Edward Wilson (1929) - 9

Quem nos últimos 60 ou 70 anos esteve envolvido como a evolução da universidade brasileira, pública ou privada, certamente percebeu que a formação com bases mais amplas no começo, foi cedendo lugar a uma orientação acadêmica e curricular, voltada para objetivos técnicos e utilitarista precoces. Eu pessoalmente não só acompanhei como me envolvi ativamente nessa trajetória, durante 30 anos numa  universidade pública e 59 anos numa particular. Até a primeira reforma do ensino superior em 1961 a assim apelidada “alma mater” dessas instituições tinha como centro polarizador a faculdade de “ Filosofia, Ciências e Letras” que se encarregava de oferecer as bases de uma formação  de  amplos conhecimentos básicos de caráter generalista. Áreas  de conhecimento como por ex.,  a História e a Geografia, hoje  quilômetros de distância uma da outra ofereciam um currículo comum integrado ao ponto de conferirem um diploma único de bacharel ou licenciado em História e Geografia. A “alma mater” atraía em grande número estudantes das demais faculdades, mesmo das consideradas mais técnicas com a Engenharia Civil, a fim de complementar a formação cursando disciplinas como Filosofia, Antropologia, Psicologia, Química, Física, línguas etc. Num determinado ano, dos 72 matriculados nas disciplinas introdutórias à Filosofia na universidade pública em que atuei, menos de uma dúzia buscava o diploma nessa área. Os demais procediam de um  caleidoscópio de áreas como a economia, a medicina, a engenharia, odontologia, jornalismo e outras mais. O simples convívio entre esses alunos na mesma sala de aula convidava para reflexões interdisciplinares que abriam as janelas para horizontes amplos e enriquecedores para os futuros profissionais. Dos perto de 60 anos que atuei na universidade particular envolvi-me ativamente em todos as suas fases, desde o primeiro curso oficializado em 1953 e em funcionamento desde 1954, passando pela criação da universidade em 1969, até assumir  a coordenação do mestrado de História e o credenciamento do doutorado de História como o primeiro da instituição neste nível. Até o começo da década de 1960 o modelo que tomava forma, em essência era o mesmo das demais universidades em funcionamento no país, ou as faculdades isoladas que se multiplicavam em ritmo acelerado, todas elas hoje evoluídas para centenas de universidades espalhadas perlo país inteiro. De alguma forma todas essas instituições adotavam, até a entrada dos anos 80, uma organização  curricular que favorecia uma base de formação mais ampla e genérica para todos os cursos especializados oferecidos. Na minha os alunos novos que se matriculavam  a cada  semestre letivo, passavam pelo “Básico” com um total de 20 créditos obrigatórios: História do Pensamento, Antropologia (Introdução ao estudo do homem), Lógica e Metodologia, Português e Realidade Brasileira. Inglês e Matemática eram optativas. Uma vez no curso profissional todos os alunos tinham que obrigatoriamente cursar mais duas disciplinas de formação geral: Humanismo e Tecnologia e Ética Profissional. Não há necessidade de provar que as vantagens em termos de colocar a base da formação num fundamento comum, facilitaria em muito o intercâmbio e a compreensão entre os diversos campos do saber e a prática de uma autêntica  interdisciplinariedade. Em outras palavras. Os egressos dos mais diversos cursos levavam para a vida profissional conhecimentos e conceitos, enfim uma linguagem que   facilitava o diálogo entre um engenheiro e um filósofo, um economista e um antropólogo, um linguista e um historiador.

Infelizmente a partir  da década de 1990 esse modelo acadêmico foi  sendo substituído por uma concepção de universidade de perfil empresarial, profissionalizante, tecnocrático posto em prática por meio de um aparato burocrático exacerbado. Para tanto foi preciso mexer nas próprias bases do perfil que até então orientava aa instituições. A formação básica e genérica foi banida da estrutura curricular com o argumento de que não se podia perder tempo impondo disciplinas “sem utilidade”, atrasando  a formação profissional. Disciplinas como “Humanismo e Tecnologia” e “Ética Profissional” foram departamentalizadas e com isso sua existência entregue ao arbítrio das instâncias burocráticas responsáveis pela execução do projeto acadêmico dos diversos cursos.  Dessa forma o caminho para a formação de técnicos e burocratas bitolados e sem visão suficiente para uma análise crítica  dos problemas econômicos, sociais e políticos que lhes compete resolver, tornaram-se os referenciais da rotina acadêmica. Uma outra consequência que dá a pensar foi a perde de espaço da Filosofia, Ciências Humanas, Letras e Artes nas prioridades acadêmicas em favor de uma hipertrofia beirando a paranoia, de  setores essencialmente voltados para as técnicas  e tecnologias destinadas à administração e gerenciamento da complexidade dos desafios práticos. Nesse contexto o lugar e a importância da pessoa humana não passa do discurso e das declarações  dos responsáveis  pela “missão” que de fato não passa de um acidente que pouco ou nada conta. Esse clima afetou inclusive os currículos profissionais individuais que expurgaram da sua programação disciplinas que lhes pareciam  dispensáveis. Um exemplo deplorável foi a retirada do currículo do Direito da disciplina do Direito Romano. O que se pode esperar de uma decisão dessas? Sem informações mínimas, em conhecimentos  da natureza, da históriaca e  da competência própria da área, formam-se peritos em manipular leis, rábulas de porta de delegacia, juristas no sentido pleno do temo, nem pensar, aliás parece que nem interessam. Esse fenômeno contaminou inclusive os cursos de formação humanística como a História. As disciplinas oferecidas não tem conexão umas com as outras, dedicam uma preocupação exagerada em reescrever e reinterpretar os acontecimentos históricos à luz de ideologias na moda. Falta-lhes a base dos conhecimentos garantidas pela Filosofia da História, pelo estudo da evolução do Pensamento Humano, por disciplinas complementares como a Geografia, a Antropologia, a Etnografia, a Etnologia,  a Arqueologia. O que se pode esperar de um historiador formado nessas condições? Estudos de casos amarrados artificialmente, para não dizer grotescamente, às teorias da moda do momento. Com essa afirmação não se pretende desqualificar esse tipo de questões quando tratados com a devida objetividade. Mas para um verdadeiro historiador esse perfil é muito pobre. Hoje a universidade, em vez de abrigar um Centro ou um Instituto de pesquisa e inovação tecnológica de ponta, evolui em direção ao formato de um Distrito Industrial no qual principalmente a Filosofia, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes vão sendo condenadas a ocupar o lugar do “primo pobre”.

