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Ludwig von Bertalanffy - 2

Organismo - Sistema
O Organismo é definido por Bertalanffy como sendo “uma estruturação de sistemas abertos, o qual fundamentado nas condições da construção sistêmica, conserva-se  em intercâmbio com as partes”. Essa definição foi o resultado das pesquisas de von Bertalanffy e de outros sobre a natureza do organismo vivo. É válido na sua essência para todos os seres vivos independentemente da sua posição na hierarquia da complexificação da natureza. Vale, portanto, tanto para os protozoários quanto para os mamíferos ou aves situados no topo da escala taxonômica. Os aprofundamentos posteriores às constatações do autor, assim como as dos especialistas seus contemporâneos, não alteraram na essência da compreensão o conceito de organismo. O que se pode afirmar é que muitos dados e muitas observações novas depõem a seu favor.
A compreensão do que seja um organismo vivo, assim como o apresenta von Bertalanffy, pede uma análise dos elementos que o integram.  Em primeiro lugar o organismo vivo é um sistema aberto “no qual entra material novo e outro já servido e ou não aproveitável é descartado”. (Bertalanffy, 1949, p.124) Em outras palavras e explicando, é supérfluo afirmar que não há nenhuma dificuldade em distinguir um ser vivo de um cadáver. A constatação sobre a qual a observação empírica não deixa dúvidas, vem a ser a consequência de uma realidade biológica que acontece na base celular, tanto dos protozoários quanto dos metazoários. Nesses últimos repercute como resultado no organismo como um todo, apresentando-o como vivo ou como morto. E em que consiste em última análise no plano biológico a diferença entre “a vida e a morte?”. Consiste no fato de que a vida está presente num organismo enquanto ele perdurar como um sistema aberto. No momento em que essa condição cessa, instala-se a condição de morte, de sistema fechado, com todas as suas consequências a curto, médio e longo prazo. A condição de ser vivo requer que todas as partes do organismo, individual e integradamente funcionem como sistemas abertos. Nessa situação as células, desde as menos até as mais complexas, não são construções fechadas nem acabadas. Acontece nelas um contínuo e ininterrupto afluxo de matérias primas, de suprimentos novos. Eles são elaborados e preparados para servir às necessidades biológicas do organismo e pela corrente sanguínea carregadas a todos os tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas. O metabolismo se encarrega de incorporar parte nas estruturas em constante renovação ou transformá-las na energia indispensável para garantir o bom andamento das atividades e funções vitais. As sobras e os resíduos da atividade metabólica são, por sua vez, encaminhados para o exterior e descartados pelos órgãos e aparelhos específicos: pulmões, rins, pele e intestinos. A natureza desses processos em permanente fluir, requerem pela própria natureza o aporte ininterrupto de “matérias primas” que são processadas pelos respectivos órgãos, transportados para os seus destinos e as sobras e resíduos descartados. Observado pelo viés da física estamos diante de um sistema de equilíbrio instável semelhante a um rio que flui alimentado sem parar pelas fontes e despejando sem parar suas águas no mar. Verifica-se, portanto, um permanente tender ao equilíbrio, sem nunca completá-lo. Em outras palavras, estamos diante de um sistema de equilíbrio instável. Na sua obra “Teoria Geral do Sistemas”  von Bertalanffy resumiu  a questão:
 Há anos atrás foi indicado que as características fundamentais da vida, metabolismo, crescimento desenvolvimento, auto-regulação, resposta a estímulos, atividade espontânea, etc., podem ser consideradas em última análise consequências  do fato de o organismo ser um sistema aberto. (Bertalanffy, 2009, p. 202)
No momento em que, por uma razão qualquer, cessa o afluxo de elementos novos, interrompe-se em cadeia a atividade metabólica e fecha-se também a porta de saída para os resíduos. O sistema entra em equilíbrio, o rio transforma-se em lago, o organismo em cadáver. Mas o autor chama a atenção a um outro aspecto do organismo vivo como sistema de equilíbrio instável. Ao mesmo tempo é verdade que o organismo considerado na sua totalidade oferece propriedades muito próximas às dos sistemas químicos em equilíbrio.
