A Associação rio-grandense de agricultores

Sexta Assembleia Geral - Pareci Novo –1906

Nos dias 12 e 13 de maio de 1906, realizou-se em Pareci Novo a sexta assembleia geral da Associação Riograndense de Agricultores. Fizeram-se representar, através de delgados, 45 seções, com número total de 1707 associados. A lista de presenças registrou os seguintes nomes, representando as respectivas seções:

Chr. J. Smidt                                          Rio Pardinho
Mich.. Scholl                                          Travessa Herval
Jakob Schneider                                     Dois Irmãos
Jakob Ruedell                                         Arroio Grande
Joh. Konrad                                            Morro do Vigia
Ernst Zietlow                                           Estrela
Joh. Hart                                                Poço das Antas
E. Grusche                                            Matiel
Pastor Kreuzer                                        Picada 48
Jakob Jungblut                                        Cafundó
Wilhelm Kroetz                                        Teewald
Friedrich Feiten                                       Windhof
Padre Amstad                                         Nova Petrópolis
Karl Kern                                               Santa Cruz
O. Berrgmann                                         Fazenda Pirajá
L. Freymuth                                            Sebastopol
Mat. Fröhlich                                          Tabakstal
Reinhold Willrich                                      Corvo
Johann Gross                                         Lajeado
Michael Forneck                                     Pareci
Peter Meyrer                                          Bom Jardim
Martin Spies                                           Roca Sales
Nikolaus Nedel                                       São Salvador
O. Dorer                                                            Vila Nova superior
Nikolaus Knob                                        Vila Nova inferior
Anton Müller                                           Maratá
Alfred Steglich                                         Nova Petrópolis
                                    

Além dos vinte e sete delegados que se acabam de mencionar, representando 45 seções, participaram da assembleia os integrantes da diretoria central, W. Hansel e Reinhol Kühleis.

O cronista lamentou a ausência das seções das colônias ao centro e ao norte do Estado. O fato se explica em parte pelo adoecimento de vários delegados e pela distância. A representatividade, contudo, estava assegurada, pois, de um total de sessenta seções e dois mil associados, fizeram-se presentes quarenta seções, representando mil setecentos e sete associados.

Na reunião preparatória foram examinadas as credenciais e escolhida a mesa diretora dos trabalhos o Pastor Kreuer ocupou a presidência, o Sr. Peter Meyrer a segunda presidência e os Srs. E. Zietlow, O. Bergmann e L. Freymuth secretariam as sessões.

A assembleia designou duas comissões: uma para examinar o relatório anual e a outra para examinar as propostas.

No domingo de manhã várias propostas foram apreciadas. Em primeiro lugar foi aprovado o relatório da diretoria central. Uma constatação  importante ficou evidente. Em setembro de 1903 as reservas da Associação somavam 740 mil réis e, por ocasião da assembléia em curso, o montante já se elevara a oito contos.

Depois a diretoria relatou as providências  tomada em relação ao problema dos inventários. Um memorando fora elaborado e endereçado ao governo do Estado encaminhado através do Centro Econômico. Até aquele momento, entretanto, não se obtivera resposta.

A diretoria comunicou ainda haver registrado, para fins legais, o logotipo da Associação,  formado pelas letras iniciais do lema da Associação: “Viribus Unitis”, artisticamente entrelaçadas, assim como aparecem na folha de rosto do “Bauernfreund”.

Em quarto lugar, a diretoria prestou contas do que fora realizado em relação à instalação de bibliotecas com literatura orientada para a atividade agrícola. Em muitas associações seccionais, as referidas bibliotecas já haviam sido iniciadas. Complementando o assunto, recomendou-se ao interesse dos presentes uma obra sobre a colonização do campo, de autoria do Dr. Assis Brasil.

Em quinto lugar, o relatório chamou a atenção dos interessados que,  na colônia de Serro Azul, podiam ser encontradas colônias de terra com a mata ainda intacta, mas com casa, embora simples e modesta. Essa providência havia sido tomada para facilitar o começo para quem se quisesse estabelecer na região.

O sexto e o último assunto ocupou-se com  uma série de rumores que se haviam espalhado pela colônia. Sem se conhecer exatamente a sua origem, corriam boatos cada vez mais insistentes que a Associação dos Agricultores estava sendo usada para concretizar um projeto jesuítico-católico. O Pastor Kreuzer interveio para pôr um ponto final à questão. Mostrou como em muitos postos de direção da Associação encontravam-se lideranças evangélicas. Pediu que esse tipo de provocações fosse definitivamente proscrito pois, impedia qualquer tipo de convívio civilizado.

No domingo à tarde, teve lugar a primeira sessão plenária com a presença de várias centenas de associados. O Senhor M. Forneck foi o primeiro a ocupar a tribuna. Pelo que se pode deduzir do relato, ele não foi feliz na classificação enquatro categorias que fez dos colonos: os colonos mais antigos que têm dinheiro; os colonos donos de terras exaustas; os colonos principiantes; a juventude. As idéias expostas causaram uma discussão muito acalorada devido à visão pessimista demonstrada pelo orador em relação ao assunto. 

Como segundo orador da tarde, apresentou-se o Pe. Amstad. Suas intervenções sempre se mostraram em extremo pertinentes e tratavam sempre de algo substantivo. Destacou o fato de que a sociedade colonial dependia inexoravelmente de dois pressupostos que se complementavam: o capital espiritual e o capital material. Numa época de escassez de dinheiro e de crédito, o capital material, como um bem comum, somente é  possível, se ricos e pobres se aliam num propósito comum: reunir um capital material utilizando como meio o sistema Raiffeisen de caixas de poupança. O sistema remunera o capital depositado com 4% de juros ao ano. Dessa maneira, os possuidores de alguma reserva, em vez de a empregarem em investimentos duvidosos, a colocam a serviço do bem comum, auferindo ainda uma boa remuneração. Para os necessitados, as caixas oferecem os recursos depositados, a juros de 5% ao ano. Como se pode ver, juros facilmente suportáveis. O 1% de diferença que a caixa cobra dos que a ela solicitam empréstimos, cobre folgadamente as despesas de administração. A estabilidade que resulta dessa colaboração mútua para a colônia, significa, em última análise, a prática mais autêntica do amor ao próximo. Um capital espiritual, portanto.