Depois desse desvio sugerido pelos cinco princípios de Wilson retornemos à sua proposta “para salvar a vida na terra”. No capítulo 15 ele sugere como deve ser feita a educação de um “naturalista”. Note-se que emprega o conceito de Naturalista em vez de cientista, biólogo ou qualquer outro do gênero. Por Naturalista entende-se uma pessoa que conhece de alguma forma todos os aspectos de que a Natureza é composta, sua estrutura orgânica, seu funcionamento e sua história evolutiva. Um Naturalista, portanto, é conhecedor generalista da Natureza capaz de concebê-la como um todo, como “um fato objetivo”, como ele a definiu em outra passagem da sua obra, e assim colaborar com proposta e iniciativas munidas do potencial capaz de contribuir  efetivamente para “salvar a vida na terra”. Para ele a formação de um autêntico naturalista começa cedo na infância.

A ascensão à natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos da vida. Toda a criança é uma naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres”. (Wilson, 2008,  p. 158).

Wilson resume depois a história do afastamento gradual do homem do seu habitat natural com o começo da agricultura e domesticação de animais há 15000 anos atrás, dando início ao Neolítico. Esse distanciamento vai-se acentuando durante a pré-história, a história antiga, até que no final da Idade Média praticamente todos os ecossistemas habitáveis no planeta, exibiam de alguma forma a presença e a interferência do homem. O processo de  “humanização” porém entra num ritmo cada vez mais acelerado a partir das grandes navegações transoceânicas. Essas tiveram como consequência a presença e a colonização em larga escala na América, na África, na Ásia e na Oceania. O ímpeto desse processo tomou fôlego ainda maior com a Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XVIII, para transformar-se em furacão devastador no final do século XIX  durante todo o século XX, e no começo do século XXI.

Mesmo assim, os instintos ancestrais continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte, nos mitos e na religião, nos parques e jardins, nos esportes da caça e da pesca, tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais tempo nos jardins zoológicos do que eventos esportivos profissionais, e ainda mais tempo nas áreas protegidas dos  parques nacionais, cada vez mais abarrotados de visitantes. A recreação nas florestas naturais e reservas naturais – isto é, nas partes que permanecem intactas – gera uma renda substancial, da ordem de 20 bilhões de dólares anuais, ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da Natureza virgem. Um  símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em um ambiente pastoral ou natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não esquecido. Observar  pássaros se tornou um importante hobby e uma próspera indústria. Ser naturalista não é apenas uma atividade, e sim um honroso estado de espírito (Wilson, 2008,  p. 159).