Nas células e nos organismos pluricelulares encontram-se combinações bem definidas, relações constantes entre os diversos componentes, num sistema químico em perfeito equilíbrio. Esse fenômeno é inteiramente independente da quantidade absoluta de componentes em organismos de diversos tamanhos. Conserva-se constante no acréscimo alternado, isto é, na mudança de aceitação  de elementos nutritivos e na mudança das condições externas. (Bertalanffy, 1951, p. 49)
Exemplificando. O fato pode ser comparado, ressalvadas as devidas peculiaridades, a um, dez ou um milhão de litros de água. O componente fixo e constante em qualquer um desses volumes  é sempre o H20. Seja numa gota ou seja num lago o H20 é o responsável que o líquido nos dois casos seja a mesma água. Um fenômeno semelhante ocorre no organismo vivo. Independente de qualquer tamanho, complexidade, forma externa, modalidade de adaptação ao ambiente externo, encontram-se nos organismos elementos estáveis que fazem com que o funcionamento dos processos vitais, na sua natureza físico-química e fisiológica, não difiram essencialmente daquilo que é responsável pela vida  biológica nos organismos superiores mais complexos.
No organismo vivo, entretanto, independentemente do tamanho e da complexidade, os elementos básicos não são peças estáticas e circunscritas rigidamente a uma situação bem definida e delimitada. Sua ação não se confina à vizinhança mais imediata, mas de alguma forma perpassa o organismo como um todo. Trata-se de um fenômeno análogo ao o que acontece  num sistema de vasos comunicantes. Acrescentando-se ou subtraindo-se uma porção, não importa o tamanho, o volume do conjunto do sistema é alterado. Ou, introduzindo  uma gota de corante numa extremidade do sistema, ele se alastra pouco a pouco pelo volume todo contido nos vasos comunicantes. De forma semelhante, quando no organismo vivo há acréscimos, subtrações ou modificações nos seus componentes básicos, o efeito positivo ou negativo far-se-á sentir de alguma forma no sistema como um todo. Em outros termos. No momento em que algum dos componentes essenciais ao organismo vivo sofrer alterações negativas o reflexo não tardará em manifestar-se no todo e na proporção do potencial do dano embutido na alteração negativa da porção do organismo afetada. O inverso também é verdade. O vigor de um tecido ou órgão qualquer reflete-se no todo na mesma proporção da sua importância na manutenção do sistema como um todo. Assim um coração ou um fígado em bom funcionamento fazem com que o todo suporte com maior facilidade abalos mais sérios causados em outros órgãos. E vice-versa, um coração comprometido transforma-se num fator de preocupação permanente quando o todo do organismo é submetido a situações de risco. “Esta é a base da regulação orgânica”, (Bertalanffy, 1951, p. 49) conclui von Bertalanffy.
Embora o organismo como uma totalidade não possa ser considerado como um sistema em equilíbrio, sob muitos aspectos assemelha-se aos sistemas químicos em equilíbrio. “A aplicação de princípios de equilíbrio físico-químico, especialmente a lei da atuação da massa e do equilíbrio químico, são de importância fundamental para a compreensão dos processos fisiológicos”. (Bertalanffy,1951, p. 49)
O exemplo clássico neste particular é o transporte do oxigênio dos pulmões para todos os tecidos. Todo o processo resume-se  no restabelecimento do equilíbrio químico entre o oxigênio,  a hemoglobina e a oxihemoglobina. Em concentrações elevadas o oxigênio é transferido para o sangue e combina-se quimicamente com a hemoglobina. Por fim na baixa pressão do oxigênio nos tecidos, desfaz-se a oxihemoglobina e o oxigênio é liberado. Como se pode  verificar realiza-se neste particular um verdadeiro equilíbrio embora muito efêmero. O mesmo já não se pode afirmar do organismo como um todo. Os processos de troca  de elementos levam a um estado estacionário, não, porém, de equilíbrio no verdadeiro sentido da palavra. Apesar de aparentemente estacionário a afluência de elementos  novos e a eliminação dos resíduos, é ininterrupta em qualquer organismo vivo.