O palestrante continuou com seu raciocínio. Está fora de dúvida que, para conseguir-se esse tipo de capital, supõe-se espirito aberto e compreensivo generalizado entre os colonos. Requer-se para tanto um certo nível de motivação espiritual.

O que se entende especificamente por capital espiritual foi o tema da palestra seguinte, proferido pelo professor Siegfried Kniest. Insistiu no fato de que o colono necessitava saber calcular, ler e escrever, para estar em condições de tomar consciência de aceitar as novidades e as informações capazes de melhorar a sua condição. Para que se obtenha esse tipo de resultado, a Associação dos Agricultores tem dee empenhar-se seriamente em promover as escolas em todas as picadas, zelar pelo constante aperfeiçoamento do ensino e garantir a formação de educadores competentes. O melhor e o mais competente educador, entretanto, nada consegue sem uma estreita e diuturna colaboração com a família. Continuou insistindo que a família representa o foco a partir do qual se acumula o capital espiritual pelo exemplo de vida correta, do interesse pela aquisição de novos conhecimentos teóricos e práticos, através da leitura de jornais, revistas e livros e freqüentando encontros, assembléias, palestras, conferências ...

O restante da tarde de domingo foi consumido em considerações sobre o uso da farinha de osso como adubo e como complemento alimentar das aves; sobre variedades de gramas aconselháveis para o gado; sobre raças de gado leiteiro e sua melhoria genética.

Na segunda-feira o Senhor Alfred Steglich foi o primeiro palestrante. Abordou dois pontos muito práticos e do interesse geral: primeiro, como proceder para facilitar, acelerar e baratear os inventários; segundo, como enfrentar a situação criada pela forma injusta  como eram calculados e cobrados os impostos territoriais. 

O Senhor Winge insistiu em seguida na necessidade de os colonos associarem-se em cooperativas de produção. Deu ênfase especial para a fruticultura.

Uma segunda palestra sobre cooperativas fora escrita e enviada à assembleia pelo Senhor Feix. Insistiu num aspecto de capital importância, chamando a atenção para o perigo de pessoas inescrupulosas aproveitarem-se das cooperativas para o seu próprio proveito. Falou da hostilidade da parte dos comerciantes e compradores, prejudicando seriamente as cooperativas. Por fim sugeriu que as cooperativas instalassem uma central de compras e vendas na capital, com a finalidade de atender as cooperativas do interior e, assim, neutralizar a ação do comércio concorrente.

A última palestra da programação ficou a cargo do Professor Rücker. Discorreu sobre a possibilidade de criar-se um seguro mútuo entre os agricultores. Funcionaria mais menos assim: todos contribuiriam com uma soma módica que seria depositada na caixa de poupança. Do capital e dos juros formar-se-ia uma espécie de fundo-seguro ao qual se recorreria por ocasião de calamidades, como pragas de gafanhotos, granizo, incêndios, doenças  e até auxílios em caso de falecimentos. Como se pode ver, tratava-se de uma proposta de natureza cooperativa com finalidades múltiplas de amparo mútuo.

A providência final da assembleia consistiu em eleger a nova diretoria geral que ficou assim constituída: presidente, W. Hansel; segundo presidente, K. Kern; secretários, C. Chr. Smidt e R. Kühleis; tesoureiros, Paul Stahl e José Etges; vogais, J. H. Jochims e N. Göttert; redator Peter Meyrer.


Sétima Assembleia Geral - Estrela  - 1907

A sétima assembléia geral da Associação Riograndense de Agricultores teve lugar em Estrela nos dias 27, 28 e 29 de abril de 1907.

O entusiasmo verificado por ocasião da fundação da Associação manteve-se num crescendo contínuo durante os primeiros anos. Dois instrumentos parecem ter alimentado  o processo: as assembleias gerais anuais e o órgão de comunicação e divulgação, o “Bauernfreund”. As temáticas até aqui analisadas, demonstram, de maneira inequívoca, um espectro de interesses que abarca toda a problemática, todos os interesses e todas as preocupações que envolviam a vida e a atividade colonial. Com conhecimento de causa, com amplitude de visão e com espírito de cooperação indiscutível, foram identificados e analisados os problemas, propostas as novidades e recomendadas as soluções e as estratégias.

O relato sobre as seis primeiras assembleias gerais deixa entrever que a participação em todas elas foi, senão extraordinária, ao menos significativa e, o que é mais importante, representativa. É uma lástima que não foram registrados nem o número dos participantes, nem os locais de procedência dos participantes das primeiras assembleias. O relator da sétima assembleia geral registrou felizmente, como ocorrera na sexta assembleia, a lista completa das delegações presentes e associações distritais e municipais que representavam. Por oferecer uma prova da abrangência da Associação no meio colonial, e até fora dele, parece pertinente o registro completo dos delegados. Compareceram 24 delegados representando 45 seções  e mais de 1.700 associados:

                        Christian João Smidt                               Rio Pardinho
                        Jakob Schneider                         Serro Azul e Sítio
                        Ludwig Streicher                         Ijuí
                        João Schmidt                                         Arroio do Ouro
                        Jakob Theobald                                      Pareci Novo e São Salvador
                        Heinrich W. Schwingel                            Picada Luz e Picada Wink
                        Theodr Siegmann                                    Santa Rita
                        Jakob Sommer                                       Arroio do Meio
                        Karl Steibach                                         Azevedo Castro
                        Pe. Theodor Amstad                               Taquara, Santa Maria, Ilha,
                                                                                    Picada Hartz, Pinhal,
                                                                                    Travessão do Herval, São José
                                                                                    do Hortênsio, Vila Nova, Vigia
                        Martin Spies                                          Roca Sales
                        João Balensiefer Filho                             Linha Kochenborger
                        Oto Borgmann                                        Fazenda Pirajá, Linha
                                                                                    Cristina,  Nova Petrópolis,
                                                                                    Linha Imperial, Araripe
                        Mathias Fröhlich                         Tabakstal
                        Ernesto Zietlow                                       Vila Estrela
                        João Gross                                            Lajeado
                        Peter Meyrer                                         Ivoti, Picada 48, Bohnental,
                                                                                    Schneiderstal, Holanda,
                                                                                    Joaneta
                        Reinhold Kühleis                         Linha Schwerin
                        Karl Kern                                               Trombudo, Serra Alegre,
                                                                                    Santa Cruz, Boa Vista
                        Antônio Sturm                                        Roncador.
                                               

Participaram da assembleia como convidados especiais o presidente do Centro Econômico, Senhor Dr. Alvares Nunes Pereira e o intendente de Estrela, capitão Francisco Ferreira Brito.

