Sobre Identidade Étnica e Comunidade Nacional – I - Franz Metzler

Identidade étnica – Comunidade nacional

O que se entende por identidade étnica? O que se entende por comunidade nacional? Significam a mesma coisa?

A comunidade nacional é formada por todos aqueles que vivem como cidadãos no mesmo Estado. A comunidade nacional pode ser formada por mais grupos, cada qual fazendo parte de uma outra identidade étnica. Comunidade nacional implica  num conceito jurídico-político. Identidade étnica implica num conceito étnico-racial. Os membros de uma comunidade nacional estão ligados entre si pelas leis do estado e pelos direitos dos cidadãos. Os integrantes de uma identidade étnica estão comprometidos entre si pelas leis do sangue, peãs peculiaridades da língua e da raça. Delas emerge a comunidade cultural da raça.

Convém chamar a atenção que o uso pouco freqüente no dia a dia do termo “comunidade nacional”, escolhido no presente texto com a finalidade de uma maior clareza, coincide, no linguajar dos alemães, com o conceito de povo. Assim por ex., um livro ou um jornal alemão escreve: “Com alegria o povo alemão toma conhecimento”, ou “a maioria do povo alemão o aprova”, entende-se comunidade nacional de acordo com a nossa maneira de falar, isto é, a totalidade das pessoas que vivem dentro das fronteiras do Estado Alemão (da Alemanha), ligadas entre si pelas leis do Estado Alemão. (outros povos da Europa em vez de povo, empregam o termo nação).

Um exemplo para ilustrar a diferença entre identidade étnica e comunidade nacional: na Suíça vivem representantes da identidade étnica alemã, italiana e francesa. Neste plano eles se distinguem entre si pela língua, pelos costumes e em muitos aspectos pela sua maneira de ser e de acordo com a qual moldaram a sua cultura. Paralelamente e em conjunto formara  a comunidade nacional suíça (o povo suíço).

Existe uma identidade étnica alemã? – Existe uma comunidade nacional alemã? – Existem as correspondentes brasileiras?

Existe uma comunidade nacional alemã que reúne o povo alemão política e territorialmente no Estado de direito do grande “Reich” alemão. Em volta da Alemanha localiza-se, como fonte de irradiação, um círculo mais amplo de grupos com identidade étnica alemã. Este círculo estende-se para muito alem dos paises  limítrofes até o mundo distante. Uma grande parcela do povo alemão, movida pela vontade de migrar, ou coagida a fezê-lo durante séculos, partiu à procura de novas oportunidades de vida e de novas pátrias.

Este sangue alemão separado do chão da Alemanha encontra-se, na sua maior parte, espalhado ao redor do mundo. Para o seu próprio bem e de seus descendentes, integrou-se em outras comunidades nacionais e em outras federações de estados. Colocou suas energias e potencialidades a serviço das novas pátrias. Na sua imensa maioria esforçou-se por conservar as formas de vida e as energias próprias da raça de origem. Em qualquer parte do mundo onde se trabalha e se festeja no estilo alemão, onde se fala e se canta, onde se pratica a ginástica e se dança, onde reina a ordem e a seriedade alemãs, aí mora e vive a identidade étnica alemã.

Em relação à correspondente brasileira de comunidade nacional a resposta é: a comunidade nacional brasileira é formada pela totalidade dos cidadãos brasileiros residentes dentro das fronteiras do Brasil, exatamente como na Alemanha. Aqui como lá significa a comunidade jurídica dos cidadãos. Conclui-se que no sentido jurídico as duas se equivalem.

Desta forma é fácil perceber que as duas comunidades nacionais, que encontram seu paralelismo no plano político, exibem diferenças como realidades históricas. A comunidade nacional alemã apresenta um grau acentuado de unidade de sangue, apesar das diferenças de troncos humanos que a compõem. Especificamente nas regiões em que ocorreram miscigenações dignas de nota, um espaço relativamente longo de tempo, preparou o caminho para a homogeneização. A comunidade nacional brasileira, ao contrario, muito mais jovem, engloba componentes étnicos muito mais diversificados. A Alemanha foi um pais de emigração e, durante séculos, grandes massas do seu povo para o vasto mundo.. O Brasil foi um pais de imigração e traiu, como outros países de imigração, elementos migratórios diversos, vindos do mundo todo, na condição de força de trabalho, para ocupar seus imensos espaços e promover o progresso. Sua comunidade nacional cresceu desta forma sob o aspecto numérico e também em diversidade racial.

Apesa dessa diversidade em duração, gênese e uniformização do sangue, como já mencionamos acima, a comunidade nacional brasileira como uma realidade política dada, corresponde evidentemente em todo à comunidade nacional alemã.

A pergunta pelo correspondente brasileiro a identidade étnica, por sua vez, não é tão fácil. O pertencimento a uma comunidade nacional, não passa, em última análise, de uma questão externa e formal. É passível de criação e de  ampliação por meio de leis. O pertencimento à identidade étnica, porém, radica na própria natureza do homem. Sua ascendência, seu sangue, insere-o, ou mais ainda, força a sua inserção na identidade étnica. As ramificações das raízes que o vincula com sua identidade racial, alastram-se para alem do sangue que circula em suas veias. Recuam até os sentimentos, a inteligência, a vida e os sofrimentos, as vitórias e as derrotas, as virtudes e fraquezas dos antepassados. Seria impossível mata-las de um golpe ou rejeita-las.

Já que a comunidade nacional alemã moldada a partir de uma relativa unidade de sangue, a unidade étnica alemã, a comunidade cultural alemã, apresenta também uma unidade e um definição relativamente grandes. Esta constatação vale para a identidade étnica dentro e fora do Pais. Cada um dos imigrantes carregou consigo uma parcela da vida cultural já consolidada e acabada. Cultivaram-na conscientemente e a preservaram no seu essencial assim como a trouxeram do pais de origem.

Pergunta-se: é possível verificar também neste particular um paralelo, um correspondente brasileiro?

A essência da identidade étnica brota de grandes profundezas: do lento fazer-se da sua composição, da paisagem, do clima, da querência natal, do decurso de sua história, do seu destino.

Feitas essas constatações quero, antes de mais nada, contrapor um outra pergunta: Existe uma identidade étnica brasileira que corresponda à alemã com seus traços e sua fisionomia definida? A resposta é não. Não existe identidade étnica nesses termos. Os obstáculos à formação de uma identidade étnica nesses termos são: 1. A juventude do povo brasileiro como tal: 2 A grande diversidade  das paisagens e dos climas encontráveis nos gigantescos territórios nacionais; 3 As grandes diferenças entre a população que habita esparsamente esses territórios. Conclui-se  sem mais que essas  circunstâncias obstaculizam em alto grau a gênese um todo cultural, tanto no plano do espírito quanto da vida em geral. Outros paises grandes de imigração em fase de povoamento, ostentam as mesmas evidências na sua evolução.

Com o andar do tempo contudo, esses obstáculos perdem mais e mais a sua eficácia. De outra parte  fazem-se presentes fatores e forças  que há muito tempo atuam na moldagem da identidade étnica brasileira. Entre outros povos mais antigos a identidade étnica acha-se configurada e definida em alto grau. A identidade étnica  brasileira encontra-se num estágio jovem de formação, exibindo traços jovens característicos da dinâmica da sua gênese. A identidade étnica pode ser  comparada ao grande oceano cujas águas tornaram-se  tranqüilas  e transparentes. A brasileira assemelha-se a uma vigorosa torrente de águas turbulentas, tumultuadas, faltando uma boa distância a percorrer até o ponto em que começam a fluir com mais tranqüilidade, tornar-se mais cristalinas e transparentes. Mas a identidade étnica brasileira está acontecendo. Há vida a atividade, há crescimento e as coisas estão acontecendo. Também nós que vivemos hoje nos encontramos envolvidos por essa torrente de acontecimentos.