Conclui-se daí por uma evidente diferença de fundo entre um sistema em equilíbrio e um organismo. No primeiro caso tem-se um sistema de todo em todo estacionário. O equilíbrio é total no todo e entre as diversas partes. As partes componentes não reclamam o aporte de matérias primas novas e a eliminação de sobras e resíduos, simplesmente porque não os há. Nada entra e nada sai. O sistema em tais situações está fechado a qualquer exigência e o equilíbrio é perfeito. Os componentes de um sistema fechado dessa natureza permanecem sempre idênticos e imutáveis. No organismo vivo as coisas passam-se de maneira bem diferente. Mesmo que à primeira vista se pareça com um sistema estacionário acontecem nele atividades constantes. Os componentes  do organismo como sistema estacionário são renovados, substituídos, incorporados, oxidados e os resíduos eliminados, num fluxo contínuo enquanto a vida estiver presente. Trata-se, portanto, de um sistema estacionário aberto em oposição ao sistema estacionário fechado dos sistemas anorgânicos e orgânicos sem vida. Enquanto a entrada, a elaboração química, a incorporação e a eliminação se calibram e se equilibram mutuamente, estamos frente a um organismo vivo. “A vida, portanto, consiste na mudança automática de dupla face, ou no metabolismo automático”. (Bertalanffy, 1951, p. 50)
Todos os organismos vivos, a começar pelos unicelulares mais simples até os metazoários mais complexos, são sistemas abertos estacionários e cada qual, de acordo com seu modo peculiar de ser, realiza o auto-metabolismo. A partir dos mais diversos elementos  como carbono, oxigênio, nitrogênio, etc., cada espécie de organismo elabora e incorpora a quantidade e a qualidade exata de que necessita para continuar vivo.
Depois de definir e descrever o que vem a ser um sistema aberto von Bertalanffy avança para  mostrar que o organismo vivo vem a ser o produto de uma estruturação múltipla  de extrema complexidade.  Resulta do concurso harmonioso de milhares de subsistemas maiores ou menores, mais ou menos complexos, que calibram e ajustam sua participação no todo funcional que é um organismo vivo. Explicando. O organismo compõe-se de células, tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas. Observando sob a ótica funcional a célula por si só já é um minúsculo e complexo sistema aberto. Sendo assim ela é capaz de vida própria quando se apresenta como protozoário, ameba, alga unicelular ou outro qualquer. O mesmo pode afirmar-se, ao menos em termos, das células embrionárias e células-tronco dos metazoários. Tratando-se, porém, de células especializadas, funcionalmente direcionados nos organismos vivos superiores, elas só desempenharão suas funções específicas quando incorporadas estrutural e funcionalmente no respectivo tecido, órgão, aparelho ou sistema. Um tecido  ou um órgão separado do organismo como um todo não tarda a perder todas as atividades próprias de um sistema aberto. Morre em pouco tempo e decompõe-se. Mesmo no caso de transplante de órgãos não muda o essencial dessa realidade. Acontece que o coração de alguém que morreu num acidente, mesmo parado, ainda dispõe de um prazo limitado, dentro do qual está em condições de retomar suas atividades e funções, sob a condição de ser incorporado por  transplante, num outro organismo similar.
O organismo, portanto, fundamenta-se  nas condições de sua construção sistêmica, mantém-se  em intercâmbio constante com suas partes. Von Bertalanffy afirma no segundo volume da sua “Theoretische Biologie”: “Todo o sistema orgânico vivo acha-se em constante troca  de elementos. Sua característica  básica  consiste no fato de que o sistema como um  todo  sustenta-se pela mudança ininterrupta de suas partes”. (Bertalanffy, 1951, p. 49)
A engenhosa arquitetura  do organismo faz prever  uma estreita dependência entre as diferentes  partes. Nenhuma delas, entretanto, se basta a si mesma. Suas peculiaridades só se manifestam quando em interação com as demais. Cada elemento em particular executa sua função pela interação com as outras, tendo como  finalidade a preservação o bem-estar  e harmonia do todo.

