. 207).


Uma outra reflexão de não pouco significado e importância prática encontra-se implícita quando o Papa fala  da relação de Cristo com os mais diversos estímulos que a natureza oferece. Para tanto cita o São João (4,35): “Levantai  os olhos e vede os campos doirados para a ceifa”. Ou quando lembra  o evangelho segundo São Mateus (Mt 13, 31-32): “O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem  tomou e semeou no campo. É a menor de todas as sementes; mas, depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore”. Poderíamos acrescentar muitas outras passagens dos Evangelhos que demonstram a preferência de Cristo com o contato direto com a natureza nas suas andanças evangelizadoras pela Terra Santa. Não foi no templo nem nas sinagogas que anunciou a Boa nova, mas ao ar livre como foi o célebre “Sermão da Montanha” para anunciar as bem aventuranças. A preparação dos discípulos para futura missão evangelizadora tinha como cenário as caminhadas pelas estradas, caminhos e trilhas da Palestina, sempre em íntimo contato e a presença da paisagem natural com sua vegetação, seus rebanhos e, principalmente os homens, mulheres e crianças. Inspirado nessas realidades as utilizava como metáforas pedagógicas para fazer entender o significado dos seus ensinamentos. Ensinou, na prática ao que já chamamos várias a atenção. A natureza é o mais autêntico código com que  Deus se revela aos homens e com eles se comunica. Mas para decifrá-lo pressupõe-se um mínimo de contato com os seus caracteres oferecidos em inúmeras formas, cores, sons, perfumes, sabores e tatos, que natureza oferece em incontáveis modalidades. E é nesse nível que a atual civilização vive seu impasse crucial nas relações com a sua “casa”, com a sua “mãe e pátria”. Confinadas em grande  parte  em centros urbanos, metropolitanos e megametropolitanos, as pessoas estão sendo impedidas  de usufruir o contato diuturno e direto para com as realidades naturais. A esse fenômeno  já nos referimos mais acima. Mas, não é redundante relembrar que com isso o coração está sendo impedido de receber os estímulos que acionam o inexaurível potencial de emoções, sensações, manifestações de afeto, solidariedade e amor. Enfim dar vasão à plenitude do que há de mais  humano no homem entendido por “Menschlichkeit”, conceito de difícil tradução literal. Mas, essa problemática já foi analisada em outro momento das nossas reflexões. De qualquer modo creio que não está fora de propósito arriscar uma interpretação sobre a discussão que está rendendo tanta polêmica nos meios de comunicação e municiando as conversas informais  das pessoas de todos  os níveis de formação. Refiro-me às manifestações e obras de “arte urbana” em todas suas modalidades. Trava-se uma verdadeira guerra  entre seus defensores  e seus críticos. Os critério para catalogar esse tipo de manifestações como peças artísticas são obviamente muito relativos como, aliás, em tudo no modelo da civilização pós-moderna. Concedamos que a pichação de muros e paredes, a exibição da nudez em praça pública diante de crianças e manifestações que beiram o grotesco e o ofensivo, sejam demonstrações de arte. Mas, falta-lhes o elemento fundamental que sublima as obras executadas pelo homem e desenhadas e esculpidas pela natureza: “não  irradiam o Belo”. E não irradiando de alguma forma o Belo, são no mínimo discutíveis como manifestações de arte porque a essência de uma obra de arte consiste em por em ebulição as reações que tocam o que há de mais humano no homem: a capacidade de transcender a materialidade e a racionalidade e simplesmente admirar, saborear, degustar e deixar-se levar pelo coração e não pelo cérebro. 