Até agora foram muitas etnias que construíram o progresso cultural aqui, cada uma à sua maneira. Coube, porém, a uma etnia em especial e que por séculos, em meio a pesadas lutas, realizou, frente a outras correntes, a obra da conquista, da  organização e da consolidação. Os homens que realizaram essa tarefa e combateram nessas batalhas, trouxeram obviamente para a nova terra a sua língua, as suas concepções de vida, seus costumes, suas canções, sua cultura econômica e social e todos os demais traços existenciais peculiares da sua etnia.O rebento do estilo de vida lusitano, da cultura lusitana, plantado sob os céus dos trópicos, no solo de um país distante, sem demora deitou raízes e adaptou-se  às novas terras, novos climas, novos horizontes, novas vivencias e assim desencadeou o começo da história da identidade étnica brasileira.

N decorrer do tempo somaram-se muitos imigrantes de outras etnias, levando em sua bagagem outras formas de ser, não poucas vezes assentados em regiões muito distantes. Representaram como representam ainda hoje um obstáculo na concretização de uma identidade étnica integrada. Além das fronteiras comuns, uma outra unidade de interesse se fez presente: a língua como pressuposto principal para o pertencimento a uma comunidade étnica. Em termos práticos este elo de união é, no Brasil de hoje, um fato relativo. Contudo já está presente na língua oficial do Estado e das relações jurídicas e, gradativamente, vai unindo sempre mais as pessoas sob sua influência, como geradora de uma comunidade cultural.

E não é apenas por sua importância oficial mas também por seu significado pratico que a língua tornou-se há muito  elemento essencial da identidade étnica brasileira em formação. Hoje muitos brasileiros costumam acentuar  com ênfase  que a língua do Pais é a “brasileira” e não  “portuguesa”. Ela se desenvolveu na Lusitânia irradiando-se para o Brasil revestida das peculiaridades da terra. A língua é algo de maravilhoso! Ela brota do coração dos homens e cresce em meio à luz e às sombras da querência natal. Ela nasce em meio do farfalhar  da floresta e das rochas das montanhas, sobre as quais o homem ergue a sua choupana. No seu peregrinar, porém, lança novos rebentos. A língua materna acompanha o migrante para alem do oceano, narra com sons familiares as histórias carregadas de amor. Da mesma forma acompanha-o no dia a dia de suas labutas, alarga horizontes, estende braços e o enriquece tanto com os tesouros, quanto com os perigos, que oferecem as plantas, os animais, as intempéries e a paisagem da nova pátria. Inovadora hábil que é, encontra  novas palavras e novas formas na medida em que os novos espaços, as novas vivencias e percepções a estimulam e a condicionam. Descobre novas imagens, novas histórias, novas brincadeiras, as quais se vê obrigada a revestir com a roupagem que o novo ambiente lhe oferece na singularidade de seus elementos e as cores, de uma forma tão espontânea quanto natural.

Foi desta forma que pouco a pouco se fez a língua brasileira. Os imigrantes de outras etnias foram influenciados de alguma maneira e de forma gradativa, no decorrer  do tempo, por esse laço que é o mais vigoroso da identidade étnica. Quanto mais tempo tanto mais profunda foi a influência e de uma maneira especial onde a vida quotidiana os colocou em contato com a comunidade luso-brasileira. Encontraram as formas lingüísticas  adequadas para s muitas novidades que a natureza , o Estado, a economia e a sociedade lhes oferecia. Eles próprios ou a geração seguinte assimilou essas formas e consequentemente estabeleceu  a primeira e a mais importante ponte com a comunidade cultural brasileira, com a identidade étnica brasileira.

A língua é uma realidade maravilhosa. Significa infinitamente mais do que um simples código de comunicação por sons. Aquele que na sua vida quotidiana passa aos poucos a servir-se exclusivamente de uma outra língua, transforma-se também ele próprio num outro. Quanto mais alguém se apropria  da língua de outro povo e faz dela o veículo da manifestação da sua vida interna, tanto mais assimila a natureza daquele povo e se insere na sua comunidade cultural. A inexorabilidade de tal influência é tão grande que permite afirmar: o principal critério para avaliar até que ponto avançou o fazer-se da comunidade cultural brasileira, é a medida em que os cidadãos  brasileiros dão preferência ao uso da língua brasileira como língua de comunicação diária. Hoje essa realidade alcançou um patamar relativamente elevado. Essa força que esculpi  e molda a comunidade cultural, age dia por dia e o seu efeito é o do esmeril que lapida lentamente as arestas de um cristal, até adquirir as formas  que permitem que os raios de luz produzam efeitos  harmoniosos.

Vigora a compreensão que os imigrantes de diversas procedências  são, em última análise, todos imigrantes. Uns chegaram mais cedo outros mais tarde, todos com a convicção que, no contexto da nova terra, o valor de cada um particular, depende da sua capacidade de trabalho. E para responder a questão aqui posta, é de significativa importância a constatação que aqui não se verificaram certos preconceitos que criaram obstáculos aos paises de imigração, durante o processo de formação da sua comunidade cultural. As diferentes etnias deste grande pais movimentaram-se e movimentam-se ainda, mais rapidamente aqui e menos rapidamente acolá, mas todas de acordo com a sua natureza, na direção em que fluem as águas do grande caudal, comparação de que me servi mais acima para simbolizar  a dinâmica etno-histórica, em busca da comunidade cultural brasileira, em busca da identidade étnica brasileira.

Pergunta-se: é possível que alguém faça parte da identidade étnica alemã e respectivamente da comunidade nacional alemã e ao mesmo tempo e da mesma forma às correspondentes brasileiras?

A possibilidade de um pertencimento simultâneo à comunidade nacional alemã e brasileira é comprovada por muitos exemplos concretos. A questão é por sua natureza um assunto jurídico-constitucional e por isso mesmo passível de regulamentação, de acordo com as circunstâncias do tempo. Em tempos normais o significado  prático dessa situação dupla costuma ficar mais ou menos latente. É possível, porém, que, em situações e em tempos determinados, essa duplicidade se faça notar com muita força. O duplo pertencimento pode até resultar vantajoso e cômodo sob este ou aquele ponto de vista, tanto para a pessoas quanto para as sociedades. Em última análise é anti-natural e sua regulamentação completa precisa entre os estados é impossível. Em todo o caso ficará na dependência dos ventos e dos humores políticos. Uma guerra entre os respectivos  paises, por ex., anula de fato e imediatamente essa situação dupla. N

Na mesma medida em que comunidade nacional e identidade étnica  se distinguem entre si, assim também a pergunta pela inserção simultânea em duas identidades étnicas diferentes assume feições diferentes. Os alemães imigrados no Brasil preservaram e preservam ainda a maneira de ser da sua terra de origem, pela simples razão de que o abandono de uma hora para a outra desse patrimônio existencial e profundamente enraizado é impossível, em se tratando de pessoas normais. Essa situação perdura até hoje em regiões colonizadas por grupos fechados de alemães. Acontece que os alemães se aperceberam, sem demora que, em meio a outras, formavam apenas mais uma das vertentes. O grande  e agitado caudal envolveu-os e os mantém sob sua influência. Tomara a tomar consciência das diversidades e avaliá-las , ao mesmo tempo em que valorizavam e cultivavam a própria maneira de ser. Faz parte do direito natural que assiste a todos os seres. As plantas o praticam a nível bio-mecânico e os animais a nível instintivo. O alemão, como qualquer outro perde, junto com a sua identidade étnica específica, muito da sua personalidade, de seu estilo de vida e de sua energia realizadora. É este particular que  se encontra a causa da tragédia que acompanha silenciosamente a todos os imigrantes e a todas as correntes migratórias. O que foi feito dos visigodos e ostrogodos, dos vândalos e dos longobardos? Desmantelaram um império mundial e contudo soçobraram nas profundezas da identidade étnica estranha e nos turbilhões  em que se gestaram novas identidades étnicas. Ainda hoje, todo e qualquer emigrante carrega consigo na bagagem  esta sina trágica, também o emigrante que vem para o Brasil. Todos são forçados para dentro desta trágica contradição. Nem de longe todos se apercebem do fato, mas todos o vivenciam, o sofrem como se fosse um destino. Carregam consigo o sangue da querência natal mas deixam para trás o seu chão. Esforçam-se para, consciente ou instintivamente permanecer fieis ao sangue, mas não o conseguem com as sucessivas gerações nascidas em outra terra. A longo prazo num outro chão, plantas e animais  modificam a sua natureza. Também esta é uma lei da natureza frente à qual a vontade mais autêntica é importante. A história da humanidade nos ensina que, via de regra, as relações ativas com a aterra de origem, ou imigrações  significativas e contínuas, são capazes de postergar o processo (colônias gregas na Ásia e no sul da Itália), mas jamais sustar o se constante avanço.

