Em busca do “Ômega”
Depois dessa digressão voltemos a Teilhard
de Chardin. Não há necessidade de insistir mais de que ele vai conduzindo toda
a sua linha de raciocínio em busca de um
ponto de convergência da natureza global. Lida com a pluralidade das realidades
naturais, supondo diante mão que, pela sua natureza, fazem parte de uma grande
unidade. A visão unitária do universo e da natureza encontra-se implícita no
macro-modelo que desenhou para orientar a coerência das suas reflexões. Tudo
teve um começo no “alfa”. Nele encontrava-se o “estofo” do Universo, dotado de
um potencial ilimitado de diversificação, de reagrupação, de complexificação,
de compressão, até voltar novamente, no final, a uma unidade definitiva no
“ômega”. No último capítulo do “Fenômeno Humano” que leva o titulo “A Terra
Final”, a intenção de Teilhard fica mais clara:
O homem só continuará a trabalhar e a pesquisar se conservar o gosto
apaixonado de fazê-lo. Ora esse gosto está inteiramente pendente da convicção,
estritamente indemonstrável para a Ciência, de que o Universo tem um sentido e
de que pode, ou até de que deve desembocar, se formos fieis, em alguma
irreversível perfeição. Fé no progresso.
Podemos conceber cientificamente um melhoramento quase indefinido do
organismo humano e da sociedade humana. Mas logo que se trata de materializar
praticamente os nossos sonhos, constatamos que o problema continua
indeterminado, ou mesmo insolúvel, a menos que admitamos, por uma intuição
parcialmente supra-racional, as propriedades convergentes do Mundo a que
pertencemos. Fé na Unidade. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 324)
Na citação que acabamos de registrar,
Teilhard como cientista deixa clara a dificuldade em oferecer, via Ciência, uma
perspectiva para uma resposta final e conclusiva para o desfecho da evolução do
Homem. Percebe como, para entender o Universo e a Natureza, os cientistas
desmontaram a realidade até as últimas peças. E no afã de, por esse caminho,
encontrarem respostas de fundo para as hipóteses que orientam, cresce no mesmo
ritmo do avanço de suas descobertas, a desconfiança de que não é por essa via
que irão obtê-las. O fato é que o método
analítico indutivo próprio das Ciências, esconde uma armadilha que pode
transformar-se num beco sem saída. Teilhard descreveu a situação mais ou menos
assim. O método analítico oferece os instrumentos maravilhosos que se encontram
na base de todo o progresso. Vem acompanhado, porém, de um risco que não pode
ser desprezado. De tanto dissecar, desmontar, analisar, o pesquisador
defronta-se com um monte de peças e perdeu a noção da máquina a que
pertenceram. Se essa foi a situação em meados do século XX, o que dizer do
começo do século XXI?. Em todo o caso e o que interessa é que ele descreveu o
desfecho final para o qual deverão contribuir, tanto as Ciências Naturais,
quanto as Ciências do Espírito.
Quando, no Universo movediço para o qual acabamos de despertar, olhamos
as séries temporais e espaciais divergir e soltar-se à nossa volta e para trás,
como camadas de um cone, fazemos Ciência pura. Mas quando nos voltamos para o
lado do Ápice, em direção à Totalidade e o Porvir, forçoso nos é fazer também
Religião
Religião e Ciência: duas faces, ou fases conjugadas de um mesmo ato
completo de conhecimento, - o único que pode arcar, para contemplá-los,
medi-los e consumá-los, o Passado e o futuro da Evolução.
No reforço mútuo dessas duas potencias ainda antagônicas, na conjunção
da Razão e da Mística, o Espírito humano, pela própria natureza de seu
desenvolvimento, está destinado a encontrar o extremo de sua penetração, com o
máximo de sua força viva. (Teilhard de Chardin.
1986. p. 324)
Na sua obra complementar ao “Fenômeno
Humano”, “ Homem na Natureza”, Teilhard formulou a conclusão de todo o seu
esforço científico e as reflexões que o acompanham.
Se o
polo de convergência psíquica no sentido do qual gravita, organizando-se, a
Matéria não fosse nada de diferente, nem nada mais que o agrupamento
totalizado, impessoal e reversível, de todos os grãos do Pensamento cósmicos
momentaneamente refletidos uns nos outros, o enrolamento do Mundo sobre si
mesmo desfazer-se-ia, na própria medida em que a Evolução, a progredir, tomaria
consciência mais clara do beco sem saída em que terminaria. Sob pena de ser
incapaz de formar o fecho de abóbada
para a Noosfera, “Ômega”só pode ser concebido como o ponto de encontro entre o
Universo chegado ao limite de centração e um outro Centro ainda mais profundo –
Centro auto subsistente e Princípio absolutamente último de irreversibilidade
de personalização: o único verdadeiro “Ômega”. E julgo é neste ponto que se
insere, na Ciência da Evolução, o
problema de Deus – Motor, Colector e Consolidador da Evolução. (Teilhard de Chardin. 1956. p. 149).