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 55


A Encíclica dedicou os parágrafos finais do capítulo segundo o que chamou de “Olhar de Jesus” registrada pelos evangelistas. Em (Mt 11,25) o evangelista reafirma a fé bíblica de que Deus é o Criador  do universo e de tudo que nele existe e vive. Além disso Ele não somente é o Criador mas o Pai da Criação. Como tal  Jesus insistia com seus discípulos nessa relação paterna de Deus com Natureza por Ele criada. Cada criatura é importante pelo simples fato de existir e fazer parte integrante e exercer uma função no projeto da Criação. Na avaliação de Edward Wilson, mais vezes citado nas páginas anteriores, as milhões de micro e nano espécies que povoam a terra, pincipalmente os solos, chamados de “bichinhos” segundo a terminologia das pessoas comuns, são de fundamental importância para manter o equilíbrio do todo. E o Papa referindo-se às mesmas criaturas afirmando que, sendo seu Criador, Deus mantem uma relação paterna com elas, pois cada uma é importante aos Seus olhos. “Não se vendem cinco pássaros por pequenas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus”. (Lc 12,6). Vistas de perspectiva diferentes o Cientista e “humanista secular” e o Papa chegaram à mesma conclusão. Aos seres vivos todos, não importa a categoria taxonômica a que pertencem, são de alguma forma  criaturas de Deus, portanto, cabe um lugar e uma atribuição, tanto no plano espiritual quanto no científico.

Salvo melhor juízo, tanto filósofos quanto teólogos fariam bem em descerem dos seus olimpos de especulação teórica para prestarem um pouco mais de atenção à profundidade do significado da narração dos evangelhos. A disputa entre os que teorizam sobre a “imanência” ou “transcendência” de Deus na Natureza perdem muito da sua importância, diante da afirmação do Papa quando chama a atenção de  que,

O Senhor podia convidar os outros a estar atentos à beleza que existe no mundo, porque Ele vivia em contato permanente com a natureza e prestava-lhe uma atenção cheia de carinho e admiração. Quando percorria os quatro cantos da sua terra, detinha-se a contemplar a beleza semeada por seu Pai  e convidava os discípulos a individuarem, nas coisas, uma mensagem divina: “Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa”. (Jo 4,35). (Laudato si, 97)
Jesus vivia em plena harmonia com a criação, com grande admiração dos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”. (Mt8,27). (Laudato si, 98)

Não é aqui nem o momento nem o lugar para entrar mais a fundo nas razões que municiam os defensores da “imanência” de um lado e do outro, da “transcendência”. Tomando em consideração as conclusões de não poucos dos cientistas mais renomados em diversas especialidades e frente as conclusões que a Encíclica sugere, concluem que as duas posições teológicas se complementam. Pela imanência Deus se manifesta nas suas criaturas mas, em não se confundindo com elas Ele, e de alguma forma Criador de todas coisas, “transcende-as”.

Continuando o Papa toca numa questão que já deu e ainda dá muita munição aos teólogos doutrinadores e às pessoas de todas as categorias sociais e de todos os níveis de formação. Novamente citando o Evangelho segundo Mateus, Jesus

não se apresentava como um asceta separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida. Falando de Si mesmo, declarou ‘Veio o Filho do Homem que come e bebe, e dizem: Aí está um glutão e bebedor de vinho’ (Mt 11, 19). Encontrava-se longe das filosofias que desprezavam o corpo, a matéria e as realidades deste mundo. Todavia, ao longo da história, esses dualismos combalidos tiveram notável influência nalguns pensadores cristão e desfiguraram o Evangelho. Jesus trabalhava com suas mãos, entrando diariamente em contato com matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de  artesão. É digno de nota que a maior parte da sua existência terrena tenha sido consagrada a essa tarefa, levando uma vida simples que não despertava maravilha alguma. “não é ele o carpinteiro, o filho de Maria?” (Mt 6,39) -  (Laudato si, 98).