Basta um olhar para a realidade da colônia, o segmento mais significativo dos teuto-brasileiros do nosso meio. Aí a identidade étnica vive e atua. Mas as outras identidades étnicas deixaram, aqui e acolá, marcas de diversas formas, favorecidas por tais ou quais circunstâncias. As outras identidades étnicas misturam-se em toda a parte na vida dos colonos de sangue alemão e deitam raízes em seu meio. A comunidade  cultural dos colonos encontra a sua maneira de expressar-se, ora na forma ou conforme os costumes alemães, ora  dos brasileiros. Serve-se ou da língua alemã, ou da brasileira, ou faz das duas uma mistura. A linha mestra da convivência das identidades étnicas é a mesma nas vilas e nas cidades.

É desta forma que nós teuto-brasileiros vivemos em meio a uma mescla de culturas, sem que a grande maioria de nós se dê conta do fato. Essa mistura  apresenta-se de forma muito diversa conforme as circunstâncias em que ela ocorre nas diferentes regiões e na diversidade das personalidades. Influenciam o lugar de moradia, a vizinhança, as relações familiares, as características pessoais, a profissão e os objetivos. O certo é que todo o teuto-brasileiro a que se pode aplicar essa denominação, carrega de alguma forma em si, ao mesmo tempo, nas diversas situações, a identidade étnica alemã e brasileira.

Ao luso-brasileiro instruído e ao alemão recém imigrado, que olham de fora, esse dualismo pode facilmente parecer negativo, comparando-o com sua própria cultura e seu estilo de vida pessoa. Entende-se  obviamente. Mas dinâmica inexorável da história não se preocupa com questões de estética ou de estilo. Uma vez consumado o core entre o “sangue e o chão”, sempre será uma ruptura com pesadas conseqüências. Rompe com muitas coisas  e resulta, no julgamento dos representantes de uma etnicidade  una, harmoniosa, coesa, em torno de uma identidade étnica e de uma pátria, numa clivagem para com aqueles perante os quais o teuto-brasileiro é forçado a aceitar o outro, no momento em que suas manifestações culturais não e tem mais vez,  no contexto  de uma etnicidade una, harmoniosamente coesa em torno de identidade étnica e de uma pátria. Ele pode conceber a duplicidade de uma situação como tarefa exeqüível sob certas condições. Uma tarefa que brotou da história da sua vida ou da história dos seus antepassados, como conseqüência ou como herança. Ele é de todo compreensível e inteligível no contexto de uma vida honrada e rica. Mesmo que a sua posição, não raro, ofereça, de um lado maior vulnerabilidade, do outro, põem, maior percepção e o julgamento livre para duas dimensões e amplia a perspectiva em relação ao homem e as coisas.

A pergunta é se o homem é capaz de pertencer na mesma medida a uma outra  identidade étnica? A logo prazo não. Com o tempo uma das forças terminará sobrepondo-se. Uma situação em que esta pergunta poderá ficar sem resposta, é a mesma em que também a dinâmica da evolução de uma história de vida permanece se resposta. Acontece quando alguém se transfere de uma cultura para a outra, no momento em que cruza a fronteira e transpõe o divisor da sua vida. Um período de passagem dessa natureza em casos isolados, vistos por observador superficial, as relações para cada um dos dois lados aparecem as mesmas. Quem está em condições de avaliá-lo? Quem o fizer provavelmente nunca as perceberá como iguais.

Na verdade o que acontece nos casos de inserção equilibrada em duas identidades étnicas, uma será mais superficial e a outra mais profundamente enraizada na personalidade dos indivíduos. Em quase todas as situações o que decide pela vida em fora são as impressões, as influências e as vivencias da juventude, mais do que as percepções étnicas. A grande maioria dos teuto-brasileiros procede de famílias que inseriram os filhos num mundo onde predominavam ainda a língua e os hábitos alemães, sem tomar em conta a sua herança de sangue. O teuto-brasileiro de que falamos, ostenta por isso o perfil predominante da vida cultural alemã. Essa realidade torna-se visível ainda hoje em muitos casos em que muitos casos em que a língua e a maneira externa de ser, apontam para uma completa absorção por um outra identidade étnica. Nesses casos, porém, as tendências profundamente enraizadas no sangue não miscigenado, fazem constantemente valer seus direitos.

Os caminhos da comunidade nacional brasileira em busca de uma comunidade cultural, em busca da identidade étnica brasileira integrada, perde-se no horizonte para o observador de hoje. O espaço de tempo alonga-se para uma época em que o Pais estiver plenamente ocupado e já não aceitar mais imigrantes. Depois disso será necessário ainda um longo espaço de tempo durante o qual  as águas do lago em repouso clareiam. E, por quanto tempo a identidade étnica alemã tem condições de viver aqui, de fazer-se  valer, até miscigenar-se ?. Dependerá do tempo em que continuarem a existir lares alemães  e a desembarcar imigrantes em nossos portos. A partir do momento em que esses pressupostos não estiverem mais presentes, provavelmente algumas gerações ainda se passarão, até que o último teuto-brasileiro baixar à sepultura. Seu papel estará então cumprido segundo as leis eternas que o Criador colocou na base das suas obras.


Conclusões

O teuto-brasileiro representa um fenômeno de transição histórica. A humanidade resume-se numa história de transições. Nós teuto-brasileiros, com a nossa maneira de ser e pensar, fazemos parte desta história. Somos uma realidade feita história. Há pouco tempo, em Porto Alegre, um eminente alemão do “Reich” afirmou em certa ocasião: “Não conheço teuto-brasileiros; ou o respectivo é alemão ou é brasileiros; teuto-brasileiro é um contra senso”. Temos aqui um exemplo ilustrativo que comprova a suspeita expressa mais acima que, o teuto-brasileiro em algumas situações, tem uma visão mais abrangente sobre os homens e as coisas, de modo especial quando os homens e as coisas se encontram no Brasil.

No uso quotidiano o conceito “teuto-brasileiro” não está bem definido. Aqui requer-se, porém, uma definição bem precisa. Em visa das considerações que seguem, a quem eu definiria “teuto-brasileiro?”. Toda e qualquer pessoa nascida em território brasileiro ou naturalizado que, consciente e declaradamente, pretende no futuro ter este Pais como pátria. O segmento decisivo que representará o teuto-brasileirismo e a que se destina essa  pergunta, enquadra-se nesta definição.

O acento deve cair sobre a segunda metade  do termo “teuto-brasileiro” pois, a nossa vida concreta como cidadãos desenrola-se neste cenário. Nele fundamentam-se os direitos e os deveres para com a pátria, fundamentam-se também as mais profundas vivencias étnicas relacionadas com a pátria e com a querência natal.

