Nas páginas acima as nossas
reflexões tiveram como linha orientadora as conclusões sobre a natureza
de cientistas que também foram religiosos. Como não podia deixar de ser, suas conclusões
sobre a origem, a evolução e o destino final do universo ao alcance dos métodos
das ciências experimentais, tiveram como fio condutor subliminar, o compromisso
com postulados filosóficos e teológicos inegociáveis. Fizeram de tudo para que
a seriedade e a credibilidade da pesquisa dos objetos específicos de cada um não
fosse viciado pela filiação doutrinária. Na formulação das sínteses parciais e,
de modo especial, nas globais esse comprometimento teve uma importância
decisiva, na condição de pano de fundo, que serviu de moldura. Foi assim com
Erich Wassmann, Teilhard de Chardin e de maneira mais flagrante com Balduino
Rambo. Discreta ou declaradamente
adeptos do criacionismo, a lógica dos dados científicos que foram identificando
em suas especialidades, foram-se alinhando para uma concepção holística,
unitária e sintética da natureza. Nas
páginas que seguem pretendemos identificar a partir de resultados obtidos por
autoridades, de referência mundial em
suas especialidades, como também eles concluíram pela unidade da natureza,
possível somente quando as Ciências Naturais, as Ciências Humanas e as Letras e
as Artes se complementam mutuamente. Selecionamos
os nomes dentre as maiores autoridades em Biologia: Ludwig von Bertalanffy, em
Genética: Thedosius Dobschansky e Francis Collins, em Zoologia: Edward Wilson.
Somamos aos cientistas o Filósofo da Esperança: Ernst Bloch.
Ludwig von Bertalanffy é mais um desses
representantes emblemáticos que empenharam o melhor dos seus esforços e
talentos no sentido de encontrar na natureza algo mais do que elementos justapostos, leis físicas e processos biológicos atuando
fortuitamente, sem vinculações a nível de causas e efeitos. Nasceu na época em
que as Leis de Mendel foram por assim dizer redescobertas e fizeram sua entrada
triunfal na galeria das descobertas mais revolucionárias da biologia. A sua
entrada no mundo das Ciências Naturais e da Filosofia como adolescente na
universidade de Innsbruck, coincidiu com os famosos debates que se travavam
entre Ernst Haeckel e seus admiradores, os profetas do monismo materialistas e
Hans Driesch, Erich Wassamnn, Carl von Baer, Oscar Hertwig, Teilhard de Chardin,
defensores de uma compreensão holística da natureza. Ludwig von Bertalanffy
consolidou e formulou a sua proposta organísmico-sistêmica do mundo e da
natureza, na mesma época, nas décadas de 1920 a 1950, em que Teilhard de
Chardin concebeu a sua grandiosa visão
do universo, da natureza e do homem e Balduino Rambo deixou em seu diário os
fundamentos para uma síntese não menos
ousada entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Mas as
coincidências não se limitam ao período cronológico em que os nomes citados
consolidaram as suas concepções. Identificam-se também pela formação que lhes
serviu de plataforma para ousarem enfrentar tamanhos desafios.
É supérfluo insistir que Nicolau de Cusa
dispunha de excelente formação filosófica e teológica e, a partir dessas
perspectivas formulou a sua cosmovisão do mundo, sintetizada na afirmação “ex partibus omnibus ellucet totum”. Na mesma linha situa-se Erich
Wassmann ao dar forma à sua visão científico-filosófica do universo e da
natureza. Na condição de padre jesuíta vinha munido com a formação clássica,
filosófica e teológica que a ordem exigia dos seus membros na época, isto é,
segunda metade do século XIX e primeira do século XX. Sobre esse pano de fundo
soube harmonizar perfeitamente sólidos conhecimentos de Ciências Naturais em
suas pesquisas pioneiras sobre a vida nas colônias de formigas e térmites.
Somente uma formação tão abrangente habilitou-o a propor uma ponte, à primeira
vista talvez muito simples, mas, de tão simples, supunha uma compreensão na
qual as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, tem condições reais de
celebrar um encontro que leva a compreender a unidade na pluralidade de formas
e a origem e natureza da complexidade dos processos que operam na natureza.
Wassmann ensina que cabe ao Cientista, munido com seus instrumentos de trabalho
e os métodos apropriados, as abordagens empíricas, apresentar o “Weltbild”, o
retrato, a representação do mundo. Este vai sendo retocado, redesenhado e
atualizado na medida e no ritmo em que os cientistas e a ciência descobrem
novos dados. Munidos com eles reformulam
ou abandonam afirmações ultrapassadas e atropeladas por novas descobertas que
levam à proposição de novas teorias e hipóteses. Por natureza, portanto, o
“Weltbild” é tão dinâmico quanto é dinâmica a própria Ciência.