Nessa passagem, Wilson oferece nas linhas, mas principalmente nas entre linhas, uma riqueza de informações e sugestões úteis,  capazes de levar as pessoas a  compreender o que significa para a sua existência a “mãe e pátria” como o Pe. Balduino Rambo se referiu à Natureza.  Começa por ai que que o homem se acha existencialmente  inserido nela e, por isso mesmo, a sua existência e sobrevivência depende dela. Em resumo,  a identidade biológica da espécie humana  é feita da mesma matéria prima da natureza mineral e orgânica; na Natureza encontra os meios para a sua subsistência; na Natureza busca as inspirações para construir o seu universo simbólico. Como já  insistimos mais acima, as conquistas tecnológicas postas em andamento a partir do Neolítico, foram afastando o homem cada vez mais do contato e convívio intimo com o seu entorno natural. No momento histórico em que vivemos hoje grande parte da humanidade passa o dia a dia, não  na sombra das árvores da floresta ou na liberdade dos horizonte sem limites de uma savana, de uma estepe ou de uma pradaria, mas no artificialismo de uma metrópole empestada pelo odor do asfalto,  prisioneiro de engarrafamentos monumentais e acuado por uma rotina diária que desafia a capacidade de resistência das pessoas mais disciplinadas. “Hoje, a maior parte da humanidade reside em um mundo fabricado artificialmente. O  berço, o lar inicial da nossa espécie, foi quase que esquecido por completo” (A Criação, p.159). Mas, embora nesses ambientes se tenha perdido de vista em larga escala o contato com as raízes primigênias, elas não foram de todo esquecidas. Mesmo sufocado pela zoeira da  atmosfera  de uma metrópole moderna, o instinto atávico do pertencimento a esse “mundo perdido mas não esquecido”, lembra o homem das raízes da espécie humana, portanto da suas, e sente-se atraído de volta a   elas, mesmo que por algumas  horas  em alguma relíquia de Natureza original. A memória atávica da qual falamos faz parte  da própria natureza humana. Explicá-la desafia qualquer teoria psicológica, sociológica, evolucionista, antropológica ou religiosa. Tem as suas raízes no mistério que até hoje envolve em grande parte a natureza da espécie. Valendo-se da intuição, da percepção sensorial, do farejar o entorno, ignorando as ferramentas da lógica e da ciência  que garantem credibilidade para a Ciência e a Filosofia, degusta pelo menos por alguns momentos, no máximo por algumas horas, o retorno ao espaço em que os remotos antepassados começaram a fantástica  história do homem feita da simbiose entre ele e seu chão. Munido com essas ferramentas a humanidade sobreviveu durante centenas de milhares, quem sabe milhões de anos  e encontrou a matéria prima para construir a sua historia material e espiritual. Embora,  apesar de a degradação da Natureza ter avançado até um ponto crítico, essa nostalgia essencialmente enraizada na alma dos seres humanos dá a certeza de que é possível bloquear o caminho antes de passar da vigésima quarta hora. E há um remédio eficaz, talvez o mais eficaz, para que essa tragédia não se consuma. Consiste em fazer subir à tona, essa realidade, torna-la consciente e incorpora-la na personalidade como um dos componentes que estimulam as pessoas a lidar com responsabilidade com a Natureza. Wilson chama a atenção de que com isso as pessoas  comuns podem tornar-se naturalistas “que não é apenas uma atividade, e sim um honroso estado de espírito”.(A Criação, p. 159). De outra parte, cientistas que não incarnam esse estado de espirito nem o a levam em conta  nas suas investigações, pouco ou nada contribuem para  desperta-lo como uma ferramenta coletiva nas ações positivas em favor da conservação e preservação do ambiente natural.

A fase ideal para despertar a consciência pela  inserção existencial na natureza, é a infância como já foi apontado mais acima. Com esse contato precoce com a natureza a criança familiariza-se em etapas com os animais e plantas que encontra nas suas incursões  nos ecossistemas disponíveis. Vai percebendo  as diferenças entre árvores,  arbustos,  ervas e  flores. Da mesma forma toma consciência da multiplicidade de formas dos pássaros, seus cantos, pios e assobios. Aos poucos sua atenção se volta  para as miríades de insetos que se movimentam no interior de uma floresta ou no descampado. Nesse contato espontâneo com os seres vivos, animais e plantas, dispensando regras pedagógicas e professores treinados, onde os pais, irmãos ou outras pessoas fazem o papel de guias e mestres, a criança, usando os cinco sentidos, como que farejando, vai identificando, classificando e organizando o mundo que a cerca como se fosse um brinquedo, um quebra cabeça, um lego. O Pe. Rambo, nascido no meio rural, registrou em seu diário comentando a sua infância: “Fui um menino solitário e meu brinquedo predileto foram as árvores da floresta”. E adulto tornou-se botânico reconhecido nacional e internacionalmente. E nessa relação lúdica com a natureza consolidam-se na criança as bases intelectuais e emocionais indispensáveis para a formação formal que a preparará  não apenas para ser um cientista, como para qualquer outra área, inclusive o exercício de uma profissão liberal ou o cultivo da arte. Wilson observa.

As habilidades cognitivas do naturalista se expressam de muitas formas, inclusive nas atividades práticas das sociedades industrializadas, Como observa Gardner, a criança que é capaz de discriminar prontamente entre plantas, aves ou dinossauros está usando a mesma habilidade (ou inteligência) que emprega ao classificar diferentes tênis,  carros, aparelhos de som ou bolinhas de gude. E ainda. É possível que o talento para reconhecer padrões recorrentes  que identificamos nos artistas, poetas, cientistas sociais seja construído sobre as habilidades fundamentais de percepção que encontramos na inteligência do naturalista.
A mente da criança se abre muito cedo para a Natureza viva. Se for estimulada, ela  se desdobra em estágios que vão fortalecer seus laços com as formas de vida não humanas. O cérebro é programado para aquilo que psicólogos chamam de “aprendizado preparado”: Nós nos lembramos com facilidade e prazer de algumas experiências. Em contraste, somos contra-preparados para evitar  aprender  outras experiências , ou então  a aprendê-las e depois evitá-las. Por ex., flores e borboletas, sim; aranhas e cobras, não. (Wilson, 2008,  p. 160 -161).