Conferidas as credenciais, procedeu-se à eleição da mesa diretora dos trabalhos. Por aclamação foram investidos da tarefa: Ernesto Zietlow, como presidente; Jakob Schneider, o Pastor Gans e Matias Ruschel Sobr. como vice-presidentes; Christian Schmidt como secretário. Passou-se depois para a comissão de finanças, constituída pelos seguintes nomes: Pe. Theodor Amstad, Oto Borgmann e Heinrich W. Schwingel.

Houve também a nomeação da comissão de revisão composta pelos seguintes nomes: T. Siegmann, K. Kern e João Schmidt.

A abertura da primeira sessão plenária deu-se às 9 horas do dia 28 de abril. O presidente Ernst Zitlow deu início aos trabalhos, agradecendo a presença maciça dos delegados, dos associados e da população em geral. Dirigiu-se com especial simpatia aos representantes do centro Econômico, ao intendente municipal e aos representantes da imprensa. Em seguida, foi lido com grande interesse e satisfação o telegrama do presidente do Estado, contendo expressões de estímulo e de simpatia para com a Associação dos Agricultores.

O primeiro a pedir a palavra foi o Dr. Alvaro Nunes Pereira. Começou agradecendo o convite que lhe fora feito no sentido de participar da assembleia. Enfatizou ainda que o Centro Econômico e a Associação dos Agricultores perseguiam o mesmo objetivo, isto é, desenvolver a agricultura para o progresso  e o engrandecimento do País. Sugeriu uma colaboração ainda mais estreita entre as duas entidades. Por fim, mostrou como a legislação brasileira facilitava e incentivava o sindicalismo, sugerindo que a Associação dos Agricultores com suas seções, a exemplo do que já fizera o Centro Econômico, se organizasse num sindicato rural, filiando-se ao Centro Econômico.

Em seguida, o Pe. Amstad propôs e explicou detalhadamente um projeto muito bem pensado de crédito fundiário através de cooperativas. Tratava-se de um plano muito simples e de fácil execução. Em síntese, tratava-se do seguinte: Se todos os associados contribuíssem, ou melhor, depositassem anualmente  na caixa da cooperativa de crédito a quantia de quarenta mil réis, ao cabo de quinze anos, cada sócio teria garantida uma área de terra no valor de um conto de réis. Na hipótese, porém, em que o  associado quisesse ocupar imediatamente o lote, teria que desembolsar cinquenta mil réis de juros ao ano. Dessa forma, os menos afortunados chegariam facilmente à sua gleba de terra. A administração do programa ficaria com as caixas rurais.

O plano do Pe. Amstad colheu aplausos, em especial do Dr. Löw. Foi posta na mesa depois a questão onde procurar terras suficientes para atender aos pretendentes. As terras do governo localizavam-se muito distantes dos mercados consumidores. Nos municípios de Santo Antônio e de Camaquã, sobravam ainda terras públicas, de qualidade adequada para a agricultura diversificada. Entretanto o governo as havia entregue na forma de uma concessão, a um italiano para que as colonizasse. O Pe. Amstad acreditava que havia possibilidade de adquirir terras de particulares para mesma finalidade. No decorrer da discussão, ficou claro que não fora efetivado nenhum contrato entre o governo e o Sr. Morganti, relativo às terras em causa. O que efetivamente existia eram condições muito favoráveis obtidas pelo empresário, sob a condição de trazer italianos e instalar estações experimentais agrícolas. O Senhor Kern, de Santa Cruz, lembrou então que a Associação poderia oferecer milhares de lotes coloniais no rio Uruguai, pela metade do preço imaginado pelo Pe. Amstad, acrescendo a vantagem do fácil escoamento da produção por via fluvial.

Depois a tribuna foi ocupada pelo Sr. Paul Schönewald. Discorreu sobre a baixa qualidade dos nossos produtos agrícolas. De acordo com ele careciam do cacife mínimo para concorrer no mercado internacional. Impunha-se, portanto, um grande esforço no sentido de sanar esse estado de coisas. Os únicos produtos que se impunham de alguma forma eram couros, pelos, chifres, mel e erva-mate. As frutas, segundo ele, ofereciam um campo inteiramente inexplorado e muito promissor. Com um pouco de esforço, e principalmente com  esmero na qualidade, havia boas possibilidades para apresentar-se um mercado promissor para frutas na Europa. Para terras mais fracas como as existentes em Mostardas e São José do Norte, o conferencista sugeriu a  cultura da cebola em escala intensiva.

O seguinte ponto da ordem do dia versou sobre problemas relacionados com a questão fundiária. A questão apresentava várias facetas. Em primeiro lugar não se dispunha no País de um cadastro confiável de terras. O “Registro Torrens” preenchia até certo ponto essa lacuna. Forçoso era constatar que o governo, até aquele momento, não conseguira os resultados desejáveis, quer pela negligência das repartições públicas, quer pela carência de funcionários competentes. Em vista disso o Senhor Paeckel propôs que se enviasse um memorando  ao governo do Estado, no qual fossem solicitadas providências  no sentido de terminar com as situações prejudiciais à agricultura. Propunha-se a desapropriação dos grandes latifúndios passíveis de agricultura diversificada, seu parcelamento e sua entrega aos colonos. O Pe. Amstad contribuiu com a sugestão de o governo proceder a uma rigorosa investigação dos “títulos duvidosos”, para não mais acontecer que três ou quatro pessoas pagassem impostos sobre a mesma propriedade. Para solucionar os casos em litígio, o governo deveria estabelecer  um prazo limite para que alguém pudesse reclamar seus direitos.

