Deitando Raízes #44

Capítulo décimo
Retrato topográfico de Bom Jardim
As divisas, os números, os nomes locais
Não temos a pretensão de elaborar um mapa topográfico da nossas paróquia. De mais a mais uma iniciativa nesse sentido seria de todo em todo supérflua porque, como não poucos leitores sabem, está sendo desenhado um mapa topográfico parcial de São Leopoldo. Essa carta foi confeccionada com base nos trabalhos oficiais e nas minuciosas  medições de Ernesto Müzell e publicado pelo engenheiro Ad. Jahn. Na hipótese de a Crônica sair em forma de livro, será publicado um pequeno mapa como anexo, destacando a nossa paróquia numa escala aumentada.
De momento basta a descrição das partes mais expressivas da representação de Müzell. Futuramente, quem abe, será possível moldar um mapa em relevo da nossa comarca. Nele não são reproduzidas as perspectivas de profundidade, mas assinalado com precisão até que ponto já avançou o desmatamento da nossa região. Por agora permitimo-nos apenas dar uma rápida passada de olhos pelo mapa topográfico e oferecer ao leitor uma percepção a mais fiel possível da região.
O mapa de Müzell e Jahn orienta-se pelos quadrantes celestes e estabelece São Leopoldo como referência. Quase em linha reta para o norte, um pouco para o leste, situa-se Hamburgo Velho e, na mesma distância da linha perpendicular, partindo de São Leopoldo, localiza-se o Rincão das Ilhas. Sobre ambos estende-se, em ângulo reto em relação à base, a faixa da Costa da Serra. Nela alinham-se as colônias do sul para o norte. Traçando-se uma linha reta do sopé do morro Lehm, tem-se a base da Picada Bom Jardim. O pé do daquele morro  representa mais ou menos o centro da linha de referência.
A picada em si conta com 26 colônias (188) pela esquerda e 28 pela direita. Nem todos os lotes coloniais tem o mesmo tamanho, tato na largura quanto no comprimento. Mas todos são pequenos quadriláteros que se orientam do oeste para o leste. No meio passa a estrada quase em linha reta, a partir do morro Lehm até a ponta do Feitoria. Na colônia 15 da direita ergue-se a igreja protestante e na 13 à esquerda a igreja católica.
Partindo do morro Lehm, aproximadamente na primeira quarta parte, passa o divisor de águas. Os arroios do primeiro quarto orientam-se para o sul e desembocam no arroio Portão ou Mainzerbach e de lá no rio dos Sinos. Os cursos de água das três outras quartas partes, dirigem-se para o vale do Feitoria, em parte formando pântanos, em parte desembocando diretamente no rio.
 No outro lado do Feitoria estende-se em toda a sua largura a Picada Bom Jardim propriamente dita e a maior parte da Picada 48. São 31 colônias que têm no Feitoria a sua linha de referência e se orientam do sul para o norte. As demais 17 colônias situam-se mais para o oeste mas, da mesma forma, orientam-se de norte para o sul e têm o Feitoria  também como como linha de referência.


Partido da ponte do Buraco do Diabo o caminho segue entre os números 16 e 17 até a Picada Holanda.


O prolongamento das linhas limítrofes de Bom Jardim para o leste  e o oeste, chegam até as fronteiras da comprida Picada Café. Na medida do possível a estrada corre entre os lotes coloniais, 63 do lado esquerdo e 72 do lado direito. Como já se mencionou essas colônias orientam-se de leste a oeste. A Picada Café divide-se em três partes:  Bohnental, Schneiderstal e Holanda. Bohnental vai até o número 8, Schneiderstal até o 45 e Holanda até o número 77. De lá O Jeanettental representa a ponte para Dois Irmãos.


