Fronteiras de colonização #7

Começos da colonização de Porto Novo
Pe. Rick escreveu uma carta ao arcebispo de Florianópolis, solicitando sacerdotes para assumirem a assistência pastoral no novo núcleo colonial. O pedido foi prontamente atendido com a elevação da nova colônia, compreendida entre o rio Peperi, o rio Uruguai e o rio Iraí, até o Estado do Paraná, ao norte, num curato canônico. O primeiro cura de Porto Novo veio a ser o Pe. Ofenhitzer. O Pe. Rick acrescentou a essa afirmação: “Dessa forma, introduziu-se ali o antigo sistema de abadias alemãs; primeiro a igreja e somente depois o povo”. Rabuske, Arthur – Rambo Arthur. 2004, p.125) Essa observação sinaliza para os desencontros  entre o modelo de  atividade pastoral introduzido de acordo com essa orientação e o da tradição da qual vieram  os colonos. Os padres enviados pelo arcebispo de Florianópolis terminaram substituídos por jesuítas, com tradição nos pastoreio dos colonos em frentes pioneiras de colonização. Em todo o caso a assistência religiosa estava assim provida desde o início.

O Senhor José Aloysio Franzen de Serro Azul, fora escolhido para  coordenar “in loco” o início da colonização. Na quarta reunião da diretoria  da Sociedade União popular, ocorrida nos dias 6 e 7 de junho de 1926, ele comunicou que se desembaraçara  dos seus negócios  estava pronto para fixar-se na sede da nova colônia, e assumir em tempo integral a tarefa  de subdiretor. Como tal, foi-lhe passado uma procuração para, em nome da diretoria, representar a Sociedade União Popular em todos os negócios de venda junto à Empresa Chapecó-Peperi Ltda. Entre  suas principais atribuições constava por em prática as cláusulas  acordadas  no contrato assinado com a Empresa Chapecó-Peperi Limitada: assinar contratos provisórios com os compradores de lotes; receber importâncias; assinar recibos.

Na ata da mesma reunião da Diretoria, de 6  a 7 de junho de  1926, consta que o Senhor Franzen recebeu a incumbência  de construir diversas casas de madeira para acomodar os colonos, até terem  condições de transferir-se em definitivo para os seus lotes. Na mesma ocasião o Senhor Franzen comunicou a sua decisão de construir uma moradia de madeira para si e sua família. Nela, pretendia reservar as peças necessárias para abrigar o escritório central da colônia. Ainda na mesma reunião, a diretoria decidiu pagar ao subdiretor um salário mensal de 600$000 (seiscentos mil reis) e, na eventualidade de as vendas correrem bem, acertar  uma comissão, além do ordenado fixo.

A diretoria central comprometeu-se  a remeter no prazo mais curto possível o material de escritório necessário para o correto controle da administração da colônia.

O Senhor Fr. Angast comunicou que adquirira do sr. Sylvestre Benvengú, de Nonoai trezentaas e cinquenta dúzias e tábuas de pinho de primeira além, de madeiras de outra bitola, tendo pago um sinal de dois contos de reis. A autorização prévia para a compra havia sido dada pelo Senhor Franzen e, considerando isso, a Diretoria Central autorizou a Central das Caixas Rurais, em Porto Alegre, a remeter a quantia acima para a caixa de Colônia Selbach.

A Diretoria Central aprovou na mesma ocasião a comissão de 25$000 (vinte e cinco mil réis) por lote vendido em favor de C. F. Rohde. Rohde integrou o grupo de pioneiros que seguiu para Porto Novo, e fixou-se aí definitivamente. Assumiu o papel de inspetor  e acompanhava as comissões de compradores.

Em seguida, tratou-se da compra da quarta série de lotes em número de mais  cem, já que as cláusulas acertadas no Congresso dos Católicos haviam sido cumpridas. A negociação foi facilitada pela presença do sr. Herrmann Faulhaber em Santa Cruz.