Em seguida, falou o Dr. Löw sobre métodos para incrementar a agricultura e sobre meios de amenizar os efeitos da seca. Tocou em três questões de grande importância: as vantagens da adubação mineral; a natureza e formas de adubação verde; as culturas que se mostram mais resistentes à estiagem. Como variedades propícias para a adubação verde recomendou: feijão soja, feijão miúdo, grão de bico, ervilhaca, amendoim e outras. O trigo cafre e o painço seriam aconselhados devido à sua conhecida resistência à seca.

As considerações feitas até aqui tiveram sua complementação com as oportunas intervenções do Senhor Schönewald. Ele insistiu na importância que o nitrogênio tem sobre a qualidade dos solos e sua influência sobre a produção e a produtividade das plantas. Comparou os custos da adubação do solo com nitrogênio via adubação orgânica. A conclusão aconselhava a segunda, por resultar mais barata e, além disso, oferecer uma série de vantagens.

A opção pelo adubo orgânico não podia deixar de lado o cuidado pela escolha de plantas com enraizamento profundo, em períodos com probabilidade de estiagem. Aconselhava-se nesse caso o plantio de trevo e algumas outras variedades.

O Sr. Winge falou sobre as providências mais comuns disponíveis para  o colono, quando se trata de prevenir a estiagem. Defendeu, como primeiro ponto de vista, que o desmatamento não foi o responsável pela deterioração do clima. Argumentou que as condições em climas quentes são  muito diferentes daquelas verificadas em climas temperados. A melhor técnica para neutralizar em grande escala o efeito da seca consiste na opção por culturas de enraizamento profundo, combinadas com humus como forma de adubação. Caso fosse preciso manter o gado em boas condições durante uma estiagem mais ou menos prolongada, recomenda-se entre outras forrageiras, o capim Santa Catarina, o sorgo americano e o milho precoce. A plantação de árvores de sombra não deveria ser negligenciada. A amoreira branca oferece sombra e alimento. A mandioca é outra cultura que suporta bem  a seca. É preciso aumentar  a área plantada com cereais de inverno, capazes de substituir a farinha de milho no aso de colheitas fracas desse cereal no verão, causadas por  períodos de seca e outros fatores. Aconselha-se também que os potreiros sejam lavrados após o capim ter secado. Antes de plantar novamente grama, convém que essas áreas sejam utilizadas para outras culturas, durante pelo menos dois anos. Terras exaustas devem ser reflorestadas.

O Dr. Alvaro Nunes Pereira informou à assembleia sobre a compra, por parte do Centro Econômico, da fazenda Progresso. Pretendia-se instalar nela uma estação experimental de grande porte. Os préstimos da estação foram postos à disposição da Associação dos Agricultores.

Depois a palavra foi dada  ao Senhor João Gross  de Lajeado. O assunto por ele desenvolvido versou sobre a criação de gado, principalmente leiteiro. Com a finalidade de melhorar o nível de produção do leite, o palestrante colocou em discussão as seguintes providências: a melhoria qualitativa das pastagens e da alimentação do gado leiteiro em geral; a preocupação permanente e consciente com os animais jovens; o incentivo para a utilização de feiras que possam servir de ocasião para renovar o plantel dos criadores; incentivo para a implantação de tambos e de indústrias de laticínios coletivas.

A segunda parte da palestra versou sobre a criação de suínos. Também nessa atividade o conferencista  relacionou o êxito ou o fracasso com a introdução e a popularização de raças melhoradas  através de cruzamentos  seletivos.

O tema seguinte ocupou-se com as pragas na agricultura. Proferiu a palestra o Senhor Streicher de Ijuí. O inimigo número um do agricultor, afirmou, é a formiga. O combate a elas resulta muito dispendioso devido ao alto custo dos equipamentos e dos venenos convencionais. Depois, utilizando um desenho, explicou um aparelho muito simples e muito barato, destinado ao combate às formigas, fabricado em Ijuí. Provou ser muito prático e seu custo bem acessível.

O último debate do dia 28 de abril versou sobre a pomicultura, viticultura, cultivo de oleaginosas e culturas fornecedoras de fibras. A exposição ficou a cargo do Senhor Winge. Entre as culturas em pauta, segundo o orador, a mais importante era, sem dúvida, a viticultura. Em extensas regiões do Rio Grande do Sul, o clima e os solos garantiam o êxito em iniciativas deste tipo. A importação de vinhos poderia ser reduzida drasticamente, poupando-se dessa forma preciosas divisas para o Estado. O palestrante passou depois  a detalhar os requisitos necessários para que o cultivo da uva se transformasse  em atividade compensadora. São eles: a escolha do solos adequados; as características de umidade; o cuidado com a orientação do  parreiral em relação ao sol; a estrutura, a composição e o PH ideal para as cepas e a qualidade da uva; a maneira correta da poda. No que dizia respeito à poda o Senhor Winge iria dar “in loco”demonstrações práticas pelas colônias.

Recomendou, ainda, com insistência a adoção da pomicultura em larga escala. Essa atividade tinha  condições para  atrair para o Estado divisas consideráveis. O principal desafio a ser vencido pelos produtores de frutas, era a exigência de técnicas mais apuradas, sem as quais a pomicultura não tinha condições de prosperar.

Entre as oleaginosas a preferência deveria ser pela implantação de olivais. No Estado existiam, conforme o conferencista, extensas áreas com clima favorável e solos próprios para essa cultura.

Para culturas fornecedoras de fibras foram recomendados o algodão, o linho e o cânhamo. O linho, além de produzir fibras muito apreciadas, forneceria também a semente e o óleo, universalmente empregado na indústria.

No final das discusses, o Senhor Schönwald contribuiu com algumas sugestões: que na pomicultura se desse  prioridade a variedades e espécies menos perecíveis e, por isso mesmo, mais próprias para a exportação; que o algodão merecesse preferência  entre as cultuas fornecedoras de fibras, com preferência por variedades de pequeno porte, para facilitar a participação das crianças na colheita; que na viticultura se preferissem as variedades americanas.

A primeira parte da manhã do dia 29 de abril foi reservada para a reunião dos delegados. O Senhor Kühleis leu para os presentes o relatório da diretoria central. O relatório fez referência aos sete anos de atividade da Associação dos Agricultores, os resultados obtidos as dificuldades enfrentadas, os desafios vencidos.

