FRANCIS COLLINS (1950 ) - 4

Questões acerca das origens da vida.

Depois de ocupar-se com as questões que envolvem a origem da matéria prima,  o “estofo” do universo como diria  Teilhard de Chardin, o Dr. Collins parte para outra empreitada não menos desafiadora: Seguir a trilha percorrida pela natureza com suas leis e processos físicos e químicos, até  o aparecimento da Vida na terra. O desafio pode ser resumido em duas perguntas. A primeira: e em que condições foram sendo postos, durante muitas centenas de milhões de anos de evolução, por “agregação”, por “multiplicação geométrica” e, principalmente por “complexificação”, novamente conceitos criados por Teilhard, os pressupostos para que a vida pudesse se manifestar. A segunda: o aparecimento da  vida, em todas as suas dimensões, marcou, em última análise, apenas mais uma conquista dos processos evolutivos que levaram até aquele ponto; ou a vida se constitui para a ciência um desafio de difícil superação, sem recorrer a hipóteses que seu arsenal teórico, metodológico e o avanço da tecnologia de investigação não alcançam?
O Dr. Collins oferece as respostas a questões já de consenso para a ciência e hipóteses sendo verificadas, para explicar as inúmeras perguntas que ainda pedem uma resposta objetiva. É indiscutível que as especialidades comprometidas diretamente com  a solução  dos múltiplos desafios que que a origem e evolução do universo oferece, são a química, a física, matemática,  a astronomia e seus campos complementares. Em sua obra “A linguagem de Deus”, Collins mostra resumidamente até que ponto os cientistas conseguiram avançar desde que o Big Bang deu, por assim dizer, o “ponta pé inicial” que pôs a rolar os processos que terminaram por moldar o sistema solar e o nosso planeta terra.
Como médico geneticista, obviamente foi buscar essas respostas no campo da sua especialidade, isto é, na genética. Não basta constatar e analisar a complexidade da vida, para daí tirar conclusões do tipo: a complexidade da vida é de tal ordem que a sua origem e evolução só pode ser obra de uma teleologia que, em última análise, comanda todos os eventos que podem ser observados na natureza. A observação dos processos evolutivos observados na história da vida,  as leis da química,  da física, da mecânica cósmica, da genética e outras mais, não é o suficiente para compreender  a complexidade. Os dados obtidos pela investigação das incontáveis aproximações possíveis, na tentativa de entender o que vem a ser a natureza radical do fenômeno da vida, não passam de respostas à questão de “como funciona a vida”. Acontece que com isso consegue-se iluminar apenas uma das dimensões do fenômeno. Fica em aberto a outra, que vem a ser de crucial importância para o homem que procura algo mais do que resultados mensuráveis e quantificáveis  pelos métodos da ciências empíricas. E esta outra dimensão pergunta pelo “porque existe  a vida?”, ou “porque afinal estamos aqui?”. E se bem observados todos os esforços e investimentos em pesquisa, todos os esforços dos cientistas e as gigantescas somas, investidas, procuram, em última  análise, tem como motivação o encontra da verdade última que a complexidade do macro, micro e nano cosmos tem a oferecer. E a verdade só então se revelará na sua plenitude quando tanto “o como” quanto “o porque” estiverem convincentemente esclarecidos. isto é, no momento em que a Ciências Naturais tiverem esclarecido tudo, até os últimos detalhes, de “como” funciona o universo em toda a sua complexidade e as Ciências do Espírito oferecerem uma reposta consistente para “o porque” da sua existência. O Dr. Collins colocou o dilema da seguinte forma.
