Deitando Raízes #43

Capítulo nono
As características geológicas de Bom Jardim
Sua paisagem
Seu nome. Bom Jardim

Sob o nome Bom Jardim entendemos até aqui principalmente a sua população. No presente capítulo queremos ocupar-nos com o lugar em si, do seu chão e solo. Em outras palavras tratar de seu aspecto geológico. Não há necessidade de lembrar que, em grandes linhas, a estrutura geológica é a mesma de toda a região colonial. De outra parte não se pode negar que nas particularidades observa-se uma fisionomia própria.


A uma observação atenta cai em vista a monótona alternância entre o arenito  e o basalto nas colônias do Caí e do Sinos, que se manifesta pelo solo arável cinza ou azulado. Pela sua extensão as camadas de arenito parecem  ser maiores alternando com porções de rochas eruptivas. Estas se decompuseram sob a ação dos agentes  atmosféricos, dando origem a um solo argiloso e pesado. Minerais contendo calcário estão completamente ausentes. O humus no sentido próprio do termo, ocorre quase só em áreas de mata, enquanto o solo arenoso predomina no campo. Além desses dois tipos de rochas há poucas variedades de minerais. Entre os mais comuns sobressaem formas de silicatos, ágatas, cristais de rocha transparentes ou violeta. Em determinados pontos observam-se afloramentos da rocha original, granito, pórfiro e gneiss.


Se as rochas originais formam o esqueleto da região colonial, as camadas de arenito, as extrusões, as massas de entulho e os depósitos e sedimentos, correspondem à musculatura. A pele da paisagem e formada pela camada externa de argila, areia e humus e os cabelos do grande organismo são os capins, os arbustos e as árvores. E, para ficar com a metáfora, os representantes do mundo mineral e do mundo animal tudo que "se arrasta e que caminha" ocupam o lugar das parasitas deste organismo.


É impossível que esta crônica tenha como finalidade reproduzir um retrato completo das plantas e animais de Bom Jardim. Mas o registro dos principais representantes de ambos os reinos vai, até certo ponto, ao encontro dos objetivos por nós perseguidos, isto é, propiciar aos estrangeiros uma incursão neste pequeno mundo. Não podemos deixar de chamar a atenção que as plantas e animais aqui citados, são mais ou menos comuns a toda a região colonial, até mesmo ao estado do Rio Grande do Sul.


As principais madeiras de construção são: ipê, angico, cabriúva, supragi, luro preto, carvalho vermelho, guajuíra, aroeira. Para tábuas usam-se, de preferência, trocos de cedro, timbaúva, todas as variedades de louro, açoita cavalo, canela e pinho.


Do reino animal destacamos entre os animais de porte grande: antas, porcos do mato, pacas, veados, puma ou leão americano, pantera ou onça, o último hoje uma raridade. Entre os animais selvagens pequenos e grandes situamos os gatos selvagens e as jaguartiricas e os macacos vermelhos. Aos pequenos pertencem os cães selvagens, mão pelada, raposas, guatis, tatus, cutias, preás.


No que diz respeito às aves , faltam para a região do mato o avestruz e o tachã, em contrapartida temos colhereiros, patos, joão grande, seriemas. Dos menores temos os jacus e jacuzinho. Aves canoras há poucas entre nós. O representante mais importante é o sabiá laranjeira e o de papo cinza. Uma curiosidade de primeira linha é o assim chamado ferreiro. Seu canto assemelha-se a batida numa bigorna. É um pássaro de penas brancas e cabeça escura, do tamanho de uma rola. Por fim mencionamos ainda a incômoda estirpe de papagaios. São duas as principais espécies, os menores os periquitos e os maiores as catoritas.


Passemos agora para a fisionomia da região. É evidente que sua aparência  difere em muito onde permanece  no estado original, onde o machado e o arado ainda não penetraram. Em primeiro luar temos na nossa frente o ermo verde, o oceano  de folhas  que cobre os morros e montanhas. Em segundo lugar a parte da região que recebeu uma roupagem nova, que a veste normalmente com vantagem, embora em alguns pontos já se perceba  a sensação desagradável do excesso de desmatamento. Os lugares desmatados parecem-se com buracos ou remendos feios na esplêndida roupagem da magnífica  natureza de Deus. São os sinais da indigência de uma região.


Não é nada de novo, senão um velho costume falar sobre as características de uma paisagem. Qual é, segundo a visão do cronista, a fisionomia, a expressão fisionômica da região de Bom Jardim. Concedemos de bom grado que, em reflexões desta natureza,  insinua-se muito do gosto e da preocupação pessoal. Mas isto não nos deve impedir de registrar aqui a nossa impressão. A maneira mais fácil será recorrer a uma comparação para expressar melhor a nossa maneira de ver. Façamos em espírito um apanhado das vizinhanças como São José, Santo Inácio o Caí (Feliz), comparando-os com Bom Jardim.


