Deitando Raízes #7

Capítulo terceiro.
Um pedaço de Alemanha no Brasil
As condições sociais na colônia
O período logo após a fundação
No capítulo anterior examinamos a casa do colono com o seu entorno. E para fazermos um quadro objetivo e completo, é preciso  avaliar a picada como um todo e a região colonial no seu conjunto. Os limites são demarcados pelos brasileiros entre os quais os colonizadores alemães se fixaram como uma etnia, fiel aos seus hábitos, à sua cosmovisão e à sua língua.
Além da colônia não havia povoação maior fora de Porto Alegre. As poucas casas junto às capelas de Sant`Ana, Viamão e Aldéia dos Anjos, [1] não merecem o nome de cidadezinha. Na maioria dos casos os brasileiros moravam dispersos, os ricos nas suas enormes estâncias, os mais pobres em algum canto perdido do mato ou do campo, onde cultivavam uma pequena propriedade rodeada de capoeiras e macegas. Os habitantes da terra distinguiam-se pelo  caráter nobre e generoso, especialmente no tempo em que o contato acompanhado pela  desconfiança ainda não os havia corrompido. Os brasileiros receberam os adventícios com certa demonstração de amizade e, na medida do possível, prestimosos na melhoria das condições. O alemão espantava-se  quando, ao admirar o cavalo de um brasileiro, escutava as palavras: "o cavalo é seu". E não se tratava de palavras vazias. Na atitude mais cavalheiresca possível, o brasileiro não teria mais aceito de volta o presente. Só mais tarde a generosidade dos filhos da terra sofreu um certo esfriamento. O alemão não imitou o seu modo de proceder e limitava-se a aceitar os presentes. Se esta atitude faz parte de uma peculiaridade dos germanos antes do seu contato com os romanos, não é assunto a ser decidido aqui. Basta a menção desta característica. Na época praticava-se ainda entre os brasileiros a repugnante escravatura, abolida apenas no dia 13 de maio de 1888. Brasileiros em melhor situação eram donos de um número maior ou menor de escravos. A eles cabia a obrigação de todas as tarefas na casa e no campo, enquanto o senhorio se entregava ao ócio.
Conhecemos de outros países as condições  vergonhosas causadas pela escravidão. Queremos apenas  chamar a atenção que o alemão aplicado, acostumado  ao trabalho duro, numa livre competição, só pôde levar a melhor sobre o brasileiro indolente e arredio ao trabalho.
Enquanto a média dos alemães conquistou a riqueza e o bem estar, muitos brasileiros regrediram sem parar. Em vez de fazerem suas terras produtivas e viver da renda, lançaram mão do seu capital de raiz, venderam colônia após colônia, chegando ao ponto de a família decaída mal e mal vencer a pobreza com o que sobrou. Os alemães, pelo contrário, lançavam-se ao trabalho com denodo e perseverança e, em questão de poucas décadas, transformaram a região colonial num centro produtivo, rodeado pelos  campos exclusivamente de criação de gado dos brasileiros. Acontece que os brasileiros e os orientais dedicavam-se de preferência à criação de animais. Não obstante homens de visão  que, somente se encontram no meio de um povo formado por agricultores livres e autônomos, conquistaria o reconhecimento e a riqueza para as fronteiras do sul do Brasil, como de fato aconteceu. Levado por esta razão o imperador D. Pedro I tomou a decisão de trazer agricultores diligentes. Sabia muito bem que a escravatura não se manteria por muito tempo. Por isso empenhou-se (10) na preparação do terreno para o trabalho livre. Esta preocupação fez nascer em 1824 a Colônia de São Leopoldo, batizada assim em homenagem à sua esposa D. Leopoldina, uma princesa austríaca. Os soldados foram arregimentados para a guerra contra os rebeldes da então Província Cisplatina, hoje Estado Oriental, sob a condição de que, após quatro anos de serviço, serem indenizados com terras. Entre esses primeiros colonos encontravam-se imigrantes, já mencionados mais acima, vindos de Mecklenburg, Birnfeld e Hessen, As belas promessas segundo as quais os agentes ofereciam lotes de 160.000 braças quadradas, passagem gratuita entre o local de embarque e o destino e muitas outras vantagens, acenavam com perspectivas  promissoras aos agricultores do Reno e  do Mosela. Em 1828, um determinado número de alemães e irlandeses, que se tinham sublevado no Rio, foram embarcados para a Província do Sul para aí serem assentados. Somente os alemães lograram um certo progresso. 
No ano de 1830 a imigração chegou a ser interrompida em conseqüência de uma lei,  inspirada num nativismo tacanho, isto é, num favorecimento unilateral dos brasileiros. Durante a assim chamada Guerra dos Farrapos as colônias foram entregues à própria sorte. Somente em  1846 a corrente imigratória recomeçou a fluir para o Brasil. Santa Catarina, Espírito Santo, assistiram à formação de colônias alemãs em seus territórios. Em toda a parte os pioneiros demonstraram serem laboriosos. A maior parte dos imigrantes daquele ano foi assentada na nova picada da Feliz, na margem direita do rio Caí. Entretanto, o ano seguinte, 1847, trouxe apenas a metade dos imigrantes. Nos anos posteriores foi diminuindo cada vez mais o número ao ponto de, entre 1848 e 1855, chegarem apenas 305 novos imigrantes. Como se pode concluir do que se disse acima, o governo central chamou a si a tarefa de oferecer aos alemães condições muito favoráveis. Mas a boa disposição da dinastia imperial nem sempre era cumprida plenamente devido a ciumeiras e mesquinharias. Muitas vezes os lotes lhes eram designados sem  medirem a área exata de 160.000 braças. Acrescia  que os lotes nem sempre pertenciam ao governo - terras devolutas - mas propriedade privada. O governo se via em apuros quando se tratava de expedir os títulos de propriedade que os colonos reclamavam. Prometia tudo sem nunca fornecer os títulos, resultando em intermináveis contendas e provocando uma insatisfação generalizada.  Finalmente foi nomeada uma comissão encarregada das medições e aprontar os respectivos títulos de propriedade. Ficaria demasiado longo se entrássemos em detalhes desta confusão. Basta registrar que dos 1.500 lotes coloniais, 1.400 foram regularizados. Essas medidas devolveram grande tranqüilidade para a colônia que, durante décadas vira ameaçada a propriedade das terras legitimamente conquistadas.
No que se refere ao relacionamento dos colonos  alemães com seus concidadãos brasileiros, pode-se afirmar que a maioria da população mostrava-se favorável  aos alemães. Na verdade eles mereciam plena confiança e benevolência, justificada pelos anos que se seguiram. É verdade que os alemães se agarravam  aos seus costumes, às suas convicções religiosas e, de modo especial, à sua língua materna, sem contudo, em circunstância alguma, emitir sinais de suspeita sobre a condição de cidadãos da nova pátria.