Para complementar os dados que registramos, vamos seguir, número por número, cada colônia da Picada Bom Jardim, indicando nas mãos de quem se encontraram desde o começo. Lamentavelmente não foi possível fazer o levantamento sem deixar dúvidas. Afinal já se passaram 70 anos desde a fundação. Soma-se a isso que nos primeiros tempos as propriedades passavam com rapidez de mão em mão. E, pro fim, não dispomos de livros básicos de registros. Além disto quase todas as testemunhas confiáveis já não se encontram mais entre nós. Os dados que apresentamos baseiam-se nas anotações do velho Fingerhannes e de Johann Adam Noschang. No essencial os dois concordam, como aliás não se esperaria coisa diferente. Divergem apenas nos detalhes. Agradecemos com antecipação se um ou outro leitor nos puder fornecer informações ou colaborar com correções.


No lado direito do caminho para o viajante que vem de São Leopoldo, alinhavam-se 28 colônias. No número 1 morava Ernst Robert originário de Hannover, sob todos os aspecto um homem decente. Não mentia, não enganava e não zombava. Mais tarde a colônia passou para as mãos de Ritter.


No número 2 morava Jacob Blauth, (189) o patriarca de numerosa descendência do mesmo nome. Jacob e Nicolaus eram seus filhos. O último mora ainda hoje na serraria. O pai que viajou para o Brasil na companhia de Peter Noschang, é lembrado como um homem bom e tranqüilo.


A colônia de número 3 fora dada a um Schorn ou Schahn. Seu genro, um Rohr, mora em Cruz Alta. Uma outra filha casou-se com Peter Frey. Uma parte da colônia foi adquirida por Jacob Blauth.


Na colônia de número 4 vivia Johann Philipp Lenk, um colono decidido e rude, originário do Palatinado. Alguém que lhe pisava nos pés levava um sopapo, testemunha um contemporâneo. Foi ele quem emprestou cinco mil réis à família Noschang, possibilitando-lhe a viagem para cá. Johann tinha dois filhos Fritz e Hannphilipp.


A colônia de número 5 pertencia a um certo Hilbert, um soldado desmobilizado do imperador D. Pdrro I, casado com uma filha de Konrado Schäfer.


A colônia de número 6 era propriedade do Schäfer que acabamos de nomear. Pelo que se sabe seus descendentes moram no Mundo Novo.


A colônia de número 7 era propriedade de Appel, um homem  trabalhador.


A colônia de número 8 pertencia a Muskoph, um bávaro muito trabalhador. Na sua terra mora de momento o carpinteiro Johannes Koch.


Na colônia de número 9 fixou-se  Peter Renner, sobre o qual não temos outras informações. Johannes Finger, o Fingerhannes ao referir ao número 9 fala num tal Simonis que fez em pedaços a espingarda do pai. Não obtivemos nenhuma informação sobre ele.


Na colônia de número 10 trabalhava Husten que não ficou muito tempo. Vendeu a propriedade e mudou-se para outro lugar.


A colônia de número 11 coube a um certo Eberts, que se mudou para o Mundo Novo.


A colônia de número 12, passou, conforme  relato confiável, das mãos de um certo  "carpinteiro" Wenz, para a família Mossmann.


A colônia de número 13 foi entregue a um Wolfarth que vendeu a metade da propriedade para Johannes Göttems. A ele sucedeu  Scriba.


Abraham Cassel foi o dono da colônia de número 14. Dizem que foi um homem rápido e rude e, ao mesmo tempo, de bom coração. Seus filhos foram Abraham e Peter, este nascido no Brasil. Nosso informante sobre os primeiros tempos acrescentou a observação: Não sabia que contávamos com colonos maus e inúteis.


Na colônia de número 15 moravam um Klein e um Fuchs.


Na colônia de número 16 encontramos Colland, um inglês. Parece tratar-se do Colland que integrava a Companhia Alemã e, por causa das muitas dívidas quis matar-se.