Em seguida, foi abordado um problema todo especial. Já havia mais tempo, espalhara-se  o rumor que a Associação dos Agricultores estava sendo desviada  da sua finalidade original, perseguindo objetivos diferentes e até divergentes dos interesses dos agricultores. De forma velada e aberta, insinuava-se  cada vez com maior insistência que a Associação estava a caminho de transformar-se numa organização de perfil jesuítico-clerical. Com a finalidade de por fim a esses rumores e encerrar definitivamente esse tipo de boatos, os delegados fizeram questão de deixar consignada a seguinte declaração:

“A Associação dos Agricultores é integrada por agricultores, que se propuseram promover o bem-estar dos agricultores, sem perseguir de forma egoísta, objetivos estranhos aos propostos.”

Um segundo episódio a perturbar a vida da Associação aconteceu entre a Caixa Rural de Nova Petrópolis e a direção central. Associação fora obrigada a recorrer  a empréstimos para arcar com as despesas da colonização. Quem forneceu os recursos foi a caixa rural de Nova Petrópolis. Ocorrera, entretanto uma demora na expedição dos títulos de posse da terra. O fato foi interpretado como manipulação intencional da parte da  direção central. Seguiu um protesto da dívida em condições muito duras. O pagamento foi providenciado imediatamente. A liquidação do débito foi possível porque a Caixa Rural de Santa Cruz emprestou a quantia necessária, depois de munir-se de todas as garantias.

A análise do balanço da Associação demonstrou que, embora tivesse ocorrido um decréscimo nas reservas, a situação achava-se sob perfeito controle e podia-se afirmar que as condições eram normais.

Houve, no decorrer do ano findo, uma intensa  atividade desenvolvida pela diretoria central. Ocorreram vinte e seis reuniões. Nelas, a maior preocupação foi a questão da colonização, a abertura de estradas, entre outras.

Com a finalidade de cuidar dos interesses da Associação em Porto Alegre, principalmente no que se relacionava com os bancos, com instituições financeiras, com questões jurídicas, ..., a diretoria constituíra um grupo de trabalho composto por homens de absoluta confiança. Integravam a comissão os Senhores Englert, Arno Philipp, Germano Petersen e Martins da Costa. Um segundo grupo de pessoas, entre elas  os Senhores Ahrens, Culmey, Daniel Jung e Hugo Metzler, contribuíram enormemente com a divulgação dos interesses da Associação, através de uma série de jornais e publicações de natureza variada.

A última questão a ser debatida pelos delegados foi relativa ao problema da colonização da região de Serro Azul. Com a finalidade de enfrentar as dificuldades surgidas com a colonização, a diretoria central recebera, na assembléia do ano anterior, a incumbência de resolvê-las e os poderes especiais para tanto. Entre elas constava a autorização de negociar o auxílio do governo estadual de encaminhar empréstimos bancários, de construir uma sede para a administração da colônia. Aos delegados reunidos foi exibida uma certidão da Tesouraria do Estado, comprovando a quitação dos débitos para com o governo, por parte da Companhia da Estrada de Ferro Noroeste, através do seu procurador, o Dr. Horst Hoffmann.

Como complemento à questão da colonização, analisou-se a situação financeira de empreendimento. O ano tinha sido muito difícil, mas a situação tendia a estabilizar-se em questão de pouco tempo.

Às quatorze horas do dia vinte de abril, o  presidente da assembléia geral abriu mais uma sessão de trabalho com a participação franqueada a todos os presentes. Ele próprio tomou a palavra e discorreu sobre a erva-mate. Segundo ele, essa cultura interessava de modo especial à região de Estrela, devido às condições de solo favoráveis. Comunicou à assembleia a utilização de instalações próprias para produzir a erva do tipo Barbacuá, de melhor qualidade e, por isso mesmo, melhor cotada no mercado. O Senhor Schönwald entrou na discussão e contribuiu com informes muito úteis a respeito da colheita da erva-mate. Segundo ele, era preferível colher a cada ano um terço ou um quarto dos ramos, em vez de realizar uma poda completa de três ou quatro anos.

Insistiu-se junto à Associação que, na cultura da erva-mate, os colonos incentivassem cada vez mais o sistema cooperativo.

Para proferir a segunda palestra da tarde, foi convidado o Dr. Schlatter. Analisou com competência e muito calor humano a séria questão da carência de parteiras em número desejável e principalmente portadoras de uma formação adequada. A figura da parteira foi considerada essencial no meio colonial por uma razão muito simples: o número reduzido de médicos disponíveis. A atualidade e mais ainda a importância da questão fez com que o Senhor Kühleis e o Pe. Amstad, o Pastor Gans, o Pe. Gasper e o Ssenhor Hugo Metzler, participassem com entusiasmo do debate. Eram de opinião que deveria ser feita, com urgência, alguma coisa de mais sério e mais duradouro.

Às vinte horas do dia vinte e nove de abril, os delegados reuniram-se para uma nova rodada de discussões. Três foram os assuntos tratados. O primeiro ocupou-se com o órgão oficial da Associação, o “Bauernfreund”,. Seu diretor, o Senhor P. Meyrer, repetiu as velhas queixas de sempre, falando do pouco interesse e do pouco comprometimento dos associados com o periódico. Demonstrou depois que a situação financeira do “Bauernfreund” encontrava-se estável, apresentando até um pequeno superávit.

Como segundo ponto, seguiu-se um relatório sobre  vários aspectos da colonização de Serro Azul, ressaltando-se a colaboração dos colonos na construção de estradas, a construção de capelas católicas e protestantes, a organização do ensino mediante escolas públicas e particulares, o surgimento  de casas de comércio, a possibilidade de pôr em operação um vapor, a presença de todos os tipos de artesão, menos  funileiro, o bom nível de atendimento à saúde.

Seguiu-se a análise criteriosa das contas apresentadas pela diretoria central.

