Capítulo nono
As características geológicas de Bom Jardim
Sua paisagem
Seu nome. Bom Jardim
Sob
o nome Bom Jardim entendemos até aqui principalmente a sua população. No
presente capítulo queremos ocupar-nos com o lugar em si, do seu chão e solo. Em
outras palavras tratar de seu aspecto geológico. Não há necessidade de lembrar
que, em grandes linhas, a estrutura geológica é a mesma de toda a região
colonial. De outra parte não se pode negar que nas particularidades observa-se
uma fisionomia própria.
A
uma observação atenta cai em vista a monótona alternância entre o arenito e o basalto nas colônias do Caí e do Sinos,
que se manifesta pelo solo arável cinza ou azulado. Pela sua extensão as
camadas de arenito parecem ser maiores
alternando com porções de rochas eruptivas. Estas se decompuseram sob a ação
dos agentes atmosféricos, dando origem a
um solo argiloso e pesado. Minerais contendo calcário estão completamente
ausentes. O humus no sentido próprio do termo, ocorre quase só em áreas de
mata, enquanto o solo arenoso predomina no campo. Além desses dois tipos de
rochas há poucas variedades de minerais. Entre os mais comuns sobressaem formas
de silicatos, ágatas, cristais de rocha transparentes ou violeta. Em
determinados pontos observam-se afloramentos da rocha original, granito,
pórfiro e gneiss.
Se
as rochas originais formam o esqueleto da região colonial, as camadas de
arenito, as extrusões, as massas de entulho e os depósitos e sedimentos,
correspondem à musculatura. A pele da paisagem e formada pela camada externa de
argila, areia e humus e os cabelos do grande organismo são os capins, os arbustos
e as árvores. E, para ficar com a metáfora, os representantes do mundo mineral
e do mundo animal tudo que "se arrasta e que caminha" ocupam o lugar
das parasitas deste organismo.
É
impossível que esta crônica tenha como finalidade reproduzir um retrato
completo das plantas e animais de Bom Jardim. Mas o registro dos principais
representantes de ambos os reinos vai, até certo ponto, ao encontro dos
objetivos por nós perseguidos, isto é, propiciar aos estrangeiros uma incursão
neste pequeno mundo. Não podemos deixar de chamar a atenção que as plantas e
animais aqui citados, são mais ou menos comuns a toda a região colonial, até
mesmo ao estado do Rio Grande do Sul.
As
principais madeiras de construção são: ipê, angico, cabriúva, supragi, luro
preto, carvalho vermelho, guajuíra, aroeira. Para tábuas usam-se, de
preferência, trocos de cedro, timbaúva, todas as variedades de louro, açoita
cavalo, canela e pinho.
Do
reino animal destacamos entre os animais de porte grande: antas, porcos do
mato, pacas, veados, puma ou leão americano, pantera ou onça, o último hoje uma
raridade. Entre os animais selvagens pequenos e grandes situamos os gatos
selvagens e as jaguartiricas e os macacos vermelhos. Aos pequenos pertencem os
cães selvagens, mão pelada, raposas, guatis, tatus, cutias, preás.
No
que diz respeito às aves , faltam para a região do mato o avestruz e o tachã,
em contrapartida temos colhereiros, patos, joão grande, seriemas. Dos menores
temos os jacus e jacuzinho. Aves canoras há poucas entre nós. O representante
mais importante é o sabiá laranjeira e o de papo cinza. Uma curiosidade de
primeira linha é o assim chamado ferreiro. Seu canto assemelha-se a batida numa
bigorna. É um pássaro de penas brancas e cabeça escura, do tamanho de uma rola.
Por fim mencionamos ainda a incômoda estirpe de papagaios. São duas as
principais espécies, os menores os periquitos e os maiores as catoritas.
Passemos
agora para a fisionomia da região. É evidente que sua aparência difere em muito onde permanece no estado original, onde o machado e o arado
ainda não penetraram. Em primeiro luar temos na nossa frente o ermo verde, o
oceano de folhas que cobre os morros e montanhas. Em segundo
lugar a parte da região que recebeu uma roupagem nova, que a veste normalmente
com vantagem, embora em alguns pontos já se perceba a sensação desagradável do excesso de
desmatamento. Os lugares desmatados parecem-se com buracos ou remendos feios na
esplêndida roupagem da magnífica
natureza de Deus. São os sinais da indigência de uma região.
Não
é nada de novo, senão um velho costume falar sobre as características de uma
paisagem. Qual é, segundo a visão do cronista, a fisionomia, a expressão
fisionômica da região de Bom Jardim. Concedemos de bom grado que, em reflexões
desta natureza, insinua-se muito do
gosto e da preocupação pessoal. Mas isto não nos deve impedir de registrar aqui
a nossa impressão. A maneira mais fácil será recorrer a uma comparação para
expressar melhor a nossa maneira de ver. Façamos em espírito um apanhado das vizinhanças
como São José, Santo Inácio o Caí (Feliz), comparando-os com Bom Jardim.