 Baseado na própria experiência  de como ele  foi introduzido no instigante mudo da natureza começou muito cedo como criança. Depois como jovem estudante na universidade teve a sorte de encontrar entre seus mestres os guias certos para consolidar nele a paixão pela natureza, sua micro e macro fauna e aprender  a lidar com esse mundo complexo com as ferramentas adequadas. Nesse aprendizado a criança e o jovem devem ser apenas guiados e acompanhados, não empurrados e ou foçados. É importante que se permita o livre embrenhar-se nas surpresas que pode oferecer um nicho escondido no ângulo de um muro do quintal, um singelo arbusto na beira da estrada, uma tábua velha abandonada num canto, um tronco  de árvore em decomposição. Os guias e ou os professores orientam e ensinam a lidar com as teorias e as práticas para dar forma e consistência aos dados observados ou coletados em campo. Outra recomendação importante é que se  tome em consideração e se respeite o ritmo de cada aluno. A formação do naturalista não admite cercas e  cadeados. Tem como pressuposto o livre farejar no seu entorno e a absorção pelos cinco sentidos, por assim dizer por osmose,  tudo que encontra nas trilhas percorridas num parque ou as emoções vividas na sombra e na quietude de uma floresta. As experiências  e o aprendizado nesse modelo terão repercussões positivas, não só nos futuros cientistas formais, como nos de qualquer profissional na especialidade que for. O aprendizado na “Escola da Natureza” ensina  que ela se compõe de uma complicada complexidade responsável pela sua estrutura, da precisão com que os elementos mais insignificantes contribuem para que um ecossistema de qualquer tamanho resulte numa obra prima de harmonia, beleza e  arte. Ninguém de sã razão ousaria por em dúvida o  valor do aprendizado como instrumento pedagógico de inegável importância para a formação técnica, e,  principalmente, da personalidade, tornando-a apta para qualquer atividade  em qualquer  área do conhecimento também fora do âmbito formal das Ciências Naturais.

Somados aos conhecimentos acumulados e à moldagem do perfil da personalidade, a Natureza é uma poderosa e inesgotável fonte de inspiração,  musa para escritores, poetas, pintores, músicos, cantores,  místicos e por aí vai. Quem não conhece “O gigante de Pedra” de Gonçalves Dias, as canções inspiradas no mar de Dorival Caimi, a descrição da formação de um enxame de abelhas do poeta romano Virgílio, a Sinfonia Pastoral de Beethhoven, a Odisseia de Homero, e outras  muitas milhares de produções literárias inspiradas nas belezas naturais. Artistas plásticos encontraram nas montanhas, rios, lagos, flores, florestas, árvores, charnecas, campos e prados cobertos de flores as musas particulares de inspiração. O poeta romântico Novalis, por ex.,  fez da “flor azul” o símbolo da utopia. As próprias religiões  incarnaram  seus deuses e espíritos em acidentes geográficos, árvores, florestas e animais. Até o “filosofo da esperança” Ernst Bloch encontrou na descrição das pradarias do Mississipi, com seus horizontes sem fim, as manadas de milhões de búfalos caçados pelos índios num cenário sem fronteiras, sem cercas, sem porteiras e sem cadeados, o conceito-chave da estrutura do seu pensamento: A Liberdade.

Poderíamos multiplicar ao indefinido exemplos dessa vinculação do homem, sua história, suas crenças, sua manifestações artísticas, seu imaginário, seus estímulos inspirados em  fenômenos naturais. Não é o momento nem o lugar para aprofundarmos essa questão fascinante. Para fechar essas reflexões que poderíamos prolongar até o indefinido, recorremos novamente a Wilson.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender. Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de obter mais conhecimentos. E ao dominar esse novo e belo mundo que  está à espera de cada criança, surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer por toda a vida para os demais, benefício para toda a humanidade. (Wilson, 2008,  p. 166)

Wilson dedica o capítulo 17, o último do seu livro “A Criação”, para propor a seu destinatário, um pastor fundamentalista, uma “Aliança pela Vida”. Lembra que, como cientista, passou a vida inteira estudando a  “Criação”. Ficou claro pelo que que pode ser deduzido da sua obra até aqui, que para ele a Natureza, a Biosfera representa   “A Criação”. Por esse conceito entende a Natureza como “um fato objetivo”, não um aglomerado, resultado da soma  de milhões de espécies vivas de todos os tamanhos desde as arqueo-bactérias sub-microscópicas  até gigantes como a baleia ou uma araucária várias vezes secular. O conceito de “Fato objetivo” na compreensão do autor coincide na essência com o “Weldbild – Cosmovisão” de Erich Wassmann, a concepção unitária do Universo de Teilhard de Chardin, “Organismo” ou “Sistema”, de Bertalanffy, “Fisonomia de Balduino Rambo, “Biologos” de Francis Collins. Expressa também o que entendemos quando falamos em “Natureza como Síntese”. Wilson deixa claro que ele observa o “fato objetivo” que é a Natureza, como ele prefere chamá-la, da perspectiva do “secularismo” fundamentado na ciência. Obviamente a concepção da natureza  do pastor a quem se destinam suas reflexões, interpreta-a do  ponto de vista da religião. As duas aproximações, aparentemente irreconciliáveis, encontram-se nesse território comum. A ciência consegue, de um lado, identificar o primeiro elo da corrente que representa biosfera e do outro o último, isto é, da simplicidade  das arqueo-bactérias até extrema complexidade dos vegetais e animais no topo da corrente. A ciência, por sua vez, conseguiu também decifrar  pelas leis naturais o “como”, o gigantesco sistema, a Biosfera foi arquitetada, terminando por configurá-lo como um “fato objetivo”, em ouras palavras, um ente com personalidade própria, que vai além da simples soma dos elementos que entram na sua gênese, mas uma grande “Síntese”.