Johann Kochenburger recebeu a colônia de (90) número 17. Sucedeu-o  Fuchs, um viuvo pai de um rapaz. De Kochenburger conta-se que bateu na mulher no Rio de Janeiro que tão apavorada caiu morta. Sua filha Lene casou-s com Carl Wilke.


A Nathanael  Weber, um dos melhores colonos coube a colônia de número 18. Ele e os Blauth eram as pessoas mais importantes. Jacob Weber na Capivara é seu filho.


Weirich comprou a colônia de número 19. Georg Gehring recebeu a metade dela e Jacob Dilly a quarta parte.


Johann Lauermann, um homem decente, era proprietário da colônia de número 20.


No número 21 morava, pelo que consta, Peter Frik. Adquirira a colônia por uma garrafa de cachaça. Mais tarde fixou-se nela um tal Clos e, por fim, um Fröhlich.


A colônia de número 21 pertencia a Peter Anton Noschang, natural do Palatinado, pai de Johann Adam, conhecido em muito lugares pelo nome sem graça de Moisés. Peter Anton era um homem esquentado, pelo menos dentro da sua casa. Castigava os filhos com o primeiro cabo de vassoura  ou qualquer outro meio à mão. Com seus vizinhos, ao contrário, vivia em paz. Vendeu parte das suas propriedades  para Werner, Allgayer, Kochenburger, Schenkel e Dilly.


A colônia de número 23 pertencia a Jacob Schenkel do qual consta ter sido um bom sujeito.


Na colônia de número 24  vivia o solteirão Müller, um soldado solitário, com um apelido nada simpático. Sucederam-no Lerner e Röse.


A colônia de número 25 pertenceu a um certo Back, sucedido por Bokorni.


Käfer e Reis ocupavam a colônia de número 26.


A colônia de número 27, no Buraco do Diabo, foi começada por um Schneider e Lahn e a de número 28 por um certo Rehbruch.


No lado esquerdo os números sucederam-se como segue.


O velho viuvo Jung, um homem fino e decidido, sogro de Lautert, ocupava a colônia de número 1. O Lautert de Taquari pode ser seu neto.


O primeiro dono da colônia de número 2 foi Heinrich Röse. O segundo dono foi Berg e mais tarde Schallenberg.


Heinrich Hein recebeu a colônia de número 3. Mais tarde construiu uma capela na Soledade. Sucederam-no Peter Fries, que morava  na colônia 21 do lado direito.


Na colônia 4 sucederam-se Freitag e Hilbert.


Na colônia 5 residia Nicolaus Dietrich, um alfaiate que pertencia à parentela de  von Mühlen. Sua moradia fica distante do caminho.


A colônia de número 6 (191) pertencia a Hubert Röse, avô de Wilhelm.


Datsch, marceneiro e sogro de Jacob Spindler, recebeu a colônia de número 7. A bebida rendeu-lhe um apelido. Não tinha nada a ver com a famíla Datsch da Picada  48.


A colônia de número 8 pertenceu a Philipp Schneider, a de número 9 a um certo Lorenz, há muito falecido.


A colônia de número 10 coube à viúva Sturm, cujo marido faleceu na viagem. Casou com Notzki e, mais tarde, com Michael Kern.


Theobald Diewel, um homem moreno e alfaiate de profissão,  recebeu a colônia de número 11. Casou-se mais tarde com uma Speckdietrich e é o pai de Susanna Finger.


A colônia de número 12 pertenceu ao pai do nosso Fingerharnnes. Dele sabemos apenas que tivera muitos filhos.


Joseph Wahl, um construtor de moinhs, recebeu a colônia de número 13. Construiu um moinho em companhia com Roberti, assumido mais tarde por Joca (?) da Silva.


Scheid foi contemplado com a colônia de número 14 em companhia dos filhos Peter, Jacob, Conrad, Nicolaus e a filha que casou com um Piermann, antigo soldado  do imperador D. Pedo I. Pohren mora de momento no local.


