Archive for novembro 2016

A Natureza como Síntese #18

Teilhard de Chardin – 8
A Antropogênese -5
Nos parágrafos que acabamos  de citar, Teilhard deixa transparecer que, como cientista, está lidando com um desafio de boas proporções. Vale-se dos recursos conceituais e literários até surpreendentes para o jargão de um cientista. De qualquer maneira parece legítima a percepção nas linhas e entrelinhas, uma lógica que no fundo orienta a evolução, assim como ele a entendeu. O “estofo” de que é feito o universo e a natureza, concentra em si o potencial para tornar-se realidade na medida  em que as condições necessárias estiverem presentes. Tornam-se  efetivas como realidades dadas  na medida em que a agregação, a repetição geométrica, a complexificação e a compressão, levam a sempre novos e mais altos níveis de organização. Cada nível de organização da matéria, exige, por sua vez, uma passo adiante na preparação do caminho em busca da “passagem critica da Molécula para a Célula. A resposta para a pergunta se essa “passagem critica” pode ser atribuída a processos de natureza físico-química atuantes na história da evolução natural ou não, Teilhard responde com a reflexão.
Nada em si mesmo impediria que, em massas infinitesimais, a substância viva esteja ainda a nascer sob os nossos olhos. – Mas nada, de fato, parece indicar, - tudo, pelo contrário, parece dissuadir-nos de pensar assim. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 96)
Reforça a afirmação com as experiências de Pasteur que comprovaram que, nas condições de hoje, a vida não aparece em laboratório, num meio estéril, previamente limpo de qualquer gérmen. Esse fato, em princípio, entretanto, nada diz a favor ou contra a gênese da célula no passado remoto da evolução. O uso universal do métodos de esterilização comprovam que, nos limites das investigações de hoje, “o protoplasma não mais se forma a partir de substâncias inorgânicas da Terra”. E conclui: E isso nos obriga, para começar, a revisar certas idéias por demais absolutas que podiam alimentar sobre o valor e o uso, em Ciências, das explicações pelas “causa atuais”. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 96).
Como se pode perceber, tanto a origem da matéria prima, o “estofo” do Universo, quanto o aparecimento da célula viva, desafiaram, como desafiam ainda hoje o potencial explicativo das Ciências Naturais. O terceiro passo na evolução que coloca os cientistas diante de um desfio, igualmente, ou muito mais intrigante, encontra-se na “superação da consciência pela consciência reflexa”, do “saber instintivo para o saber reflexivo”, da “inteligência instintiva – do instinto – para a inteligência reflexa”. Em outras palavras: “a Hominização”. Teilhard resumiu o tamanho do desafio.
Numa perspectiva puramente positivista, o Homem é o mais misterioso e o mais desconcertante dos objetos com que a Ciência se depara, E de fato, temos de confessar, a Ciência não lhe encontrou ainda um lugar nas suas re                                                                                            presentações do Universo. A Física chegou a circunscrever provisoriamente o mundo do átomo. A Biologia logrou estabelecer uma certa ordem nas construções da Vida. Apoiada na Física e na Biologia, a Antropologia, por sua vez, explica, mais ou menos, a estrutura do corpo humano e certos mecanismos da sua fisiologia. Mas uma vez reunidos todos esses dados, o retrato, manifestamente, não corresponde à realidade. O Homem, tal como a Ciência o consegue reconstituir hoje em dia, é um animal como os outros, - tão pouco separável, por sua anatomia, dos Antropoides, que as modernas classificações da Zoologia, retornando à posição de Lineu, o incluem com eles na mesma  superfamília os homínidas. Ora a julgar pelos resultados do seu aparecimento, não constitui ele precisamente algo totalmente diferente?
Salto morfológico ínfimo; e, ao mesmo tempo, incrível abalo das esferas da Vida: todo o paradoxo humano ... E toda a evidência, por conseguinte, de que, nas suas atuais reconstruções do Mundo, a Ciência negligencia um  fator essencial, ou melhor dizendo, uma dimensão inteira do Universo.