Se da perspectiva da “Ciência secular” foi possível chegar até essa profundeza da compreensão do universo e da natureza, fica esclarecido um dos lados da questão, isto é, aquela que responde ao “como” a natureza é arquitetada e como funciona. O outro lado da questão pede respostas confiáveis para o “donde”, a explicação da causa que explica a origem da “energia!” que deu origem a tudo e para o “onde” que dá sentido a tudo. Evidentemente esse tipo de interrogações não é posta, nem interessa ao cientista que aposta todas as fichas nos resultados dos seus métodos. Outro tanto também incomoda ao intérprete literal do Gênesis. Acontece que a natureza como  Wilson a entende oferece o cenário no qual os dois lados encontram condições para que “as poderosas forças da religião e da ciência possam se unir. E o melhor lugar para começar  é na tarefa de zelar pela vida” (A Criação, p. 185). Em seguida chama a atenção para o fato de que nem a ciência é capaz de  dar a resposta final ao enigma que faz com que “A Criação” se configure numa grande “síntese”, se preferirmos um grande “sistema”. Continuando na reflexão chama a atenção que  aspectos da biologia e da educação apontam o território comum  onde um diálogo e um entendimento entre os dois campos é possível, sem que um deles tenha que abdicar das suas convicções. E continuando identifica as questões inegociáveis entre a ciência e a religião.
Nesse processo não tentei  diluir, de forma alguma, a diferença fundamental entre a ciência e as religiões tradicionais  com respeito à origem da vida. Deus fez a Criação, é que o senhor diz. Essa verdade está claramente expressa nas Sagradas Escrituras. Vinte e cinco séculos de teologia e boa parte da civilização ocidental foram construídos com base nessa convicção. Mas não é assim, digo eu, a vida se fez a si mesma, por meio de mutações aleatórias e da seleção natural das moléculas codificadoras. Por mais radical  que pareça tal explicação, ela tem um imenso volume de provas interconectadas. Talvez ainda se chegue a demonstrar que essa teoria está errada; no entanto, a cada ano isso parece menos provável. (Wilson, 2008,  p. 185-186).

Para encerrar o diálogo imaginado com o pastor fundamentalista propõe não levar em conta as diferenças fundamentais entre os dois, ou se preferirmos, entre a Ciência e a Religião, no diálogo que propõe. Aponta como terreno no qual esse diálogo apresenta perspectivas reais de chegar a um consenso.

Tanto o senhor  como eu somos humanistas no sentido mais amplo: o bem-estar da humanidade está no centro dos nossos pensamentos. Mas a diferença entre o humanismo baseado na religião e o humanismo baseado na ciência se irradia por toda a filosofai, e até pelo sentido que atribuímos a nós como espécie. Essa diferença afeta a maneira como cada um de nós valida a nossa ética, nosso patriotismo, nossa estrutura social, nossa dignidade pessoa.
O que devemos fazer? Esquecer as diferenças, digo eu. Encontramo-nos no terreno comum. Isso talvez não seja tão difícil  como parece à primeira vista. Pensando bem, nossas diferenças metafísicas têm um efeito notavelmente pequeno sobre a conduta da sua vida e da minha. Minha suposição é que somos ambos pessoas éticas, patrióticas e altruístas mais ou menos no mesmo grau. Somos produtos de uma civilização que  surgiu não só da religião como igualmente do Iluminismo fundamentado na ciência. De boa vontade nós dois serviríamos no mesmo júri. lutaríamos nas mesmas guerras, tentaríamos com a mesma intensidade, a santificar vida humana. E, com certeza- compartilhamos o amor à Criação. (Wilson, 2008,  p. 187-188).


Wilson não informa se o convite que ao pastor fundamentalista teve algum retorno. Pelo que parece, o pastor a quem se dirige é um representante, um personagem protótipo à testa de uma denominação cristã fundamentalista. Acontece que tendo ou não relação  com o apelo do cientista, veio à público a “Encíclica  Verde” do papa Francisco. A cada dia que passa o pontífice abre mais uma janela para o grande mundo do qual  a Igreja que pastoreia faz parte significativa. Convida para um diálogo sincero e despido  de artimanhas e subterfúgios, para um diálogo sério e descomprometido com todas denominações cristãs, com  muçulmanos, judeus, budistas, agnósticos, ateus, cientistas crentes ou não, enfim qualquer pessoa interessada num entendimento fraterno entre os homens num terreno de interesse comum. Os convites e apelos  para diálogo são repetidos pelo papa nas mais diversas circunstâncias e pelos meios de comunicação de que dispõe. Não é de se admirar que  fizesse sua também a causa em favor da “salvação da Criação”, assim como a entende o professor Edward Wilson. Valendo-se de uma Encíclica, o documento mais importante disponível, ofereceu ao público, sem distinção de credo, raça e classe social a monumental encíclica “Laudato si”, “Louvado seja”, apelando pela urgência de estancar a degradação da nossa “mãe e pátria”, no entender do irmão seu de ordem Balduino Rambo. Do alto dos seus 86 anos Wilson dedicados a entender “A Criação”, finalmente poderá sentir-se recompensado que  ele um “humanista secular” baseado na ciência e Francisco, representante máximo do “humanismo cristão”, encontram-se em terreno comum na batalha pela salvação da vida na terra.