A fim de examinar a complexidade da vida e nossas origens neste planeta, devemos escavar mais fundo, na direção das fascinantes revelações  sobre  natureza dos seres vivos, elaboradas pela atual revolução nos ramos da Paleontologia, da Biologia Molecular e dos estudos do genoma. Uma pessoa que crê em Deus não pode temer que essa investigação destrone o divino; se Deus é de fato todo-Poderoso, não será ameaçado por nossos esforços miúdos em compreender os trabalhos do mundo natural que Ele criou.  E, como pesquisadores, também podemos descobrir, por meio da ciência, muitas respostas interessantes para a pergunta: “Como a vida funciona?” O que não podemos descobrir, apenas por meio da ciência, são respostas às perguntas: “Porque  existe a vida , afinal?” e “Porque estou aqui?” (Collins, 2007, p. 94)
Para se ter uma noção mais exata de quando e do como a vida surgiu na terra e como a complexidade de formas e estruturas do universo vivo foi se formando e evoluindo, não basta observá-la no estágio em que se encontra atualmente. É preciso localizar no tempo a gênese e a forma com surgiu a vida e acompanhar numa linha de tempo a história da complexificação, na medida em que a Ciência localiza os testemunhos materiais da ascensão biológica. O ponto de partida consiste em medir objetivamente as características e a duração das eras e períodos em que se costuma dividir a história da terra. Sabe-se hoje que o nosso universo conta com aproximadamente 14 bilhões de anos. Esse dado é confiável porque foram identificados “relógios geológicos” que registraram com a precisão desejada os acontecimentos que marcaram a história da terra, sua duração e sua sucessão no tempo dos fatos  que os compõem. A identificação desses cronômetros de precisão e de longuíssimo alcance veio com a descoberta da radioatividade espontânea em certos isótopos químicos. A base científica do funcionamento desses  relógios é o método pelo qual se determina a “meia vida” no ritmo de degradação dos isótopos radioativos, isto é, o tempo necessário para que a metade dele se degrade e passe para um elemento estável. A ciência dispõe hoje de vários desses cronômetros com “meias vidas” de longa duração. Em outras palavras deixaram registrados no tempo os fatos essenciais que permitem termos uma noção sequenciada dos acontecimentos mais importantes da história do nosso planeta. Entre os mais conhecidos sobressai o urânio radioativo degradando-se lentamente para transformar-se em chumbo estável, o potássio transforma-se em argônio e o estrôncio terminar em  rubídio. O método consiste em medir a quantidade relativa de cada par desses elementos: urânio – chumbo; potássio-argônio; estrôncio-rubídio. O resultados dos cálculos são de uma coincidência notável. Todos apontam 4,55 bilhões de anos para a terra, com uma margem de erro de apenas 1% para mais ou para menos. As rochas mais antigas encontradas hoje na superfície da terra contam com cerca de 4 bilhões de anos. Outro dado relevante que esses cronômetros geológicos registraram refere-se aos 500 primeiros milhões de anos de uma superfície terrestre  inóspita, bombardeada por saraivadas de meteoritos e asteroides. Um deles arrancou a lua da terra. Tendo sido assim não admira que naquele período é inútil procurar qualquer vestígio de vida. Os vestígios mais antigos de vida microbiana entram em cena 150 milhões de anos mais tarde. Collins “presume que esses organismos unicelulares tinham a capacidade de armazenar informações, talvez pelo uso do DNA, e podiam se auto-reproduzir, além  de apresentar  a capacidade de evoluir em inúmeros tipos diferentes”.(cf. A Linguagem de Deus, p. 95)
Collins refere a hipótese de Carl Woese[1] que apresenta uma explicação plausível de como os organismos intercambiavam o  DNA naquela fase inicial da moldagem da biosfera. A biosfera era formada essencialmente por um grande número de células minúsculas e independentes. Animava-as um intercâmbio e uma interação generalizada. Neste caso se um dos microrganismos unicelulares desenvolvia uma proteína que lhe conferia vantagens, essa podia ser intercambiada e assim difundia-se rapidamente, sendo incorporada no patrimônio genético das populações de micro-organismos  em volta. Configura-se assim uma dinâmica de evolução de caráter mais coletivo. A “transferência horizontal de genes” é um fenômeno documentado nas populações de bactérias arcaicas, “as arqueobactérias” ainda hoje existentes. O mecanismo imaginado por Woese entre as bactérias da terra primigênia, podem dar  muito bem uma explicação de como novas características se propagaram e foram incorporadas no patrimônio hereditário coletivo. (cf. A linguagem de Deus, p. 96)
Acontece que, mesmo que a hipótese de Woese se confirme como válida para o universo microbacteriano de hoje, não responde à questão do como surgiram os microrganismos que se reproduzem e intercambiam as modificações que se operam no seu DNA?. Collins responde com o comentário:                                     