A colônia de número 15 passou, numa data não conhecida, das mãos do curtidor Bitts para as mão de Johann Dilly. Dele se afirma que gostava de ler.


Lavalt, um homem reto que não se descuidava das próprias vantagens, foi contemplado com a colônia de número 16. Não era dado a muita cerimônia e sua conversa era curta: sim e não. Dava especial atenção à pontualidade. Se alguém lhe pedia dinheiro emprestado, a devolução tinha que acontecer no dia marcado. "O senhor deveria ter-se prevenido, dizia e marcava um segundo prazo, que não poderia ser alterado. Caso não fosse cumprido, estava tudo terminado. Casou-se com a viúva Glossmann, que tinha vários filhos do primeiro casamento: Farrapengreth, mulher de Peter Kasper, Hans Adam e Hannikel Glossmann, também chamado Lavalt, morto por Morschel. O próprio Lavalt tinha dois filhos: Gertrud, mulher de Johann Herzer e Christian. Deste último ninguém sabe onde foi parar. Lavalt tinha outros filhos de um segundo casamento.


Na colônia de número 17 morava Sparrenberg, um homem bom.


Na colônia  de número 18 morava Löb, representante da polícia  no acampamento dos imigrantes na Feitoria.


Na colônia de número 19 morava Jakob Eckert, um homem trabalhador e religioso.


Christian Killian, homem trabalhador era o dono da colônia de número 20.


Conrad  Biehler, (192) homem decidido e esquentado, mas justo e confiável, ocupava a colônia de número 21. Não era fácil convencê-lo. Quem discutia com ele tinha que cuidar-se para não levar algumas pancadas pois o Conrad era forte e rápido.


Paul Kasper era o dono da colônia 22. Seu filho casou-se com a "Farrappengreth."


Isaías Noll morava na colônia de número 23. Era um homem quieto e trabalhador. Não fez mal a ninguém. Na sua cabana realizava-se o culto e cantavas-se com vigor. Primeiro o culto era realizado na cabana de Jacob Eckert. Entre as vozes mais salientes estava a de Adam Noschang. Ao culto divino leigo seguiam conversas que não degeneravam em fofocas. Entre as mulheres cantoras distinguiam-se as  da família Unfried.


Na colônia de número 24 morava o Tottelmüller. O nome vinha do fato de ele gaguejar.


A colônia de número 26 pertencia ao velho soldado Schmolling, um alfaiate que vendeu a terra para Daniel Schneider e mais tarde alistou-se na Companhia Alemã.


A colônia de número 27 coube a Peter Frey, sogro de Sauters, no caminho do Morro do Diabo.


Um a um as diversas localidades, elevações, morros ou estradas, foram recebendo nomes. O morro que fazia a divisa entre da Picada Bom Jardim, chamava-se Lehmberg. O trecho superior da estrada até o número 8, era conhecido como "Steinweg."


De lá até o número 10 era a "Blanke Strasse" desembocando na "Jacobstrasse", que levava este nome porque neste trecho moravam vários  "Jacob": Jacob Schenkel, com o filho do mesmo nome; Jacob Eckert; Jacob Paul Kasper. A "Jacobstrasse" segue até o Buraco do Diabo. Este último nome foi dado ao local por Peer Adam Noschang, por causa das encostas íngremes. Ninguém, descia sem agarrar-se  aos vimes silvestres. "Bohnenthal" remonta à família Bohnenberger. Abraham, o pariarca da mesma, tinha vários filhos: Fritz, Abraham, Nicolaus e Peter. Embora mantivesses essa colônia como sede do clã, abriram várias outras que depois venderam, uma por 12 mil réis, uma outra por 10. Que o fizessem sem serem incomodados, explica-se pelas circunstâncias da época, quando o conceito de propriedade não era levado tão a sério pois, havia terras em abundância e pouca gente.