Pelo visto fica claro que, salvo melhor
juízo, Teilhard de Chardin direcionou todo o seu esforço de cientista, de
etnógrafo, de etnólogo, de historiador, de geógrafo, de filósofo e, porque não,
de teólogo e místico, par demonstrar que o Universo é uno na sua imensa
Pluralidade. Essa unidade somente é possível se houve um começo único, um
“alfa”. Além disso exige também que o desfecho da evolução que levou à
Pluralidade ao extremo numa primeira fase, numa segundo voltou a concentrar-se
(lembramos a metáfora do globo terrestre), em busca de um ponto de chegada
final único e definitivo: o “Ômega”. Apesar da pluralidade somada a uma
aparente dispersão, uma linha mestra atrelada a uma teleologia, garantiu e
garante ainda a Unidade radical. E se há uma teleologia, uma causa eficiente e
inteligente – um “Alfa”, este tudo planejou, pós em andamento e direcionou a um
objetivo final – o “Ômega”. A lógica dessa cosmovisão só podia terminar numa
conclusão final, aquela que o próprio Teilhard formulou no “Lugar do Homem na
Natureza”. O “Alfa” confunde-se com Deus Criador e o “Omega”, o mesmo Deus,
princípio, alma, razão de ser e destino final do Universo, da Natureza e do
Homem. “Julguo ser neste ponto que se
isnere, na Ciência da Evolução, o problema de Deus – Motor, Colector e
Consolidador da Evolução (Teilhard de Chardin. 1956. p. 149).
Conclusões
sobre a cosmovisão de Teilhard de Chardin
As reflexões que nos levaram até aqui
deixam claro de que sempre houve preocupação ao nível da Ciência e,
evidentemente, da Filosofia e da Teologia, em relação aos questionamentos de
fundo, implícitos no Universo, na Natureza e no Homem. Platão, Sto. Agostinho,
Nicolau de Cusa, Spinosa, Hans Driesch, Oscar Hertwig, Karl von Baer, Erich
Wassmann, Teilhard de Chardin, Theodosius Dobzansky. Ludwig von Bertalanffy, e,
mais recentemente Francis Collins, Edward Wilson, entre outros, formularam as
suas respostas. Cada qual, partindo de um ponto de vista particular e singular,
fez suas observações e chegou a uma conclusão coerente com os dados que
dispunha, interpretados de acordo com sua cosmovisão peculiar. Por caminhos
diferentes e partindo de ângulos de observação originais, chegaram à mesma conclusão. Na imensa Pluralidade que nos
cerca, e não poucas vezes, nos confunde, percebe-se uma Unidade que, de um lado
explica a própria diversidade e, do outro, confere-lhe uma razão de ser a
ultrapassa. Em outras palavras. Estamos diante de doutrinas diferentes que
iluminam a partir de perspectivas diferentes a Verdade que é uma só. “Doctrina
multiplex, Veritas una” – “As doutrinas são muitas, a Verdade uma só”
A justiça manda que nessa galeria de sábios não se omita o nome
do Pe. Balduino Rambo (1905-1961),
contemporâneo de Teilhard de Chardin (1881-1951) e Ludwig von
Bertalanffy (1901-1973). Em comum com primeiro merece lembrar que foi jesuíta,
condição aliás partilhada também com Erich Wassmann (1859 – 1931). Acontece que
não há registros, pelo menos até agora, de algum contato por correspondência
entre os três nem referência um do outro nas suas obras científicas. De que o
pensamento de Erich Wassmann era-lhe familiar pode ser deduzido do fato de em
seus espólio encontrar-se a obra clássica
dele: Die Moderne Biolgie und Entwicklungstheorie. A ausência de um
intercâmbio de ideias mais permanente
explica, pelo menos em parte, os caminhos aparentemente opostos que os
dois jesuítas, Rambo e Teilhard escolheram para chegar ao mesmo objetivo.