Entre os últimos estratos do Plioceno, donde o Homem está ausente, e o nível seguinte, onde o geólogo deveria ser sacudido  de estupefação ao identificar os primeiros quartzos lascados, o que é que se passou. E qual é a verdadeira dimensão do salto? (Teilhard de Chardin. 1986. p. 185)
A dimensão nova a que se refere Teilhard vem a ser a Noosfera que vai complementar e coroar a Litosfera e a Biosfera. Não há necessidade de relembrar que na explicação da transição entre as três esferas, a Ciência não consegue avançar muito além da formulação de hipóteses que “não se sustentam por mais do que uma manhã”. O cientista, seja ele biólogo, paleontólogo, associados ao antropólogo, são desafiados mais uma vez pela incomoda pergunta: o arsenal disponível dos dados empíricos e as perspectivas  do potencial de investigação, percebe-se uma probabilidade objetiva de uma resposta conclusiva convincente? Antes de arriscar um veredicto definitivo é prudente tentar compreender mais a fundo o sentido real a afirmação de Teilhard: “o geólogo deveria ser sacudido de estupefação ao identificar os primeiros quartzos lascados”.
Concedemos que para que para o biólogo, o paleontólogo, o antropólogo físico ou bio-antropólogo, a transição entre os símios mais primitivos, os símios antropoides e os homínidas, não cause uma surpresa tão fora do comum. Afinal lidam com o que a espécie humana tem em comum com os demais antropoides ou símios e seres vivos em geral. Seus métodos de investigação são reconhecidamente válidos e aceitos e as hipóteses que formulam, a partir dos dados de que dispõem, são legítimas. Muitos, entretanto, não percebem, e quando percebem, não se interessam ou “negligenciam um fator essencial”, “uma dimensão inteira do Universo”. E, tentando manter fidelidade ao raciocínio e à cosmovisão de Teilhard, a dimensão a que se refere vem a ser a “Noosfera”. A questão assume um sentido bem mais polêmica no momento em que for tratado ao nível do psiquismo. A pergunta de fundo a ser respondida vem a ser: o psiquismo do homem difere essencialmente daquele dos seres  vivos que vieram antes dele, ou a inteligência animal situa-se apenas num nível um pouco mais abaixo da humana. Ou ainda. A inteligência humana dispõe somente de algumas ferramentas a mais do que os antropoides, como por ex., o gorila e chimpanzé e tudo se explica via biologia, via DNA, etc. Nada de sugerir uma diferença específica, uma diferença essencial, de natureza, entre o psiquismo humano e o animal. Frente a esse impasse Teilhard propõe encarar de frente o desafio.
Se queremos resolver essa questão (cuja solução é tão necessária para a Ética da Vida quanto para o conhecimento puro ... ) a “superioridade do Homem sobre os Animais, eu não vejo senão um meio: por decididamente de lado, nos feixes dos comportamentos humanos, todas as manifestações secundarias e equívocas da atividade interna e encarar de frente o fenômeno da “Reflexão”.
Do ponto de vista experimental, que é o nosso, a reflexão, como a própria palavra indica, é o poder adquirido por uma consciência de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse de si mesma como de um objeto dotado de sua própria consistência e do seu próprio valor: não mais apenas conhecer, - mas conhecer-se; não mais apenas saber, mas saber que se sabe. Por essa individualização de si mesmo no fundo de si mesmo, o elemento vivo, até aqui espalhado e dividido sobre um círculo difuso de percepções e de atividades, acha-se constituído, pela primeira vez, em centro punctiforme, onde todas as representações e experiências se entrelaçam e se consolidam num conjunto consciente de sua organização. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 186)
A revolução que o aparecimento da Reflexão significou para a história posterior da evolução, justifica algumas reflexões complementares. Quem sabe ler descobre nos quartzos lascados, nos famosos “machados de punho”, que deveriam ter impressionado os geólogos mais do que qualquer outra descoberta inusitada, os elementos que distinguem  a inteligência reflexa da inteligência instintiva. De saída os caçadores e coletores do paleolítico flagraram-se diante e uma situação, que desafiava  a própria chance de competir com êxito com as demais espécies, pela sobrevivência no contexto da evolução natural. Anatomicamente falando o homem somava-se àquelas espécies diante mão condenadas ao fracasso na luta pela sobrevivência, se entregue à lógica  implacável da seleção natural. Basta observar as mãos. Não passam de ferramentas de eficiência limitada e precária. De um lado servem para tudo e, do outro, não são eficientes para nada. Basta compará-las com as extremidades dos animais que no paleolítico disputavam com o homem o espaço e os alimentos. As mãos cavam, mas cavam mal. Agarram, mas agarram mal. Defendem, mas defendem mal. Entre a eficiência das garras de um tatu ou de um tamanduá e as mãos do homem, há uma distancia quilométrica. O mesmo pode-se afirmar do casco de um cavalo, das patas e um leão ou das mãos de um macaco. Situação semelhante oferece a dentadura. Nela não há nada similar em termos de eficiência à de um ruminante ou de um predador natural. E o que julgar da proteção contra as intempéries com o corpo praticamente desprovido de pelos espessos, de uma cobertura de lã de camadas protetoras de gordura? Como, então, apesar e tudo, o homem é a única espécie viva, pelo menos entre os vertebrados, que continua com êxito a sua trajetória evolutiva?.