Vista
da casa paroquial a Picada dos Portugueses assemelha-se a um audaciosos anfiteatro. O morro do Vigia, o
Fritzenberg e a Vila Nova, formam um amplo semi círculo, em cujo âmbito
encontra-se a Picada Feliz, localizada numa altitude maior, observada a partir
da casa paroquial de lá, parece-se com um círculo formado por imponentes
fortalezas e impressionantes torres e altas muralhas. Bom Jardim oferece um
quadro bem diferente, quando observado da igreja lá alto. Temos até receio de
dizê-lo. Parece-se com um cemitério. Como argumento para essa visão não quero
invocar a impressão que já tivera um Adalbert Jahn e um Waldemar Schultz, que
compararam toda a região colonial a gigantescas tampas de caixão de defunto.
Observemos os dorsos compridos e planos dos morros, com as extremidades
terminando em descidas inclinadas e nos convenceremos de que a comparação faz
sentido. Perguntamos. E no território de Bom Jardim, muitas das elevações não
oferecem também os contornos de uma tampa de caixão? O que se conclui daí? Tão
bem como se fala em tampas de caixão ou caixões, é lícito falar em túmulo
(elevação de terra sobre uma sepultura) pois, seus contornos coincidem até certo ponto com um caixão. Acontece que
se temos muitos túmulos estamos diante de um cemitério.
Portanto,
a comparação da região com um cemitério, na verdade, não vem a ser tão
estranha, como à primeira vista poderia parecer. Um cemitério pode ser até bem
bonito e ter seus atrativos, pelo menos na sua aparência externa. Tanto mais
quando se trata de um cemitério gigantesco formado por uma região inteira.
Na
verdade os contornos da paisagem de Bom Jardim são austeros e as sombras
projetadas pelas encostas íngremes, têm
algo de melancólico. O próprio rio Feitoria no fundo do vale, cujo espelho não
se percebe do alto, flui devagar e comedido, lembra um cortejo fúnebre. Até o
rumor abafado e incansável da cascata, (185) na divisa entre Dois Irmãos e Bom
Jardim, evoca sem querer um lamento fúnebre.
Portanto
a paisagem oferece as características de um cemitério! Mas, bem entendido, este
não é um cemitério no verdadeiro sentido, mas no figurado ou, no máximo, um
cemitério do passado. Pode ser também que a região se nos afigura com essa
sensação de seriedade, porque, ao contemplá-la, emergem das nossas recordações
a lembrança de não poucos amigos, que viveram neste cenário e cujos corpos
nele descansam, como o prof. Schütz, o
Fingerhannes e outros queridos conhecidos. Que para nós a palavra cemitério não
esteja associada com a decomposição, o mofo e
semelhantes. De saída é desmentido pelo próprio nome da região: Bom
Jardim.
Bom
Jardim. A realidade honra plenamente essa designação. Na verdade é um jardim,
embora muito grande. As colônias são os canteiros formados pelos diversos eitos
de milho, mandioca, amendoim e cana de açúcar. As bananeiras e pomares de
laranjeiras formam as áreas de arbustos. Trata-se de um jardim de
características peculiares que, além de incluir as hortaliças, compreende
também o campo e a mata.
Que
a designação Bom Jardim lhe é devida de direito, comprova-o a fertilidade
observada em toda a parte. A mesma coisa se pode afirmar da cômoda situação dos
seus moradores, a ativa movimentação e, finalmente, das estradas e
caminhos tornados instransitáveis no
último inverno. Não falta boa terra de Jardim. Quando se vem a cavalo de São
Leopoldo e se chega no alto do Lehmberg, parece que a gente está olhando para
dentro de um amplo jardim. Nos fundos, na direção de São José do Hortêncio e
Linha Nova, até além de Dois Irmãos, observam-se várias seqüências de morros
azulados, uns atrás dos outros, simulando, até certo ponto, um muro de jardim.
Chegando nas proximidades da casa de Boruschewsky, sorri-nos um panorama inteiramente
novo. A muralha azul desaparece e o olhar do viajante alonga-se sobre encostas
e planos férteis que, à direita descem em direção ao Buraco do Diabo e, à
esquerda, ao vale do Feitoria. É uma visão bela e grandiosa. Do Buraco do Diabo
erguem-se paredes de rochas cinzentas que somem no verde da mata. No outro lado
do Feitoria, à esquerda estende-se a Picada 48. Sobe-se a ela por um caminho
íngreme. A paisagem sofre uma grande mudança. Aqui as rochas sobem morro acima,
oferecendo aos olhos diversas tonalidades de verde, de acordo com as culturas
que as ocupam. Mais adiante longas fileiras de palmeiras agitam os leques ao
vento. Mesmo que haja lugares onde o desmatamento avançou demais, felizmente a
mata na sua forma original ainda se impõe à paisagem. Em horas de calmaria do
ar, ouve-se o rumor da cascata, vindo do lado de Dois Irmãos. Em parceria com
sua irmã do Herval, já se tornou o destino dos viajantes de Porto Alegre.