Prova da autenticidade da sua cidadania foi o comportamento adotado no período da Revolução e, mais tarde, por ocasião da guerra contra o Paraguai. Em nenhuma dessas ocasiões mostraram  menos espírito de sacrifício e coragem do que seus concidadãos brasileiros. Outro testemunho neste sentido foi a vida regrada e o amor à ordem dos moradores da colônia, fazendo com que ocorressem relativamente poucas transgressões da lei, provando serem bons cidadãos. O boato de que havia um estado dentro do estado, que havia risco de separação, não passava de uma fantasia hostil e irresponsável. Podemos afirmar com razão que o Rio Grande do Sul deve à imigração alemã o seu florescimento atual.
Observemos as pessoas que vieram da Europa para cá. Eram quase sem exceção pobres, pequenos agricultores, diaristas e mineiros. Entre eles não raro encontravam-se existências mal sucedidas, algumas até com "o chão queimando debaixo dos pés", [2] desejosos de começar uma vida nova em terras distantes. Para esses elementos o abandono da terra natal significava um benefício e o Brasil, na verdade, uma terra prometida. Exigia, entretanto, duros combates com gigantes para transformar-se  na Canaã do tempo dos Israelitas. No Brasil os gigantes eram: a natureza selvagem, a mata virgem, a falta de estradas, a distância dos mercados para a colocação dos produtos. Num combate que durou  anos  esses gigantes foram vencidos. A escravidão do Egito, neste caso eram as minas de carvão, os salários de fome no Hunsrück. Na nova pátria encontraram condições bem diferentes. Pelo menos tinham com que enfrentar a fome e não havia preocupações pelo amanhã e o futuro dos filhos.
Podiam movimentar-se livremente no campo e na floresta que Deus fazia crescer para todos sem o risco de, a cada passo, ter que enfrentar a vigilância do gendarme [3] ou a espingarda do caçador, a serviço do senhor. Por vezes confiantes demais e provocadores, julgavam-se  fora do alcance da lei e acima da decência. Infelizmente portavam-se com esta auto-valorização perante aquelas autoridades das quais não tinham a temer castigos materiais. Mostravam, porém, uma enorme submissão perante as autoridades policiais menos graduadas. Fique claro que se tratava de excrescências que, comparadas com o muito de bom que havia, não pesavam muito na balança. A situação dos colonos melhorava de dia para dia emprestando à colônia um aspecto de bem estar. A partir de então toda a Província entrou num ritmo de prosperidade, tanto no que se refere ao comércio, à economia, à autonomia política e o progresso. A administração das colônias era muito simples. O Diretor da Colônia decidia tudo, sendo como, por ex., José Thomas de Lima e mais tarde o Coronel Dr. Daniel Hildebrand, homens íntegros e bem intencionados com os colonos. Além disto, durante os primeiros dez anos, os colonos estavam isentos de todos os tributos além do serviço militar, estando em condições de cuidar com sossego do seu progresso material. As condições de saúde na nova terra eram também bastante boas, numa temperatura média em torno dos 17º, conhecidamente a mais apropriada para o organismo. Somavam-s a isto os preços muito baixos. Na média pagavam-se sete a oito mil réis por um cavalo. Em muitos casos meia colônia valia apenas cinco a seis mil réis e até chegava a ser torrada em troca de uma garrafa de cachaça. Os trabalhadores que hoje ganham dois mil réis ao dia, na primeira década tinham que contentar-se com oito vinténs e, mesmo assim, para os robustos trabalhadores no mato. Eram obrigados a trabalhar honestamente para ganhar o dinheiro, fato que hoje, como se sabe, já não é mais (12) levado tão a sério. Em contrapartida podiam fazer cinco refeições frugais mas fartas ao dia. De manhã lhes eras servido café feito de milho torrado sem açúcar e pouco leite, de vez em quando acompanhado  por um ovo. Ao meio dia o cardápio assemelhava-se bastante  ao dos primeiros anos. A diferença estava na maior freqüência de charque, de carne de cavalo e sebo no lugar da banha, fornecido pelas charqueadas, naturalmente nem sempre fresco e de odor agradável. De mais a mais a situação melhorou de ano para ano e não poucos alemães adquiriram um escravo por 100 mil réis. Como serviçal fazendo parte da herança recebia normalmente bom tratamento. A educação, porém, deixava muito a desejar, ou porque o clima favorecia a moleza ou porque os brasileiros contaminavam os alemães. Em poucas palavras, a juventude já não era mais educada naquele sistema sólido e, entre pais e filhos, estabeleceu-se uma relação estranha. Estes eram tratados antes como iguais e menos como subordinados, assumindo em família, uma postura de autonomia. Não raro o filho tinha seu próprio cavalo ou cultivava uma determinada área da roça por conta própria, o que, com certeza, não contribuía para fomentar o respeito dos filhos para com os pais. Com o incremento do bem estar insinuou-se também, pouco a pouco na vida pública, a tendência de usufruir a vida e entregar-se às diversões. Se as diversões se limitassem à caça não haveria muito a objetar. Acontece que há muito animal selvagem que, se não forem exterminados, precisam ao menos ser reduzidos em número em favor das plantações. De modo especial os porcos selvagens causavam grandes prejuízos às lavouras e, eram exatamente eles, o principal alvo dos caçadores. Na roça do velho Bihler foram abatidos de uma só vez sete exemplares, apesar das armas ruins então disponíveis. Usava-se uma espingarda de dois canos, dos quais funcionava um só. Tanto nas colônias quanto no País todo havia veados em abundância. Aconteceu, segundo o relato confiável de um homem,  que em São Gabriel todo o morro estava tomado por pequenos veados e ele próprio galopou atrás de dois filhotes até, de tão cansados, deixaram-se pegar com as mãos. As aves ofereciam fartura semelhante ao caçador. Galos selvagens cujas penas eram muito apreciadas, podiam ser vistos até 20 juntos numa árvore. Pode-se dizer que estavam a ponto de arrebentar de tão gordos e mesmo com um tiro não levantavam vôo. Nas planícies reinava a ema, caçada no interior de São Gabriel. Certa feita Johann Finger encontrou num único ninho 25 ovos. Como se tratava de uma raridade fez das ceroulas e da camisa dois sacos e, cantarolando de satisfação, levou seu tesouro para casa, obviamente a cavalo. 
Conheciam-se os mesmos macacos de hoje, principalmente o vermelho grande e o pequeno mico. Naquela época havia um número maior deles, assim como de cães selvagens,  quatis, tatus e outros mais. Com a presença dos muitos caçadores domingueiros, estes animais retiraram-se para lugares mais afastados no mato, onde ainda hoje podem ser encontrados.