No sistema que é o organismo vivo, portanto, observa-se uma total hierarquia e harmonia de funções e competências. Reina uma perfeita coordenação entre todas as partes. O organismo é uma complexa e refinada e harmoniosa estrutura de sistemas abertos, começando pelos mais elementares que são as células aos mais complexos como são os órgãos, os aparelhos e os sistemas. Acontece que nenhum deles em particular se basta a si mesmo. Numa integração harmônica constituem o organismo vivo. Mas é importante ressaltar  outro viés dessa situação. O conceito e as particularidades do organismo não resultam da soma matemática das funções das partes e a compreensão dos processos de interação que ocorre entre elas. Percebe-se algo a mais. E é este “a mais” que faz a diferença entre um organismo vivo e um cadáver. O empiricamente constatável consiste no fato de que de um  sistema aberto de equilíbrio instável que caracteriza o ser vivo, passa-se para um sistema fechado de equilíbrio estável. Mas o diferencial mesmo observa-se nos efeitos que escapam às análises próprias das ciências chamadas exatas. Não é aqui o lugar e o momento de entrarmos mais  a fundo na análise de como e a partir de que “fator”, que “causa”, que “motor”, faz com que um sistema aberto de equilíbrio instável, passa à categoria de um organismo vivo que se reproduz, que mantém as funções vitais, que nos metazoários são garantidas pelas complexas estruturas e funções especializadas dos tecidos, órgãos,  aparelhos e sistemas, harmonicamente sincronizados, integrados e calibrados. E na medida em que se sobe na escala das categorias dos seres vivos ou organismos vivos, a complexificação das estruturas e funções orgânicas  condicionam manifestações que  se somam umas às outras. Começam com a vegetatividade, passam pela sensibilidade, por diversos estágios e graus de instinto, consciência e memória, ainda a nível pré-humano. E, finalmente, com o surgimento do homem, o vegetativo, o sensitivo, o instintivo, a consciência  e a memória, encontram a sua culminância na “Consciência Reflexa”. 

Ludwig von Bertalanffy (1900-1972)

Nas páginas acima  as nossas  reflexões tiveram como linha orientadora as conclusões sobre a natureza de cientistas que também foram religiosos. Como não podia deixar de ser, suas conclusões sobre a origem, a evolução e o destino final do universo ao alcance dos métodos das ciências experimentais, tiveram como fio condutor subliminar, o compromisso com postulados filosóficos e teológicos inegociáveis. Fizeram de tudo para que a seriedade e a credibilidade da pesquisa dos objetos específicos de cada um não fosse viciado pela filiação doutrinária. Na formulação das sínteses parciais e, de modo especial, nas globais esse comprometimento teve uma importância decisiva, na condição de pano de fundo, que serviu de moldura. Foi assim com Erich Wassmann, Teilhard de Chardin e de maneira mais flagrante com Balduino Rambo. Discreta ou  declaradamente adeptos do criacionismo, a lógica dos dados científicos que foram identificando em suas especialidades, foram-se alinhando para uma concepção holística, unitária e sintética da natureza.  Nas páginas que seguem pretendemos identificar a partir de resultados obtidos por autoridades, de referência mundial  em suas especialidades, como também eles concluíram pela unidade da natureza, possível somente quando as Ciências Naturais, as Ciências Humanas e as Letras e as  Artes se complementam mutuamente. Selecionamos os nomes dentre as maiores autoridades em Biologia: Ludwig von Bertalanffy, em Genética: Thedosius Dobschansky e Francis Collins, em Zoologia: Edward Wilson. Somamos aos cientistas o Filósofo da Esperança: Ernst Bloch.