Edward Wilson (1929) - 8

Uma abordagem assim exige “a unidade de conhecimento” (cf. Citação acima) ou se para ficarmos com o conceito norteador dessas reflexões, essa abordagem pede “a síntese do conhecimento” Esse objetivo pressupõe o recurso a um método com potencial de amalgamar  os conhecimentos parciais vindos dos mais diversas subáreas que entram em questão. O autor não se serve explicitamente do conceito de “Interdisciplinariedade” como método capaz de cumprir essa tarefa. Lendo, porém, com atenção os dois parágrafos acima citados, não resta dúvida de que este é o caminho. Por isso convém aprofundar um pouco mais o que vem a ser esse método como instrumento na construção de  sínteses.

Em primeiro lugar, a síntese do conhecimento não significa  a sua redução a um nível, por ex., o “científico”, como postula o Positivismo. Nem tão pouco realiza-se essa síntese no plano da Filosofia ou da Teologia, ou da História ou de qualquer outro campo específico do saber. Os diversos conhecimentos particulares ou setoriais, são qualitativamente diferentes entre si. Os conhecimentos produzidos pelas Ciências Naturais, pela História, pela Filosofia, pelo Direito ou pela Economia, tem a sua legitimação garantida a partir de fundamentos epistemológicos próprios a cada uma dessas especialidades. Sendo assim, forçar uma síntese  a um único nível, violenta a natureza das coisas e leva a uma  compreensão equivocada da realidade global. Sendo assim, não é possível fazer verdadeira História quando os elementos que a compõem são interpretados pelo viés único do fator econômico ou geográfico. A conclusão lógica, quando levada ao extremo termina no determinismo econômico ou geográfico. A transdisciplinariedade como instrumento de trabalho leva  a essa subordinação, por isso, constitui-se na ferramenta própria à ideologização do conhecimento e ou à uma interpretação política, religiosa ou outa qualquer. Verifica-se, portanto, uma subordinação, no caso dos fatos históricos ao fator econômico, geográfica, religioso  ou outro qualquer. A multidisciplinariedade propõe o estudo de mais áreas  do conhecimento e ou as sub áreas sem se importar do que representam ou significam para o todo da área. Parece que esse fundamento epistemológico vem a ser o grande vilão responsável pela fragmentação do conhecimento verificado tanto nas Ciências Naturais, quanto nas Ciências do Espírito, quanto nas Ciências Humana, nas Letras e nas próprias Artes. É o caminho oposto a uma compreensão orgânica ou sistêmica do todo do qual formalmente fazem parte. Os dois métodos orientam, salvo melhor juízo, predominantemente, a pesquisa e a docência nas universidades que seguem o modelo napoleônico presente em toda a América Latina. Favorece, quem sabe uma profissionalização precoce além de uma especialização que de tanto dissecar perde a noção do todo. A fim de evitar esses inconvenientes, para não chama-los de equívocos, temos como recurso a interdisciplinariedade que oferece  a trilha ser seguida para chegar a uma autêntica síntese.

Em segundo lugar, feita opção pela interdisciplinariedade é preciso prestar atenção ao fato de que as diferenças qualitativas  de cada objeto de investigação implicam em dois aspectos que precisam ser tomados em consideração. O primeiro, chama a atenção de que não se pode esquecer que cada objeto de investigação, por ex., o clima, a história de um povo, o equilíbrio ambiental, as questões sociológicas, etc., etc. vale-se de instrumentos de aproximação peculiares. Significa que cada objeto segue uma metodologia privativa para abordá-lo e compreendê-lo, sem recorrer a conhecimentos oriundos de outra fonte. Essa relativa autonomia significa, de outra parte, que para chegar, por ex., à Filosofia não se tenha que partir obrigatoriamente da Ciência, ou à Teologia a partir da Filosofia. Dito de outra maneira: o Filósofo não precisa ser um cientista, nem teólogo filósofo, nem o historiador geógrafo ou linguista, o que não significa que não seja de grande utilidade transitar por campos complementares daquele que é o seu. O segundo, chama a atenção para não esquecer  que a “descontinuidade” qualitativa dos objetos  particulares de investigação tem seus limites, quando a questão é a busca da síntese na Biologia, na História, na Filosofia, ou a sínese global do Conhecimento. Alfonso Borreroresumiu a questão nos seguintes termos:

(...) a descontinuidade implique na autonomia das disciplinas particulares, porque cada uma e cada setor de disciplinas se constroem  sobre suas próprias bases. (...) A autonomia relativa, contudo, não impede as relações e interdependências. A Filosofia dá muito a pensar ao cientista e vice-versa. Os conhecimentos se complementam, corrigem e se controlam mutuamente. Dessa maneira se realiza uma urdidura, uma articulação interdisciplinar complexa e dinâmica, no processo da construção do conhecimento (e ou síntese. Inciso do autor) (cf. Borrero, ASCUN, 1992, nº 20, p. 7)