Schneidersthal deve o nome à família Schneider que recebera três colônias no local. Os herdeiros foram três irmãos: Peter, Hannes e Daniel.


A mulher de Peter Schneider era filha de Jacob Kehl, falecido há tempo. Johannes ainda vivia mas sem herdeiros. Daniel também está vivo e alegra-se com um grande número de filhos e netos.


As elevações normalmente não recebiam nomes, com a exceção do "Affenberg, na divisa de Dois Irmãos com Holanda, por causa dos muitos "quadrimãos" que se recolheram para o topo, depois de derrubado o mato e, lá do alto, realizavam seus concertos.


O "Königsberg", (193) na entrada de Dois Irmãos, foi assim denominado por causa do colono König. Antes chamava-se  "Hatzberg" por causa do colono Hatz.


O antigo nome da colônia foi "Berghanerschneiss. Perguntamos  quem foi Berghan? Antes de responder com segurança queremos acrescentar alguma coisa. O mecklenburguense Berghan morava aperto de Diefenthäler (Simonis). Seus filhos eram Wilhelm, Heinrich e Philipp. Este último casou com uma Allgayer, Heinrich com uma filha de Peter Fries, Wilhelm foi para o interior e nunca mais voltou.

Deitando Raízes #43

Capítulo nono
As características geológicas de Bom Jardim
Sua paisagem
Seu nome. Bom Jardim

Sob o nome Bom Jardim entendemos até aqui principalmente a sua população. No presente capítulo queremos ocupar-nos com o lugar em si, do seu chão e solo. Em outras palavras tratar de seu aspecto geológico. Não há necessidade de lembrar que, em grandes linhas, a estrutura geológica é a mesma de toda a região colonial. De outra parte não se pode negar que nas particularidades observa-se uma fisionomia própria.


A uma observação atenta cai em vista a monótona alternância entre o arenito  e o basalto nas colônias do Caí e do Sinos, que se manifesta pelo solo arável cinza ou azulado. Pela sua extensão as camadas de arenito parecem  ser maiores alternando com porções de rochas eruptivas. Estas se decompuseram sob a ação dos agentes  atmosféricos, dando origem a um solo argiloso e pesado. Minerais contendo calcário estão completamente ausentes. O humus no sentido próprio do termo, ocorre quase só em áreas de mata, enquanto o solo arenoso predomina no campo. Além desses dois tipos de rochas há poucas variedades de minerais. Entre os mais comuns sobressaem formas de silicatos, ágatas, cristais de rocha transparentes ou violeta. Em determinados pontos observam-se afloramentos da rocha original, granito, pórfiro e gneiss.


Se as rochas originais formam o esqueleto da região colonial, as camadas de arenito, as extrusões, as massas de entulho e os depósitos e sedimentos, correspondem à musculatura. A pele da paisagem e formada pela camada externa de argila, areia e humus e os cabelos do grande organismo são os capins, os arbustos e as árvores. E, para ficar com a metáfora, os representantes do mundo mineral e do mundo animal tudo que "se arrasta e que caminha" ocupam o lugar das parasitas deste organismo.


É impossível que esta crônica tenha como finalidade reproduzir um retrato completo das plantas e animais de Bom Jardim. Mas o registro dos principais representantes de ambos os reinos vai, até certo ponto, ao encontro dos objetivos por nós perseguidos, isto é, propiciar aos estrangeiros uma incursão neste pequeno mundo. Não podemos deixar de chamar a atenção que as plantas e animais aqui citados, são mais ou menos comuns a toda a região colonial, até mesmo ao estado do Rio Grande do Sul.


As principais madeiras de construção são: ipê, angico, cabriúva, supragi, luro preto, carvalho vermelho, guajuíra, aroeira. Para tábuas usam-se, de preferência, trocos de cedro, timbaúva, todas as variedades de louro, açoita cavalo, canela e pinho.