No entanto, para começar, como surgiram esses organismos que se auto-reproduzem?. É justo afirmar que simplesmente não sabemos. Nenhuma hipótese atual se aproxima de uma boa explicação de como num espaço de menos de 150 milhões de anos, o ambiente pré-biótico que existiu sobre o planeta terra gerou vida. Isso não quer dizer que não foram apresentadas hipóteses interessantes, mas a probabilidade estatística de responsabilizar esse ambiente pelo desenvolvimento de vida ainda parece remota. (Collins, 2007, p. 96)
As hipóteses e tentativas em laboratório com o objetivo de lançar alguma luz a mais sobre “o como” surgiram as primeiras formas de organismos, os protótipos dos quais descendem de alguma forma todos os seres vivos que já existiram e ainda existem no planeta terra, não foram ainda confirmadas. Como amostra Collins chama a atenção aos experimentos de laboratório de Stanley Miller e Harold Urey. Os dois cientistas recriaram uma mistura de água e compostos orgânicos como imaginavam que existiam na terra primitiva. Aplicaram descargas elétricas e como resultado obtiveram pequenas quantidades de componentes que entram na formação de organismos vivos, entre eles aminoácidos. Somando a descoberta da presença de quantidades mínimas de compostos semelhantes  observados em meteoritos vindos do espaço, levou não poucos a concluir que há possibilidade de que moléculas complexas como aquelas podem ser o resultado de processos naturais. Hipóteses e mais hipóteses, nada mais do que hipóteses. E a grande incógnita do “como” surgiram as formas primigênias de vida, “como” uma molécula que se auto-reproduz, carregando informações, montar-se  espontaneamente a partir desses componentes, continua desafiando os cientistas, seus métodos e as tecnologias de alta precisão à sua disposição.  
Até  o momento não se avançou grande coisa em busca do “como” do surgimento da vida, além das experiências de Stanley Miller, Urey e outros. Parece que as dúvidas em vez diminuírem continuam desafiando a ciência e incomodando os pesquisadores, mesmo os mais sérios como é o caso de Francis Collins. Na sua obra dedica algumas páginas com observações  de como é intrincada essa questão. Geneticista que é, e como tal ocupar-se exatamente com os fundamentos da vida, mostra como essa especialidade se mostra impotente, pelo menos por enquanto, para clarear um pouco mais esse misterioso “como”. Seu raciocínio é esse. Como uma molécula portadora de informações   se auto-reproduz e ao mesmo tempo monta-se espontaneamente a partir desses componentes?. Afirma textualmente : “Parece totalmente improvável que uma molécula como o DNA, com sua estrutura de açúcar e fosfato e bases orgânicas dispostas de forma complexa, empilhadas umas sobre as outras e emparelhadas em cada degrau de um hélice dupla e retorcida, tenha apenas acontecido”. (A linguagem de Deus, p. 97). Explica depois o porque da  sua dúvida. O DNA aparentemente não possui nenhum potencial para copiar-se a si mesmo. Estudos recentes apontam o RNA em vez do DNA como possível primeira estrutura viva, já que o ácido ribonucleico tem potencial  para carregar informações. É capaz também de catalisar reações químicas coisa que o DNA não tem. Collins compara o DNA ao disco rígido do computador. Como tal é um meio estável de armazenamento de dados e informações admitindo alguns “bugs” e imprevistos. O RNA parece-se com um “pen drive”, circulando com as suas informações e com capacidade de fazer acontecer as coisas por conta própria. Até o momento porém, os esforços dos cientistas falharam no que diz respeito à formação dos blocos básicos do RNA valendo-se dos experimentos de Stanley Miller e Harold Urey. Nem tão pouco foi possível sintetizar um RNA com capacidade de reproduzir-se a si  mesmo. (cf. Collins, 2007, p. 97).



[1] O microbiólogo Carl Woese nasceu em 15 de julho de 1928 em Siracuse-N, York e faleceu em 30 de dezembro de 2012 em Urbana-Illinois.

FRANCIS COLLINS (1950 ) - 3

A teoria antrópica.

Para o “Princípio Antrópico”, isto é, “ o universo só existe porque nós existimos”, há três respostas possíveis, segundo o Dr. Collins. A primeira defende a ideia da possibilidade da existência simultânea de outros universos, quem sabe muitos outros, organizados e funcionando com valores e constantes físicas outras das do nosso e, quem sabe,  com leis físicas diferentes. Os outros universos situam-se além da nossa capacidade de percebê-los. Estamos condicionados a viver apenas em um universo no qual todas as propriedades físicas trabalham coordenadamente em função da possibilidade da vida e da consciência. Nosso universo não é um milagre, mas o resultado fortuito de tentativas e erros. É a hipótese do “multiverso”. Pela segunda hipótese, existe apenas um universo que, nada mais nada menos, oferece todos os requisitos para gerar uma vida inteligente, caso contrário não estaríamos debatendo a questão. A terceira hipótese parte do pressuposto de que existe apenas um universo, este em que nos encontramos. As constantes e as leis físicas calibradas e ajustadas de tal maneira que  a vida inteligente fosse possível, não vem a ser um fato acidental, mas sinaliza para uma ação criadora responsável pela existência do universo.