Segundo Wassmann, a tarefa do Filósofo
consiste em, a partir dos dados fornecidos pela Ciência e a forma peculiar de processá-los do ponto de vista
das reflexões intelectuais que sugerem, conceber a “Weltauffassung”, a cosmovisão. Fica claro, portanto, que para
entender cada variável em particular que entra na composição da natureza e o
conjunto delas formando um todo, requer-se o esforço solidário do cientista e
do filósofo. Não há condições de, a partir de uma abordagem unilateral oferecer
respostas conclusivas sobre a natureza dos fenômenos naturais, as leis e os
processos que os comandam e, de modo especial, que tipo de totalidade, de todo
ou unidade que formam, além das causas que explicam a sua origem e a teleologia que
determina o seu rumo. Conclui-se que o
caminho para a compreensão do universo e da natureza precisa ser trilhado num
esforço solidário pelas Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Trata-se
de uma missão a ser cumprida a muitas
mãos sob pena de deixar para trás graves lacunas que prejudicam tanto um
quanto o outro lado. Conclui-se ainda que é de uma vantagem difícil de avaliar
se o cientista vem munido com uma sólida bagagem de conhecimentos humanísticos
com destaque para a Filosofia e o filósofo de posse de informações científicas
amplas e profundas. Sob este aspecto Ludwig von Bertalanffy vem a ser um
exemplo clássico. Começou a sua formação em História da Arte e Filosofia na
universidade de Innsbruck concluindo-a na universidade de Viena. Os conhecimentos
de matemática, física, química, ciências naturais e humanas, indispensáveis
para a sua visão organísmica e sistêmica da natureza, adquiriu-as sobre essa
base. Mas tentemos condensar a cosmovisão de Bertalanffy.
Bertalanffy conquistou definitivamente um nome respeitado
entre os pensadores e cientistas do século XX por apontar ao cientista, ao
filósofo e ao teólogo um caminho para superar as dificuldades de diálogo que se
tinham instalado entre essas diversas áreas do conhecimento. Na evolução do
pensamento de Bertalanffy observam-se dois momentos de amadurecimento. O
primeiro aconteceu no final da década de 1940 e princípios de 1950. Em 1949
saiu pela Edit. Franke o “Biologisches Weltbild” e em 1951 pela mesma editora a
obra em dois volumes da “Theoretische Biologie”. No primeiro, um volume
relativamente modesto, o autor expõe a concepção “organísmica” do ser vivo.
“Theoretische Biologie” em dois alentados volumes, reúne por assim dizer, os
dados empíricos que forneceram as bases científicas para o “Biologisches
Weltbild.” O segundo momento do
amadurecimento e consolidação do pensamento de von Bertalanffy, situa-se no
final da década de 1960. Culmina com a publicação da “General Theory of
Systems”, publicado em 1968, traduzida para o português com o titulo “Teoria Geral dos Sistemas”,
editado pela “Vozes de Petrópolis”.
Entre a publicação do “Biologisches
Weltbild” e “General Theory of Systems”, passaram-se 20 anos. Von Bertalanffy
como pensador e cientista incansável foi ampliando e aprofundando as bases
empíricas sobre as quais e a partir das quais terminaria formulando a “Teoria
Geral dos Sistemas”. Essa obra por assim dizer, resume a caminhada científica e
filosófica do autor, falecido em 1972. O fio condutor, o “Leitmotiv”, do esforço
de três décadas de rigorosas investigações científicas, complementadas por
reflexões de não menor profundidade, resultaram numa obra que não pode passar
despercebida para aqueles que lidam com questões de fronteira entre as Ciências
Naturais e as Ciências do Espírito. O ponto de partida parece ter sido uma
aproximação da questão mais pelo lado filosófico do que pelo científico no
sentido rigoroso do termo, pois, uma conferência de von Bertalanffy publicada
em Viena em 1947, leva o titulo: “Vom Sinn und der Einheit der
Naturwissenchaften” – “O Sentido e a Unidade das Ciências Naturais”. Dois anos
mais tarde veio à luz o “Biolgisches Weltbild” no qual, apoiado em
observações empíricas, o organismo vivo
é visto e descrito como um “sistema aberto”, que não pode ser entendido como
simples soma das estruturas e funções
que o integram. Mas este é um assunto a ser aprofundado mais abaixo.
Estamos, portanto, diante de um
filósofo-cientista que vai procurar na matemática, na física, na química e nos
diversos campos da biologia, elementos e argumentos capazes de dar solidez ao
seu edifício organísmico-sistêmico. Observa-se neste particular um parentesco
não declarado entre o paradigma conceitual e o caminho para implementá-lo entre
Bertalanffy e Erich Wassmann. Este atribui às Ciências Naturais o papel de
desenhar o “Weltbild”, o quadro, o estado da arte momentâneo da natureza,
sugerido pelos dados científicos disponíveis num determinado momento. Bertalanffy vale-se do mesmo conceito com o
mesmo sentido no livro “Biologisches Weltbild e o faz permear as páginas da
“Teoria Geral dos Sistemas”. Não se vale do conceito de “Weltauffassung” com o
destaque que lhe dá Wassmann, mas no último parágrafo da obra conclui com uma
declaração inequívoca neste sentido.
A concepção mecanicista do mundo dominante
no século passado relacionava-se estreitamente com o predomínio da máquina, a
concepção teórica dos seres vivos como máquinas e a mecanização do próprio
homem. Os conceitos cunhados pelos modernos
progressos científicos têm porém sua mais evidente exemplificação na
própria vida. Assim há a esperança de
que o novo conceito do mundo estabelecido pela ciência seja a expressão de um
progresso dirigido para um novo estágio da cultura humana. (Bertalanffy. Teoria
Geral dos Sistemas. Op. Cit. p.333)
Depois dessas considerações introdutórias sobre Ludwig von Bertalanffy,
vamos dedicar aos conceitos de “Organismo
e Sistema” o espaço necessário para entender o que o autor entende quando
os enuncia.