Os tempos melhores levaram a abertura de número maior de vendas que ofereciam a preços baixos cachaça e vinho português, tendo como conseqüência a entrada de vícios na colônia. Muito poucos se preocupavam em aproveitar este bem-estar crescente, para melhorar a formação, um equívoco que perdurou até os dias de hoje. Nos domingos era preciso divertir-se a qualquer custo. Mesmo que na época não houvesse como formar uma banda de música completa, as pessoas costumavam reunir-se em volta de algum artista, que sabia tocar com certa maestria as velhas melodias na sua gaita de fole. Daqueles dias ficou na memória o velho Heck Hannickel, um valente tocador de clarinete, o qual, como comprovam testemunhas oculares, tinha quase a altura do Spielmann. Os músicos iam tocando de uma picada para a outra e em toda a parte eram hóspedes bem vindos. Oxalá tivesse permanecido ao nível da música simples  e da alegria inofensiva. Mas as conseqüências  normais da paixão pela diversão instalaram-se também aqui. O espírito religioso e a freqüência à missa  entrou em decadência. A preocupação pela escola passou para um segundo plano. Perdeu-se o interesse pelo progresso espiritual e os excessos, (13) as animosidades e  coisas piores tomaram o lugar dos velhos  costumes frugais. O espírito de moderação cedeu lugar ao desperdício, a sobriedade à tendência de consumir bebidas alcoólicas e a  germanidade que florescia com vigor, correu o risco de perder-se e embrutecer-se  na maioria das pessoas. Esta mudança rápida tornou-se prejudicial para pessoas que saíram de circunstâncias difíceis e, de uma hora para a outra, transferidas para a fartura. A sorte faz do cavalo um arrogante e as mulas que vão bem demais vão dançar na neve. [4] Foi quando, de uma hora para a outra, uma terrível tempestade varreu o Rio Grande do Sul, mergulhando  também a colônia num período de grandes sofrimentos, do qual saiu mais tarde purificada e rejuvenescida. Falamos da Guerra dos Farrapos, assunto para o capítulo que segue. Antes, porém, de discorrer sobre ela, descrevendo suas idas e vindas, queremos chamar a atenção dos nossos leitores para a ação da Divina Providência, como ela interveio magnificamente na história da imigração e colonização.
Da mesma forma como antigamente o  povo de Israel, oprimido pelo Egito, foi libertado pelo Deus dos seus antepassados e recebeu uma nova herança, assim aconteceu  também, não sem um desígnio especial, que grupos indigentes foram tirados de solo europeu e assentados em um novo continente. Os homens de estado quebravam inutilmente a cabeça, para resolver a difícil situação de uma população que crescera além da medida. As medidas por eles adotadas pareciam-se com as de uma criança comparadas, com os planos da Providência.  Donde surgiu repentinamente o impulso, a nostalgia e o ímpeto de migrar, que se apoderou com súbita força, de significativas camadas de um povo e o forçou a partir em busca de uma terra longínqua? Obviamente Daquele que, de uma extremidade da terra à outra, ordena tudo e governa as criaturas com  energia e suavidade. Os míopes encontram nas circunstâncias externas, como pobreza, falta de trabalho, dominação militar, a única e bastante explicação. Para aqueles que enxergam mais longe, revelam-se desígnios superiores e destinos relacionados com a história do mundo. Durante muito tempo foi rejeitada a solução dos males oriundos da escravatura pelo aporte de trabalhadores livres. O Brasil que, em questão de meio século,  transformou-se  em República, teve que ser preparado para a mudança de forma de governo. Por essa razão  foi preciso providenciar pela consolidação e unidade, por meio de um povoamento estável, exatamente nos estados limítrofes do sul. Mas o que confere à imigração alemã um valor ético incalculável, é a sólida vida religiosa que o alemão trouxe consigo e com a ajuda de Deus conserva até o momento.
Um século antes da proclamação da República, aconteceram movimentos revolucionários em várias províncias, visando conquistar a independência e fundar repúblicas. Assim ocorreu em Pernambuco de 1817 a 1824. Na época, porém, estes levantes foram dominados sem maiores esforços. No Rio Grande do Sul a revolução irrompeu em Porto Alegre em 1935. Por esta razão o 20 de setembro ainda hoje é comemorado como feriado nacional e a bandeira dos velhos Farrapos é, de momento, o pendão do estado do Rio Grande do Sul. O cabeça do levante foi o coronel imperial Bento Gonçalves. Muitos aderiram a ele e  o presidente imperial Braga viu-se obrigado a retirar-se primeiro para Rio Grande e depois para o Rio de Janeiro. Sem tardar os insurretos exigiram um governo próprio tendo Marciano Ribeiro como presidente e Bento Gonçalves como comandante das armas. Somente as cidades de Rio Grande e São José do Norte permaneceram  em poder do Império. Do Rio de Janeiro foi então nomeado um novo presidente na pessoa de um certo Araújo Ribeiro. Sua habilidade conseguiu espalhar o desentendimento entre os revoltosos. Conquistou para a causa da legalidade o competente oficial Bento Manoel e de um golpe a situação estava mudada. No dia 17 de junho de 1836 a cidade voltou à submissão e recebeu o título honorífico de "a valorosa e fiel cidade de Porto Alegre." O capitão do mar Greenfal assegurou o domínio sobre a Lagoa dos Patos e, em questão de pouco tempo, os imperiais conquistaram a dupla  vitória em Itapuã e na Ilha do Fanfa. Os revolucionários  apoderaram-se da cidade de Pelotas e instalaram uma república na cidade de Piratini e Bento Gonçalves, que caíra prisioneiro numa batalha anterior, proclamado seu presidente. Mas pouco a pouco a causa perdeu o apoio até o infeliz embate  final em Candiota. Desta forma  a guerra civil estaria encerada no começo de 1837 se o regente Diogo Feijó não tivesse feito uma escolha infeliz. O presidente nomeado não agradou a Bento Manoel e, como conseqüência passou para o lado dos sublevados. Os imperiais perderam as escaramuças do Rio Pardo e Caçapava e, apesar de todos os esforços, não conseguiram mais o controle da Província. Um novo presidente nomeado foi aprisionado e seu sucessor, marechal Elisário de Miranda, derrotado no Caí. Mais tarde os revolucionários, sob o comando de Davi Canabarro, empreenderam uma expedição a Santa Catarina, onde se apoderaram da cidade de Laguna em 1839, mas foram forçados a abandoná-la depois de poucos meses. De volta ao Rio Grande do Sul sofreram várias derrotas, como a de Taquari e no malogrado assalto a São José do Norte. Neste meio tempo chegou a Porto Alegre o general Andreas, como Presidente e comandante das tropas e manteve com êxito os inimigos em xeque. Uma mudança decisiva, entretanto, deu-se apenas em 1842, quando o famoso barão de Caxias, vencedor da revolução em São Paulo e Minas Gerais, assumiu a administração e pacificação do Rio Grande do Sul. No final de 1842 destroçou facções do exército em diversos lugares (Poncho Verde,, Camaquã, Cangussu) nos quais se celebrizou o conhecido barão do  Jacuí e Bento Manoel passou de novo para os imperiais. Daqui para frente a guerra prolongou-se apenas na aparência. As forças rebeldes estavam esgotadas e prontamente aceitaram em 1º de março de 1845, a oferta de uma anistia magnânima.