Para Collins qualquer uma das  três alternativas de hipótese leva ao terreno da Teologia. E para  reforçar essa conclusão, cita novamente o físico Stephen Hawking: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como ato de um Deus que quisesse criar seres como nós”. (Hawking, op. cit., p. 63). Freeman Dyson, outro físico de renome, citado por ele, diante da sequência de “acidentes numéricos” chegou à conclusão  de que “quanto mais examino o universo e os detalhes da sua arquitetura, mais evidências encontro de que o universo, em certo sentido, devia saber que estávamos chegando”. (in Barrow, Tipler, op. cit., p. 318).
Na linha da tese que vimos defendendo desde o primeiro parágrafo dessas reflexões, o “Princípio Antrópico”  vem a  reforçar a convicção de que o universo e a natureza são o resultado de uma síntese global, que expressa uma unidade radical, impulsionada por um objetivo, uma teleologia. No caso específico os elementos que compõem o universo e a natureza, assim como os processos químicos  e as leis físicas convergiram, melhor talvez, prepararam o cenário no qual o surgimento do homem fosse possível. Sem essa  “missão” o universo não faria sentido. Reparos que possam ser feitos ao “Princípio Antrópico” à parte, ele representa um reforço nada desprezível  à tese de que o universo e a natureza formam uma gigantesca síntese. Para Collins a demonstração de que o universo e a natureza como um todo formam uma sínteses global, não  constitui o foco de suas reflexões. Seu objetivo, o Leitmotiv do seu livro “A Linguagem de Deus”, resume-se em demonstrar que não há argumentos e razões de fundo que impeçam uma harmonização entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. E neste nível a interrogação pelas causas e suas identificações polarizam todo esforço. É ofício das Ciências identificar as “causas secundárias”, as leis da física e os processos químicos tem potencial para explicar o que está ocorrendo no macro, micro e nano- cosmos e levar o aprofundamento das pesquisas até o limite do alcance dos seus métodos e equipamentos de investigação. Mas a partir do momento que o cientista se depara com a pergunta crucial por uma “causa primária”, isto é, a causa responsável pelo começo de tudo, a matéria prima do universo, o estofo do  universo como diria Teilhard de Chardin e as leis que comandam os processos evolutivos, as coisas sem complicam. Frente a essa situação, Collins chama a atenção para a sinalização de Stephen Hawking apontando uma saída: “Podemos ainda imaginar que existe um conjunto de leis fundamentais determinando totalmente os eventos para algum ser sobrenatural, o qual possa observar o atual estado do universo sem perturbá-lo” (Hawking, op. cit., p. 63). E, o próprio Collins conclui:
Este breve exame sobre a natureza do universo leva a considerar a admissão da hipótese de Deus de uma maneira mais geral. Recordo-me do Salmo 19 em que Davi escreve: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.  É claro que a visão científica de um mundo  não é totalmente suficiente para responder a todas as questões interessantes acerca da origem do universo e não há nada essencialmente em conflito entre a ideia de um Deus criador e o que a ciência revelou. Na verdade, a hipótese de um Deus soluciona algumas questões de profundidade mais problemáticas sobre o que veio antes do Big Bang e porque o universo tão exatamente acertado para que estejamos aqui. Para um teísta, guiado pelo argumento da Lei Moral (como vimos no capítulo 1), buscar um Deus que não só enxerga o universo em movimento, mas também se interessa pelos seres humanos, uma síntese como essa pode ser prontamente alcançada. A argumentação seria algo assim: Se Deus existe, é sobrenatural. Se Ele é sobrenatural, não é limitado pelas leis naturais. Se não é limitado pelas leis naturais, não há motivo para que seja limitado pelo tempo. Se não é limitado pelo tempo ele está no passado, no presente e no futuro. (Collins, 2007, p. 87)

As consequências desse raciocínio, ainda segundo Collins, seriam as seguintes: Primeiro. Deus pode existir antes do Big Bang e continuar existindo mesmo que o universo viesse a desaparecer. Segundo, Ele estria em condições de saber o resultado exato da formação do universo mesmo antes de este ter começado. Terceiro. Ele saberia de antemão se um planeta próximo das margens externa  da espiral de uma galáxia poderia ter as características certas para permitir a vida. Quarto. Ele saberia por antecipação tal, que determinado planeta levaria ao desenvolvimento de criaturas conscientes, por meio do mecanismo da evolução e pela seleção natural. Quinto. Ele estaria também em condições de saber, antecipadamente, os pensamentos e  as ações dessas criaturas, mesmo se estas tivessem livre arbítrio. (cf. Collins, 2007, p. 88)

FRANCIS COLLINS (1950 ) - 2

A síntese entre as Ciências.