A citação que acabamos de registrar lembra a doutrina que Jesus Cristo como segunda  pessoa da Santíssima Trindade participou da criação do universo, da natureza e seus recursos, as plantas, os animais e o homem. Portanto, como Deus está presente na criação como um todo, em cada um dos seus componentes, especialmente  nos seres vivos e de forma especialíssima em cada uma das pessoas que formam essa grande família da humanidade. “Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa  pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a sua origem. ‘Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele’, ensina João Paulo II na Encíclica  “Laborem exercens  de 14 de setembro de 1981”. (Laudato si, 99)

Complementando esse aspecto da doutrina cristã sobre a participação de Jesus Cristo na Criação, soma-se um segundo aspecto  que é de fundamental importância na prática do Cristianismo pelas pessoas e as organizações, práticas que se foram consolidando no decorrer dos 2000 anos de sua existência. A Encíclica depois de afirmar que  Cristo como Deus, é, de fato o criador de tudo o que existe no universo, insiste também que pela encarnação, assumiu a condição humana,  a “Menschlichkeitt”,  no sentido pleno do conceito. Em continuação às reflexões o Papa explicita detalhadamente o alcance do significado da encarnação de Deus na Natureza.

O destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo que nela está presente desde a origem. ( ... ). O prólogo do Evangelho de João (1, 1-18) mostra a atividade criadora de Cristo como palavra divina (Logos). Mas o mesmo prólogo surpreende ao afirmar que esta Palavra “se fez carne (Jo 1, 14). Uma pessoa da Santíssima Trindade inseriu-se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até a cruz. Desde o início do mundo, mas de modo peculiar a partir da encarnação, o mistério de Cristo opera veladamente no conjunto da realidade natural, sem com isso afetar a sua autonomia. (Laudato si, 99)

Penso que aqui é o lugar para fazer  referência à reflexão de Francis Collins, diretor do Projeto Genoma humano, nosso conhecido por citações mais acima, um dos mais conceituados genetecistas da atualidade, ao encontrar  uma alternativa para os conceitos como “criação”, “inteligente”, “fundamental”, “planejador” e outros na mesma linha, sujeitos à  forte rejeição da parte dos cientistas.

Minha modesta proposta é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos”, ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos  reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia, Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de “Deus”, como expressou de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo e o Verbo era “Deus” (João 1,1). BioLogos expressa a crença de que Deus é fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. (Collins, 2,007, p. 209)

A proposta de conciliação entre a Ciência e a crença em Deus proposta por Collins com o conceito de BioLogos, assim como ele  explica  o seu sentido, abre caminho para uma possível saída para formular  uma Teologia da Natureza coerente e que satisfaça ambos os lados. Mas o próprio autor da proposta do BioLogos aponta para algumas dificuldades que sua aceitação enfrenta, tanto da parte do lado científico quanto do filosófico-teológico. “Do lado religioso da divisão, poucos teólogos de destaque conhecem, hoje em dia, detalhes suficientes da ciência biológica para respaldar essa perspectiva com convicção, diante das enormes objeções dos defensores do criacionismo ou do Design Inteligente”. (Collins, 2007, p. 208). Collins, porém, observou que se vislumbram sinalizações importantes de que na cúpula da Igreja Católica, por exemplo desenham-se perspectivas de uma aliança com as Ciências Naturais para uma compreensão  que concilia a ambos os lados. Para tanto cita nada mais nada menos do que João Paulo II numa mensagem à Pontifícia Academia de Ciências. Ele como crente, porém não católico, que classificou de inteligente e corajosa a afirmação do Pontífice: “que novas descobertas nos guiam ao reconhecimento da evolução como mais do que hipótese”. Na mesma mensagem João Paulo II teve o cuidado de não  contestar nem por em risco  a posição católica definida por Pio XII na Encíclica Humani  Generis, de que “se a origem do corpo humano vem de matéria viva que existiu  anteriormente, a alma espiritual é criada diretamente por Deus”.(Mensagem à Pontifícia Academia de Ciências sobre Evolução, 22 de outubro de 1996).