Ludwig von Bertalanffy é mais um desses representantes emblemáticos que empenharam o melhor dos seus esforços e talentos no sentido de encontrar na natureza algo mais do que elementos  justapostos, leis  físicas e processos biológicos atuando fortuitamente, sem vinculações a nível de causas e efeitos. Nasceu na época em que as Leis de Mendel foram por assim dizer redescobertas e fizeram sua entrada triunfal na galeria das descobertas mais revolucionárias da biologia. A sua entrada no mundo das Ciências Naturais e da Filosofia como adolescente na universidade de Innsbruck, coincidiu com os famosos debates que se travavam entre Ernst Haeckel e seus admiradores, os profetas do monismo materialistas e Hans Driesch, Erich Wassamnn, Carl von Baer, Oscar Hertwig, Teilhard de Chardin, defensores de uma compreensão holística da natureza. Ludwig von Bertalanffy consolidou e formulou a sua proposta organísmico-sistêmica do mundo e da natureza, na mesma época, nas décadas de 1920 a 1950, em que Teilhard de Chardin concebeu  a sua grandiosa visão do universo, da natureza e do homem e Balduino Rambo deixou em seu diário os fundamentos para  uma síntese não menos ousada entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Mas as coincidências não se limitam ao período cronológico em que os nomes citados consolidaram as suas concepções. Identificam-se também pela formação que lhes serviu de plataforma para ousarem enfrentar tamanhos desafios.
É supérfluo insistir que Nicolau de Cusa dispunha de excelente formação filosófica e teológica e, a partir dessas perspectivas formulou a sua cosmovisão do mundo, sintetizada  na afirmação “ex partibus omnibus  ellucet totum”. Na mesma linha situa-se Erich Wassmann ao dar forma à sua visão científico-filosófica do universo e da natureza. Na condição de padre jesuíta vinha munido com a formação clássica, filosófica e teológica que a ordem exigia dos seus membros na época, isto é, segunda metade do século XIX e primeira do século XX. Sobre esse pano de fundo soube harmonizar perfeitamente sólidos conhecimentos de Ciências Naturais em suas pesquisas pioneiras sobre a vida nas colônias de formigas e térmites. Somente uma formação tão abrangente habilitou-o a propor uma ponte, à primeira vista talvez muito simples, mas, de tão simples, supunha uma compreensão na qual as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, tem condições reais de celebrar um encontro que leva a compreender a unidade na pluralidade de formas e a origem e natureza da complexidade dos processos que operam na natureza. Wassmann ensina que cabe ao Cientista, munido com seus instrumentos de trabalho e os métodos apropriados, as abordagens empíricas, apresentar o “Weltbild”, o retrato, a representação do mundo. Este vai sendo retocado, redesenhado e atualizado na medida e no ritmo em que os cientistas e a ciência descobrem novos dados. Munidos com eles  reformulam ou abandonam afirmações ultrapassadas e atropeladas por novas descobertas que levam à proposição de novas teorias e hipóteses. Por natureza, portanto, o “Weltbild” é tão dinâmico quanto é dinâmica a própria Ciência.
Segundo Wassmann, a tarefa do Filósofo consiste em, a partir dos dados fornecidos pela Ciência e a forma  peculiar de processá-los do ponto de vista das reflexões intelectuais que sugerem, conceber a “Weltauffassung”,  a cosmovisão. Fica claro, portanto, que para entender cada variável em particular que entra na composição da natureza e o conjunto delas formando um todo, requer-se o esforço solidário do cientista e do filósofo. Não há condições de, a partir de uma abordagem unilateral oferecer respostas conclusivas sobre a natureza dos fenômenos naturais, as leis e os processos que os comandam e, de modo especial, que tipo de totalidade, de todo ou unidade que   formam, além das causas  que explicam a sua origem e a teleologia que determina o seu rumo. Conclui-se que  o caminho para a compreensão do universo e da natureza precisa ser trilhado num esforço  solidário pelas Ciências  Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se de uma missão a ser cumprida a muitas  mãos sob pena de deixar para trás graves lacunas que prejudicam tanto um quanto o outro lado. Conclui-se ainda que é de uma vantagem difícil de avaliar se o cientista vem munido com uma sólida bagagem de conhecimentos humanísticos com destaque para a Filosofia e o filósofo de posse de informações científicas amplas e profundas. Sob este aspecto Ludwig von Bertalanffy vem a ser um exemplo clássico. Começou a sua formação em História da Arte e Filosofia na universidade de Innsbruck concluindo-a na universidade de Viena. Os conhecimentos de matemática, física, química, ciências naturais e humanas, indispensáveis para a sua visão organísmica e sistêmica da natureza, adquiriu-as sobre essa base. Mas tentemos condensar a cosmovisão de Bertalanffy. 