Do reino animal destacamos entre os animais de porte grande: antas, porcos do mato, pacas, veados, puma ou leão americano, pantera ou onça, o último hoje uma raridade. Entre os animais selvagens pequenos e grandes situamos os gatos selvagens e as jaguartiricas e os macacos vermelhos. Aos pequenos pertencem os cães selvagens, mão pelada, raposas, guatis, tatus, cutias, preás.


No que diz respeito às aves , faltam para a região do mato o avestruz e o tachã, em contrapartida temos colhereiros, patos, joão grande, seriemas. Dos menores temos os jacus e jacuzinho. Aves canoras há poucas entre nós. O representante mais importante é o sabiá laranjeira e o de papo cinza. Uma curiosidade de primeira linha é o assim chamado ferreiro. Seu canto assemelha-se a batida numa bigorna. É um pássaro de penas brancas e cabeça escura, do tamanho de uma rola. Por fim mencionamos ainda a incômoda estirpe de papagaios. São duas as principais espécies, os menores os periquitos e os maiores as catoritas.


Passemos agora para a fisionomia da região. É evidente que sua aparência  difere em muito onde permanece  no estado original, onde o machado e o arado ainda não penetraram. Em primeiro luar temos na nossa frente o ermo verde, o oceano  de folhas  que cobre os morros e montanhas. Em segundo lugar a parte da região que recebeu uma roupagem nova, que a veste normalmente com vantagem, embora em alguns pontos já se perceba  a sensação desagradável do excesso de desmatamento. Os lugares desmatados parecem-se com buracos ou remendos feios na esplêndida roupagem da magnífica  natureza de Deus. São os sinais da indigência de uma região.


Não é nada de novo, senão um velho costume falar sobre as características de uma paisagem. Qual é, segundo a visão do cronista, a fisionomia, a expressão fisionômica da região de Bom Jardim. Concedemos de bom grado que, em reflexões desta natureza,  insinua-se muito do gosto e da preocupação pessoal. Mas isto não nos deve impedir de registrar aqui a nossa impressão. A maneira mais fácil será recorrer a uma comparação para expressar melhor a nossa maneira de ver. Façamos em espírito um apanhado das vizinhanças como São José, Santo Inácio o Caí (Feliz), comparando-os com Bom Jardim.


Vista da casa paroquial a Picada dos Portugueses assemelha-se a um  audaciosos anfiteatro. O morro do Vigia, o Fritzenberg e a Vila Nova, formam um amplo semi círculo, em cujo âmbito encontra-se a Picada Feliz, localizada numa altitude maior, observada a partir da casa paroquial de lá, parece-se com um círculo formado por imponentes fortalezas e impressionantes torres e altas muralhas. Bom Jardim oferece um quadro bem diferente, quando observado da igreja lá alto. Temos até receio de dizê-lo. Parece-se com um cemitério. Como argumento para essa visão não quero invocar a impressão que já tivera um Adalbert Jahn e um Waldemar Schultz, que compararam toda a região colonial a gigantescas tampas de caixão de defunto. Observemos os dorsos compridos e planos dos morros, com as extremidades terminando em descidas inclinadas e nos convenceremos de que a comparação faz sentido. Perguntamos. E no território de Bom Jardim, muitas das elevações não oferecem também os contornos de uma tampa de caixão? O que se conclui daí? Tão bem como se fala em tampas de caixão ou caixões, é lícito falar em túmulo (elevação de terra sobre uma sepultura) pois, seus contornos coincidem  até certo ponto com um caixão. Acontece que se temos muitos túmulos estamos diante de um cemitério.


Portanto, a comparação da região com um cemitério, na verdade, não vem a ser tão estranha, como à primeira vista poderia parecer. Um cemitério pode ser até bem bonito e ter seus atrativos, pelo menos na sua aparência externa. Tanto mais quando se trata de um cemitério gigantesco formado por uma região inteira.