É compreensível diante mão que a posição da colônia em relação às facções envolvidas na guerra, fosse muito difícil. Os imigrantes alemães vieram imbuídos de fortes sentimentos monarquistas e, obviamente, tomados de gratidão para com o governo imperial que, com mão generosa, os presenteara com uma nova e bela querência. Tomavam, por isso, posição em favor do Imperador e, do íntimo, abominavam os revolucionários, mesmo que não gostassem de expor seus sentimentos em público. De mais a mais durante a guerra, a adesão  ao Imperador, como ficou claro no decorrer do conflito, lhes dava poucas vantagens pois, uma parte do tempo os revolucionários foram os senhores da terra e da zona colonial. A incerteza do desfecho dos acontecimentos, especialmente a partir de 1837, abalou a fidelidade ao Imperador. Não tinham condições de prever o que resultaria de definitivo no final das constantes reviravoltas, se o Império ou uma República. As simpatias pelo Imperador, incapaz de socorrê-los enfraqueceram em muito. Mais ainda, quando perceberam que o tratamento dado à colônia pelos imperiais, era o mesmo que recebiam da parte  dos republicanos. Se no começo todos mostravam evidente simpatia para com o Imperador, aos poucos insinuou-se a discórdia nas  picadas e até nas famílias, na medida em que uns se declaravam pelos imperiais e os outros pelos republicanos. Ao eclodir a guerra a maioria estava de posse de um considerável patrimônio. As velhas cabanas cederam lugar a casas melhores. Em volta da casa havia estrebarias para vacas e outros animais, no potreiro pastavam alguns cavalos, cinco ou seis reses e, (14) entre eles, andavam porcos soltos e gordos. Durante a revolução as coisas sofreram uma grande modificação. Tanto fazia se na casa entrava um amigo ou um inimigo. Para o colono significava absolutamente o mesmo. A poupança em dinheiro ou em utensílios domésticos, colheitas e animais eram vistos como presa  por ambas as facções em guerra. Os  republicanos apoderavam-se de tudo que lhes fazia falta: porcos, galinhas, lingüiças, presentes e ovos e os baianos  julgavam-se obviamente com o mesmo direito de extorsão. Em resumo. Todo o bem-estar da grande maioria  das famílias foi perdido naqueles tempos infelizes. Jovens foram forçados contra a vontade  a alistar-se nas tropas, o que tinha como conseqüência que um irmão lutasse nas fileiras dos imperiais e o outro nas dos republicanos. Entende-se por si mesmo que em tais circunstâncias as coisas não fossem confortáveis. Todos os tipos de vícios condenáveis insinuavam-se nas picadas: ódio e inimizade, inveja e ciúmes e mais do que qualquer outra coisa, uma incompreensível dureza e crueldade, como demonstram muitos exemplos. Acontecia que vizinhos revelavam ao inimigo onde o vizinho escondia seus animais e que, sob ameaça de morte, extorquia os últimos  bens, até um punhado de sal que porventura ainda sobrava.




[1] Cidade de Gravataí de hoje.
[2] Expressão usada para dizer que alguém tinha cometido algum delito e a plícia estava em sua perseguição
[3] No contexto refere-se ao guarda florestal.

[4] O excesso de confiança faz com que as pessoas se arrisquem além das suas capacidades, como as mulas que vão dançar na neve onde fatalmente levarão tombos.

Deitando Raízes #6

Capítulo segundo
A vida de família na mata virgem

A geração de hoje tem em grande parte a percepção errônea  de que no começo a coisas passavam-se como acontecem no presente. Trata-se de um grande equívoco desmentido por todos os representantes e testemunhas dos velhos tempos. Foram, sem dúvida, tempos difíceis dos quais os velhos e veneráveis pais fundadores nos falam. Os nossos descendentes não fazem a menor idéia daquilo por que nós passamos. Na verdade aquele senhor tem toda a razão. Os velhos veteranos e o povo jovem deveriam dar mais atenção àqueles testemunhos e, antes de mais nada, refletir sobre os caminhos pelos quais os antepassados realizaram tamanha obra. Baseando-nos nos relatos sobre os começos, transportemo-nos para uma daquelas casas de   colono e observemos com atenção. Enxergamos paredes nuas, nem sequer revestidas com barro, muito menos caiadas. Apesar de tudo encotramos nelas alguns quadros envelhecidos de santos, ou um crucifixo e um recipiente para água benta,  recordação ou herança da família, preservada com grande apreço apesar da pobreza. Estes objetos diziam mais ao coração do que qualquer outra coisa.
Naquela época nem vestígio de (06) móveis caros como os que temos hoje. No assoalho de terra  socada foram Sobre cepos fixados no chão batido  armava-se a mesa. Em lugar da cozinha havia um lugar para o fogo perto da casa. Na maioria dos casos consistia numa cova e algumas forquilhas de madeira. Nelas suspendia-se o tacho e as panelas erram penduradas num vara transversal. Não havia necessidade de um armário de cozinha porque não havia talheres para guardar. Os demais utensílios domésticos não passavam  de algumas peças trazidas da terra natal. Seu valor consistia mais nas recordações que despertavam do que no valor do material de que eram feitos. Tudo que havia de livros na casa, resumia-se num livro de orações, mesmo este não poucas vezes velho e roto. Ao abri-lo podia-se ler a comovente despedida de algum amigo querido, ou de um pároco zeloso, que oferecera o livro como o melhor dos anjos da guarda, para a viagem dos seus filhos espirituais. Observamos como a família se reúnia pela manhã  em volta da mesa para a oração e o desjejum. Não havia nem tigelas, nem chaleira para o café, nem leiteira, que hoje acenam tão convidativamente da mesa do colono. Muito menos havia manteiga ou pão perfumado e crocante, que até os dentes velhos conseguem moer com facilidade. E lugar das magníficas coisas de hoje, o olhar do visitante encontrava a panela com mingau de abóbora e farinha grossa de milho, por muito tempo presenças fiéis na mesa. Mesmo que não parecesse tão apetitoso era consumido com avidez e todos mostravam boa saúde, assim como o trabalho pesado o exigia. Depois do desjejum era hora de partir para as tarefas do dia. Em linhas gerais não diferiam muito das de hoje, com a diferença de que eram incomparavelmente mais trabalhosas por causa do desconhecimento dos métodos de trabalho. O braço do colono tomava o lugar do boi e do cavalo. Estes só mais tarde o iriam socorrer.
Ao meio dia indicado pela posição do sol, os membros da família reuniam-se para o almoço, de forma alguma tão farto como hoje. Em situações muito especiais choviam pedacinhos de carne fresca ou seca no indefectível mingau de abóbora ou milho quebrado. Observava-se o mandamento da abstinência  nas sextas feiras e ninguém achava que não era possível dar conta da tarefa diária sem carne, freqüente motivo de desculpa ou incriminação  à Igreja, da parte daqueles católicos que se julgam mais sábios do que ela. Nunca se ouviu dizer que por essa razão, os antigos tivessem tido ossos mais fracos e faces menos rosadas. A que colono de hoje teria agradado um almoço como aquele. Com certeza preferiria ser convidado para  jantar com a esperança de encontrar algo melhor. Evidentemente assim como o dia começou com mingau de abóbora e milho quebrado, assim também  terminaria.