Vista da casa paroquial a Picada dos Portugueses assemelha-se a um  audaciosos anfiteatro. O morro do Vigia, o Fritzenberg e a Vila Nova, formam um amplo semi círculo, em cujo âmbito encontra-se a Picada Feliz, localizada numa altitude maior, observada a partir da casa paroquial de lá, parece-se com um círculo formado por imponentes fortalezas e impressionantes torres e altas muralhas. Bom Jardim oferece um quadro bem diferente, quando observado da igreja lá alto. Temos até receio de dizê-lo. Parece-se com um cemitério. Como argumento para essa visão não quero invocar a impressão que já tivera um Adalbert Jahn e um Waldemar Schultz, que compararam toda a região colonial a gigantescas tampas de caixão de defunto. Observemos os dorsos compridos e planos dos morros, com as extremidades terminando em descidas inclinadas e nos convenceremos de que a comparação faz sentido. Perguntamos. E no território de Bom Jardim, muitas das elevações não oferecem também os contornos de uma tampa de caixão? O que se conclui daí? Tão bem como se fala em tampas de caixão ou caixões, é lícito falar em túmulo (elevação de terra sobre uma sepultura) pois, seus contornos coincidem  até certo ponto com um caixão. Acontece que se temos muitos túmulos estamos diante de um cemitério.


Portanto, a comparação da região com um cemitério, na verdade, não vem a ser tão estranha, como à primeira vista poderia parecer. Um cemitério pode ser até bem bonito e ter seus atrativos, pelo menos na sua aparência externa. Tanto mais quando se trata de um cemitério gigantesco formado por uma região inteira.


Na verdade os contornos da paisagem de Bom Jardim são austeros e as sombras projetadas pelas encostas  íngremes, têm algo de melancólico. O próprio rio Feitoria no fundo do vale, cujo espelho não se percebe do alto, flui devagar e comedido, lembra um cortejo fúnebre. Até o rumor abafado e incansável da cascata, (185) na divisa entre Dois Irmãos e Bom Jardim, evoca sem querer um lamento fúnebre.


Portanto a paisagem oferece as características de um cemitério! Mas, bem entendido, este não é um cemitério no verdadeiro sentido, mas no figurado ou, no máximo, um cemitério do passado. Pode ser também que a região se nos afigura com essa sensação de seriedade, porque, ao contemplá-la, emergem das nossas recordações a lembrança de não poucos amigos, que viveram neste cenário e cujos corpos nele  descansam, como o prof. Schütz, o Fingerhannes e outros queridos conhecidos. Que para nós a palavra cemitério não esteja associada com a decomposição, o mofo e  semelhantes. De saída é desmentido pelo próprio nome da região: Bom Jardim.


Bom Jardim. A realidade honra plenamente essa designação. Na verdade é um jardim, embora muito grande. As colônias são os canteiros formados pelos diversos eitos de milho, mandioca, amendoim e cana de açúcar. As bananeiras e pomares de laranjeiras formam as áreas de arbustos. Trata-se de um jardim de características peculiares que, além de incluir as hortaliças, compreende também o campo e a mata.


Que a designação Bom Jardim lhe é devida de direito, comprova-o a fertilidade observada em toda a parte. A mesma coisa se pode afirmar da cômoda situação dos seus moradores, a ativa movimentação e, finalmente, das estradas e caminhos  tornados instransitáveis no último inverno. Não falta boa terra de Jardim. Quando se vem a cavalo de São Leopoldo e se chega no alto do Lehmberg, parece que a gente está olhando para dentro de um amplo jardim. Nos fundos, na direção de São José do Hortêncio e Linha Nova, até além de Dois Irmãos, observam-se várias seqüências de morros azulados, uns atrás dos outros, simulando, até certo ponto, um muro de jardim. Chegando nas proximidades da casa de Boruschewsky, sorri-nos um panorama inteiramente novo. A muralha azul desaparece e o olhar do viajante alonga-se sobre encostas e planos férteis que, à direita descem em direção ao Buraco do Diabo e, à esquerda, ao vale do Feitoria. É uma visão bela e grandiosa. Do Buraco do Diabo erguem-se paredes de rochas cinzentas que somem no verde da mata. No outro lado do Feitoria, à esquerda estende-se a Picada 48. Sobe-se a ela por um caminho íngreme. A paisagem sofre uma grande mudança. Aqui as rochas sobem morro acima, oferecendo aos olhos diversas tonalidades de verde, de acordo com as culturas que as ocupam. Mais adiante longas fileiras de palmeiras agitam os leques ao vento. Mesmo que haja lugares onde o desmatamento avançou demais, felizmente a mata na sua forma original ainda se impõe à paisagem. Em horas de calmaria do ar, ouve-se o rumor da cascata, vindo do lado de Dois Irmãos. Em parceria com sua irmã do Herval, já se tornou o destino dos viajantes de Porto Alegre.