Temos credenciais para, de alto e bom som nos chamarmos brasileiros. Quem quereria e quem estaria autorizado a nos negar este titulo? Entre eles incluímos aqueles que, algum dia, sem  mínima preocupação, deixaram partir os nossos antepassados. Incluímos também os que recentemente nos redescobriram. Mas deixemos as coisas como estão porque a nossa ambigüidade procede de uma dinâmica compreensível e lógica. Em primeiro lugar trata-se de uma característica natural de um pais que está sendo colonizado por tantas vertentes étnicas. Em segundo lugar impõe-se uma declaração intencional de adesão à nossa maneira de ser. Se o luso-brasileiro se autodenomina assim, baseado nos mesmos motivos, porque nós iríamos passar em silêncio a nossa condição de teuto-brasileiros? Para nós acresce a essa altura mais uma razão. Sob essa denominação assumimos o compromisso de perpetuar uma traição: “em memória dos nossos antepassados”.

Para aqueles que nos rotulam de “hífen”, de “traços de união”, temos como reposta que escrevemos as duas palavras, uma ao lado da outra, sem o “traço de união”, sem o “hífen”. Temos os mesmos anseios dos nossos antepassados,  isto é, irmanar, íntima e sinceramente,  o amor à pátria  e a fidelidade à nossa maneira de ser alemã. No caso de, apesar disso, continuarem a nos estigmatizar como “traços de união”, que se dêem o trabalho de circular pelos lugares onde se trabalha no Brasil (que, aliás, costumam ser pouco conhecidos por essas pessoas), e tentem avaliar o quanto ser “traço de união” é capaz de realiza quando apoiado em fundamento alemão. Depois de concluírem um balanço sem preconceitos, aceitamos sem problemas que nos rotulem com dois “hífens”, “honoris causa”.

Está na hora de nós teuto brasileiros avaliarmos e mostrarmos em outras um pouco mais cônscios de nós mesmos. Temos sido até agora exageradamente discretos, para afirmarmos as duas dimensões, tanto a alemão como a brasileira. As razões são óbvias. Falta-nos a orientação e a conscientização. Nos casos em que, entre nós, a versatilidade e o potencial do espírito foi desestimulada pela formação e pelas nossas capacidades, evidenciou-se, não raro, um rápido desinteresse da nossa parte. Sofremos de passividade, o que nos prejudica na vida pública e no relacionamento social. A média do nosso nível cultural (esperemos que assim continue ainda por muito tempo), é a do agricultor. Entende-se assim a nossa discrição  e o hábito de ficar na retaguarda. Nos últimos anos, entretanto, presenciamos, pó ex., da parte de alemães recém-chegad0s ao Pais, de forma ostensiva a reivindicação  em nome da filiação a um partido político do “Reich” a condução da germanidade. Tentaram fazer valer  as suas pretensões, ignorando onde possível, as nossas associações culturais e cultivo da germanidade aqui. Neste caso caberia a nós  que temos a nossa base numa comunidade essencialmente rural, contrapor a necessária resistência a essas tentativas (elas obtiveram em muitos lugares um êxito apreciável e profundo), com a resposta concreta: “em memória dos nossos antepassados”.

O teuto-brassileirismo não se posiciona com a suficiente determinação (excetuando as iniciativas não convenientemente valorizadas de algumas pessoas isoladas). Na maioria dos casos  mostra-se muito passivo e muito desinteressado em relação aos assuntos que lhe dizem respeito. Com freqüência a bondade natural e a comodidade representam um obstáculo para assumir o comando de seus interesses. Este fato deveria  servir-nos de lição e fazer com que tomemos, sem tardar, certas conclusões para o futuro.

A germanidade daqui formava antigamente uma grande comunidade de coração aberto e com isso se dava bem. Também o luso-brasileirismo se posicionava e se posiciona ainda hoje  de coração aberto em relação a nós. Foi pequena a consciência de nossas necessidades e s conseqüências daí decorrentes.

Uma coisa é certa. O valor do cultivo da nossa identidade étnica encontra-se na sua espontaneidade. A fidelidade e o empenho que nós, nós que há gerações nos encontramos no Pais, oferecemos, constitui-se, antes de mais nada, numa dádiva livre. Nós teuto-brasileiros de origem espontânea e livremente. Sempre será assim! O que se pode esperar mais de nós? Cultivamos essa maneira de ser como algo óbvio da nossa identidade, da mesma maneira como os elementos de sangue alemão em outros países. Entre nós prevaleceu um estilo de relacionamento ao mesmo tempo civilizado e espontâneo como convém ao estilo do País. Essa comunidde étnica alemã sofre hoje perturbações sérias. Observamos que uma minoria insignificante de alemães do “Reich” tenta impor-se neste meio, com pretensões de serem mestres e lideres a um nível até agora por nós desconhecido. Os alemães orientados por interesses político partidários, façam o que quiserem no âmbito dos seus círculos. Nós teuto-brasileiros rejeitamos com muitas e sólidas  razões, com toda a veemência, a sua liderança em nossas associações culturais. Não somos alem~es que se encontram aqui de passagem. Residimos aque e somos cidadãos deste País. É nestas condições  que cultivamos as nossas características étnicas aqui, neste Pais, livremente, da forma como nós entendemos. Essa conclusão toca de novo no nervo mais sensível da nossa vida cultural teuto-brasileira. Completou-se a clivagem da nossa antiga comunidade. Essa lamentável evolução, profundamente prejudicial ao nossos convívio étnico, está claramente visível e tornou-se objeto de reflexões entre teuto-brasileiros e alemães do “Reich”.

Deste contexto emerge o risco de não poucos de nós, e não os piores, se distanciarem dos círculos em que a nossa identidade étnica é cultivada e na medida em que a questão  se arrasta mais e mais costumam dizer: “Que diabos! O que me importa tudo isso?. De qualquer forma não resultarão vantagens para a germanidade”.

Segue mais uma conseqüência. Em nossas organizações de natureza étnica, nós teuto-brasileiros, na condição de maioria  predominante, teremos cada vez mas representatividade e ocuparemos  a dianteira. Há muitos anos os alemães do “Reich” vêm prestando os melhores serviços às sociedades e muitos deles tornaram-se lideres. Foram homens que se sentiam em casa entre nós. Conheciam a terra, a gente, a nossa maneira de ser e as nossas necessidades. De uma maneira ou de outra sobressaíam pelo seu valor pessoal. Exerciam a sua  influência de uma forma por nós conhecida, sem que a percebêssemos como algo estranho. Nunca nos disseram que nos engajássemos num trabalho conjunto em favor da identidade étnica. Há pouco tempo houve tentativas de “ensinar”, com tais ou quais métodos impositivos, coisas totalmente estranhas entre nós, como dotar em nossa germanidade uma postura afinada com modelos alemães. A iniciativa partiu de pessoas não credenciadas para tanto, nem pela participação na construção da nova Alemanha, nem pelas suas realizações no Brasil. O motivo alegado para exercerem a liderança explicava-se unicamente pela sua filiação a um partido político alemão.

Trata-se de algo absolutamente novo em nossa história teuto-brasileira e para nós teuto-brasileiros totalmente inaceitável. Nesta questão esconde-se uma grande ameaça ao nosso bom e correto relacionamento com os luso-brasileiros. Os nossos interesses políticos para com a comunidade nacional são de qualquer forma determinantes. Lideres abandonam com facilidade o pais que os hospeda no momento em que se torna necessário  ou oportuno e deixam e deixam o resto para nós. A conclusão não deixa dúvidas: teuto-brasileiro trata de assumir melhor a tua causa! Não abre mão  dos alemães do “Reich” que se mostraram confiáveis e procura mais outros, também nas suas fileiras. É preciso que sejam homens engajados no compromisso com a germanidade e não com vida partidária alemã.

Alem disso segue como conseqüência da nossa posição ambivalente que procuremos concretizar uma relação política e econômica,  melhor possível, entre os dois países, representados por cada teuto-brasileiro por força de sua autodenominação. E quanto mais profundas forem as nossas raízes aqui e quanto mais sólida a nossa cidadania, quanto maior for a nossa influência na comunidade nacional brasileira, tanto mais condições teremos para alcançar esse objetivo. Por essa razão explica-se  também o nosso desejo que as importantes organizações para o estrangeiro na Alemanha, mostrem ao ovo alemão, quem e o que somos nós teuto-brasileiros.  Pois em largos círculos do público alemão fomos, por muito tempo, considerados apátridas mais ou menos digno de pena.