Os pontos de partida para entender a Natureza como uma grande síntese do Dr. Collins e do Pe. Balduino Rambo praticamente coincidem. As diferenças situam-se num plano secundário. Para o segundo a existência  de Deus foi um dado objetivo que o acompanhou desde o berço. Pelo menos ao que consta nunca o assaltou uma dúvida séria a esse respeito. Por isso a Natureza é o livro aberto da Revelação Divina. Quem está em condições de lê-lo e interpretá-lo não encontra dificuldade  em admitir a existência do Autor acima e além do que se observa, por ex., na botânica que foi seu campo de especialista. As paisagens, as “fisionomias” naturais como ele gostava de definir os múltiplos panoramas que podem ser encontrados, no seu conjunto e nos detalhes aparentemente  mais insignificantes, não passam em última análise, de um código, de uma “linguagem” que revela o Supremo Artista que os imaginou e os colocou à disposição do homem para que desenvolva os seus potenciais humanos, a sua “Menschlichkeit”, recordando mais um dos  seus conceitos prediletos. Para o Dr. Collins, especialista em Genética Médica, o genoma humano mapeado sob sua direção, forma em última análise um alfabeto de 3 bilhões de caracteres escrito num código enigmático. O decifrar desse código revela, para ele, nada mais nada menos do que “A Linguagem de Deus”. Diferente do Pe. Rambo, o Dr. Collins começou a convencer-se de que o agnosticismo que professara até os 21 anos e o ateísmo até os 27, não lhe ofereciam uma  reposta conclusiva para uma interrogação crucial: qual é a causa explicativa satisfatória para entender “o como” a natureza foi capaz de evoluir para uma complexidade tamanha que qualquer superlativo é incapaz de abarcar. Mais. Como se explica a teleologia que faz com que a evolução não se desgarre e não termine num caos total, mas demonstra uma ordem, uma harmonia resultante  de leis naturais que permitem acompanhar essa trajetória fantástica e entender com o aprofundamento das investigações, como funcionam as partes dentro e em função do todo. Mais ainda. O Dr. Collins como médico geneticista defrontou-se com outra desafio. Como é que os seus pacientes, submetidos a grandes e intermináveis sofrimentos, buscavam na Fé em Deus a força para seguir em frente, mesmo desenganados pela Medicina? Foi a partir daí que começou a refletir seriamente sobre a possibilidade de aceitar a ideia de Deus e terminou convencendo-se de que não havia nenhuma incompatibilidade em ser uma grande cientista e um dos maiores especialistas em genética e, ao mesmo tempo, crer sinceramente em Deus. Desde então tornou-se um fervoroso divulgador da compreensão do universo e da natureza como uma grandiosa e harmoniosa síntese, que não encontra explicação satisfatória sem abrir uma perspectiva para além dos potenciais da ciência como é normalmente entendida. E o Dr. Collins não vem a ser uma voz isolada que clama no deserto. Vale a pena reproduzir síntese da situação deixada por ele na “Linguagem de Deus”.
Essa síntese potencial das visões do mundo científica e espiritual, nos tempos modernos, é tida por muitos como impossível, quase como a tentativa de obrigar os dois polos de um ímã a permanecer juntos num mesmo ponto. Apesar dessa impressão, várias pessoas nos Estados Unidos permanecem interessadas e  assimilar a validade de ambas as visões do mundo em seu quotidiano. Pesquisas recentes confirmam que 93% dos norte-americanos são adeptos de alguma forma de crença em Deus; entretanto, a maioria deles também dirige carros, utiliza eletricidade e presta atenção na previsão do tempo, aparentemente reconhecendo que a ciência que dá respaldo a tais fenômenos é, em geral digna de crédito.