É difícil definir um conceito sobre a impressão que causa Bom Jardim. É preciso ter-se visitado Bom Jardim em diferentes  situações de tempo, para fixar uma imagem  de conjunto na memória. Se esse é também o caso em outras localidades, parece-me contudo, ao menos no que diz respeito à experiência própria, que Bom Jardim oferece características bem peculiares. Se a visita se dá no inverno, no período das fortes chuvas, o Buraco do Diabo acha-se em grande parte inundado e das encostas descem arroios selvagens, passando por cima dos caminhos e plantações, podendo oferecer um espetáculo diferente, mas, por causa das conseqüências  catastróficas, levam racionalmente a uma outra avaliação.  (186) A região desperta de fato uma impressão  de grandiosidade quando  o brilho da lua cheia se derrama sobre ela. Se a luz da lua já por si só tem a propriedade  de fazer aparecer as coisas comuns numa visão fantasmagórica, melhor dito, numa visão romântica, quanto mais Bom Jardim, tão rica em encostas íngremes e vales profundos, exibirá a roupagem  do encanto  de um conto de fadas. Lembro-me de uma noite de primavera inesquecível que aproveitei para uma excursão até lá  e que se transformou numa vivência de sonho.


O que falamos da beleza paisagística de Bom Jardim, vale obviamente para as picadas que fazem pare da paróquia.


Uma cavalgada no verão, por ex., pela Picada 48  em direção à Picada dos Portugueses, surpreende pela localização cinematográfica das vivendas. Por caminhos ensombrados e pitorescos vai-se de um colono a outro e a vista  surpreendente surpreendente repete-se com a seqüência de sempre novas paisagens. A admiração se apodera com mais força do viajante que se desloca do Bohnental e do Schneiderstal, em direção à Holanda. No meio dos vales amplos e dos morros altos, tem-se a impressão de estar na Alemanha, mais particularmente na região da Eifel, perto de Maria Laach, abstraindo, é claro, dos magníficos lagos de lá. Por isso podemos felicitar os moradores de Bom Jardim, por terem reencontrado uma réplica  da velha pátria de tamanho menor,  na sua terra natal. Neste sentido afirma com justiça Waldemar Schütz: "As terras apropriadas para uma colonização alemã, deveriam ter algo mais na sua natureza, do que o socorro às necessidades do corpo. Precisam alimentar também o amor pela natureza a quem povo alemão deve a sua juventude milenar, sua energia e seus grandes feitos.


Em espaços monótonos sem fim, sem variedade, sem florestas, onde não há subidas nem descidas, onde, a perder de vista, a paisagem não muda, sem limites precisos, os imigrantes dificilmente firmarão pé. E, onde isto acontece, perderão sua identidade evoluirão para um povo inteiramente diferente.


Somente lá onde, num clima moderado, domina uma paisagem com montanhas e planaltos, terras onduladas e planícies recortadas, representantes dos diversos povos alemães que resolveram partir, encontraram-se numa parcela de terra que se parece com a terra natal.


Mesmo que a natureza daqui não ofereça contrastes tão acentuados e não seja  tão variada e romântica, as pessoas procedentes do Reno superior, do Danúbio, do Weser, do Elba e do Oder, não estarão privados da visão de montanhas, vales, prados e florestas. As belas canções alemãs exaltam essas coisas e tudo o que é grande, nobre elevado. Assim o mesmo destino continua o seu curso em terras estranhas, para o mesmo povo, do lado de cá e do lado de lá do oceano.


Na hipótese de essa firmação merecer credibilidade, os moradores de Bom Jardim, Picada 48 e redondezas, fazem bem em se congratular com fato de a Providência os ter conduzido a uma terra tão bela. (187) E se alguém julgar exagerada essa descrição, lembre-se que os moradores de um belo lugar são os menos habilitados para julgar as próprias circunstâncias.


É conhecido que os suíços que, ao contrário dos outros estrangeiros, encontram no meio dos Alpes boas pastagens e poderosas muralhas de proteção, sentem a lendária saudade pelas suas maravilhosas montanhas, só quando longe da terra natal.


É óbvio que a colônia não tem condições de competir com o Reno ou a Suíça, pelo simples fato de lhe faltar o encantamento do majestoso rio e os mitos que envolvem os lagos das montanhas. Mas as terras cobertas de florestas do Rio grande do Sul, contudo prestam-se a uma comparação com não poucas regiões da Alemanha. Pode-se afirmar sem medo de errar que, no que tange à fisionomia externa favorável, a nova terra natal acha-se perto da velha. 

This entry was posted on segunda-feira, 5 de setembro de 2016. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.