A Diretoria resolveu alterar a fórmula de pagamento parcelado da entrada para cada lote. Até então, o comprador dava uma entrada de 100$000 (cem mil réis) e  comprometia-se a completar 1:000$000 (um conto de réis) no prazo de três meses. A partir daquela reunião, a Diretoria Central estipulou a seguinte regra: O comprador do lote paga 200$000 (duzentos mil réis) como sinal em Porto Novo, com o compromisso de mandar o que falta para 1:000$000 (um conto de réis) em no máximo vinte dias. Com essa medida a Sociedade União Popular assegurava os recursos para arcar com as obrigações correntes da colonização e a aquisição de novas séries de lotes, sem se ver obrigada  a recorrer a empréstimos. Dos debates havidos em torno  dessa questão, resultaram as seguintes resoluções: Primeira. De momento, não fechar mais nenhum contrato de uma nova série de lotes. Segunda. Aguardar a entrada das somas devidas pelos compradores, fato que deve concretizar-se até fim de julho e começos de agosto; Terceira. Rever a venda dos lotes com entrada  de 100$000 (cem mil réis) equivalente ao valor da viagem de Neu Württemberg a Porto Feliz, mais o desconto de 20$000 (vinte mil reis), preço da viagem de lancha pelo rio até Porto Novo. Quarta. Nos casos em que compradores quiserem passar adiante o lote, antes de terem em mãos o título, exige-se que seja  urgida a cláusula do contrato com a Empresa Chapecó-Peperi Ltda, de que sejam assentados somente católicos de origem alemã.

Por fim, o Senhor Herrmann Faulhaber foi convidado a assinar a escritura pública de quitação dos 275:000$000 (duzentos e setenta e cinco contos de réis), referentes à compra da segunda e  terceira série de lotes. Depois de assinar o documento, colocou à disposição da diretoria  cópias de suas obrigações para com a S. Paulo Ralway e Brazilian Colonization and Development C. Por esses documentos, estava assegurada a compra de dois mil lotes, mesmo que a sua empresa entrasse em dificuldades.

Dessa forma, estavam assegurados os pressupostos para que a colonização pudesse começar. O mais importante deles tinha a ver  com a situação daquelas terras. Em caso de dúvida a esse respeito, os colonos de origem alemã dificilmente se aventurariam em grande número a adquirir lotes. De outra parte estava sendo providenciada a infraestrutura mais indispensável, como a abertura de estradas e condições razoáveis de acesso à colônia. Como consta nas Memórias Especiais do Pe. Rick, a assistência religiosa estava assegurada desde o começo e, ao mesmo tempo, o arcebispo de Florianópolis concedera para a colônia e arredores uma situação canônica regular. O colono que pretendesse transferir-se para lá encontraria tudo organizado em bases legais que não deixavam dúvidas, além de, desde o começo, ver atendidas suas expectativas, principalmente no que se referia a um atendimento religioso permanente e confiável por parte de sacerdotes de comprovada idoneidade. Além disso, a Sociedade União Popular providenciou os recursos indispensáveis por intermédio do diretor da colônia. A comissão de colonização mantinha representantes,  seus residentes, encarregados da tarefa de acompanhar os migrantes em todas as suas etapas, desde a aquisição dos lotes, até a sua instalação definitiva neles. Mesmo antes da chegada dos primeiros povoadores, haviam sido dados os passos iniciais para assegurar a assistência médica permanente e a construção de um hospital.

Posto tudo isso, a colonização já tinha condições de ser iniciada.  E, de fato, as primeiras levas de pioneiros não se fizeram esperar. O velho apelo “vamos para as colônias novas”, tão conhecido e tantas vezes repetido durante o século que já durara a história da imigração, fez-se ouvir de novo e com muito vigor e entusiasmo. Assim acontecera a cada avanço sobre novas fronteiras de colonização, no vale do Caí, do Taquari, do Pardo e do Jacuí e nas colonizações da Serra, das Missões e do Alto Uruguai. No mês de abril de 1926, aconteceu a primeira “arribação” de pioneiros saídos de todos os recantos das regiões coloniais mais antigas do Rio Grande do Sul. A revista Skt. Paulusblaltt, n. 6, de 1926, registrou os nomes,  os locais de origem e os municípios de procedência dos 113 pioneiros compradores de lotes na nova colônia. Originários dos municípios de Cruz Alta, Encantado, Erechim, Estrela, Lajeado, Montenegro, Palmeira, Passo Fundo, Santo Ângelo, Santo Antônio da Patrulha, Santa Cruz, São Leopoldo, São Luiz, São Sebastião do Caí, Soledade, Taquari, Taquara e Venâncio Aires, eles podem ser considerados os “pais fundadores” do Porto Novo de então ou da Itapiranga de hoje. Seus nomes merecem registro:

Nome                                       Local                                         Município

Binsfeld, Albin                            General Osório                           Cruz Alta
Binsfeld, Josef                            Geral Osório                              Cruz Alta
Binsfeld, MaThias                       General Osório                           Cruz Alta
Delavy, Benjamin                       Nova Brescia                            Encantado
Flach, Johann                            Nova Brescia                            Encantado
Schoffen, Alban                          Nova Brescia                            Encantado
Welchen, Bernhard                     Nova Brescia                            Encantado
Both, Nikolaus                           Três Arroios                               Erechim
Hentz, Nikolaus                         Barro                                        Erechim
Klein, Josef                                Três Arroios                               Erechim
Neff, Albert                                Estrela                                      Estrela
Neff, Dr. Ulrich                           Corvo                                       Estrela
Rohde, Karl                               Corvo                                       Estrela
Timm, Rober                              Estrela                                      Llajeado
Albrecht, Arthur                          Sampaio                                    Lajeado
Senhor Behl,                              Sampaio                                    Lajeado
Beuren, Nikolaus                        Conventos                                 Lajeado
Follmann, Reinhold                     Arroio do Meio                           Lajeado
Friedrich, Josef                           Forqueta                                    Lajeado
Friedrich, Philipp             Forqueta                                    Lajeado
Kappes, Jophann                        Canudos                                   Lajeado
Lima, Antônio                             Arroio do Meio                           Lajeado
Paiter, Adolf                               Sampaio                                    Lajeado
Richter, Wilhelm                         Sampaio                                    Lajeado
Rockenbach, Heinrich                 Conventos                                 Lajeado
Rockenbach, Johann                   Conventos                                 Lajeado
Röglin, Friedrich                         Forqueta                                    Lajeado
Schönhals, Bernhard                   Conventos                                 Lajeado
Watzlawoski, Karl                       Sampaio                                    Lajeado
Weizenmann, Jakob                    Lajeado                                     Lajeado
Wolf, Alfred                                Forqueta                                    Lajeado
Hofer, Johannes B.                     Bom Princípio                            Montenegro
Steigleder, Josef                         Porto Clemente                          Montenegro
Veit, Franz                                 Bom Princípio                            Montenegro
Veit, Peter                                 Bom  Princípio                           Montenegro
Fischer, Georg                           Xingu                                        Palmeira
Johann, Anton                            Xingu                                        Palmeira
Renner, Galdin                           Neu Württemberg                        Palmeira
Schäfer, Johann                         Neu Württemberg                        Palmeira
Vogt Johann                               Água Azul                                 Palmeira
Dresch, Nikolaus                        Colônia Weidlich             Passo Fundo
Gehlen, Emil                              Cochinho                                   Passo Fundo
Hammes, Josef                          Colônia Selbach                         Passo Fundo
Hilgert, Peter                              Colônia Selbach                         Passo Fundo
Junges, Franz                            Colônia Selbach                         Passo Fundo
Klauck, Manoel                          Colônia Selbach                         Passo Fundo
Löff, Nikolaus                             Cochinho                                   Passo Fundo
Neuls, Ferdinand                        Gerisa                                       Passo Fundo
Schädler, Edmund                      Não-me-toque                            Passo Fundo
Bergütz, Berthold                        Cochinho                                   Passo Fundo
Wolfart, Leopoldo                        Colônia Selbach                         Passo Fundo
Wüst, August                             Não-me-toque                            Passo Fundo
Agnes, Peter                              Campinas                                  Santo Ângelo
Angst, Karl                                Boa Vista                                  Santo Ângelo
Fritsch, Heinrich                         Buricá                                       Santo Ângelo
Hammes, Heinrich                     Boa Vista                                  Santo Ângelo