É
difícil definir um conceito sobre a impressão que causa Bom Jardim. É preciso
ter-se visitado Bom Jardim em diferentes
situações de tempo, para fixar uma imagem de conjunto na memória. Se esse é também o
caso em outras localidades, parece-me contudo, ao menos no que diz respeito à
experiência própria, que Bom Jardim oferece características bem peculiares. Se
a visita se dá no inverno, no período das fortes chuvas, o Buraco do Diabo
acha-se em grande parte inundado e das encostas descem arroios selvagens,
passando por cima dos caminhos e plantações, podendo oferecer um espetáculo
diferente, mas, por causa das conseqüências
catastróficas, levam racionalmente a uma outra avaliação. (186) A região desperta de fato uma impressão de grandiosidade quando o brilho da lua cheia se derrama sobre ela.
Se a luz da lua já por si só tem a propriedade
de fazer aparecer as coisas comuns numa visão fantasmagórica, melhor
dito, numa visão romântica, quanto mais Bom Jardim, tão rica em encostas
íngremes e vales profundos, exibirá a roupagem
do encanto de um conto de fadas.
Lembro-me de uma noite de primavera inesquecível que aproveitei para uma
excursão até lá e que se transformou
numa vivência de sonho.
O
que falamos da beleza paisagística de Bom Jardim, vale obviamente para as
picadas que fazem pare da paróquia.
Uma
cavalgada no verão, por ex., pela Picada 48
em direção à Picada dos Portugueses, surpreende pela localização
cinematográfica das vivendas. Por caminhos ensombrados e pitorescos vai-se de
um colono a outro e a vista
surpreendente surpreendente repete-se com a seqüência de sempre novas
paisagens. A admiração se apodera com mais força do viajante que se desloca do
Bohnental e do Schneiderstal, em direção à Holanda. No meio dos vales amplos e
dos morros altos, tem-se a impressão de estar na Alemanha, mais particularmente
na região da Eifel, perto de Maria Laach, abstraindo, é claro, dos magníficos
lagos de lá. Por isso podemos felicitar os moradores de Bom Jardim, por terem
reencontrado uma réplica da velha pátria
de tamanho menor, na sua terra natal.
Neste sentido afirma com justiça Waldemar Schütz: "As terras apropriadas
para uma colonização alemã, deveriam ter algo mais na sua natureza, do que o
socorro às necessidades do corpo. Precisam alimentar também o amor pela
natureza a quem povo alemão deve a sua juventude milenar, sua energia e seus
grandes feitos.
Em
espaços monótonos sem fim, sem variedade, sem florestas, onde não há subidas
nem descidas, onde, a perder de vista, a paisagem não muda, sem limites
precisos, os imigrantes dificilmente firmarão pé. E, onde isto acontece,
perderão sua identidade evoluirão para um povo inteiramente diferente.
Somente
lá onde, num clima moderado, domina uma paisagem com montanhas e planaltos,
terras onduladas e planícies recortadas, representantes dos diversos povos
alemães que resolveram partir, encontraram-se numa parcela de terra que se
parece com a terra natal.
Mesmo
que a natureza daqui não ofereça contrastes tão acentuados e não seja tão variada e romântica, as pessoas
procedentes do Reno superior, do Danúbio, do Weser, do Elba e do Oder, não
estarão privados da visão de montanhas, vales, prados e florestas. As belas
canções alemãs exaltam essas coisas e tudo o que é grande, nobre elevado. Assim
o mesmo destino continua o seu curso em terras estranhas, para o mesmo povo, do
lado de cá e do lado de lá do oceano.
Na
hipótese de essa firmação merecer credibilidade, os moradores de Bom Jardim,
Picada 48 e redondezas, fazem bem em se congratular com fato de a Providência
os ter conduzido a uma terra tão bela. (187) E se alguém julgar exagerada essa
descrição, lembre-se que os moradores de um belo lugar são os menos habilitados
para julgar as próprias circunstâncias.
É
conhecido que os suíços que, ao contrário dos outros estrangeiros, encontram no
meio dos Alpes boas pastagens e poderosas muralhas de proteção, sentem a
lendária saudade pelas suas maravilhosas montanhas, só quando longe da terra
natal.
É
óbvio que a colônia não tem condições de competir com o Reno ou a Suíça, pelo
simples fato de lhe faltar o encantamento do majestoso rio e os mitos que
envolvem os lagos das montanhas. Mas as terras cobertas de florestas do Rio
grande do Sul, contudo prestam-se a uma comparação com não poucas regiões da
Alemanha. Pode-se afirmar sem medo de errar que, no que tange à fisionomia
externa favorável, a nova terra natal acha-se perto da velha.