E o que dizer da crença espiritual entre os cientistas? Na verdade, ela é mais comum do que muitas pessoas imaginam. Em 1916, pesquisadores perguntaram a biólogos, físicos e matemáticos se acreditavam em  um Deus que se comunica ativamente com a humanidade e ao qual é possível fazer uma oração, na esperança de  receber uma resposta. Cerca de 40% responderam que sim. Em 1997, o mesmo estudo foi repetido literalmente e, para a surpresa dos pesquisadores, a porcentagem permanecia muito próxima da anterior. (Collins, 2007,  p. 12)
Em sua obra o  Dr. Collins começa as reflexões que o levaram no final a propor a alternativa do “BioLogos” como saída para harmonizar a Ciência e a Fé. “BioLogos” vem a ser o conceito chave para entender a harmonia, na situação atual do conhecimento, entre as Ciências Naturais, as Ciências Humana, as Letras e Artes e, principalmente, as Ciências do Espírito, isto é, a Filosofia e a Teologia. Para introduzir as suas reflexões recorda o que Kant escreveu há mais de 200 anos passados: “Duas coisas me enchem de admiração e estarrecimento  crescentes e constantes, quanto mais tempo e mais sinceramente fico refletindo acerca  delas: “os céus estrelados lá fora e a Lei Moral aqui dentro”; a declaração de Einstein: “Sem a religião a ciência é manca e sem a ciência a religião é cega; ou ainda a afirmação um tanto improvável na pena de um físico, como observou Collins: “em geral não dado  a contemplações metafísicas, Stephen Hawking no seu livro “Uma breve História do Tempo”:  “Então, poderíamos  todos nós, filósofos, cientistas e pessoas comuns, participar da discussão sobre a questão do porquê de nós e o universo existirem. Se encontrarmos uma resposta a isso, será o triunfo definitivo da razão humana – pois, então, conheceremos a mente de Deus”. Em outra passagem da mesma obra, Hawking afirma: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como o ato de um Deus criador que quisesse criar seres como nós”; ou  ainda a afirmação: de Theodosius Dobzhansky: “Ou a metade dos meus colega são muito idiotas, ou então a ciência do darwinismo é inteiramente compatível com as crenças religiosas convencionais – e igualmente com o ateísmo”. Há ainda  a resposta à pergunta formulada por Eugen Wiegner: “Qual seria a explicação para a inexplicável eficiência da matemática?  A resposta em forma de pergunta: “Não seria nada além de um feliz acidente ou refletiria alguma intuição profunda na natureza da realidade? Para quem deseja aceitar  a possibilidade do sobrenatural, seria isso também uma intuição da mente de Deus? Teriam Einstein, Heisenberg e outros  encontrado o divino?”. Em sua obra “God  and the Astronomers, o astrofísico Robert Jastrow[1] escreveu este parágrafo:
Neste momento parece que a ciência nunca será capaz de erguer a cortina acerca do mistério da criação. Para o cientista que viveu pela sua fé na força da razão, a história encerra como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância; vê-se prestes a conquistar o pico mais alto; à medida que se puxa para a rocha final, é saudado por um bando de teólogos que estiveram sentados ali durante séculos. (Jastrow, m 1992, p. 107, citado por Collins, 2007, p. 74)
Numa outra passagem do seu livro Jastrow escreveu:
Agora vemos como a evidência astronômica conduziu a uma visão bíblica sobre a origem do mundo. Há diferença nos detalhes, porém os elementos  essenciais e as considerações astronômicas e bíblicas sobre a gênese são as mesmas; a cadeia de eventos conduzindo ao homem iniciou de modo repentino e preciso em um momento definido no tempo, em um brilho de luz e energia. (Jastrow, 1992, p. 14. Citado por Collins, 2007, p. 75)
Collins concordando com as afirmações de Jastrow, acrescenta  como conclusão:
Tenho de concordar. O “Big Bang” grita por uma explicação divina. Obriga à concluso de que a natureza teve um princípio definido. Não consigo ver como a natureza pôde ter-se criado. Apenas uma força sobrenatural, fora do tempo e do espaço, poderia tê-la originado. Mas e quanto ao resto da criação? O que faremos com o extenso processo pelo qual nosso planeta, a Terra, veio a existir, 10 bilhões de anos após o Big Bang?”  (Collins, 2007, p. 74-75)