Kliemann, Karl                           Boa Vista                                  Santo Ângelo
Löblein, Albin                             Passo da Pedra                         Santo Ângelo
Sausen, Jakob                           Boa Vista                                  Santo Ângelo
Becker, Jacob                            Rolante                                      Sto. A. da Patrulha
Deufest, Mathias             Santa Cruz                                Santa Cruz
Eich, Robert                               Santa Cruz                                Santa Cruz
Finkler, Peter                             Santa Cruz                                Santa Cruz
Franz, Jakob                              Sinimbu                                     Santa Cruz
Hackenhaar, Josef                      Serro Alegre                              Santa Cruz
Kunzler, Edmundo                      Santa Cruz                                Santa Cruz
Ludwig, Karl                              Chaves                                     Santa Cruz
Ludwig, Erich                             Chaves                                     Santa Cruz
Ohland, Fridolin                          Santa Cruz                                Santa Cruz
Rech, Serafin                             Trombudo                                  Santa Cruz
Braun, Franz                              Dois Irmãos                               São Leopoldo
Koch. Ludwig                             Novo Hamburgo                                    São Leopoldo
Koch, Wilhelm                            Novo Hamburgo                                    São Leopoldo
Finger, Johann                           Serro Azul                                 São Luiz
Franzen, Josef                           Serro Azul                                 São Luiz
Gemwey, Karl                           Serro Azul                                 São Luiz           
Kieling, Anton                             Serro Azul                                 São Luiz
Knapp, Friedrich             Serro Azul                                 São Luiz
Knob, Nikolaus                          Serro Azul                                 São Luiz
Ten Caten, Josef                        Serro Azul                                 São Luiz
Temoller, Peter (?)                      Serro Azul                                 São Luiz
Theobald, Jakob             Serro Azul                                 São Luiz
Anschau, Theodor                       Nova Peterópolis                        S. Seb. do Caí
Heck, Peter                               Feliz                                         S. Seb. do Caí
Petry, Ferdinand             Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Phillipsesn, Peter                        Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Ruschel, Albin                            Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Stahl, Alfred                               Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Stahl, Edwin                              Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Stahl, Franz                               Nova Petrópolis                         S. Seb. do Caí
Hochscheid, Wilhelm                  Sobradinho                                Soledade
Konzen, Arnhold             Sobradinho                                Soledade
Caye, Alfred                              Bom Retiro                                Taquari
Scheeren, Wunibald                    Bom Retiro                                Taquari
Schöler, Josef                            Quilombo                                   Taquara
Schöler, Otto                              Quilombo                                   Taquara
Schöler, Willibald                        Quilombo                                   Taquara
Ansen, Arthur                             Brasil                                        Venâncio Aires
Hackenhaar, Leopold                  Santa Emília                              Venâncio Aires
Hackenhaaar, Nikolaus               Grão Pará                                 Venâncio Aires
Hackenhaar, Wilhelm                  Santa Emília                              Venâncio Aires
Hackenhaar, Josef I                    Santa Emília                              Venâncio Aires
Hackenhaar, Josef II                   Travessa                                   Venâncio Aires
Hickmann, Willibald                    Santa Emília                              Venâncio Aires
Kiest, Herrmann                         Linha Serra                                Venâncio Aires
Reis, Josef                                Santa Emília                              Venâncio Aires
Royer, Emil                               Mariante                                    Venâncio Aires
Schwendler, Jakob                     Harmonia da Costa                     Venâncio Aires
Schwendler, Josef                      Harmonia da Costa                     Venâncio Aires
Seidel, Anton                             Brasil                                        Venâncio Aires
Seidel, Robert                            Isabela                                      Venâncio Aires
Stülp, Christian                           Grão Pará                                 Venâncio Aires  [1]