Aquele que se dá o trabalho de examinar um pouco mais de perto o “Fenômeno
Humano”, percebe que o caminho que Teilhard foi, senão audacioso, pelo menos de
uma considerável dificuldade. A execução do plano da obra que concebeu, exigiu uma
complexa arquitetura conceitual, para dar suporte e consistência à lógica
ao texto. Logrou dessa forma garantir
coerência à grandiosa, para muitos, genial concepção da origem, da evolução e do destino do Universo, da Natureza e do
Homem. Como cientista lançou mão dos múltiplos conhecimentos nas diversas áreas
das Ciências Naturais e Humanas, para assegurar
objetividade à sua obra e, por isso mesmo, aceitação ou, pelo menos,
respeito nas Academias de Ciências. O resultado compensou o esforço, como demonstra
o depoimento de Jean Piveteau da Academia Francesa de Ciências, no prefácio que
escreveu para “O Lugar do Homem na Nautreza”. É compreensível, pois,
estamos na primeira metade do século X,
que sua obra como um todo e, consequentemente sua proposta de mega-síntese,
alvoroçasse os guardas da ortodoxia religiosa. O mesmo já acontecera no começo
do século com Erich Wassmann, impedido de publicar a terceira edição da sua obra “Moderne Biolgie”. Estavam
em pleno vigor os pesados documentos de Pio X, que proibiam aos católicos aceitar o evolucionismo. O que dizer então dos
religiosos ? Tanto Wassmann quanto Teilhard eram jesuítas e como tais deviam
obediência irrestrita às determinações emanadas do magistério superior da
Igreja. Wassmann falecido em 1931, sofreu mais diretamente o impacto dos
documentos pontifícios do começo do século. Nem por isso deixou de aprofundar
seus estudos, publicar os resultados e concluir a sua proposta de harmonização
entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas, tão original quanto fácil de
entender. Memoráveis foram os seus confrontos nos debates públicos em Berlim,
com os maiores expoentes do Monismo de Ernest Haeckel. Sua cosmovisão e as
matérias que a franquearam ao grande público, foram publicadas na revista Stimmen der Zeit, entre 1910 e
1930.
Teilhard de Chardin e Balduino Rambo
consolidaram ambos a suas compreensões do Universo, da Natureza e do Homem,
entre 1940 e 1960. Vale observar que a Igreja por meio do Magistério Superior
Eclesiástico, dava sinais inequívocos de aproximação com o universo científico.
Pio XII, eleito em fevereiro de 1939 e
falecido em outubro de 1958, fundou a Academia Pontifícia de Ciências, um fórum
de alto nível para o qual eram convidados os expoentes das diversas
especialidades, com a finalidade de implementar o diálogo entre a Ciência, a
Filosofia e a Teologia. Essa mudança
teve o mérito de atenuar as tensões entre a Ciência e o rigor
doutrinário imposto por Pio X. Foi-se generalizando um arrefecimento gradativo
das tensões e uma lenta aceitação do
transformismo, como um caminho legítimo para conceber o mundo, também para os
católicos. Essa tendência tomou corpo e tornou-se uma das balizas sinalizadoras
das investigações, e, de modo especial, das reflexões de cientistas católicos. De outra parte, as
autoridades eclesiásticas abandonaram sensatamente forçar os religiosos
cientistas a pesquisar,
imobilizados pela camisa de força
da interpretação literal da Bíblia ou a rejeição do transformismo a qualquer
preço. Assim, Teilhard e Balduino Rambo gozavam da liberdade para desenvolver
suas investigações, suas observações e, de modo especial, suas reflexões, num
cenário desenhado pelo evolucionismo, sem serem chamados à ordem ou
estigmatizados como heterodoxos. É verdade que Teilhard foi, por algum
tempo, penalizado por um tal ou qual
ostracismo e chamado a explicar-se
perante as autoridades eclesiásticas e da própria Ordem. Pelo que
consta, o Pe. Rambo nunca foi chamado formalmente à ordem por defender em sala
de aula e em palestras a sua convicção de evolucionista. De um lado não
expôs-se tanto quanto o irmão de Ordem, porque sua especialidade era a
taxonomia botânica, pouco propícia para uma discussão na linha da evolução e,
do outro lado, porque não chegou a escrever uma síntese como o fez Teilhard no
“Fenômeno Humano”. A questão foi posta num nível oficial definitivo pela Igreja
com a encíclica “Divino Aflante Spiritu” de 1943[1]
e a “Humani Generis” de 1950.[2]
Em resumo esses documentos remetem a face científica relativa ao Evolucionismo
para a Ciência e para a Filosofia e a Teologia, os aspectos privativos a essa
esfera.
[1] Em 30 de setembro de 1943, Pio XII publicou a Carta Encíclica Divino afflante spiritu. Nela o papa recomenda
a tradução da Sagrada Escritura das línguas originais em que foram escritas
para substituir a tradicional Vulgata de
São Jerônimo. Esse recurso às línguas originais, tomando em consideração o
gênero literário, o ambiente histórico cultural, abriria a possibilidade de
interpretações alternativas do textos sagrados. Foi o primeiro e decisivo passo
para o reencontro e o efetivo diálogo entre a Ciência e a Igreja Católica.
[2] Humani generis,
promulgada por Pio XII em 12 de agosto de 1950 libera oficialmente o estudo e
aceitação da teoria da evolução contanto que se preserve a doutrina relativa à
criação direta da alma por Deus. O documento ensina que “A Autoridade Docente
da Igreja não proíbe, tomando em consideração o presente estado da Ciência e da
Sagrada Teologia, as pesquisas e discussões, baseadas na experiência dos dois
campos, que envolvem a doutrina da Evolução, na medida em que aceita a origem
do corpo humano a partir de um ser vivo anterior, ressalvando a criação da alma
como um ato divino imediato”.