Entre as muitas sugestões, a proposta feita pelo Senhor Winge, de transformar as seções da Associação em sindicatos e a Associação como um todo num grande sindicato central, foi a que mais atenção mereceu. Para que fosse possível um julgamento mais objetivo e com maior conhecimento de causa de um assunto de tamanha relevância, foi criada uma comissão integrada pelos Senhores. Zietlow, J. Wagner e o Pe. Gasper.

A reunião foi encerrada às onze horas e vinte minutos da noite.

No dia trinta de abril, foram formuladas as resoluções que haviam resultado da reunião dos delegados.

A reunião dos delegados da VII Assembleia geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul insiste na urgência de atrair os agricultores em geral para um esforço comum. Para tanto, conclama as associações distritais, no sentido de lançar uma ampla campanha de esclarecimento, e despertar  o interesse cada vez maior e mais consciente sobre a natureza e a maneira de proceder da Associação.

Nomear-se-á uma comissão encarregada de realizar um estudo com a finalidade de esclarecer a questão das eventuais vantagens para a Associação dos Agricultores, em termos legais, filiar-se aos sindicatos rurais.

Com a finalidade de promover o espírito de poupança entre os associados, e com o intuito de facilitar a aquisição de terras, será estimulada a formação de cooperativas com  o objetivo específico de adquirir propriedades rurais.  Atuando em combinação com os empreendimentos colonizadores, facilita-se, assim o acesso aos lotes coloniais mediante contribuições mensais e por sorteio, realizado num período de tempo pré-determinado.

Fiel ao princípio de produzir aqui mesmo os artigos importados  e ampliar a lista dos produtos exportáveis, alerta-se os associados sobre a grande produtividade e o retorno certo da cultura de uvas e árvores frutíferas. É preciso dar maior atenção do que até agora se deu ao reflorestamento. Aconselha-se, para tanto, o plantio do cinamomo, do louro, do carvalho e de outras espécies, de acordo com as características locais.

Chama-se a atenção dos associados para os deveres para com a Associação, aperfeiçoando a produção agrícola, adquirindo publicações sobre a agricultura  e adotando ferramentas e implementos sempre mais eficientes.

Reconhecendo os resultados obtidos em distritos isolados, a reunião dos delegados recomenda uma atenção cada vez maior para com a atividade leiteira. Resultados melhores nessas atividades tornam-se possíveis, incentivando o aprimoramento das raças. Dessa foram garante-se um retorno  seguro para os criadores individuais, e poupa-se ao País a evasão de grandes somas em divisas.

Considerando as grandes diferenças oriundas da precária assistência aos partos, solicita-se à Associação dos Agricultores, como um  todo, a criação de um fundo destinado à formação e  treinamento de parteiras. [1]



[1] DER BAUERNFREUND. op. cit. nr. 6. 1907. p. 4.

O associativismo solidário teuto-brasileiro

Antes de nos demorarmos sobre as diversas formas de associações que reuniram os imigrantes alemães e seus descendentes em busca de objetivos comuns, é preciso identificar a ideia força responsável pelo sucesso dos projetos de promoção humana promovidos pelas associações das quais nos ocuparemos nas postagens que seguem. A ideia força chama-se Solidarismo o que vem a ser na prática uma via alternativa ao Individualismo e ao Coletivismo ou, se preferirmos, uma Terceira Via entra as duas mencionadas. Começamos chamando a atenção de que não consiste na sua essência  da composição do que há de positivo, tanto no Individualismo quanto no Coletivismo. Falamos  de uma alternativa, uma via que parte de fundamentos ontológicos essencialmente diversos das duas outras. No Individualismo mais ou menos indivíduos comprometem-se, por meio de um pacto ou qualquer outro vínculo, a formar uma unidade que recebe o nome de sociedade. O compromisso não passa de um compromisso pactuado com a finalidade de produzir bens, garantir serviços, estabelecer regaras de conduta, montar os aparelhamentos de defesa externa e segurança interna e, acima de tudo, garantir, como valor maior, a liberdade individual e o seu livre exercício. Numa sociedade organizada sobre tais fundamentos, a produção e distribuição dos bens é confiada à livre iniciativa e estimulada pela livre concorrência. As constituições e as leis ordinárias dos estados que adotam o Individualismo liberal como modelo limitam-se em assegurar o efetivo exercício da liberdade em todos os sentidos. Nos modelos mais exacerbados, a prática da lei do mais forte transforma o convívio das pessoas num autêntico devoramento mútuo. Os antigos romanos falam em sociedade de lobos que se devoram mutuamente: “homo homini lúpus”.

O Coletivismo, nas suas mais diversas formas e modalidades, parte de uma concepção oposta   da pessoa e do indivíduo. Para ele o que vale é o coletivo. O indivíduo vale pelo que significa para a coletividade e é capaz de contribuir. Anula-se dessa forma ou, no mínimo ignora-se que o indivíduo é dotado por natureza de necessidades, desejos, aspirações materiais e espirituais que radicam na natureza íntima da individualidade  como pessoa. Também nesse caso, nos modelos mais extremos como é, por ex., o Marxismo-Leninismo comunista, o indivíduo vira peça de uma gigantesca máquina burocrática que o reduz a um ente sem direitos, só com deveres. O ateísmo materialista como “religião”  desvia a esperança das pessoas para o paraíso utópico de uma sociedade sem classes vivendo em harmonia perfeita. O caminho que deveria levar até esse ideal, porém, confiado a nomenclaturas tão ou mais cruéis do que o Individualismo liberal, empurra o horizonte utópico da harmonia final, a distanciar-se sempre mais.  E, de fato, vista com objetividade, a realização da promessa de uma harmonia final apresenta-se como uma linha que, à maneira do horizonte, afasta-se na medida em que se tenta alcançá-la.

