Frente a todas essas tentativas e insucessos em lidar com o “como” do surgimento da vida,
cientistas de peso como Francis Crick sugeriram a possibilidade de que as
primeiras formas de vida não se originaram no planeta terra, mas em outro ou
outros astros do universo que flutuavam no espaço exterior e foram capturadas
pela terra. Há inclusive aqueles que sugerem que as primitivas formas de vida
foram trazidas por antigos visitantes
procedentes de outros astros. Este esforço pode até explicar como surgiu a vida
na terra, mas desloca a solução “do como”
crucial para fora e para longe do nosso planeta. Não se aproxima,
portanto, um milímetro da solução final e definitiva do problema.
Este beco aparentemente sem saída em que as pesquisas científicas estão
metidas, animou teístas a invocar a interferência criativa de Deus para
solucionar as potencialidades poderosas do DNA e RNA. Collins que faz questão
de sua crença em Deus aconselha a não recorrer com tanta pressa a essa solução.
Em termos a intervenção criadora de Deus na origem do DNA e RNA e
consequentemente da origem da vida como tal, configura-se como um recurso para
preencher uma lacuna que a ciência de momento é incapaz de preencher. O recurso
ao “Deus das lacunas” apresenta seus
riscos. O que estaria Ele contribuindo
com sua intervenção se a ciência um dia for capaz de dar uma resposta
conclusiva para questão. É de Collins a reflexão:
A fé que coloca Deus nas lacunas de uma compreensão dos dias de hoje sobre mundo natural pode levar a uma crise se os
avanços da ciência preencherem, posteriormente, tais lacunas. Ao se deparar com
uma compreensão incompleta do mundo natural, os que creem em Deus deverão tomar
cuidado quando quiserem evocar o divino em áreas ainda desconhecidas, a fim de não criar um argumento
teológico desnecessário, condenado a uma destruição posterior. Há bons motivos
para acreditar em Deus, inclusive a existência de princípios matemáticos e de ordem na criação. São razões positivas,
com base no conhecimento em vez de em pressupostos padronizados com base em uma
falta (temporária) de conhecimento.
Em resumo, embora a questão sobre a origem da vida seja fascinante e o
fato de a ciência moderna não conseguir desenvolver um mecanismo que possa ser
comprovado pela estatística seja intrigante, esse não é o lugar para uma pessoa
inteligente apostar a sua fé. (Collins, 2007, p. 99)
Mas não é aqui nem o lugar nem o momento de desenvolver uma discussão
abrangente sobre criação ou não criação da natureza por Deus ou sua intervenção
em determinados momentos da evolução dos seres vivos, incluindo o homem. É tema
a ser desenvolvido num outro contexto. Aqui interessa aprofundar a questão da
natureza, principalmente a viva, como o resultado de uma gigantesca síntese.
Interessa verificar a consistência da tese de que o que existiu e ainda existe
em termos de seres vivos, todos, desde os mais primitivos e rudimentares como
são as arqueobactérias, até os aves, mamíferos e o homem. A descoberta das leis
da hereditariedade pelo monge Gregor Mendel em ervilhas na horta do seu
convento, terminou na constatação de que a natureza viva, apesar da sua enorme
variedade e complexidade forma uma unidade. As observações e as respectivas
conclusões de Mendel foram publicados
numa revista de circulação limitada e ignorados pelo grande mudo científica por
30 anos. Foi então por um desses acasos que foram redescobertos quase ao mesmo
tempo por rês cientistas. O médico Archibald Garrod, estudando uma série de
doenças raras, chegou à conclusão de que as leis de Mendel observadas em
ervilhas, aplicavam-se também ao homem. Faltava
identificar os mecanismos químicos que comandavam o processo. Por algum
tempo acreditou-se que as responsáveis fossem as proteínas que são comuns a todos
os seres vivos. Foi então, em 1944, que
três pesquisadores, Oswald T. Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty,
descobriram que era o DNA e não as
proteínas o responsável pelo comando genético. Nove anos depois, em 1953, James
Watson e Francis Crick, valendo-se de informações fornecidas por Rosalin
Franklin, concluíram que a molécula do DNA forma uma hélice dupla, em forma de
escada dupla e sua capacidade de transportar informações é determinada pela
série de componentes químicos que formam
os degraus da escada. (Cf. A Linguagem de Deus , p. 108-114). Collins
numa conclusão preliminar sobre essas descobertas, escreveu:
Como uma aproximação inicial, podemos, portanto, pensar no DNA como um
manual de instruções, um programa de “software”, colocado no núcleo da célula.
Sua linguagem de código apresenta somente quatro letras (ou dois “bits”, em
termos de informática) em seu alfabeto. Uma instrução particular, conhecida
como gene, é construída por meio de centenas ou milhares de letras de código.
Todas a funções elaboradas de uma célula, mesmo em um organismo tão complexo
quanto o nosso, precisam ser dirigidas pela ordem de letras desse roteiro.
Collins, 2007, p. 109)
Depois de descrever como acontece a complexidade dos processos do
comando genético, ou se quisermos, como funciona a linguagem do código
genético, (Cf. A Linguagem de Deus, p. 111), Collins tira a conclusão que oferece um poderoso
argumento em favor da concepção de que a natureza é o resultado de uma
gigantesca síntese.