Os municípios que, na época, mandaram mais pioneiros foram, em ordem decrescente: Lajeado com 17; Venâncio Aires com 15; Passo Fundo com 12; Santa Cruz com 10; São Luiz com 9; Santo Ângelo com 8; São Sebastião do Caí com 8; Palmeira com 5. Os demais, Estrela, Encantado, Montenegro, São Leopoldo, Taquara, Cruz Alta, Erechim, Taquari, Soledade e Santo Antônio da Patrulha, todos com menos de cinco migrantes. Desses números é legítimo concluir que a porcentagem maior de excedentes concentrava-se na assim chamada “região colonial média”, localizada nos vales dos rios Taquari, Pardo e nas “colônias novas” do então município de Passo Fundo e dos municípios de São Luiz e Santo Ângelo. Da “região colonial antiga” o número de fundadores de Porto Novo chega a ser modesto, para não dizer insignificante. Considerando-se  que de São Sebastião do Caí, que compreendia toda a margem esquerda do rio Caí, saíram apenas oito  migrantes, de Montenegro que tinha sob sua jurisdição praticamente toda a margem direita do mesmo rio, contribuiu apenas com quatro, faz supor que o problema da superpopulação situava-se em um nível menos preocupante do que nas regiões de colonização.




Fronteiras de colonização #6

Começos da colonização de Porto Novo
A compra dos cem primeiros lotes coloniais de 25 hectares cada um por parte da Sociedade União Popular, da Empresa  Chapecó-Peperi Limitada, constituiu-se na base objetiva  para a viabilização do  projeto. Começar com cem lotes pode parecer muito pouco ambicioso. E de fato o era, como o próprio Pe. Rick registrou nos seus apontamentos. O fato deveu-se unicamente a não disponibilidade imediata de recursos para bancar, no contrato inicial, uma área maior. Como a área disponível oferecia perspectivas reais para uma ampliação indefinida no futuro, o começo modesto significou na verdade, o embrião de um projeto que deu origem direta e indiretamente à colonização de todo extremo oeste de Santa Catarina.

E, de fato, em questão de poucos meses, foram aparecendo os recursos para a aquisição de sempre mais lotes. Em 16 de março de 1926, realizou-se em Novo Hamburgo o Congresso dos Católicos. A colonização de Porto Novo ocupou um destaque privilegiado na programação do evento. A diretoria da Sociedade União Popular  reuniu-se para dar seguimento à compra de novos 100 lotes, na medida em que a Empresa Chapecó-Peperi Ltda enfrentava problemas com recursos para continuar as demarcações. Diante dessas dificuldades, a diretoria  decidiu reunir a soma de R$ 275:000$000 (duzentos e setenta e cinco contos de reis) e pô-los à disposição da vendedora como forma de adiantamento para, desse modo, agilizar a liberação dos lotes para a aquisição dos colonos. No momento, já se podia contar com R$ 190:000$000 (cento e noventa contos) oferecidos pelas caixas rurais de Serro Azul, cem contos; Colônia Selbach, dez contos de reis; Santa Maria, cinco contos; Picada Café, vinte contos; Taquara, cinco contos; Picada Herval, vinte contos. Além das caixas rurais, a ata registrou ainda uma extensa lista de pessoas físicas que contribuíram com somas variadas, em troca  de notas promissórias.

Nas entrelinhas da reunião que tratou da arrecadação de fundos para a aquisição de terras e assim desafogar a pressão populacional que se agravava de ano para ano nas colônias mais antigas, um detalhe ficou evidente. A Sociedade União Popular, como um projeto de desenvolvimento global e de promoção humana, demonstrou nesse seu subprojeto de colonização, toda a sua potencialidade. O lema escolhido na sua fundação “omnibus omnia” – “tudo para todos” demonstrou o acerto da filosofia que animava  o projeto e as estratégias que norteavam as iniciativas. As caixas de poupança e empréstimo ao modelo Raiffeisen ou cooperativas de crédito, ou caixas rurais, fundadas em 1902, cumpriam magnificamente as suas funções. De um lado ofereciam aos colonos condições seguras para as suas pequenas poupanças. A soma de dezenas de milhares delas avolumaram, em menos de três décadas uma formidável poupança interna na região colonial. Cumpriam a importante função de financiar, em condições aceitáveis, iniciativas e necessidades coletivas ou individuais. Forneciam também os recursos para bancar projetos de colonização de grande porte como foram Serro Azul e Porto Novo. As poupanças acumuladas nas caixas rurais viabilizaram também obras de grande importância social, como o asilo para idosos em São Sebastião do Caí. As obras que justificaram a existência da Sociedade União Popular, tornaram-se possíveis por meio dessas instituições de poupança e empréstimo.