O Solidarismo apresenta-se como alternativa, como uma terceira via entre os dois extremos de que acabamos de falar. Na obra “O Solidarismo”, de Aloysio Bohnen e Reinholdo Ullmann, de que nos valemos amplamente aqui o Solidarismo fundamenta-se nas seguintes bases. O jesuíta Heinrich Pesch, o filósofo e formulador das linhas mestras dessa terceira via, define que se trata de um “sistema que se idnterpõe – Vermitteldendes System” entre o coletivismo e o individualismo. Outro jesuíta, Gustav Gundlach, discípulo de Pesch, apontou para a mesma direção e explicitou ainda melhor as condições para que o Solidarismo poder ser considerado como uma terceira via, para poder considera-lo como meio termo  entre os “ismos” que lhe são opostos. Coforme Gundlach o Solidadrismo assume as características de uma via intermediária, um terceiro caminho – uma “Linie der Mitte”, capaz de superar as contradições implícitas nas duas outras vias. O cardeal Höffner concorda que se trata de uma terceira via e não de um arranjo, uma conciliação entre o Coletivismo e o Individualismo. Chamou a atenção de que o “princípio do Solidarismo” não deve ser entendido como um meio termo entre os “ismos” de que se costuma falar, porque o princípio da solidariedade tem, ao mesmo tempo, como ponto de partida a dignidade da pessoa e a natureza essencialmente social do homem. Assim entendido o Solidarismo constitui-se numa terceira via essencialmente diversa das outras. (cf. Bohnen-Ullmann, 1993, p. 125)

O cardeal Höffner  identificou claramente o fundamento que confere a solidez e originalidade da terceira via: a dignidade pessoal e individual da pessoa humana e sua dimensão social. A individualidade ontologicamente pessoal vem dotada de uma dignidade que não lhe pode ser contestada por argumentos de qualquer espécie. De outra parte, a natureza pessoa, individual é, ao mesmo tempo ontologicamente social. A conclusão lógica é inequívoca. A realização plena da pessoa está condicionada ao pertencimento a uma sociedade, a qual lhe garante a subsidiariedade indispensável para suprir as limitações pessoais. De acordo com essa concepção define-se, como ponto de partida, uma relação de todo diferente das pessoas com a sociedade na qual estão inseridas e participam ativamente. Começa por aí que a sociedade não se origina de um pacto acertado entre seus membros, estabelecendo as regaras, os ordenamentos e os dispositivos legais, para elaborar projetos de desenvolvimento, por exemplo. Tão pouco a sociedade é um ente inventado por alguma filosofia ou ideologia  na qual as individualidades pessoais são degradados a pelas  que movimentam a máquina social em direção a uma utopia radical impossível. Avaliado a partir dessa perspectiva, o Solidarismo cosntitui-se de fato numa via alternativa de caráter essencialmente humano. Aprofundando um pouco mais a natureza dessa “via do meio – Linie der Mitte” de Gundlach, é oporuno citar novamente os autores de “O Solidarismo”. Eles classificam didaticamente suas caractere do mútuo influxositicas em quatro níveis:

1.      Seu fundamento natural e real asseta na dependência recíproca do ser humano com relação ao outro; se bem-estar e estar bem dependem do bem-estar dos outros, por causa do mútuo influxo para o aperfeiçoamento da natural carência humana.
2.      Como princípio jurídico, o Solidarismo conduz à responsabilidade pelo bem comum. Envolve, pois, um dever ético, o qual defende e salvaguarda a autonomia dos indivíduos e as associações intra-estatais; subordina os interesses  particulares aos da comunidade; enquadra o direito privado no direito da sociedade, segundo o princípio da colisão dos direitos, sem abolir, nem limitar, arbitrariamente, nem reprimir a economia privada. A solidariedade representa a síntese de todas as forças individuais e sociais, para colimar os objetivos do Estado, ao qual cabe zelar pela parte mais fraca da sociedade.
3.      A solidariedade, como princípio formador  da sociedade propicia e dá origem, de acordo com as condições históricas e as necessidades dos diversos segmentos sociais (associações, agremiações, etc.)A solidariedade não favorece nem patrocina interesses unilaterais, porém, coo força cultural atuante, visa, exclusivamente ao bem comum e à união dos opostos, tendo por meta a construção da harmonia social, na busca do equilíbrio de interesses conflitantes.
4.      Finalmente não se pode silenciar que a solidariedade é, também, um princípio criativo, com fundamento no amor de Cristo, o qual vê no outro um irmão. (Bohnen – Ullmann, 1993, p. 126-127)


Parece que, com o que vínhamos expondo, ficaram suficientemente delimitadas as fronteiras, os marcos divisórios entre o Coletivismo, o Individualismo e o Solidarismo. São como água e azeite. Não se misturam. São três vias paralelas mutuamente excludentes. O Solidarismo exige que a justiça garanta os direitos de todos igualmente, sem privilegiar uma ou outra classe ou nomenclatura e deixa no abandono a outra como acontece no Individualismo ou aniquilada pelo aparelhamento burocrático como sucede no Coletivismo. No Solidarismo, todas as energias, tanto dos indivíduos quanto das agremiações, associações e das instituições públicas, são canalizadas em favor do corpo social como um todo. E o corpo social como um todo sadio, robusto,  bem aparelhado, mas cônscio de que cada pessoa é uma individualidade com direito à livre determinação e escolha dos seus atos, favorece na outra ponta, a realização, a satisfação e a harmonia entre as pessoas.

Pois, foram os princípios do Solidarismo adotados como fundamentos para o associativismo teuto-brasileiro a partir da década de 1890, que explicam os êxito em todos os seus empreendimentos.

As primeiras tentativas foram feitas já na década de 1890. Tratava-se ainda de iniciativas  com aspectos específicos. Sob o impacto da proclamação da República e suas consequências, partiu-se para a fundação de um partido político católico. Inspirado no “Zentrumspartei” – Partido do Centro, da Alemanha, deveria definir e garantir o lugar da Igreja Católica no cenário político republicano. Foi denominado de “Partido Católico do Centro”. Não chegou nem perto da força e influência do seu irmão maior na Alemanha, que se tornara a grande força de oposição a Bismarck e do seu projeto, o “Kulturkampf”. Sua atuação efetiva limitou-se à participação na eleição da assembleia constituinte federal e estadual. No primeiro caso, não logrou eleger um único deputado. Para a constituinte estadual elegeu três deputados, mas recorrendo a uma composição com outras legendas. Essa estratégia rendeu ao partido uma cisão interna insuperável. Essas duas experiências eleitorais provaram a inviabilidade do partido. Com isso a ideia de militância política direta foi abandonada.