Mais uma conclusão pode ser tirada das nossas reflexões. Que da nossa parte façamos que nossos filhos  entendam tudo o que é grande e o que é belo na Alemanha e na sua história, na medida em que isto é possível aqui. De modo especial cabe-nos tomar como modelo, o enorme  valor que deposita na educação política da sua juventude. Exatamente por causa da nossa situação ambivalente e por isso mesmo ela pede renovadas explicações, deveríamos  esclarecer em detalhe à nossa juventude nas escolas, o direito sagrado que assiste a cada Estado e da pátria em reclamar a inteira dedicação dos seus cidadãos. No Brasil aconteceu até aqui a mesma coisa. O termo “totalidade” hoje na moda, pode induzir-nos a dar ênfase um pouco maior para o nosso dever de patriotas.

Mantemo-nos fieis à nossa identidade étnica e ao mesmo tempo colaboramos na construção da nova. Não há outra saída. Na prática isso significa ser mais claro pelas determinações legais do País quer tratam da educação da juventude. É indiscutível que hoje o povo alemão (de modo especial a juventude) vive um novo ideal étnico, o “nórdico”. É um fato mesmo que não seja obrigatório por lei. Essa orientação predominante em largos círculos do povo (especialmente entre a juventude em formação), assume proporções passionais e ao mesmo tempo resulta numa postura de contestação e de rejeição dos valores étnicos básicos da vida cultural alemã do passado,  a tal ponto que originou uma situação peculiar para nós teuto-brasileiros. Pela primeira vez na história defrontamo-nos  com a dúvida sobre a possibilidade de manter o paralelismo havido até agora, entre os objetivos étnicos de lá e de cá, caso se prolonguem os acontecimentos na Alemanha . Assiste à Alemanha o direito de fazer e deixar de fazer o que lhe aprouver no âmbito das suas fronteiras políticas. Nós da nossa parte estamos inteiramente, culturalmente e espiritualmente ligados a ela. Os laços que nos unem são profundos. Os abalos íntimos também nós os sentimos. Acontece que há gerações que fomos jogados nas costas do País do Sul. As leis que regem as características físico-geográficas excluem a nossa participação no culto, nos mitos e no etos que tem como paradigma a identidade étnica “nórdica”. Exclui a participação com aqueles que sabotam o cultivo da dinâmica da história do mundo, da história dos homens e da sua ética que, conforme a nossa visão “sulista”, deveriam ocupar o primeiro lugar na hierarquia de tudo quanto existe num povo, de tudo que existe numa etnia. Falamos de uma hierarquia que o Criador de todas as coisas não permitirá seja subvertida nem pelo “nórdico”. É ao menos o que nós do “sul” suspeitamos. Para as grandes organizações teuto-brasileiras, o fato de terem traçado o seu caminho com precisão e decidido trilhá-lo, constitui-se na prova principal da sua viabilidade e da sua utilidade. Sobressaem aqui as importantes tarefas culturais, especialmente realizadas por algumas organizações sob a chancela da “grande comunidade teuto-brasileira do trabalho 25 de Julho”.

As conclusões finais das quais, em última análise todas as outras têm origem, continua sendo:

O nosso dever de permanecer decididamente no chão da nossa pátria. Esta base sólida nos garante a verdadeira segurança e liberdade de ação. O amor à terra natal deverá crescer em nossas casas como uma árvore em cuja sombra irá medrar o bem estar dos nossos filhos.

Algum dia já não existirá o teuto-brasileiro. Não nos devemos importar com isso. Contamos com muitos parceiros neste destino. Importa realizar que o presente vivo exige de nós. Vivamos o momento presente.E o momento presente nos adverte vigorosa e seriamente: segura o que tens! E pelo menos em silêncio todas as outras raças nos votam o seu reconhecimento, ainda mais quando notam que nos devotamos com determinação e orgulho ao que somos e que podemos continuar a ser em nossos filhos: da cepa alemã.


Reflexões Avulsas: Sobre “Turnen” – Educação Física e Identidade

Os imigrantes alemães ao se estabelecerem no Sul do Brasil, implantaram um paradigma social, cultural, econômico e religioso, até então inédito no País. O Governo Imperial destinou-lhes   grandes áreas de terra cobertas com mata virgem no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A peã pela distribuição dos lotes, as promessas não cumpridas por parte de funcionários destacados pelo governo para supervisionar os assentamentos, a ausência de uma  ajuda governamental efetiva, o total desconhecimento do entorno geográfico, social e  cultural, a natureza hostil, a falta de prática no enfrentamento da mata virgem e na sua transformação em terra arável, fizeram a vida dos pioneiros muito dura nas primeiras décadas. Os imigrantes foram entregues à própria sorte e o sucesso ou o fracasso dependiam exclusivamente deles próprios. Haviam partido da Alemanha com a firme determinação de nunca mais retornar e ao mesmo tempo construir uma nova querência na distante e desconhecida terra chamada Brasil. Entretanto não voltaram as costas  para a tradição cultural alemã. Pelo contrario. Foi exatamente desta fonte que  hauriram as energias e a perseverança para enfrentar todas dificuldades no afã de domar a mata virgem brasileira e legar aos filhos e netos um futuro seguro e despreocupado.

Depois que as primeiras dificuldades haviam sido superadas, os primeiros taliões de mata virgem  transformados em terra arável e a primeira colheita amadurecida, as famílias dos pioneiros reunira-se para lançar os fundamentos de um convívio social. Onde dois alemães se encontram, diz o ditado, aí funda-se uma comunidade, uma associação, uma sociedade ou um clube.

Uma comunidade típica de colonos alemães no Sul do Brasil, está organizada de tal maneira que atenda às preocupações maiores dessa gente. Quer dizer: a preservação do espírito e da pratica religiosa, a formação escolar elementar mínima. A igreja, a  escola, o cemitério, a casa de comercio, o salão comunitário, a ferraria, o moinho, a serraria, a sapataria, etc.,  não podiam faltar em lugar nenhum. Ainda hoje igreja e escola significam nas pequenas e grandes comunidades a condição mínima, para se poder falar em uma comunidade.

Pode-se afirmar que neste sentido os imigrantes alemães não inventaram nada de novo para sobreviverem e prosperarem em meio ao mundo ambiente desconhecido. Também na velha pátria a igreja e a escola constituíam-se nos instrumentos mais importantes para enfrentar a deterioração e degenerescência cultural e religiosa. O ajustamento às circunstâncias peculiares do Sul do Brasil, recorrendo aos mesmos instrumentos pedagógicos, fez com os colonos alemães , católicos e protestantes, fossem todos cristãos praticantes e que entre eles se contassem muito poucos analfabetos.

Uma avaliação semelhante pode ser feita em relação ao esporte, à pratica do “Turnen”, dos exercícios físicos visando a educação do corpo. As décadas de 1850 e 1860 podem ser consideradas como o marco referencial para a consolidação da imigração alemã. No interior floresciam centenas de comunidades, solidamente alicerçadas  sobre suas igrejas, escolas, casas de comércio e artesanatos. Na capital do estado Porto Alegre, e nas florescentes  cidades do interior, comerciantes, artesãos, técnicos, profissionais liberais, professores, religiosas,.....organizaram as comunidades  alemãs urbanas. Também essas comunidades urbanas católicas, protestantes ou liberais, faziam da preservação da identidade uma das preocupações maiores da atividade comunitária. A par da igreja e da escola serviam-se da vida associativa como instrumento permanente para perpetuar a sua maneira de ser alemã, o tempo que fosse possível, mas adaptando-o paulatinamente às circunstâncias peculiares Brasil. E, como um dos meios mais eficientes ao lado do canto, da música, do teatro, etc., multiplicaram-se  por toda a parte instituições destinadas aos exercícios corporais, ao “Turnen”, à ginástica, enfim à educação e ao disciplinamento do corpo.