Fechados os primeiros contratos de  compra de lotes com a Empresa Chapecó-Peperi Ltda a abertura da nova fronteira de colonização estava em condições de acontecer. Na reunião da Diretoria da Sociedade União Popular, realizada em Santa Cruz, no dia 28 de janeiro de 1926, foram estipulados os preços e as condições de venda dos primeiros lotes. O documento assinado pelo presidente Jacob Becker, o secretário geral Pe. Johannes Rick e o secretario “ad hoc”, Albano Volkmer informa textualmente:

Os lotes serão vendidos por enquanto ao preço de 2:250$000 (dois contos duzentos e cinquenta mil reis) à base de 25 hectares (vinte e cinco hectares) por lote. O pagamento integral à vista dá ao comprador o direito de um abatimento de 10% (dez por cento), portanto, 2:025$000 (dois contos e vinte e cinco mil reis) por lote. Os sócios da Sociedade Volksverein terão uma bonificação extra de 25$000 (vinte e cinco mil reis) para a primeira colônia e 5$000 para as subsequentes que adquirirem para si ou os filhos maiores. Os agricultores que se estabelecerem ainda no correr deste ano na Colônia terão um abatimento especial de 400$000 (quatrocentos mil reis) que será descontado  do seu debito se não o tiverem pago, ou lhes será devolvido si o houverem feito. A Empresa Chapecó-Peperi Limitada manterá um linha de automóveis de Neu Würtemberg até a sede de Porto Feliz, custando a viagem redonda 60$000 (sessenta mil reis). Aqueles que adquirirem  terras, pagando valor por conta, verão creditada essa importância  de 60$000 (sessenta mil reis), o que importa em viagem gratuita. Todo o agricultor  que tiver escolhido lote terá de fazer uma entrada de 1:000$000 (um conto de reis) por conta do mesmo. No caso de não poder fazer desde logo, por não ser provável que todos se premunam de dinheiro para essa viagem de exploração, poderão pagar o sinal de 100$000 (cem mil reis) obrigando-se a entrar com o restante dentro de três meses. Ficou estabelecido o juro anual de sete por cento (7%) para os (ilegível) (Ata da Diretoria da SUP, 28 de janeiro de 1926)

A data oficial da fundação de Porto Novo ficou sendo 11 de abril de 1926. Para liderar o grupo de pioneiros, fora escolhido o Pe. Max von Lassberg, veterano fundador de fronteiras de colonização em Serro Azul, San Alberto e Puerto Rico, no alto Paraná, na Argentina. Naquela data, na companhia dos primeiros colonos, rezou a primeira missa à sombra do primeiro laranjal cultivado  em Porto Novo. Em suas “Reminiscências” descreveu assim o acontecimento:

Na segunda-feira de Páscoa de 1926 de manhã cedo, parti de automóvel de Serro Azul, em companhia do senhor Franzen primeiro diretor nomeado da Colônia e de seu filho. Além de nós, seguiu em três caminhões lotados uma numerosa caravana vinda de Serro Azul, Santo  Cristo e Selbach, para examinar as terras. Depois de errar algumas vezes o caminho, alcançamos Porto Feliz na quinta-feira. Na sexta-feira, embarcamos numa gasolina para descer o rio até Porto Novo. Alguns preferiram o caminho por terra. O nível do rio estava muito baixo, o que nos causou grandes dificuldades na passagem pelas corredeiras. Em não poucas delas, fomos obrigados a desembarcar e arrastar e empurrar com os braços. Dessa forma, chegamos em Porto Novo apenas no sábado. Não havia nem casa, nem cabana, nem barraca, mas um bonito pomar de laranjeiras. Nele acampamos, mais de Trinta pessoas e acendemos vários fogos. Perto da noite começamos a arrumar, entre as árvores, o altar para a missa da outra manhã. Como pano de fundo, estendemos entre as árvores uma capa de chuva limpa e fixamos nela um crucifixo. A mesa foi armada com varas e folhas e depois ornamentada. As velas foram amarradas em duas estacas fincadas no chão. Depois de cuidar das coisas de Deus, cuidamos também de nós. Para comer tínhamos o suficiente e cada qual arrumou a cama onde e como lhe agradou. Dormimos bem. O misterioso rumor do grande rio misturou-se com os nossos sonhos. A santa missa começou pelas oito horas da manhã. Os homens rodeavam o altar numa atitude solene e piedosa. Na magnífica catedral de Deus, por meio do Santo Sacrifício, imploravam a bênção para a nova colônia. Na missa alguns comungaram. Em comum cantou-se, rezou-se e ouviu-se o sermão. Até o prato de ofertas circulou. Também dessa forma,  todos deveriam demonstrar a sua participação no verdadeiro sacrifício e fora combinado que aquela santa missa seria para os fundadores da colônia presentes e o que sobrasse deveria destinar-se a missas pelo bom êxito e o progresso da colônia. O saldo foi considerável. Esta foi a primeira missa  e a da fundação da colônia e escolhemos São Pedro Canísio como seu patrono. Acontecido no domingo da pascoela, 11 de abril de 1926. (Lassberg, Max. Reminiscências, Unisinos, 2002, p. 14-125)

Um pouco mais adiante nas suas “Reminiscências” o Pe. Lassberg descreveu a primeira incursão no interior do território da colônia, em companhia dos seus pioneiros.

A viagem de volta foi muito variada. Eu mesmo percorri a cavalo o primeiro trecho até o arroio Macuco, limite leste  de nosso território católico e, apenas lá, embarquei no navio. Nesse meio tempo, o rio subira um pouco, mas não o bastante para que as corredeiras pudessem ser contornadas ou passadas sem perigo. A correnteza ficara tanto mais forte. Felizmente levamos a bordo uma corda muito comprida. A maioria dos homens atrelava-se nela e arrastavam a gasolina para frente, até as coxas dentro da água e muitas vezes até o peito, quando se caía num buraco no leito rochoso. Um grupo que se tinha separado bastante dos demais correu com isso um sério perigo. Por causa da violenta correnteza, dois homens foram tomados de vertigem e perderam a segurança. Dois outros permaneceram com eles e os seguraram, mas também não conseguiram, e a nós não foi possível socorrê-los com o barco. Somente depois de prender a lancha entre as rochas, alguns de nós se dirigiram-se  até os quatro homens segurando-os numa ponta da corda. Finalmente conseguiram safar-se da situação perigosa e alcançar a embarcação. Entretanto anoitecera e alertei o homem do barco que atracasse no primeiro local favorável. “Os homens estão cansados e encharcados. Precisamos acender um fogo para que todos se possam secar.” Não demorou para encontrarmos um lugar apropriado no barranco do rio no lado rio-grandense coberto com grandes moitas e coberto de areia limpa e seca. Antes de mais nada ajuntamos lenha e acendemos um bom fogo, enchemos as panelas com arroz, esquentamos água para o chimarrão e colocamos erva nas cuias. Depois que tudo estava mais ou menos sob controle e sentados em volta do fogo, provoquei: “Meus caros! tivemos um dia muito trabalhoso e passamos por sérios perigos. É correto e não custa nada agradecermos a Deus pela sua proteção. Por isso proponho que rezemos duas dezenas do terço glorioso e o Anjo do Senhor como oração da noite. Cada um permaneça sentado, ajoelhado ou em pé no seu lugar e os cozinheiros que cuidem do arroz e aquele que tem a cuia a esvazie.” Todos participaram com entusiasmo da oração e por fim entoamos o canto “Glória seja dada ao vencedor da morte”. Tudo isso soava tão belo  noite a dentro em meio à selva. Algo semelhante nem os papagaios nem os macacos jamais escutaram em sua mata.
Depois, deitamos para dormir. Mas já às dez horas fomos despertados por uma pancada de chuva, curta e que perturbou pouco. Pelas duas horas começou uma chuva forte e persistente. A maioria levantou-se ou ficou sentada ao redor do fogo. Eu puxei o poncho por cima da cabeça e fiquei deitado. Ao clarear o dia, aprontamo-nos para seguir viagem, e chegamos sem sobressaltos a Porto Feliz. Num dos dias seguintes pernoitamos em Fortaleza num assentamento novo de italianos onde estava em construção uma capela de tábuas. Rezei de manhã bem cedo a santa missa, ocasião em que todos os nossos camaradas de viagem fizeram uma bela comunhão entre cantos e orações coletivas. Mais tarde contou-me o vigário de Palmeira, que, de quando em vez, visitava toda a região, como os  italianos falaram com alegria e louvor  a respeito do comportamento e da piedade dos bravos colonos alemães. (Lassberg, Max. Reminiscências. Unisinos, 2002, p. 125-126)