O Dr. Collins  mostra depois o caminho percorrido pela ciência e os cientistas para concluir que o  Big Bang vem a ser  o começo do universo. E como foram os primeiros momentos da formação do universo assim como o conhecemos. Imediatamente após a “grande explosão” matéria e anti- matéria foram geradas em proporções quase iguais. Em frações de milionésimo de segundo o resfriamento foi suficiente para que os “quark” e “antiquark” fossem gerados. O encontro dos quarks e antiquarks resultou na sua destruição, com a liberação de um fóton de energia. Acontece que a simetria entre a matéria e ant-imatéria não era perfeita. Em cada bilhão de pares de quarks e antiquarks, havia um quark a mais. Essa aparentemente insignificante fração, lá no começo compõe a massa do universo conhecido. Se não tivesse havido essa assimetria o universo em pouco tempo ter-se-ia esvaído em radiação pura. e, como consequência as estrelas, planetas, plantas, animais e mesmo homens não teriam como existir. Depois do Big Bang a história da evolução do universo dependeu da quantidade  total da sua massa e energia e da força da gravidade. Stephen Hawkin observou admirado diante dessa mecânica constante:
Porque o universo iniciou com uma taxa crítica  tão próxima da expansão que separa os modelos que voltam a entrar em colapso daqueles que se mantem expandindo eternamente, que, ainda hoje, 10 mil milhões de anos mais tarde, continuam se expandindo próximo à taxa  crítica? Se a taxa de expansão um segundo após o Big Bang tivesse sido menor, mesmo em cada parte única de 100 mil milhões de milhões, o universo ter-se-ia destruído outra vez antes mesmo de atingir seu tamanho atual. (Hawking, citado por Collins, 2007, p. 138)
Francis Collins continua nas suas reflexões mostrando que,  se a taxa de expansão tivesse sido maior para cada fração de um milhão, a formação de planetas e estrelas simplesmente não teria sido possível. Este estado de coisas faz com que “a existência de um universo como o conhecemos repousa no fio de navalha das improbabilidades” (A Linguagem de Deus, p. 80). Igualmente extraordinária é a circunstância em que se formaram os elementos pesados. No caso de a força nuclear que mantem unidos prótons e nêutrons tivesse sido minimamente mais fraca, somente o  hidrogênio se teria formado no universo. Se levemente mais forte, todo o hidrogênio ter-se-ia transformado em hélio, em vez dos 25% quando do Big Bang lá no começo. Como consequência as fornalhas de fusão das estrelas e a capacidade de gerar elementos mais pesados jamais teria ocorrido. Ainda segundo Collins, somando à situação que acabamos de caracterizar, a energia nuclear parece estar ajustada apenas o suficiente para a formação de carbono, elemento imprescindível às formas de vida. No caso de essa energia tivesse exercido uma atração muito menor, todo o carbono ter-se-ia convertido em oxigênio. As observações e as respectivas conclusões resumem-se na existência ao todo de ...
quinze constantes físicas cujos valores a atual teoria não consegue predizer. São dadas: simplesmente têm o valor que têm. A lista inclui a velocidade da luz, a potencia das forças nucleares forte e fraca, diversos parâmetros associados ao eletromagnetismo e a força da gravidade. A probabilidade de todas essas constantes terem os valores necessários para resultar num universo estável, capaz de sustentar  formas de vida complexas, quase tende ao ínfimo. E, no entanto,  elas apresentam exatamente os parâmetros que observamos. em resumo, nosso universo é extremamente improvável.
Neste ponto talvez você diga, com razão, que esse argumento é um tanto cíclico: o universo precisa de parâmetros associados a esse tipo de estabilidade, ou não estaríamos aqui para comentar a questão. Em geral, essa conclusão é chamada de “Princípio Antrópico”: a ideia de que o nosso universo está exclusivamente  ajustado para gerar humanos. Esse princípio tem sido uma fonte de muito assombro e especulação desde que foi avaliado em sua totalidade, poucas décadas atrás. (Collins, 2007,  p. 81)



[1] O astrofísico Robert Jastrow nasceu em 7 de setembro de 1925 e faleceu em 8 de fevereiro de 2008. Definiu os objetivos da exploração da lua no Programa Apollo. Simultaneamente ocupou o cargo de Diretor do Departamento Teórico da NASA. Foi Diretor fundador da NASA. Serviu a NASA até 1981. Foi professor de Geofísica na universidade Columbia.