Bertalanffy  conquistou definitivamente um nome respeitado entre os pensadores e cientistas do século XX por apontar ao cientista, ao filósofo e ao teólogo um caminho para superar as dificuldades de diálogo que se tinham instalado entre essas diversas áreas do conhecimento. Na evolução do pensamento de Bertalanffy observam-se dois momentos de amadurecimento. O primeiro aconteceu no final da década de 1940 e princípios de 1950. Em 1949 saiu pela Edit. Franke o “Biologisches Weltbild” e em 1951 pela mesma editora a obra em dois volumes da “Theoretische Biologie”. No primeiro, um volume relativamente modesto, o autor expõe a concepção “organísmica” do ser vivo. “Theoretische Biologie” em dois alentados volumes, reúne por assim dizer, os dados empíricos que forneceram as bases científicas para o “Biologisches Weltbild.” O segundo momento  do amadurecimento e consolidação do pensamento de von Bertalanffy, situa-se no final da década de 1960. Culmina com a publicação da “General Theory of Systems”, publicado em 1968, traduzida para o português  com o titulo “Teoria Geral dos Sistemas”, editado pela “Vozes de Petrópolis”.
Entre a publicação do “Biologisches Weltbild” e “General Theory of Systems”, passaram-se 20 anos. Von Bertalanffy como pensador e cientista incansável foi ampliando e aprofundando as bases empíricas sobre as quais e a partir das quais terminaria formulando a “Teoria Geral dos Sistemas”. Essa obra por assim dizer, resume a caminhada científica e filosófica do autor, falecido em 1972. O fio condutor, o “Leitmotiv”, do esforço de três décadas de rigorosas investigações científicas, complementadas por reflexões de não menor profundidade, resultaram numa obra que não pode passar despercebida para aqueles que lidam com questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. O ponto de partida parece ter sido uma aproximação da questão mais pelo lado filosófico do que pelo científico no sentido rigoroso do termo, pois, uma conferência de von Bertalanffy publicada em Viena em 1947, leva o titulo: “Vom Sinn und der Einheit der Naturwissenchaften” – “O Sentido e a Unidade das Ciências Naturais”. Dois anos mais tarde veio à luz o “Biolgisches Weltbild” no qual, apoiado em observações  empíricas, o organismo vivo é visto e descrito como um “sistema aberto”, que não pode ser entendido como simples soma das estruturas e funções  que o integram. Mas este é um assunto a ser aprofundado mais abaixo.
Estamos, portanto, diante de um filósofo-cientista que vai procurar na matemática, na física, na química e nos diversos campos da biologia, elementos e argumentos capazes de dar solidez ao seu edifício organísmico-sistêmico. Observa-se neste particular um parentesco não declarado entre o paradigma conceitual e o caminho para implementá-lo entre Bertalanffy e Erich Wassmann. Este atribui às Ciências Naturais o papel de desenhar o “Weltbild”, o quadro, o estado da arte momentâneo da natureza, sugerido pelos dados científicos disponíveis num determinado momento.  Bertalanffy vale-se do mesmo conceito com o mesmo sentido no livro “Biologisches Weltbild e o faz permear as páginas da “Teoria Geral dos Sistemas”. Não se vale do conceito de “Weltauffassung” com o destaque que lhe dá Wassmann, mas no último parágrafo da obra conclui com uma declaração inequívoca neste sentido.
A concepção mecanicista do mundo dominante no século passado relacionava-se estreitamente com o predomínio da máquina, a concepção teórica dos seres vivos como máquinas e a mecanização do próprio homem. Os conceitos cunhados pelos modernos  progressos científicos têm porém sua mais evidente exemplificação na própria vida. Assim há a esperança  de que o novo conceito do mundo estabelecido pela ciência seja a expressão de um progresso dirigido para um novo estágio da cultura humana. (Bertalanffy. Teoria Geral dos Sistemas. Op. Cit. p.333)

Depois dessas considerações  introdutórias sobre Ludwig von Bertalanffy, vamos dedicar aos conceitos de “Organismo e Sistema” o espaço necessário para entender o que o autor entende quando os enuncia.