Chegou o momento de examinar os leitos. Eram tão simples quanto imagináveis. Consistiam em algumas esteiras, alguma roupa de cama que superara as peripécias da viagem. Apesar disto exerciam uma admirável atração depois de tamanha jornada diária. Propiciavam um sono restaurador a não ser que algum rapaz de peito robusto levasse o ruído da serra, utilizada nas tarefas diárias, para o silêncio da noite. Enquanto as pessoas dormem vamos dar uma olhada no guarda-roupa.  Ao cabo dos primeiros anos as velhas roupas estavam gastas e puídas. As mulheres fiavam e os homens  teciam o algodão. Esses tecidos não permitiam grande  luxo. Não eram finos mas duravam tanto mais. Depois de levantar não era preciso tratar o gado pelo simples fato de que, na maioria dos casos, (07) não havia nem vacas, nem cavalos e só muito mais tarde foram adquiridas galinhas e porcos. Se alguém pusesse às avessas todos os bolsos e vasculhasse em todos os cantos não  encontraria um único Thaler [1] e muito menos uma onça de ouro. [2] E pergunta-se: donde viria dinheiro? Primeiro foi preciso abrir uma roça  para garantir o sustento da família e, mesmo mais tarde quando a produção se tornou mais abundante, não havia como convertê-la em dinheiro. Faltavam estradas e meios de transporte e os mercados de consumo localizavam-se a distâncias enormes. Vamos sair da casa e voltar a atenção para a roça. Os pés de milho e a mandioca estão em crescimento, no mesmo lugar onde na outra estação cresciam as abóboras. Naquela época o nosso feijão preto que era vendido em Porto Alegre a 30 mil réis, ainda não era cultivado. Em seu lugar plantava-se feijão de cor. Não sabíamos bem como semeá-lo e colocávamos punhados nas covas. Batatas não havia. Quando mais tarde as sementes estava disponíveis, além de pequenas,  custavam dois mil réis a quarta. [3] Muito primitivas eram as nossas ferramentas agrícolas. Não dispúnhamos de arados, somente foices para roçar, machados, facões e enxadas. Com eles nos defendíamos muito bem no clima magnífico. Já que falamos de clima é preciso  acrescentar que, na época, o inverno era menos rigoroso do que hoje. Conforme a recordação das pessoas, nevou apenas duas vezes em 1828 e os flocos mal tocaram o chão. Somente em alguns lugares mais protegidos conservou-se por algumas horas.
A falta de dinheiro foi o grande obstáculo para o nosso progresso. Com os preços irrisórios da época era possível adquirir tudo com facilidade. Mas como ganhar dinheiro? Tínhamos ouvido que no interior era possível adquirir um bom pedaço de terra por meio de um contrato de trabalho junto aos grandes estancieiros. Três homens de Bom Jardim aventuraram.-se na busca deste tipo de trabalho. Friedich Cremer, um certo Neulinger e Johannes Finger, na época com 15 anos, encontraram trabalho na estância do major Adolfo, dez horas distante de São Gabriel. Era uma estância no velho estilo, várias léguas quadradas, na qual se criavam mais de 20.000 cabeças  de gado, entre vacas, bois, mulas e cerca de 3.000 cavalos. A estância subdividia-se nos assim chamados currais. Fomos colocados no curral do Pedro. O nosso trabalho consistia, como conta Johann Finger,  em abrir valas e erguer uma comprida taipa de pedra. Nos dez meses que passamos ali nos familiarizamos com a vida e os hábitos dos brasileiros e também um pouco com a língua. Aquela vida representou para nós uma mudança bem agradável. Comparando a comida com a da mata virgem, vivíamos na fartura. Cada três dias uma ou mais reses eram abatidas, havendo assim carne de sobra. Aprendemos a fazer churrasco e com o muito treino tornamo-nos mestres nessa arte.
Chegamos quase a enjoar da carne devido à facilidade de obtê-la, fazendo com que nos deleitássemos também com pratos  à base de ovos, abundantes, pois, no curral criavam-se 200 galinhas, alimentadas não com milho mas com as sobras de carne e miúdos.  O milho era bastante raro e mais rara ainda a farinha. Uma quarta custava um patacão. [4] Registramos aqui como curiosidade que o major Adolfo numa das suas voltas ofereceu uma grande festa. Enquanto eram servidos à vontade assados suculentos e, para provar que a farinha era algo fino, passava uma tigela de café com farinha para oito a vinte convidados. O pão era outra raridade, que poucas vezes nos era oferecido. E que festa quando, por ocasião de festividades, uma fatia de pão era distribuída para meia dúzia de peões. Mostravam-se mais alegres do que os filhos dos colonos sentados ao redor de uma bacia com cuca. O sal não era apenas muito caro como muito difícil de se conseguir. Nós trabalhadores nos (08) valíamos da cinza para temperar os alimentos. Com o andar do tempo a gente se acostumou a tudo. Descobrimos assim que é possível passar muito bem só com carne e, note-se bem, a carne que nos era oferecida era sempre de primeira qualidade, uma raridade que nos vem entre os dentes hoje. Éramos servidos à vontade quatro vezes ao dia. Garantia energia por dentro e por fora. Tanto o estômago como os braços sentiam-se renovados e bem dispostos para o trabalho.
Mas o que aqui deve ser ressaltado de modo especial, é o fato de que a nossa permanência de 10 meses no interior da província, rendeu-nos uma bela soma para levar de volta para a nossa picada. Com 100 mil réis no bolso foi possível adquirir mais para as nossas famílias do que hoje com cinco contos. É o que fizemos. Compramos um cavalo e algumas vacas e o trabalho em casa tomou um ritmo acelerado. Porcos e galinhas podiam ser adquiridos por alguns trocados quando se dispunha de moedas de bronze a serem oferecidas no ato. Assim a maior parte do dinheiro foi gasto em questão de pouco tempo, porém, bem empregado. Podíamos olhar para o futuro com mais ânimo e redobrada esperança.