Resulta dessa forma uma relação de interdependência e não de dependência, nem de independência. Não se trata de dependência pois, criaríamos um situação de subordinação. É óbvio que se uma disciplina ou área de conhecimento depender de outra, a condicionante ocupa um lugar hierarquicamente mais acima do que a condicionada. Configura-se uma situação de dependência quando, por ex., os conhecimentos  de matemática são condição para efetuar cálculos de estruturas, os conhecimento de química são indispensáveis para efetuar uma pesquisa do genoma, a astrofísica  pressupõe o conhecimento das física... Dito de outra maneira. Não se fazem cálculos estruturais sem conhecimentos de matemática; as análises do comportamento bioquímico do DNA  sem conhecimentos de bioquímica. A pesquisa de um objeto condicionado só então tem chances de  resultados consistentes quando o pesquisador vem munido com os conhecimentos prévios da área do saber condicionante. Os exemplos citados não deixam dúvida. Isso, porém, não vale para a relação que se estabelece entra a Filosofia e a Ciência, entre a Teologia e a Ciência, entre a História e a Geografia, entre a Ética e a Ecologia ... Não se pressupõem conhecimentos filosóficos para realizar pesquisas científicas e vice-versa. A relação que se estabelece é de interdependência e de complementariedade, não de dependência e ou condicionamento. Dito de outra maneira. A Filosofia tem muito a ganhar se tomar em consideração os resultados das pesquisas científicas. Da mesma forma os dados científicos observados e ou interpretados à luz da Filosofia ou da Ética, só podem ter o significado dos seus resultados enriquecidos. Nos ambientes em que se pratica esse diálogo interdisciplinar como rotina, melhor, como base metodológica, os saberes e conhecimentos setoriais “complementam-se, corrigem-se e controlam-se mutuamente. Resulta daí uma articulação interdisciplinar complexa, dinâmica em todas as fases e níveis da construção do conhecimento (cf.Borrero, ASCUN, 1992, nº 20).

Em resumo é legítimo afirmar que, em se tratando de uma situação de dependência, uma disciplina ou área de conhecimento ocupa a condição de “conditio sine qua non”, já que o condicionado só prospera em função do condicionante. Ou ainda. A dependência e a subordinação definem a natureza da relação.

A situação de interdependência e complementariedade, que também pode ser chamada de independência relativa,  pede mais alguns esclarecimentos. A independência diz respeito tanto ao objeto quanto à base teórico-metodológica com que é tratada. A relatividade dessa independência ou autonomia de resultados, no que diz respeito à sua interpretação, repercute concreta  e praticamente na vida dos indivíduos, na sociedade, no meio ambiente e na formação da cosmovisão.

A independência  da qual nos ocupamos há pouco, não é nem linear nem uniforme. Assume o grau de importância ditado por cada situação concreta, por cada momento histórico e pela natureza das realidades interdependentes. Um exemplo ilustrativo oferece o estudo da História na sua relação mútua com a Geografia. Pela sua própria natureza o homem tem as raízes existencialmente fincadas no seu entorno geográfico. Este garante-lhe  a sobrevivência, o progresso, a prosperidade, fornecendo os alimentos e os abrigos indispensáveis para viver e sobreviver. Oferece também inspiração para criar todo um mundo simbólico, indispensável para dar forma, vida e colorido ao imaginário povoado por seres e personagens os mais inusitados.

Não é aqui o lugar para aprofundar a análise do exemplo de que nos valemos, isto é, a complementariedade entre a História e a Geografia. A intenção foi mostrar que o fazer História sem tomar em conta o chão, o cenário ou palco físico sobre o qual aconteceu e ainda continua acontecendo, leva a equívocos de interpretação e distorções muito sérias. Eis uma prova de que interpretar  corretamente na sua complexidade, no exemplo citado, um fato histórico, requer conhecimentos complementares. Mais exatamente. É preciso partir de uma base teórico-metodológica interdisciplinar. Não significa que se pretenda explicar um fato histórico pelas peculiaridades geográficas nas quais aconteceu. A compreensão da História como uma ciência epistemológica e metodologicamente de natureza própria, ganha muito na sua forma e riqueza dos significados, quando estudada à luz da Geografia, por sua vez uma ciência com identidade e autonomia epistemológica, metodológica e conceitual própria. Da mesma forma e, continuando como exemplo da História, ela busca ainda  em outras áreas complementares, como  na Etnografia, Etnologia, Antropologia, Arqueologia, Linguística e outras mais, a explicação para os caminhos, desvios e atalhos singulares, verificados nos mais diversos momentos de sua trajetória. Em termos, o que vale para a História aplica-se a toda e qualquer outra área do conhecimento.

Quarto princípio, No entendimento de Wilson, ensina que até o final do primeiro ano do curso superior os estudantes deveriam ter buscado conhecimento nos mais diversos campos do saber e assimilado as ferramentas teóricas e metodológicas, para seguir em frente em alguma especialidade. Ele mesmo resumiu esse modo de acumular lastro para uma futura especialização ou profissão em sua obra “A Criação”.

Ao chegar ao segundo ano  da universidade, todos os alunos já deveriam  ter começado a pensar estrategicamente sobre a própria educação. O melhor caminho a seguir tem a forma de um T. O traço vertical representa o mergulho em alguma especialidade; a barra horizontal a amplitude da experiência adquirida com uma educação liberal. A especialização serve  como porta de entrada para alguma profissão, ou como preparatório para a pós-graduação. As artes liberais  dizem mais respeito à flexibilidade e à maturidade do intelecto. É claro que essa combinação já é a visada pela maioria das universidades e dos institutos de ensino superior de quatro anos. No segundo ano os alunos devem escolher uma disciplina principal (“major” ou “concentração”), tal como inglês, biologia ou economia e, também fazer vários cursos optativos, que contemplam todo panorama intelectual. Mas a maioria dos estudantes  tem que ser  convencida que essa é melhor estratégia para eles. (Wilson, 2008,  p. 256)