O Pe. Rick descreveu da seguinte forma o seu primeiro contato com as terras pretendidas para a nova colonização:

Em começos de 1926, quando o término das inquietudes revolucionárias já permitia uma colonização em regra, dirigi-me de automóvel, com o Senhor Faulhaber e os ormãos Stangler a Barrril, (perto de Frederico Westpfalen9, proseguindo de lá, a cavalo, até Prto Feliz, pelo caminho novo ainda em construção.
Um dia depois, segui de barco a motor Uruguai abaixo. Penroitamos ao relento a jusante do Peperi, sendo que depois voltamos ao Meinzhusen, no Macaco, onde aportamos à noite 
Em nossa voalta era tudo floresta intacta. Experts em qustão de terras declararam ser o solo de primeira qualidade.  As matas  existentes afiguravam-se portentosas. A madeira de lei tinha sido derrubada, decerto, por balseiros argentinos. A colocação de produtos via Palmeira (das  Missões) por si só se me apresentava suficientemente promissora. Perguntei, por conseguinte, ao barqueiro, se acaso, no Uruguai a navegação rio abaixo era possível. Respondeu-me ele: Eu sempre consigo passar. (Rabuske, Arthur – Rambo, Arthur. Pe. João Rick. Unisinos, 2004, p. 123-124)

Novamente fica claro nas entrelinhas  das descrições tanto do Pe. Lassberg quanto do Pe. Rick, que o cenário da nova colonização estava posto e bem ao gosto dos filhos e netos de três a quatro gerações de colonos habituados a conviver e a lidar com a floresta virgem. E não se tratava apenas de um convívio meramente utilitário. Consolidara-se uma parceria  íntima, existencial entre os colonos e suas florestas virgens.

Os trinta pioneiros que acompanharam  o Pe. Lassberg, procediam de Serro Azul, Santo Cristo e Selbach. Considerando que as duas primeiras dessas colônias, Serro Azul e Santo Cristo, contavam com menos de trinta anos desde a sua fundação, uma boa parte deles havia participado da abertura dessas fronteiras. Foram os herdeiros autênticos da estirpe de homens e mulheres que ousaram abandonar tudo na Europa, enfrentar o oceano e tentar a vida e o futuro no Brasil. Deve-se isso a um misto de aventureirismo, de inquietude, de vontade de avançar e progredir sem parar e à mística quase messiânica de uma missão a cumprir, o clima de progresso e bem-estar que dominava na região da colonização recente.


Uma grande admiração, uma reverência atávica deve ter-se apoderado  dos exploradores, ao contemplarem aquele majestoso cenário de florestas intocadas. Bem como seus ancestrais germânicos do centro e norte da Europa, souberam encarar a mata virgem como promessa de um porvir promissor.  Nela encontrariam as matérias primas para armar os primeiros abrigos e depois, construir as primeiras moradias. A mata virgem preparara por milênios  a fertilidade dos solos, garantia de fartura para as gerações que aí viriam instalar-se. Nela, construiriam suas referências de vida o seu mundo simbólico. O palco, portanto, estava posto e mais uma etapa da colonização do sul do Brasil, tinha condições de acontecer. E, de fato, não se perdeu tempo.