A resposta é óbvia. O homem é a única espécie viva capaz de Reflexão. E na prática o que significa isso? Tomemos como exemplo aqueles artefatos de sílex lascados, os famosos “machados de punho”. O que nos ensinam? Que os responsáveis pelo lascamento dispunham da capacidade de avaliar uma situação e como  resposta pôr em andamento toda uma cadeia de procedimentos, para dar conta dos desafios que oferecia. Parece legítimo imaginar, entre outras, a seguinte seqüência de procedimentos: tomar consciência de um problema, por ex., escavar um tubérculo, tirar a pele de um animal, separar a carne dos ossos, defender-se contra uma fera ou contra outro homem. Constatada a ineficiência das mãos e dos dentes recorrer a pedaços de madeira, ossos de animais ou lascas de pedra; imaginar a possibilidade de tornar esses artefatos mais eficientes  por meio de manipulações adequadas; dar-lhes o formato e os acabamentos necessários para servir à finalidade pretendida. Em resumo, temos assim a cadeia de operações mentais ditando a natureza e a sequência de ações necessárias para chegar ao objetivo pretendido. Conclui-se, sem mais, que o motor é a Reflexão que confere ao homem a capacidade de ter consciência de uma situação, refletir sobre ela, organizar logicamente os atos em função de um objetivo a ser alcançado. Na sua maneira peculiar e única, Teilhard resumiu o “Passo para a Noosfera” e o seu significado para a natureza em geral e o homem em particular.

Isto posto, eu pergunto. Se, como decorre do que ficou dito, é o fato de se encontrar “refletido” que constitui o ser verdadeiramente “inteligente”, podemos nós seriamente duvidar de que a inteligência seja apanágio evolutivo do Homem e só do Homem? E podemos nós, por conseguinte, hesitar em reconhecer, por não sei que falsa modéstia, que sua posse representa para o Homem uma avanço radical em relação a toda a Vida antes dele? O animal sabe, bem entendido. Mas, certamente, ele não sabe que sabe: de outro modo, teria há muito tempo multiplicado invenções e desenvolvido um sistema de construções internas que poderiam escapar à nossa observação. Consequentemente, permanece fechado para ele todo o domínio do Real, no qual nós nos movemos, nós, - mas no qual ele, por sua vez, não consegue entrar. Um fosso, - ou um limiar – para ele intransponível, nos separa. Em relação a ele, por sermos reflexivos, não somos apenas diferentes, mas outros. Não só simples mudança de grau,  mas de natureza – que resulta de uma mudança de estado. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 186-187).

A Natureza como Síintese #17

A Antropogênese

À linguagem cabe o papel de meio de campo entre a preservação da individualidade e as relações que consolida com seus semelhantes. As pessoas dialogando desenvolvem bases de  entendimento mútuo, fundamentadas  em conceitos abstratos, representações, simbolismos, etc., conforme o entendimento do Pe. Balduino Rambo.