De maneira semelhante outros procuravam ajuntar pequenas somas, para com elas melhorar a situação da família. E, na medida em que os filhos cresciam os pais contavam com mais ajuda, permitindo o cultivo de mais produtos. Aos poucos abriram-se estradas e a circulação intensificou-se. Vendas foram instaladas, muito modestas no começo, mas com o tempo foram-se tornando mais bem fornecidas. Muitas coisas já podiam ser adquiridas nelas, mesmo que não fossem os tecidos finos e artigos de luxo que hoje oferecem. Não era preciso recorrer a este tipo de produto para cobrir as nossas necessidades diárias de vestuário. As mulheres faziam os fios de algodão e às vezes de linho e os homens teciam os panos rústicos para camisas e vestidos. Para casar hoje, quantos móveis, utensílios e roupas de cama não são exigidos. Naqueles tempos se a noiva tinha um vestido de chita e o rapaz um casaco do mesmo tecido ou, quem sabe, uma camisa de riscado, o enxoval estava completo. Quantos não cruzaram o portal do matrimônio com muito menos. Igualmente os chapéus  não eram artigos de luxo. Usávamos gorros feitos com pele de macaco que serviam perfeitamente na mata virgem, embora não nos atrevêssemos a ir com eles até a cidade junto ao "Passo." [5] Os sapateiros não tinham  motivo  de queixas por excesso de trabalho, pela simples razão de que homens, mulheres, crianças e anciãos, todos andavam descalços. Se por acaso alguém trouxe um par de botas velhas da Europa, junto com os poucos pertences, calçava-as somente nos dias mais festivos e julgava-se uma cabeça mais alto do que nos outros dias, quando se nivelava com os demais "pés no chão." Assim foram mais ou menos as condições comuns a todos os colonos. A vida diária seguia a sua rotina a não ser que alguma carta da família ou um acontecimento alegre ou triste, como nascimentos ou falecimentos, trouxessem alguma alteração. De qualquer forma foi assim que se fixaram indelevelmente na memória das pessoas, os primeiros anos por terem sido os mais trabalhosos e terem mexido mais com as emoções. Finalmente todos chegaram a um nível de vida livre de preocupações, o que significou, sem dúvida, uma grande vantagem em comparação com a velha pátria.




[1] Moeda alemã mais importante dos tempos modernos. Seu nome vem da cidade de Joachimsthal nas montanhas da Boêmia. Seu nome original foi “Joachimsthaler”.
[2] Moeda espanhola valendo 14.672 réis
[3] Oitava parte de um saco de sessenta quilos.
[4] Várias moedas portuguesas, espanholas, brasileiras e sul-americanas.
[5] O “Passo” correspondia ao local onde o rio dos Sinos permitia a travessia com carroças, cavalos e pessoas, à altura da atual praça do imigrante no centro de São Leopoldo.

Deitando Raízes #5

Introdução

Desde a minha juventude fui  amigo entusiasta da História Universal. Como rapaz lia com verdadeira sofreguidão as velhas legendas dos santos com suas xilogravuras e constato que devo boa parte do meu conhecimento histórico a essas leituras precoces. Mais tarde no ginásio foram os livros de história osmeus companheiros prediletos. Movido por uma autêntica ânsia e empolgação pelo saber mergulhava, não por horas, mas por dias e semanas, naqueles textos. Para mim era um prazer enlevar-me e alegrar-me com as grandes figuras do passado, que me cativavam com um secreto encantamento. Respirava, sentia e me maravilhava naquele mundo do passado, ao ponto de um amigo de juventude  observar: "Tu vives no passado, assim como eu vivo no futuro."
Para maior segurança  o presente documento e o “de acordo” foi assinado pelos dois presidentes da igreja Georg Eckert e Johann Mathias Dillenburg, elaborado de comum acordo com a comunidade e assinado por todos os participantes da Picada Bom Jardim e 48 Colônias
O prazer que experimentei com meus estudos históricos é inesquecível. A par do entusiasmo de tudo que é grande e belo senti, desde muito cedo, o pesar pelo transitório de tudo o que é terreno e despertou o meu ser para o eterno. Quando, mais tarde, o caminho da minha vida foi direcionado para o Brasil, o anseio pela pesquisa histórica encontrou pouco alimento. O mundo que se revelava para mim era totalmente diferente, um mundo, por assim dizer, sem um passado perpetuado por monumentos. Enquanto na Europa cada montanha, cada rio, ou cada lago e cada cidade, tem a oferecer uma história de várias centenas de anos, no Brasil, na maioria dos casos, nem as grandes cidades têm a oferecer uma memória histórica. É um mundo novo no sentido mais pleno do termo. Nele tudo é  natureza jovem e intocada. Contudo, mesmo aqui, oferece-se num determinado grau a possibilidade de satisfazer a minha tendência para a história. Sem dúvida é de outra natureza e não tão espetacular e tão pródiga como no velho mundo. Na Alemanha a pesquisa histórica abre, a partir de um presente acanhado e prosaico, as portas para um passado cheio de brilho e poesia. No Brasil, ao contrário, ela nos leva , a partir de uma evolução recente e de um bem estar satisfatório, para o começo na mata virgem, por assim dizer, ao berço da nossa maneira de ser de hoje. Uma reflexão desta natureza  também tem o seu valor e é de grande utilidade, como ficará claro nas páginas seguintes da nossa crônica. Bom Jardim é o cenário das nossas observações. Escolhemos esta localidade, uma vez que nos interessava trabalhar com  um pano de fundo multicolorido, para apresentar a história de vida de um homem que se fez benemérito de toda a colônia alemã, o professor Mathias Schütz. A intenção original foi publicar este pequeno trabalho como obra comemorativa do jubileu de 50 anos do seu magistério, porém, a morte tirou o jubilar do nosso meio, só lhe resta o sentido de guardar viva e perpetuar a sua memória, assim como salvar  do esquecimento as memórias daquele tempo. São cada vez em número menor as testemunhas deste começo de história. Sem serem percebidos baixaram, um a um, à sepultura. Para que isto não aconteça com Bom Jardim, o que seria uma grande perda para o futuro, pedimos aos anciãos veteranos desta  paróquia que nos contassem com detalhes como foram as circunstâncias no passado. Reunimos e ordenamos os resultados e os oferecemos aos nossos compatriotas alemães no Brasil, para o eu entretenimento e ensinamento. Talvez sirva também de estímulo para que se escreva  história de outras picadas e desta maneira formar um retrato global da vida (02) da população alemã no Rio Grande do Sul.
 Como o tempo não permitiu que o livro fosse concluído para o dia 3 d janeiro de 1897, data da comemoração, decidimos que o “bebê” viessea luz  numa série no "Deutsches Volksblatt". Esta decisão tem a vantagem  de que a história da paróquia se torna conhecida por círculos mais amplos e preparar o clima para a data comemorativa. Além disto essa forma de publicação oferece uma excelente ocasião para enriquecer o conteúdo da obra e desta maneira fazer justiça aos acontecimentos  e às pessoas não contempladas em nossa crônica, embora façam jus para tanto. Mais tarde essas folhas poderiam se reunidas na forma de um livro, ampliadas, implementadas com cópias das fotos dos  personagens, elaboradas artisticamente e publicadas no formato de uma "Crônica  de Família."