A 9ntenção do presente texto consiste em avaliar o papel da educação do corpo como instrumento importante na preservação da identidade. Essa questão assume características peculiares em situações históricas determinadas. Por isso mesmo, ao avaliar a importância dos exercícios físicos regulares,  a ginástica, a educação do corpo, ente os imigrantes alemães  e seus descendentes no Sul do Brasil, é forçoso referenciar a análise às condições ambientais, sociais e culturais específicas da região. Os imigrantes alemães que aí se fixaram, formavam um grupo minoritário em meio à população luso-brasileira original, aos imigrantes italianos, aos hispânicos e outros que povoaram a região. Transferiram-se para cá de forma definitiva, sem a intenção, mesmo remota, de algum dia retornarem à terra d origem. Pelas leis do Pais  os filhos e os filhos dos filhos, nasciam como cidadãos brasileiros. O entorno social e cultural, predominantemente luso-brasileiro, soado ao português como língua oficial e a consciência, a cada geração mais nítida, do seu pertencimento à nação brasileira como cidadãos, pós em marcha o processo de inserção dos assim chamados “alemães” no todo da nacionalidade brasileira, não apenas sob o aspecto jurídico como, de modo especial, no plano cultural. Em outras palavras, o “abrasileiramento” no seu sentido  global foi-se impondo progressivamente. Na fase mais característica do processo, entre 1920 e 1940, essa identidade em transição costuma ser definida como “teuto-brasileira” ou “euto-brasileirismo”. Teutos porque continuavam fiéis aos valores , às tradições e, principalmente,  à língua. Brasileiros porque assumiam conscientemente a condição de cidadãos brasileiros com todas as conseqüências inerentes a essa situação legal.

Foi a serviço dessa trajetória de inserção na realidade brasileira que os imigrantes e seus descendentes recorreram  a educação do corpo nas sociedades, nos clubes, nas instituições de ensino, como instrumento com duplo objetivo. De um lado havia o empenho em preservar de alguma forma, a herança cultural transmitida pelos antepassados e, neste contexto, a língua ocupava um lugar privilegiado. De outra parte havia também a consciência nítida que não havia como não encontrar caminhos para uma inserção cada vez mais profunda e mais definitiva na nacionalidade brasileira. Nessa a dinâmica a questão de fundo  resumia-se  em encontrar a via mais normal possível para colocar a serviço da nacionalidade em construção todo o potencial contido na tradição cultural dos imigrantes. Nesse particular os teuto-brasisleiros costumavam pautar a sua ação como cidadãos de acordo com a seguinte  lógica: A pessoa que renega a sua tradição e por isso mesmo a sua identidade, não passa de um mercenário, dum aventureiro, que vende seus préstimos àquele que. lhe oferece o preço mais alto. Como tal jamais será  um cidadão confiável. Portanto a  fidelidade às tradições constitui-se num pressuposto de  cidadania, numa garantia de patriotismo.     Essa lógica  compreensivelmente não foi entendida e, por isso mesmo, não aceita pelo universo luso-brasieliro em geral.    Por um longo período, principalmente durante as quatro primeiras décadas  do século vinte, motivou temores  e suspeitas sobre os reais sentimentos, sobre as verdadeiras intenções e a real posição dos teuto-brasileiros no tocante à cidadania. 

Submetendo a história e a dinâmica do associativismo  entre os teuto-brasileiros   a uma análise um pouco mais profunda, transparece  com mais ou menos evidência o que já foi apontado acima: o cultivo e a preservação dos valores culturais trazidos  como herança, a formação do caráter e  da  personalidade que irão transformá-lo num cidadão existencialmente comprometido como brasileiro. E os fatos não deixam dúvidas sobre o acerto dessa visão histórico-antropológica dos imigrantes e seus descendentes.   

Na obra comemorativa do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul, intitulada “ Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924 (Hundert Jahre DEutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924), são enumeradas 324 associações , mais de 300 no Rio Grande do Sul. Entre elas enumeram-se  sociedades de canto, de teatro, de orquestra, de fotógrafos, para fins múltiplos e até clubes para fumantes. Mas o que mais cai em vista  é a alta porcentagem de associações de canto e numero ainda maior de associações e de clubes que se destinavam de alguma maneira a exercícios corporais e o bem estar do corpo. São 150 num número total de 352. Diversas. Diversas modalidades de esportes podem ser encontradas: andar a cavalo, bolão, tiro ao alvo, etc., Sobressaem de modo especial associações e clubes de ginastas (Turnvereine e Turnklubs) e entre eles o mais importante a Federação dos Ginastas, o “Turenrbund”, a SOGIPA. A publicação comemorativa citada mostra resumida e objetivamente a importância dessas associações e clubes para a maneira de ser alemão ou melhor para a maneira de ser teuto-brasieliro.

Não é possível fazer justiça à Federação dos ginastas no âmbito dos breves dados sobre a vida associativa alemã no Rio Grande do Sul. Seria necessário escrever uma extensa monografia, mesmo que fosse apenas para dar uma noção do que essa Associação realizou para o aprimoramento corpora e moral da juventude teuto-brasileira de Porto Alegre especialmente na condução exemplar do presidente J. Aloys Friederichs. A atuação da Federação de Ginastas é um hino de louvor ao idealismo alemão, à coerência e à persistência na perseguição dos objetivos que se julgam os acertados. Apoiado pelas simpatias e pela sustentação de praticamente  toda a germanidade da capittal, a Federação pode ser considerada a Associação profana mais popular e mais profundamente ancorada em extensas camadas, comprovado pelo elevado número de associados.[1]


A questão da identidade étnica.

Num pais como o Brasil em cuja formação concorreram e  concorrem ainda hoje, representantes  dos grupos étnicos de alguma fora significativos, a questão da etnicidade ou melhor da identidade étnica assume, a certa altura, um papel  de relevância toda especial. Manifesta-se  de modo especial na fase inicial do encontro de diversas etnias num contexto de imigração. Essa situação encontra-se magistralmente resumida e expressa em moedas norte americanas: “ex pluribus unum – “de muitos povos origina-se um”. A expressão poderia  constar sem retoques e com o sentido exatamente idêntico, em moedas brasileiras, pois o afluxo imigratório nos dois paises foi alimentado por uma heterogeneidade étnica muito parecida.