Ela é, sem dúvida, muito mais do que um veículo técnico de comunicação. Ela desabrochou do sangue e da natureza de um povo. Por isso reluzem sobre suas folhas as reminiscências  do orvalho dos tempos primigênios e do seu cálice emana ainda  hoje algo do perfume do mistério da alma humana.
A expressão mais evidente do sangue comum e do espírito, da alma comum, do modo de pensar comum é a língua. A identidade étnica dispõe, obviamente, de outras modalidades e de outras formas de fazer visível a sua cultura: a música, a pintura, a escultura, festas, trajes, usos e costumes. A língua, entretanto, constitui-se  no sinal identificador mais essencial da identidade étnica. Torna possíveis as demais manifestações e de certo ponto as inclui.
A língua materna é uma flor milagrosa plantada por Deus à margem da estrada dos povos, para que nela se alegrem. Aquele  que a pisoteia e, sob qualquer pretexto a rouba, danifica a sua alma e se intromete criminosamente no santuário da alma humana. (Rambo, Balduino. 1935. )
O significado da língua na sua forma mais ampla de “comunicação”, formulada por David Everett há poucos meses, poderia parecer inspirada na reflexão do Pe. Rambo feita há oitenta anos. A língua, segundo o primeiro, resulta da capacidade cognitiva do homem; faz as pessoas comunicarem-se de acordo com os padrões consagrados e consolidados pela história de cada cultura particular; e ainda faz as pessoas compartilhar com as demais o que desejam comunicar. A semelhança  fica ainda mais evidente na continuação da reflexão feita pelo segundo, há quase oito décadas.
A língua materna simboliza a mesma maneira de  pensar e a mesma maneira de sentir. Sob esse aspecto ela representa um dos tesouros mais sagrados dos povos. A língua comum constitui-se no veículo mais completo da compreensão mútua, não somente por causa dos mesmos sons e das mesmas palavras, mas antes de mais nada por causa das mesmas percepções que transmite. A língua materna comum permite a formação da comunidade de destino comum. Por meio dela somos capazes de superar com maior facilidade a enorme solidão da nossa existência e trilhar com mais segurança a difícil, a longa, a íngreme e a escura trilha da nossa vida. Ninguém se basta a si mesmo. Pelo contrário. Quanto mais importante é o homem tanto mais sente a solidão e a impotência e com tanto maior ânsia procura os homens que Deus lhe concedeu como companheiros de viagem a dois, a três ou a muitos, para que a jornada seja menos solitária. (Rambo. 1935. p. ?)
Depois dessa digressão voltemos a Teilhard de Chardin. Não há necessidade de insistir mais de que ele vai conduzindo toda a sua linha de raciocínio em busca de um ponto de convergência da natureza global. Ocupa-se com a pluralidade das realidades naturais com a certeza de que pela sua natureza fazem parte de uma grande unidade. A visão unitária do universo e da natureza encontra-se implícita no macro-modelo desenhado para balizar a coerência da suas reflexões. Tudo teve o seu começo no “alfa”. Nele concentrou-se a matéria original, o “estofo” dotado de um potencial ilimitado de diversificação, reagrupação, complexificação e  concentração sobre si mesmo, até voltar novamente, no final, a uma unidade definitiva, o “ômega”. No último capítulo do “Fenômeno Humano”, intitulado “A Terra Final”, a sua intenção nesse sentido fica cada vez mais clara.
O homem só continuará a trabalhar e a pesquisar se conservar o gosto apaixonado de fazê-lo. Ora, esse gosto está inteiramente pendente da convicção, estritamente indemonstrável para a Ciência, de que o Universo tem sentido e de que pode, ou até de que deve desembocar, se formos fiéis, em alguma irreversível  perfeição. Fé no progresso.