Primeira parte
O desenvolvimento físico de bom Jardim
Capítulo primeiro
A fundação da colônia
O nosso velho e confiável  informante que, ignorando seus 84 anos, nos acompanhará em nossa jornada, nasceu  no ano de 1915 em Damscheid na Oder Wesel, província do Reno. Contava 10 anos quando seus pais deixaram a aldeia natal e, partindo do porto de Bremen, empreenderam a viagem para além do oceano. Das 14 semanas que durou a viagem nosso informante não se lembra quase nada. Apenas impressões muito genéricas, como o muito povo  no porto e a muita água, ficaram na sua memória. Somente  imagens esparsas de parentes e conhecidos, faziam parte de suas recordações. E, contudo, quantas cenas comoventes  devem ter marcado a despedida e a longa viagem. Que apertos no coração de muitos quando o navio se pôs em movimento, cortando para sempre o caminho do retorno para a terra, onde não poucos deixaram irmão e irmã, pai e  mãe. Quantas vezes não terão chorado em silêncio durante a solitária viagem pelo oceano, chegando a se arrepender da decisão de emigrar para o novo mundo. As famílias devem ter-se reunido especialmente à noite para, no aconchego falar sobre a velha terra natal. Com certeza as crianças menores ouviam com admiração os pais, os jovens tomados pela empolgação da juventude, sonhavam com grandes planos e as moças crescidas olhavam com apreensão para o futuro. Durante as intermináveis horas dos domingos subiam até Deus as melodias dos cânticos da missa alemã, em meio à solidão do oceano. Eram aqueles cantos que haviam cultivado fielmente na igreja com as ondas do mar fazendo o acompanhamento. Bem-aventurados eles que depositavam a confiança no Senhor.  Fiel Ele vigiava sobre os seus enquanto lhes preparava um futuro feliz que, obviamente, deveria ser conquistado com trabalho duro.
No Rio Grande encontraram o navio que trouxera outros compatriotas para o Sul do Brasil. Eram aqueles que partiram do Rio de Janeiro antes de nós, mas foram retidos em Rio Grande. Por ocasião de uma tempestade tinham feito  o juramento de festejar no futuro o afortunado dia da chegada. E o dia foi o de São Miguel que daria o nome à futura paróquia da Picada Baum, ou dos Dois Irmãos e viria a ser o seu patrono. Como se sabe a comemoração motivou um desentendimento quando as autoridades eclesiásticas, as únicas que têm autoridade para decidir sobre feriados, transferiram a festa para o domingo. Paroquianos bem intencionados mas sem conhecimento de assuntos teológicos, deixaram-se levar a manifestações  e ações deploráveis. Ainda hoje há algumas pessoas que se julgam no direito de venerar São Miguel, enquanto se rebelam contra aquele a quem o Senhor entregou as chaves do céu.
No navio viajavam alguns cabeça-dura e, como o capitão também não era dos melhores, a situação desandou em desavenças e por fim em tumulto.
Continuamos a nossa viagem até Porto Alegre, subimos o rio dos Sinos e, finalmente, acampamos no Carioca. Na época não se  percebia nada de São Leopoldo além de uma pequena cabana nos arredores do atual Orpheu, pertencente a um oleiro de nome Stoll. Também Novo Hamburgo jazia no seio da terra e ninguém na época pensava sequer na possibilidade de um trem. A única localidade habitada nas redondezas era a Feitoria Velha, na estrada entre São Leopoldo e Lomba Grande. Nela morava o inspetor Lima, diretor da Colônia. Em sua pessoa concentravam-se todas as atribuições relacionadas com os imigrantes. Competia-lhe dar ou sortear os lotes coloniais. No começo era o responsável pela distribuição de ferramentas e instrumentos de trabalho: serras, machados, enxadas e sementes. Além disto acumulava as funções de delegado de polícia e juiz. Na época todos os procedimentos eram muito rápidos e, sobretudo, baratos. Não havia necessidade de advogados e escrivões. Nem cadeia havia. Em vez da prisão usava-se uma trave de madeira comprida e pesada. Nela os perturbadores da ordem e os arruaceiros eram facilmente levados a se acalmarem. Tratando-se de pequenos delitos só os pés ficavam presos na trave. Quando maiores o pescoço do malfeitor era forçado a suportar uma gravata dura. Junto ao inspetor um policial ajudante cheio de pose exercia sua função. Seu nome era Loeb, um homem de estatura pequena. Mais tarde foi agraciado com a colônia que hoje pertence a Jakob Schneck. Não era um tirano, mas em tudo sabia o que era ordem e não brincava em serviço.
Aqui ficamos acampados esperamos ansiosamente pelo dia em que nos fosse indicada a nova querência. Finalmente chegou o dia esperado. Atravessamos o rio no Passo junto à futura São Leopoldo e, a pé, pelo campo fomos levados  até o pé do morro do Lehm. Lá situavam-se as 26 colônias cobertas de mata fechada que nos foram destinadas.
O campo de hoje já existia e estendia-se até o Portão, com uma diferença. O capim aveia cobria-o até perder de vista e nele pastavam numerosas manadas de gado, vacas, bois e cavalos. E que animais! Visivelmente gordos, robustos e belos, como hoje só aqui e acolá se encontram. O gado pertencia a duas estâncias imperiais. Uma delas situava-se no arroio Wainz (onde hoje mora Jakob Kroeff) e a outra no local onde mora  Lourenço Torres. Algumas famílias já se haviam fixado aí. Eram Mecklenburguenses, entre os quais um certo Berghan,  que mais tarde deu o nome a toda a picada. Além deles havia ainda um certo Weinmann e um outro de nome Pettzinger. Sob muitos aspectos os Mecklenburguenses  encontravam-se em melhor situação do que nós. Tinham recebido do governo panelas e espingardas  e cada família duas vacas e um touro além de dois cavalos e um garanhão. Dessas benesses não usufruímos mais. A liberalidade do governo caíra por alguns pontos e, por isso, nos restou seguir o princípio: "Cada qual cuide  de si!" Armamos provisoriamente o nossos acampamento na beira do campo, ao pé do morro do Lekur .
Na época não havia nem vestígio  dos móveis caros de hoje. No assoalho, que consistia em terra socada,  cepos fixados no chão e sobre eles a mesa. Em vez da cozinha havia perto da casa apenas uma cova no chão com o fogo e algumas forquilhas de madeira, sobre elas uma vara transversal e nela penduradas as panelas. Na época dispensavam-se os armários de cozinha, pois não havia louça para guardar.
Os demais utensílios domésticos somavam apenas alguns  trazidos da terra natal, cujo valor consistia mais nas recordações que evocavam do que no seu valor material. Tudo que havia de livros na casa resumia-se  em algum livro de reza, na maioria dos casos rasgado e faltando folhas. Abrindo-se esses livros podia-se ler neles a comovente  despedida de um amigo querido ou de um zeloso pároco que oferecia este anjo da guarda como o melhor dos acompanhantes  para a viagem. Observemos agora como a família se reunia de manhã cedo em volta da mesa, para a oração da manhã e o desjejum. Não havia tigelas nem chaleira para o café e o leite, que hoje nos acenam convidativos sobre a mesa da colônia. Menos ainda se podia esperar  manteiga e doce, nem pão perfumado e crocante, que mesmo dentes envelhecidos estavam em condições de moer com facilidade. No lugar das maravilhas de hoje o hóspede se deparava com a panela com o mingau de abóbora e farinha grossa de milho, durante muito tempo os inseparáveis companheiros de mesa. Mesmo que a refeição não tivesse uma aparência tão apetitosa, avançava-se com não menos entusiasmo e todos exibiam boas energias como o exigiam as tarefas do dia. Depois do quebra-jejum esperava a jornada diária, em grandes linhas semelhante a de hoje, mas distinta pelo fato de os conhecimentos precários de como executá-la, a tornarem infinitamente mais  penosa. O braço do colono substituía a força do boi e do cavalo, que só mais tarde, e em melhores condições, vieram em seu auxílio.