Não há necessidade de insistir que a mensagem de João Paulo II tenha  merecido uma avaliação entusiasta da parte  dos cientistas que creem em Deus como também da parte dos teólogos, filósofos, humanistas, literatos e  artistas, abertos e sedentos de um diálogo sério e isento de preconceitos sobre as questões de fundo,  implícitas no universo e na natureza. A mensagem do Papa aos cientistas, na verdade, não é nada mais do que a reafirmação e a explicitação da posição oficial da Igreja definida nas encíclicas “Divino Afflante Spiritu” de 1943 e “Humani Generis” de 1950 de Pio II. Altas autoridades da Igreja Católica, como por ex. o Card. Schönborn de Viena, minimizaram depois da morte de João Paulo II, o valor doutrinário do conteúdo da sua mensagem. Schönborn classificou-a como “um tanto imprecisa e irrelevante” e insistiu em levar mais a sério a orientação proposta pelo “Design Inteligente”. Acontece que o Design Inteligente enfrenta uma série  de restrições. A teoria não foi formulada por um cientista que crê em Deus, nem por um teólogo nem filósofo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley, no final do século XX. Gozou de uma enorme popularidade e sua inclusão nos currículos escolares ao se tratar da Evolução,  chegou a ser recomendada até pelo Presidente dos Estados  Unidos.

Para começar põe-se uma séria dificuldade  que se relaciona com o exato sentido do conceito do que seja o Design Inteligente. À primeira vista no entender de Francis Collins, parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo”. (Collins, 2007, p. 188). Terminou, por fim, predominando a ideia de que o Design Inteligente  serve de resposta para as implicações inerentes ao conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto  de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não  pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são as mutações espontâneas, ocasionais, vantajosas e perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só pode ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida. O principal obstáculo para a aceitação do Design Inteligente como teoria científica é o fato de que, ela, bem considerada, não é uma teoria científica pois, uma teoria científica prevê a possibilidade de outras descobertas e deixa o caminho aberto para  verificações  complementares. A tudo isso acresce o enorme a avanço das ciências depois da apresentação do Design Inteligente. Desde então foram identificados muitos dos processos na natureza que até então pareciam de “complexidade irredutível”. Os  avanços científicos  alertam para o fato de que o Design Inteligente esconde a armadilha de confundir o “desconhecido” com o “desconhecível”. 

Se de um lado, o DI não consegue oferecer uma sustentação científica  consistente, assim também não convence como solução teológica. Parece-se mais como o “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, invocado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não conta do recado. Traduzindo para a  linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos  antigos, corresponde ao “deus das lacunas”. No momento em que a ciência se defronta com um impasse sério na identificação de um fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre a uma explicação fora do âmbito da ciência, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador, para preencher “a lacuna”. Na sua essência não difere da posição do  pastor de cabras e ovelhas  do neolítico ao observar  e ao apreciar a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história observando a trajetória diária ou os ciclos mensais da lua.

Mas há um outro aspecto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onipresença e a onisciência. Levado às últimas consequências, “o DI apresenta o Todo-Poderoso como um criador atrapalhado que, de tempos em tempos, precisa intervir para corrigir as insuficiências do projeto original, do qual se originou a complexidade da vida” ”. (Collins, 2007, p. 200). Diante desse quadro, a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito

Duas questões ainda merecem destaque. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI, normalmente fieis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escrituras ao pé da letra e a mão da Criação de Deus, e ao mesmo tempo respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Em meio a essa polêmica, a avassaladora  influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar importante. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel que o evolucionismo leva necessariamente ao materialismo ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições ignorando-se ou combatendo-se mutuamente, ambas terminam num beco sem saída. Richard Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo  citado  por Collins, mostra em que terminam posições excludentes. “O universo que observamos tem, exatamente, as propriedade que esperaríamos que existissem, na verdade, sem “design”, sem finalidade, sem ala e sem bem, nada além de uma indiferença cega a impiedosa?”. Collins responde a Dawkins. ”Que jamais seja assim!. Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade” (Collins, 2007).