Depois de definir o quando, o como e o quanto de conhecimentos os estudantes de um curso de graduação deveriam apropriar-se, Wilson  dá o exemplo da Biologia, sua área de especialista. O aluno que optar por essa especialidade, aprofunde-se nela com todo o seu potencial “e trate o restante como parte da sua educação geral”, depois vai mergulhando o mais fundo possível numa das muitas sub áreas do vasto campo da biologia, depois de ter pesquisado um pouco de tudo que ela sugere e, finalmente encontrar o seu  “lar” intelectual. Para se decidir a habitar um “lar” determinado o estímulo determinante vem a ser normalmente a intuição, o faro, a inclinação natural, o seguir “a voz do coração”, dedicar-se “com paixão” à sua formação. como aconselhava seus alunos. E esse é o quinto princípio proposto para quem pretende de fato representar alguém na profissão ou na especialidade científica pela qual se decidir. Wilson resumiu assim, de como chegar a esse nível.

Voltando ao tema da paixão como mola propulsora do aprendizado, a dedicação do professor é mais eficiente quando se expressa  por meio da arte de ensinar, e também pelo amor claramente demonstrado pelo assunto em si. Os alunos secundários e universitários buscam sua identidade pessoal, mas anseiam igualmente por uma grande causa, maior do que eles próprios. De alguma forma, essas duas marcas da maturidade serão alcançadas, quer sejam torpes, quer sejam nobres. Nesse trajeto eles precisam de mentores em quem confiar, heróis para emular e realizações que sejam duradouras. (Wilson, 2008,  p. 157)    
                                                                                                                              

Acontece que o autor de “A Criação”, tem como referência de como nas universidades americanas do norte se encara a formação nos cursos de graduação e pós-graduação. Esse modelo tem a sua origem no casamento bem sucedido entre a universidade alemã e a inglesa. Na alemã  emprestava-se o  valor maior ao conhecimento e às ferramentas teórico-metodológicas capazes de apropriar-se dele. Por princípio não se visava um conhecimento diretamente aplicável na prática, mas o conhecimento em si, de cunho mais generalista que deveria servir de base, de pano d fundo, sobre o qual os egressos estivessem em condições de prosperar tanto numa área profissional técnica, quanto na pesquisa científica, quanto nas humanidades, nas letras e artes ou nas ciências do espírito. O modelo de universidade inglesa, sem negligenciar uma sólida formação para um futuro profissional propriamente dito, parecido ao das universidade alemã, insistia em somar-lhe o elemento formação do cidadão que, além de conhecimentos formais consistentes o transformava em cidadão culto e preparado para começar com sucesso  qualquer caminhada profissional. O resultado vem a ser um “gentelman”, um “vir bonus peritus dicendi” como ensinam os velhos romanos, isto é, um cidadão educado, com conhecimentos amplos e capaz de transmiti-los com maestria. Aliás, num intervalo enquanto punha no papel essas reflexões, li uma entrevista ao Globo  de Robert Cowen, professor emérito do Instituo de Educação da Universidade de Londres,  e  divulgada nas redes sociais. Tendo como fundo a avaliação crítica dos MBAs. Chama a atenção  para o fato de  que a formação com essa ferramenta chega a ser perigosa; de que os dados mostram que as pessoas não só trocam de emprego várias vezes na vida como também de carreira; de que pouco importa o que os governos estão fazendo pois, o futuro será moldado pelos fenômenos da internacionalização e da inovação; de que “as fundações, as empresas, os institutos, todos terão que achar um jeito de se adaptar a essa realidade”; de que as pessoas mais bem preparadas para se movimentar nesse panorama sabem muito bem qual o perfil de profissional que procuram, e vão achar uma forma de treiná-lo na própria empresa se for preciso. O diploma de uma boa universidade por ex.,  não importa em que, se em engenharia, economia, história ou sociologia, vale mais do que o título formal impresso nele. Reforçando o que afirmou o entrevistado chamou a atenção ao paradoxo dessa visão, constatado nas 15 maiores empresas da Inglaterra. Nelas  surpreende o número de formados em História, quando as carreiras mais procuradas são administração ou direito. Outro exemplo é o modelo americano no qual é rotineiro que a mesma pessoa apresente diplomas de graduação, mestrado e doutorado em áreas diferentes, comum nos Estados Unidos,  “o que permite uma formação mais ampla”. No Japão o nível da universidade é mais importante do que o diploma que alguém exibe. A lógica é retilínea: “Se você foi inteligente o suficiente para entrar numa instituição concorrida conseguirá emprego, mesmo que em outra área”. O professor Cowen pergunta e responde ao aparente paradoxo: “Porque há tantos historiadores entre os executivos das empresas mais importantes na Inglaterra? Porque as pessoas no mercado têm que absorver um volume imenso de dados e serem hábeis em fazer julgamentos importantes  diante de informações incompletas. É exatamente o desafio que um historiador enfrenta. Você não precisa de um MBA para isso, apesar de os MBA terem virado um modismo”. (...) “Não acho uma boa ideia deixar as decisões mais importante nas mãos de técnicos”. (...) “No Brasil, um país  com tantas questões  sociais importantes, certamente a ultima coisa que vocês precisam é de um bando de tecnocratas pensando em como organizar o país”.