Na verdade os contornos da paisagem de Bom Jardim são austeros e as sombras projetadas pelas encostas  íngremes, têm algo de melancólico. O próprio rio Feitoria no fundo do vale, cujo espelho não se percebe do alto, flui devagar e comedido, lembra um cortejo fúnebre. Até o rumor abafado e incansável da cascata, (185) na divisa entre Dois Irmãos e Bom Jardim, evoca sem querer um lamento fúnebre.


Portanto a paisagem oferece as características de um cemitério! Mas, bem entendido, este não é um cemitério no verdadeiro sentido, mas no figurado ou, no máximo, um cemitério do passado. Pode ser também que a região se nos afigura com essa sensação de seriedade, porque, ao contemplá-la, emergem das nossas recordações a lembrança de não poucos amigos, que viveram neste cenário e cujos corpos nele  descansam, como o prof. Schütz, o Fingerhannes e outros queridos conhecidos. Que para nós a palavra cemitério não esteja associada com a decomposição, o mofo e  semelhantes. De saída é desmentido pelo próprio nome da região: Bom Jardim.


Bom Jardim. A realidade honra plenamente essa designação. Na verdade é um jardim, embora muito grande. As colônias são os canteiros formados pelos diversos eitos de milho, mandioca, amendoim e cana de açúcar. As bananeiras e pomares de laranjeiras formam as áreas de arbustos. Trata-se de um jardim de características peculiares que, além de incluir as hortaliças, compreende também o campo e a mata.


Que a designação Bom Jardim lhe é devida de direito, comprova-o a fertilidade observada em toda a parte. A mesma coisa se pode afirmar da cômoda situação dos seus moradores, a ativa movimentação e, finalmente, das estradas e caminhos  tornados instransitáveis no último inverno. Não falta boa terra de Jardim. Quando se vem a cavalo de São Leopoldo e se chega no alto do Lehmberg, parece que a gente está olhando para dentro de um amplo jardim. Nos fundos, na direção de São José do Hortêncio e Linha Nova, até além de Dois Irmãos, observam-se várias seqüências de morros azulados, uns atrás dos outros, simulando, até certo ponto, um muro de jardim. Chegando nas proximidades da casa de Boruschewsky, sorri-nos um panorama inteiramente novo. A muralha azul desaparece e o olhar do viajante alonga-se sobre encostas e planos férteis que, à direita descem em direção ao Buraco do Diabo e, à esquerda, ao vale do Feitoria. É uma visão bela e grandiosa. Do Buraco do Diabo erguem-se paredes de rochas cinzentas que somem no verde da mata. No outro lado do Feitoria, à esquerda estende-se a Picada 48. Sobe-se a ela por um caminho íngreme. A paisagem sofre uma grande mudança. Aqui as rochas sobem morro acima, oferecendo aos olhos diversas tonalidades de verde, de acordo com as culturas que as ocupam. Mais adiante longas fileiras de palmeiras agitam os leques ao vento. Mesmo que haja lugares onde o desmatamento avançou demais, felizmente a mata na sua forma original ainda se impõe à paisagem. Em horas de calmaria do ar, ouve-se o rumor da cascata, vindo do lado de Dois Irmãos. Em parceria com sua irmã do Herval, já se tornou o destino dos viajantes de Porto Alegre.


É difícil definir um conceito sobre a impressão que causa Bom Jardim. É preciso ter-se visitado Bom Jardim em diferentes  situações de tempo, para fixar uma imagem  de conjunto na memória. Se esse é também o caso em outras localidades, parece-me contudo, ao menos no que diz respeito à experiência própria, que Bom Jardim oferece características bem peculiares. Se a visita se dá no inverno, no período das fortes chuvas, o Buraco do Diabo acha-se em grande parte inundado e das encostas descem arroios selvagens, passando por cima dos caminhos e plantações, podendo oferecer um espetáculo diferente, mas, por causa das conseqüências  catastróficas, levam racionalmente a uma outra avaliação.  (186) A região desperta de fato uma impressão  de grandiosidade quando  o brilho da lua cheia se derrama sobre ela. Se a luz da lua já por si só tem a propriedade  de fazer aparecer as coisas comuns numa visão fantasmagórica, melhor dito, numa visão romântica, quanto mais Bom Jardim, tão rica em encostas íngremes e vales profundos, exibirá a roupagem  do encanto  de um conto de fadas. Lembro-me de uma noite de primavera inesquecível que aproveitei para uma excursão até lá  e que se transformou numa vivência de sonho.