A gênese  das nações oriundas de raízes étnicas múltiplas começa com a predominância do aspecto “pluribus”. Por uma ou duas gerações, dependendo das circunstâncias geográficas somadas ao entorno social e cultural em que o imigrante foi colocado, além das leis que regem cada caso e disciplinam a imigração, observa-se a tendência de os diversos grupos étnicos desenvolverem mecanismos de defesa para sobreviverem  às dificuldades iniciais. Entre esses mecanismos de defesa o agrupamento por etnias, a preservação dos valores culturais e, principalmente, da língua desempenham um papel fundamental. Em princípio esse fenômeno não tem nada a ver com um enquistamento intencional e muito menos com a resistência a uma inserção comprometida na nacionalidade  a que os imigrantes passam a pertencer para o futuro. No momento em que esse tipo de fatos se verificarem, devem ser creditados a causas alheias ao fato em si da imigração. Tomando o exemplo dos  imigrantes  alemães  no Sul do Brasil, a relativa demora e  lentidão  que caracterizou a sua inserção definitiva no todo da nacionalidade   brasileira, ou como se costumava dizer, nos eu “abrasileiramento”, tem a sua explicação  em várias razões peculiares dessa imigração no decurso do século dezenove principalmente. As terras a ela designadas eram formadas por um complexo de matas virgens no centro, no noroeste e norte do Estado do Rio Grande do Sul, enfaixadas no centro sul e no nordeste pelos campos naturais, configurava um eficiente isolamento geográfico. O regime da pequena propriedade familiar, votada para a policultura de subsistência implantado na região, distanciava os imigrantes ainda mais dos luso-brasileiros, donos das vastas estâncias de criação extensiva de gado. Não havia  porque trocar experiências entre os dois modelos agrários e se houvesse não tinham como, pois se tratava de  duas tradições muito diferentes que se valiam de línguas  muito distante entre si. O resultado não podia ser outro. Em linhas gerais os imigrantes  organizaram suas comunidades inspiradas no modelo que haviam deixado nas diversas regiões da Alemanha de onde procediam. Fizeram-nas funcionar de acordo com as tradições e costumes que haviam trazido e fizeram do dialeto de cada grupo em particular a sua língua de comunicação quotidiana. A impotência ou o desinteresse do Estado pela educação, fez com eles próprios se encarregassem do ensino e da educação dos filhos, construindo escolas, contratando professores, determinando conteúdos programáticos, implantando uma filosofia pedagógica própria e zelando pelo aprimoramento e a ampliação da oferta. Alem desses fatores a distancia física das instancias do poder, principalmente o imperial nas primeiras décadas e, a partir de 1889, o republicanos no Rio de Janeiro, fez com que as comunidades de imigrantes no extremo Sul do Pais se consolidassem e multiplicassem como que à margem do Brasil oficial. A não existência de leis específicas  que dispusessem sobre o disciplinamento da inserção do imigrante como, por ex., a obrigação de os nascidos aqui aprenderem o português, reforça a explicação da lentidão do processo.

Pode-se afirmar  sem maior risco de errar que o “Turnerbund”, a Federação dos Ginastas foi o protótipo  da educação, da formação do caráter, da maneira ser teuto-brasileira, no sentido mais amplo do termo. Neste sentido quero destacar o seguinte na Federação dos Ginastas.

Em primeiro lugar impõe-se  o fato de que a ginástica, o “Turnen”,  a educação física, o aprimoramento físico do corpo, por meio  dos mais diversos exercícios, perseguia um objetivo b em mais elevado e mais amplo do que a mera saúde  e  b em estar corporal. Tod essa atividade fundamentava-se  na filosoifa de que um corpo sadio e harmonicamente desenvolvido se constitui no pressuposto para o cultivo do idealismo alemão, da coerência e da persistência na perseguição dos objetivos que se julgam acertados.

Em segundo lugar, a resposta  correta do que se entende como objetivo correto, foi dada por Friedrich Ludwig Jahn, o pai da educação do corpo, do “Turnen” no seu  sentido original. O desenvolvimento harmonioso e a saúde corporal, “mens sana in corpore sano”, serve como instrumento na edificação da nação. Esse objetivo é alcançado por meio de um esforço sistemático, permanente, persistente, na busca  de uma formação completa, de um aprendizado sólido, de um esforço permanente, em não se envolver com gente efeminada e de não se deixar desencaminhar por nenhuma tentação e não entregar-se a diversões nocivas à virtude.

Terceiro.  A formação do corpo ao lado dos demais recursos da educação, é colocada como finalidade maior a serviço da formação ética e moral da pessoa, para desta maneira servir de pressuposto para uma sólida  e harmoniosa edificação da nação. Uma pessoa destituída de moral, de ética não é confiável. Assemelha-se a um legionário estrangeiro que vende seus préstimos de aventureiro para aquele que lhe paga o maior preço.

Quarto. “Turnen”, ginástica, exercícios corporais em todos as suas modalidades, perseguem uma compreensão holística da pessoa, isto é, a disciplina corporal, a postura ética e moral sólida e coerente, devem servir como fundamento inabalável e duradouro para o Estado e a Nação.

Quando se fala em educação do corpo como precondição para a educação holística e harmônica do caráter e do espírito, lembramo-nos imediatamente  da figura de Friedrich Jahn e do seu sistema proposto como instrumento pedagógico a serviço da nação alemã. Entretanto foram elaborados outros sistemas ou filosofias de vida, destinados  a alcançar pobjetivos específicos. Entre outros destacam-se “Meu Sistema” de  J. P. Müller na Europa e  e o “Daly Dozen” de Walter Kamp na América. E para não prolongar-me demais vou ater-me um pouco  mais à proposta do jesuíta norte americano William Lockington. Na apresentação da edição alemã de  sua proposta lê-se:

O sistema  de Lockington exibe o formato inaciano. Clarea nos objetivos, liberdade na escolha dos meios, enquanto é permitido e se trata de meios aceitáveis e persistência no emprego nos meios escolhidos, foi sempre o espírito do herói de Pamplona. É exatamente este o espírito  que perpassa  esse sistema. Mas também é este o espírito que conduz ao sucesso em todos os campos. Fica evidente que, exercícios do corpo de 15 a 20 minutos todos os dias, não podem deixar de penetrar em nossa carne e sangue, não transformam apenas o nosso corpo como também o caráter e não demorará que, sem o percebermos, agiremos também em outras situações conforme os mesmos princípios, que neste particular nos conduziram a um inegável sucesso. Este sistema foi, portanto, concebido pela sua natureza para elevar e temperar as energias do espírito. A relação não permanece apenas no plano externo na medida em que todo e qualquer aprimoramento do corpo implica também no aperfeiçoamento do espírito, mas o direcionamento para a perfeição do espírito é a alma do negocio.[2]

Mais adiante cotinúa.

Aquele que e capaz de executar exercícios com certa facilidade e elegância dá prova irrefutável que se rata de uma personalidade igualmente bem formada e forte. Os  instrumentos são indispensáveis. Requer-se um espírito equilibrado e vontade. Onde há vontade abre-se um caminho. Não é tarefa para autômatos.

Para o verdadeiro homem importa em primeiro lugar o objetivo, só depois a estética.

Diariamente passam para o compo inimigo exatamente jovens talhados para ser magníficos soldados de Cristo. Ao irem em busca  de suas potencialidades naturais são simplesmente levado por uma tendência sadia da natureza. Se lhes oferecemos o que de direito procuram, não serão levados a desertar e a perder-se. No processo de educar a formação do corpo e da alma não podem ser claramente diferenciados. Quem possui o  corpo da juventude terá facilmente a sua alma... Onde reina o verdadeiro espírito impõe-se por si próprio a justa medida.[3]

Na mesma direção vão as considerações de Tonl Sander em sua obra A Educação do Corpo entre a Juventude masculina.

Exercitar o corpo não significa simplesmente a “arte de movimentar o corpo”. Foi nesta concepção  que Jahn já condenou os exercícios livres. Eram-lhe tão pouco conhecidos como também a Guts-Muths. Aqueles que criaram a educação do corpo na Alemanha e lhe formularam os fundamentos, basearam a sua doutrina tendo como pressuposto o cenário natural como primeiro e principal instrumentos de ginástica. Somente a orientação posterior (Spiess), que sistematizou a arte de exercitar o corpo,julgava que o corpo pudesse ser educado por meio de exercícios livres. Como elementos dos exercícios  sem alma  constavam o abrir as pernas, rodear, flexionar, alongar, etc. alienados de todo e qualquer objetivo dotado de sentido. Não passavam de movimentos sem vida e não como exercícios em função de um todo integrado. A orientação de Spiess foi a responsável que, durante meio século, a ginástica, o Rurnen em escolas e sociedades, fosse sufocado por exercícios áridos, sem vida e artificiais.[4]  

Os professores de Educação Física  Bensch e Fox observaram em seu livro: Como fazer Ginástica (Was wollen wir Turnen?)

É preciso refletir  mais uma vês sobre o conceito de “Exercício do Corpo”. O exercício do corpo acompanhado de sua educação e eficiência, significa a educação do homem como um todo, pois corpo e alma formam uma só realidade e um não é capaz de realiza5 algo sem a colaboração do outro.