Podemos conceber cientificamente um melhoramento quase indefinido do organismo humano e da sociedade humana. Mas logo que se trata de materializar praticamente os nossos sonhos, constatamos que o problema continua indeterminado, ou mesmo insolúvel, a menos que  admitamos, por uma intuição parcialmente supra-racional, as propriedades convergentes do Mundo a que pertencemos. Fé na Unidade. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 324)
Na citação acima, Teilhard como cientista deixa clara a dificuldade em oferecer, via Ciência, a perspectiva para uma resposta final e conclusiva para o desfecho da evolução em geral e a do homem em particular. Percebe como, para entender o Universo  e a Natureza, os cientistas desmontaram a realidade até as últimas peças. E no afã de, por esse caminho, encontrarem respostas de fundo para as hipótese que os orientam, cresce, no mesmo ritmo do avanço das suas descobertas, a desconfiança de que não e por essa via que irão obtê-las. Se essa foi a situação em meados do século XX, o que não dizer do começo do século XXI?. Em todo o caso, e o que interessa, é que ele descreveu o desfecho final, para o qual deverão contribuir tanto as Ciências Naturais quanto as Ciências do Espírito.
Quando olhamos no Universo movediço para o qual acabamos de despertar, as séries temporais  espaciais divergir e soltar-se à nossa volta e para trás, como as camadas de um cone, fazemos Ciência pura. Mas quando nos voltamos para o lado do Ápice, em direção à Totalidade e o Porvir, forçoso nos é fazer também Religião.
Religião e Ciência: as duas faces conjugadas de um mesmo ato completo de conhecimento, - o único que pode abarcar para completá-los, medi-los e consumá-los, o Passado e o Futuro da Evolução.
No reforço mútuo dessas duas potências ainda antagônicas, na conjunção da Razão e da Mística, o Espírito humano, pela natureza do seu desenvolvimento, está destinado a encontrar o extremo de sua penetração, com o máximo de sua  força viva. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 324)
A no seu texto complementar ao “Fenômeno Humano”, ao qual deu o titulo de “O Homem na Natureza”, formulou a  conclusão de todo o seu esforço científico e as reflexões que o acompanham, nos seguintes termos.
Se o polo de convergência psíquica no sentido do qual gravita, organizando-se,  a Matéria não fosse nada de diferente, nem nada mais que o agrupamento totalizado, impessoal e reversível, de todos os grãos de Pensamento cósmicos momentaneamente refletidos uns nos outros, o enrolamento do Mundo sobre si mesmo desfazer-se-ia, na própria medida em que a Evolução, ao progredir, tomaria consciência mais clara do beco sem saída em que terminaria. Sob pena de ser incapaz de formar o fecho de abóbada para a Noosfera, “Ômega” só pode ser concebido como o  ponto de encontro entre o Universo chegado ao limite de concentração  e um outro Centro ainda mais profundo – centro auto subsistente e Princípio absolutamente último de irreversibilidade de personalização: o único verdadeiro Ômega. E julgo ser neste ponto que se insere na Ciência da Evolução, o problema de Deus – Motor, Colector e Consolidador da Evolução. (Teilhard de Chardin. 1956. p. 148-149)
Pelo exposto fica claro que, salvo melhor juízo,  Teilhard direcionou todo o seu esforço de cientista, de etnógrafo, de etnólogo, de geógrafo, de historiado, de filósofo, e porque não de teólogo e místico, em favor da demonstração de que o Universo é Uno na sua incrível diversidade. Essa Unidade somente é possível se houve um começo único, um “Alfa”. A mesma lógica pede também que o desfecho que levou a Evolução à Pluralidade, à diversidade extrema numa primeira fase, e numa segunda, voltou a concentrar-se (lembramos a                                                               metáfora do globo terrestre), em busca de ponto de chegada final, único e definitivo – o “Ômega”. Apesar da Pluralidade acompanhada de uma aparente dispersão, uma linha mestra, um “Leitmotiv”, uma teleologia garantiu e garante ainda a Unidade radical. E se existe uma teleologia, uma causa eficiente – um “Alfa” – as potencialidades da Evolução estavam previstas no “Estofo” primordial do Universo, e a Evolução mesma  direcionada em busca de um objetivo, de um fecho final- o “Ômega”. A lógica dessa cosmovisão só pode terminar numa conclusão, aquela que o próprio Teilhard formulou no “O Lugar do Homem na Natureza”: o “Alfa” confunde-se com o Deus Criador e o “Ômega” o mesmo Deus, princípio, alma, razão de ser e destinação final do Universo, da Natureza e do Homem. “E julgo ser neste ponto que se insere na Ciência da Evolução, o problema de Deus -  Motor, Colector e Consolidador da Evolução” (Teilhard de Chardin. 1956. p. 149)