O que falamos da beleza paisagística de Bom Jardim, vale obviamente para as picadas que fazem pare da paróquia.


Uma cavalgada no verão, por ex., pela Picada 48  em direção à Picada dos Portugueses, surpreende pela localização cinematográfica das vivendas. Por caminhos ensombrados e pitorescos vai-se de um colono a outro e a vista  surpreendente surpreendente repete-se com a seqüência de sempre novas paisagens. A admiração se apodera com mais força do viajante que se desloca do Bohnental e do Schneiderstal, em direção à Holanda. No meio dos vales amplos e dos morros altos, tem-se a impressão de estar na Alemanha, mais particularmente na região da Eifel, perto de Maria Laach, abstraindo, é claro, dos magníficos lagos de lá. Por isso podemos felicitar os moradores de Bom Jardim, por terem reencontrado uma réplica  da velha pátria de tamanho menor,  na sua terra natal. Neste sentido afirma com justiça Waldemar Schütz: "As terras apropriadas para uma colonização alemã, deveriam ter algo mais na sua natureza, do que o socorro às necessidades do corpo. Precisam alimentar também o amor pela natureza a quem povo alemão deve a sua juventude milenar, sua energia e seus grandes feitos.


Em espaços monótonos sem fim, sem variedade, sem florestas, onde não há subidas nem descidas, onde, a perder de vista, a paisagem não muda, sem limites precisos, os imigrantes dificilmente firmarão pé. E, onde isto acontece, perderão sua identidade evoluirão para um povo inteiramente diferente.


Somente lá onde, num clima moderado, domina uma paisagem com montanhas e planaltos, terras onduladas e planícies recortadas, representantes dos diversos povos alemães que resolveram partir, encontraram-se numa parcela de terra que se parece com a terra natal.


Mesmo que a natureza daqui não ofereça contrastes tão acentuados e não seja  tão variada e romântica, as pessoas procedentes do Reno superior, do Danúbio, do Weser, do Elba e do Oder, não estarão privados da visão de montanhas, vales, prados e florestas. As belas canções alemãs exaltam essas coisas e tudo o que é grande, nobre elevado. Assim o mesmo destino continua o seu curso em terras estranhas, para o mesmo povo, do lado de cá e do lado de lá do oceano.


Na hipótese de essa firmação merecer credibilidade, os moradores de Bom Jardim, Picada 48 e redondezas, fazem bem em se congratular com fato de a Providência os ter conduzido a uma terra tão bela. (187) E se alguém julgar exagerada essa descrição, lembre-se que os moradores de um belo lugar são os menos habilitados para julgar as próprias circunstâncias.


É conhecido que os suíços que, ao contrário dos outros estrangeiros, encontram no meio dos Alpes boas pastagens e poderosas muralhas de proteção, sentem a lendária saudade pelas suas maravilhosas montanhas, só quando longe da terra natal.


É óbvio que a colônia não tem condições de competir com o Reno ou a Suíça, pelo simples fato de lhe faltar o encantamento do majestoso rio e os mitos que envolvem os lagos das montanhas. Mas as terras cobertas de florestas do Rio grande do Sul, contudo prestam-se a uma comparação com não poucas regiões da Alemanha. Pode-se afirmar sem medo de errar que, no que tange à fisionomia externa favorável, a nova terra natal acha-se perto da velha.