Vamos dar uma olhada para o acampamento. As famílias viviam na santa paz, cada qual numa pequena cabana. Percebiam-se poucos utensílios de cozinha perto do fogo em frente à cabana. Levávamos uma vida semelhante aos ciganos, o que podia ser constatado de modo especial nas crianças. Haviam-se livrado de todas as peças de roupa de alguma maneira dispensáveis e se desenvolviam maravilhosamente no clima quente. Só aos domingos notava-se alguma movimentação em nosso acampamento, na medida em que nos sábados à noite os homens voltavam do trabalho. Nos domingos marchávamos numa longa procissão até o Portão, a fim de buscar laranjas para toda a semana. Na segunda feira cada qual providenciava por mantimentos para a semana consistindo, na maioria dos casos, em abóboras compradas na Estância. E depois para onde? Obviamente para a colônia que fora  destinada para cada um. Uns eram obrigados a percorrer uma distância menor, outros maior. E que estradas! Estreitas demais para permitirem a passagem de carroças. Não passavam de trilhas no mato subindo a encosta íngreme do Lehmberg, partindo da casa do Bauermann. Antes de nós colonos somente a comissão de demarcação havia avançado até o fundo da picada. Chegado à sua colônia na segunda feira cada qual iniciava o trabalho com novo ardor. Antes de mais nada importava providenciar pela moradia  da família. Não passava de uma espécie de "blockhaus", já que naquelas circunstâncias nem se pensava em tábuas. Enfrentavam-se os gigantes da floresta com fogo, machado e serra. Sem tardar alguns estavam no chão e não demorava e aprontava-se, da melhor forma possível, uma espécie de tabuinha. Levantava-se o "blockhaus" trançando taquarinhas do mato, leques de coqueiro e pendões de milho, fixados nos caibros. As instalações internas eram evidentemente muito pobres. À sua vista as lágrimas rolavam pelas faces de não poucos colonos. A maioria, com certeza, teria voltado com muito gosto para casa. Mas, com a absoluta falta de dinheiro, como pensar na possibilidade de voltar. O jeito foi transformar a necessidade em virtude e pouco a pouco se acostumar-se com a nova situação. Pronta a casa buscava-se a família no acampamento e acmodá-la na nova moradia. Enfim no abrigo de uma moradia própria a sensação de intimidade e aconchego ia tomando conta das pessoas. Evidentemente as circunstâncias externas ainda não chegavam a inspirar segurança. De quando em vez os animais do mato aproximavam-se das cabanas. Em momentos de distração os tigres espiavam para dentro e, às vezes, carregavam também uma criança. Pelas frestas da parede e do assoalho da largura de um dedo, penetravam os insetos, aranhas e outros bichinhos, obrigando a uma guerra sem trégua. Ao mesmo tempo em que a casa era construída cultivava-se um pedaço de terra. As plantas medravam magnificamente. No início cultivava-se feijão de cor, aipim e as indefectíveis abóboras. Desde cedo cuidou-se da plantação de laranjeiras. Embora a vida fosse  amarga e trabalhosa, pelo menos não se passava fome. Havia alimentos em abundância embora sua aparência deixasse a desejar. Raras vezes enxergava-se carne ou pão. As abóboras forneciam o ingrediente principal das refeições. Eram servidas na forma de mingau na mesa de manhã e reapareciam da mesma forma no almoço e na janta.
Só com grande esforço conseguia-se farinha no Portão. O milho, pelo contrário, era fácil de obter. Com muito trabalho era esmiuçado num moinho manual, reduzido a uma espécie de farinha grossa e fervido. Com sal, que muitas vezes faltava, o gosto não era nada ruim. Felizmente ninguém de nós era exigente. Alimentávamos a convicção de que, apesar de tudo, com o andar do tempo, chegaríamos a alguma coisa. Ao menos não éramos obrigados a trabalhar em primeiro lugar para os outros. Tínhamos boas razões para cultivar a esperança de que o suor não corria em vão e os frutos que colheríamos seriam nossos. Uma outra circunstância que aos poucos nos reconciliaria com o Brasil foi o relativo clima de segurança em que vivíamos. Tínhamos escutado muitas histórias assustadoras sobre bugres selvagens; como assaltavam e saqueavam casas; como assassinavam os homens e como arrastavam as mulheres e crianças para o mato. Graças a Deus fomos poupados de todos esses perigos. Em nossa picada nem nos primeiros tempos registraram-se  encontros com esses bandos de selvagens, excetuando um único ataque. Em duas ocasiões  foram encontrados por acaso no  mato locais de fogo recente e lugares de acampamento dos bugres,  mas não chegamos a ver nenhum deles. Foi pelo menos assim que o velho Mathias Jung da Picada Café nos contou. No Rosental (na estrada de São José até o Jakobstal) de fato foram registrados ataques, assim como em Dois Irmãos, quando um certo Altenhofen foi morto. Parece que os selvagens evitavam os imigrantes e no começo estes não manifestavam muita curiosidade em seguir as pegadas dos nativos no mato. Curiosidade não deixa de ser algo bonito. Acontece que é preciso dispor de meios e de tempo pra satisfazê-la. Antes de mais nada  a busca da verdade precisa estar livre de perigos. Os colonos se contentavam em enxergar nos índios homens iguais a eles e criaturas de Deus que, por obra do destino, haviam baixado até aquele nível cultural. Não era de grande interesse dos colonos saber o caminho que os trouxe até esta parte do mundo e a que família humana pertenciam. Os entendidos que brigassem a respeito e que cada qual defendesse da melhor forma possível o seu ponto de vista. Para esses pioneiros na mata virgem, batalhando para satisfazer  as necessidades da vida, o fato de alguns os considerarem como originários da raça  malaia, outros como descendentes dos Fenícios, outros ainda como fruto de uma mistura entre os nativos da terra e de tribos imigradas do oeste, não passava de uma preocupação de segunda ordem. Para eles importava levar uma existência pacífica, protegida dos assaltos dos selvagens. Por essa razão os colonos costumavam construir suas moradias próximas umas das outras, em vez de dispersá-las  pelo mato, para, na eventualidade de um ataque, estarem em condições de se ajudarem mutuamente, com maior  presteza e maior possibilidade de êxito.