Por isso temos que afirmar claramente: Tudo aquilo que não visa um formação maior e o que não torna mais vigoroso ou prejudica, não faz parte dos nossos exercícios corporais! Portanto, fora com os espetáculos, ( ... ), com os aparelhos unilaterais! Adotemos uma aprimoramento abrangente do homem, que contempla tudo: movimentar-se, praticar esportes, jogar, banhar-se, nadar, lutar, competir, caminhar. Não queremos tornar  o homem mais forte, mais veloz, mais resistente, mais versátil, mais sadio, mas mais livre, mais nobre, mais belo. Afinal o que lucramos quando esgotamos as potencialidades no exercício do corpo e nem sequer tocamos na alma?[5]

A mesma opinião sobre os exercícios físicos e a educação do corpo, expressou Arhtur Latterner, na sua obra “Exercícios Físicos para Moças e Mulheres alemãs”. (Deutsches Mädchen=und Frauenturnen).

A educação do corpo, o “Turnen” constitui-se numa tarefa a serviço da educação do homem como indivíduo e do povo como um todo. Num breve resumo é possível  expressar o que queremos alcançar com a educação do corpo, com o “Turnen”.

Queremos estimular a resistência e a tenacidade.
No que diz respeito ao corpo:
1. Preservar  a alegria natural que homem experimenta pelo exercício do corpo.
2. Influir positivamente no desenvolvimento do homem, por meio do robustecimento dos órgãos internos mais importantes para a vida (coração e pulmões) – por meio da massa principal do corpo (músculos e ossos) – por meio do disciplinamento dos nervos (capacidade de coordenação).

No que diz respeito à alma: A confiança em si mesmo e a força de vontade, a disposição e a destreza, o discernimento e a tenacidade.

No que diz respeito ao caráter: Favorecer a clareza do espírito e a alegre disposição da alma.

No que diz respeito ao social e nacional: Desenvolver a consciência de grupo e a camaradagem – habituar-se à organização, à subordinação, à pontualidade e à obediência – cultivar e amadurecer o amor à terra natal e à pátria.

Trata-se de uma convicção totalmente equivocada achar que a  educação do corpo, o “Turnen”, visa somente o robustecimento do corpo. O objetivo do “Turnen” vai alem . As características da alma, o cultivo do espírito também fazem parte da educação do corpo. Em outras palavras: com a educação do corpo, com o “Turnen” pretende-se  atingir o homem como um todo, a fim de educa-lo para se tornar um ser humano sadio, capaz, capaz, com disposição e  alegria para viver e desta forma incorporá-lo como membro útil e de valor na sociedade como um todo.[6]

Das opiniões acima mencionadas podem-se tirar as seguintes conclusões.

Primeiro. Os exercícios do corpo (Turnen, ginástica, exercícios...), fazem parte de um amplo conceito que compreende todo e qualquer tipo de exercícios e movimentos do corpo. Tanto faz se  se  trata de exercícios em aparelhos, dum trivial andar pela natureza, duma respiração profunda, da participação num acampamento para escoteiros, de nadar, andar de bicicleta. O importante não é o que se faz, onde acontece, que aparelhos são utilizados ou se encontram disponíveis numa academia. Tudo deve acontecer num clima espontâneo, não em meio a uma rotina neorotizante, no qual os exercícios em si, a estética, a competição, o numero de quilômetros percorridos, a altura e a distância do salto, a resistência ou a velocidade são colocados como objetivo último.

Segundo. Todos os autores mencionados condenam o recurso à educação do corpo e os respectivos exercícios, com ou sem aparelhos, com a finalidade única de adestrar o físico na pessoa humana, ignorado ou até negando as implicações existenciais entre corpo e espírito. Para eles a orientação de Spies, responsável pela exagerada tecnificação, pela supervalorização dos resultados musculares dos exercícios, pela programação matemática dos exercícios, pelo exibicionismo que acompanham não poucas competições, pelo sentido político emprestado a muitas delas, quando métodos  e exercícios levam o corpo aos limites extremos de suas potencialidades físicas pondo em risco a sua própria integridade e, pior ainda, quando se lança mão de artificialismos químicos que forçam os ossos  e músculos a dar resultados não previstos no seu potencial natural. Trata-se de uma concepção oposta aos grandes  teóricos  da ginástica, do “Turnen”, como foram Fiedrich Jahn, Guts Muths, Lockington e muitos outros. Contraria também, para não falar em aberração, da compreensão holística do ser humano, que motiva a prática dos exercícios corporais, o “Turnen”, como instrumento pedagógico a serviço da formação da personalidade, do caráter dos praticantes, em função de objetivos mais maiores e mais nobres.

Terceiro. Os exercícios do corpo, a educação do corpo deve acontecer de acordo com a concepção holística do ser humano, a concepção que o ser humano forma uma realidade existencial una composta pelos dois coprincípios  do corpo e do espírito. Seu corpo, seu caráter, suas manifestações sociais, culturais e religiosas, constituem um “unum” harmônico, conforme o propõe Ludwig von  Bertalanffy na sua obra “Teoria geral dos Sistemas”. De acordo com essa concepção o corpo constitui-se no pressuposto de uma sadia vida do espírito, de um caráter equilibrado, de um relacionamento frutífero com os demais seres humanos e com a natureza em geral e de uma disposição alegre em todas as manifestações da vida. O mesmo já não é possível afirmar de um espírito perturbado, de um ânimo enfermo, de um  convívio social mal sucedido, de uma postura religiosa sombria.

Quarto. A educação do corpo não pode estacionar ao nível dos diversos métodos e exercícios. Em outras palavras. Em nenhuma hipótese é aceitável que o método e os exercícios se transformem na finalidade última da educação do corpo. Devem obrigatoriamente servir  um ideal superior, isto é, a formação do caráter, o desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa a serviço da nação como o propõe Friedrich Jahn, a serviço da identidade étnica, como foi proposto em muitas sociedades no Sul do Brasil e a serviço da formação do caráter como o pede o sistema do jesuíta americano William Lockington.


Bibliografia.

BENSCH, G – FOX v. W. Was sollen wir Turnen?. A. W. Zwickfeld Verlag, Osterwieck, Harz, 1930

BUSCH, P, Z. Eine Anleitung zum Betriebe der Leibesù bungen in Turn=und  Jugendvereinen. Galdbach, Volksvereins=VErlag Gmbh, 1920

LATERNER, ARTHUR. Deutsches Mädchen und Frauenturnen, Wilhelm Limpert=Verlag, Dresen, 1925.

AMSTAD, THEODOR. Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul -1824-1924. Trad. de Arthur Bl. Rambo, Edit. Unisinos, 1999.

LOCKINGTON – KÜBLE. Durch Körperbildung zur Geisteskraft. Verlalgsanstalt  Tyrolia, Innsbruck, Wien, München, 1925

SANDER,TONL. Die Leibeserziehung der Mannesjugend, Verlag: Karl H. Frank, Karlsbad, 1934.



[1] AMSTAD, Theodor. Cem anos de Germanidade no Rio Grande do sul-1824-1924,, Trad. de Arthur Bl. Rambo, Edito. Unisinos, São Leopoldo, 1999, P. ?

[2] LOCKINGTON-KÜBLE. Durch Körperbilddung zur Geisteskraft. Verlagsanstalt Tirolia, Innsbruck, Wien, Munchen, 1925, P. 17-18
[3] LOCKINGYON-KÜBLEe. Op. Cit. . P. 23.
[4] SANDER, TONL. Die Leibeserziehung de Mannesjugend. Verlag Karl H. Frank, Karlsbad, P. 10.
[5] BENSCH, G – FOX, V.W. Was Wollen wir Turnen. A. W. Zwieckfeld Verlag, Osterwieck Harz, 1930, P. 1
[6] BENSCH G. – FOX. Op. Cit. P. 8.