Investigações em diversos organismos, de bactérias e seres humanos,
revelaram que esse “código genético” pelo qual as informações no DNA e no RNA
são traduzidas em proteínas é universal em todos os organismos conhecidos. Não
se permitiu nenhuma Torre de Babel na linguagem da vida. CAG significa ácido
glutâmico no idioma da bactéria da soja, da semente de mostarda, do jacaré e de
qualquer tia sua. (Collins, 2007, p.
111)
Acontece que a composição, a estrutura e funcionamento da química do DNA
e RNA, embora mostrem com mais evidência do que qualquer outra realidade
encontrada na natureza, a unidade, a síntese em que se fundamenta, outros
campos da “História Natural”, dão-nos
conta, cada qual à sua maneira, da mesma convicção científica. Platão obviamente não dispunha dos dados científicos mínimos para embasar a
sua compreensão do universo e da natureza para servir de alicerce à unidade, ou
à síntese na pluralidade. Revestida com as inevitáveis peculiaridades do tempo,
da formação intelectual e da orientação
filosófica de cada pensador em particular, perpassa como um Leitmotiv uma das
importantes vertentes o ideário de representantes que marcaram presença no
pensamento através de mais de dois mil anos. E não são apenas filósofos e
teólogos, como especialistas no mais diversos campos das ciências. Ao lado de
Platão, São Paulo, Santo Agostinho e seus seguidores, cientistas de renome das
mais diversas especialidades defendem a unidade na pluralidade, a síntese das
partes num todo, conferindo sentido e rumo ao universo e à natureza, incluindo
a humanidade. Ao longo dessas reflexões já foram objeto de análise alguns dos
representantes mais significativos dessa linha de pensamento. Nicolau de Cusa,
na transição para a Renascença; Erich Wassmann, em meio ao fervo do darwinismo e
do materialismo científico de Ernest Haeckel; Teilhard de Chardin com sua
grandiosa visão unitária do universo, da natureza e do homem; Ludwig von
Bertallanfy, insistindo que a natureza é um grande sistema no qual as partes
tem sentido somente quando contribuem para a manutenção do todo; Balduino Rambo
com o conceito de “fisionomia” insistindo que as realidades naturais,
botânicas, zoológicas, mineralógicas, geológicas, paleontológicas e em meio a
tudo o homem, aliam-se para desenhar as fisionomias, os mapas locais, regionais
e globais passíveis de observação na multiplicidade de suas formas, sugerindo
uma compreensão global que novamente garante consistência e sentido ao todo. O
que caracteriza a todos, além da autoridade em suas especialidades, é o fato de
que para todos eles as respostas a questões de fundo podem ser resumidas numa só: Afinal o que,
qual a energia, a causa primeira, que acionou a manivela para que tudo entrasse
em movimento e continue até hoje numa dinâmica que a evolução explica com dados
objetivos fornecidos pelos diversos campos do saber? ou ainda, recorrendo a
outra metáfora; Qual a natureza do gancho em que a corrente está suspensa?
O Dr, Collins refere as
possibilidades capazes de decifrar esse enigma que intriga os pesquisadores que
não se contentam em apenas identificar mais e mais dados nos seus objetos de
investigação, mas se preocupam também com o sentido que subjaz ao que observam.
Falamos aqui de nada mais nada menos do
que da “outra metade da verdade”. Quanto mais a ciência avança e penetra nos
meandros das estruturas e funções da natureza, a resposta para a pergunta
crucial sobre “o como” primordial, afasta-se como a linha do horizonte, na medida em que a ciência tenta aproximar-se
dela. O autor, como uma das maiores autoridades tanto em genética pura, quanto
na sua aplicação na medicina, analisa três caminhos para lidar com o problema.
Ele próprio os experimentou, estando assim em condições privilegiadas para tomar
uma posição que faz sentido. Como já foi assinalado mais acima, Collins foi na
sua juventude sucessivamente um agnóstico e depois ateu até os 27 anos. O lidar
diario com pacientes dos mais diversos níveis de instrução, filiados a
diferentes credos religiosos e pertencentes todas as classes sociais,
flagrou-se num mundo em que os grandes desafios existenciais dos pacientes,
punham em questão o limite dos conhecimentos e dos métodos e práticas usuais na
medicina. As reflexões estimuladas pelas experiências vividas diariamente nas enfermarias do
hospital, convenceram-no de que a
ciência tem limites e que na vida do homem, especialmente em situações limite
como estágios terminais causados por males incuráveis, o socorro a recursos
alheios às práticas de medicina e não disponíveis nos estoques das farmácias,
decidem as reações e atitudes das pessoas. Emblemática é a conclusão do médico
Collins depois de destacar que no caso do homem, há apenas 100.000 anos a
mutação ocorrida no gene FOX-P2 do cromossoma 7, poderia ter influído na
evolução da linguagem dos seres humanos, concluiu.
Nesse ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos
evoluíram rigorosamente por meio de
mutações e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A isso
retruco: eu preciso. A comparação entre sequências do chimpanzés e do ser humano, embora
interessante, não nos explica o que é preciso para ser humano. A meu ver,
apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com
dados sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos
especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal de
Deus. Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação não O exclui como fonte daquilo que torna a
humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra alguma
coisa sobre como ele trabalha. (Collins, 2007, p. 146)