Uma segunda tentativa de arregimentação também tópica, aconteceu com a “Associação de Proteção às Florestas”. Duas lideranças destacaram-se nessa iniciativa: o Pe. Pedro Gasper, apelidado de “apóstolo da floresta” e o sr. Alfred Grohmann, o “pai da floresta”. A ideia resultou prematura e, por isso mesmo, não obteve a adesão, a não ser de alguns colonos isoladamente.

De tentativa em tentative,  terminou-se finalmente em 1897 por recorrer a uma outra forma coletiva para enfrentar as questões de interesse comum, adotada na Alemanha, na Suíça e na Áustria desde a década de 1860: “Os Congressos Gerais dos Católicos”. os “Katholikentage”. Nesses eventos reuniam-se as lideranças leigas e eclesiásticas, urbanas e rurais e o povo em geral, com a finalidade de identificar e avaliar questões de interesse comum, procurar soluções e traçar estratégias de ação. Serviram de  fórum no qual se discutiam os rumos a serem tomados na condução das grandes questões relacionadas com a economia, a assistência social, a educação, a cultura e a religião. Como se pode ver pela sua natureza, esses “Congressos” dispunham de legitimidade e de competência, mais do que suficiente, para enfrentar cenários mais abrangentes e mais complexos.

A primeira experiência nesse sentido aconteceu em 1897 em Bom Jardim (Ivoti). Serviu de prévia e de teste de viabilidade daquele instrumento entre os católicos alemães no Rio Grande do Sul. Os resultados foram suficientemente animadores, para que os congressistas decidissem convocar o primeiro Congresso Geral oficial do Rio Grande do Sul, para fins de março de 1898, a ser realizado em Harmonia,  então  distrito do município de Montenegro. A escola e a educação deram o tom ao congresso. Um grupo de professores, liderados pelo Pe. Pedro Gasper, apresentou o diagnóstico  sobre a situação da rede escolar comunitária. A proposta da fundação de uma associação de professores ocupou boa parte das discussões e debates, resultando na “Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul.” Naquela ocasião,  não se avaliou ainda a possibilidade de propor um projeto global de desenvolvimento econômico e promoção humana. Em todo o caso a fundação de uma associação de professores que, daí para frente,  encarregar-se-ia da área vital da educação, conferindo unidade e consistência a uma proposta pedagógica afinada com a necessidade da época, depunha em favor da seriedade do Congresso. O entusiasmo dos congressistas reunidos em Harmonia foi tal que decidiram marcar um segundo Congresso Geral dos Católicos já para o ano seguinte, 1899, em Santa Catarina da Feliz.

Na programação daquele Congresso, entre outros temas de grande relevância, fora prevista uma conferência a cargo do Pe. Theodor Amstad, versando sobre a situação econômica da colônia. Com o Pe. Asmtad entrou em cena o personagem-chave na formulação de propostas  para os quarenta anos que se seguiriam. Suas peregrinações, principalmente pelo vale do rio Caí, haviam-lhe dado uma percepção nítida do que estava acontecendo. Nas longas cavalgadas solitárias, concebeu, aos poucos, o grande e audacioso projeto que proporia no Congresso em Santa Catarina da Feliz. O discurso que proferiu e que será reproduzido na íntegra mais abaixo, constitui-se numa peça extraordinária. Num linguajar que até o mais modesto dos colonos foi capaz de entender, pintou a situação real em que se encontrava a colônia. As coisas não poderiam continuar como estavam. Era preciso envolver num projeto todos os aspectos da vida, apoiado no pressuposto de uma união geral das forças e das potencialidades disponíveis. Ao concluir a sua fala tirou da manga  o esboço de uma proposta na qual se previam objetivos múltiplos. Colheu aplausos entusiásticos e a adesão unânime para a fundação da Associação Riograndense de Agricultores. No Congresso de 1900, realizado em São José do Hortêncio aconteceu a instalação oficial da Associação.
No decorrer da última década do século XIX e no início do século vinte, os colonos individualmente, as comunidades coloniais, os comerciantes das picadas e das médias e grandes cidades, começaram a sentir, com insistência cada vez maior, uma nova problemática. O sucesso relativo da colonização tornara a economia cada mais dinâmica, mais rentável e mais volumosa. A produção de excedentes em ritmo crescente relegara ao passado a produção destinada unicamente para a subsistência. Excedentes eram produzidos, exigindo para serem colocados no mercado local, regional e nacional. Ao mesmo tempo, tornara-se rotina a importação de produtos de toda a ordem a custos e preços elevados. Com a indústria nativa ensaiando os primeiros passos tímidos, quase todos os produtos manufaturados dependiam obrigatoriamente da importação. O resultado não deixa dúvidas: uma dependência cada vez mais acentuada dos países industrializados da Europa e uma manipulação crescente da economia e dos preços por parte dos grandes comerciantes.
A tomada de consciência dessa realidade despertou entre as lideranças leigas e religiosas dos imigrantes a convicção  de que era preciso fazer alguma coisa e com muita urgência. O papel de porta-voz foi assumido por padres jesuítas, por  lideranças leigas, entre as quais se destacaram professores das escolas comunitárias, e por personalidades portadores de um grau de formação mais apurado, na sua maioria residentes em Porto Alegre.
Personalidades como o P. Theodor Amstad, o P. João E. Rick, Max von Lassberg e o Sr. Hugo Metzler tornaram-se referências quando se tratava de discutir os problemas da colônia. O P. Amstad era filho de um suíço comerciante de produtos coloniais. Como tal, trouxera da casa paterna um rico acervo de conhecimentos e principalmente um arguto espírito de percepção da problemática que envolvia a colônia na época. Desembarcara em Porto Alegre em setembro de 1885, e foi designado para atuar pastoralmente entre os colonos na região do vale do rio Caí. O contato diuturno e prolongado com os problemas que afetavam as comunidades coloniais fizeram dele em pouco tempo o grande condutor dos imigrantes. A par do bem-estar  espiritual e religioso preocupavam-no também a saúde social e o sucesso econômico das  ovelhas do rebanho que lhe fora confiado. Levava muito a sério tudo que pudesse contribuir para a promoção  humana individual e coletiva. O mesmo espírito animava os demais líderes tanto religiosos quanto leigos. E as ações concretas nesse sentido não se fizeram esperar.