Para Teilhard são fundamentais os conceitos emprestados ao alfabeto grego: “alfa” e “ômega”. O sentido metafórico de “começo” e “fim”, de “ponto de partida” e “ponto de chegada”, não deixa dúvidas. Entre esses dois polos localiza-se, numa perspectiva macro-histórica, a evolução do Universo, da Natureza e do Homem e, consequentemente, a evolução individual de cada uma das realidades que compõem o todo. Do “estofo” primordial, existente lá no começo, confundindo-se com o “alfa”, resulta a matéria original na forma de átomos. A partir desse estágio entram em ação os processos de agregação, de repetição geométrica, de complexificação, de compressão e a consciência, que aceleraram num ritmo geométrico  a dinâmica da evolução. Não é aqui o lugar para entrar  a fundo nos meandros, nas sinuosidades, nos aparentes becos sem saída e os recursos  teóricos e metodológicos de que o autor do “Fenômeno Humano” e do “Homem na Natureza” se valeu, para não desviar-se da perspectiva científica. Esses aspectos já foram analisados em outra passagem das presentes reflexões. No fundo duas preocupações  parecem orientar a maneira original com que o autor conduziu suas analises e as suas reflexões. Teilhard preocupa-se, de um lado, em deixar claro de que lida com a evolução na perspectiva das Ciências Naturais. Do outro, entretanto, a sua formação filosófica e teológica e, principalmente, sua fé inegociável, dificultam-lhe em muito a caminhada. São de modo especial cruciais a resposta para a origem da matéria prima, o “estofo”  do Universo, a origem da vida, os salto do instinto para a inteligência reflexa. Corre paralela a preocupação para não perder de vista as causas, ou a causa, responsável pelo surgimento da matéria e, como a evolução, amarrada a uma teleologia, culmina num ponto de partida pré-estabelecido. Entende-se a dificuldade de Teilhard em movimentar-se nesse campo minado e manter-se fiel ao propósito de não cair na tentação de, à maneira de um “deus ex machina”, valer-se de referenciais alheios às Ciências Naturais. Conceitos como “causalidade eficiente”, “destino”, “criação”, “revelação natural”, “criador”, “forças sobrenaturais ou preter-naturais”, “design inteligente” de maneira alguma seriam recursos explicativos legítimos, num texto que se orienta por uma abordagem científica. Entretanto não deixam de decidir indiretamente, à maneira de um pano de fundo, sobre a natureza e o rumo das reflexões.
O arcabouço conceitual escolhido por Teilhard para tornar compreensível a genialidade da sua cosmovisão global do Universo, da Natureza e do Homem, prima pela lógica e coerência. Tudo começou no polo “alfa” onde reina total simplicidade. Essa simplicidade, porém, é  apenas aparente. Ela oculta um potencial ilimitado de desdobramentos, que vão se materializando  no decorrer da evolução, tanto no plano macro quanto no micro e no nanocósmico. “O Fenômeno Humano”  nada mais é do que o desfecho dessa história com o surgimento do homem, inserido “sistemicamente”, como diria von Bertalanffy, nesse contexto global e universal. A evolução em todos os níveis  e abrangências  conta com os mecanismos da agregação, da repetição geométrica, complexificação e compressão, como responsáveis  pela infinita diversidade e níveis que se observam na natureza. Com o acirramento da complexificação, acentua-se a compressão e com ela os níveis de consciência tornam-se cada vez mais perceptíveis e mais atuantes. Na primeira fase da evolução predominou a diversificação – os meridianos do globo terrestre ilustram essa dinâmica – na segunda acentua-se a compressão, até que tudo seja subsumido num único polo de convergência – o “ômega”.
Os processos responsáveis por essa dinâmica, além dos seus resultados são explicáveis pela evolução natural. Há, porém, três momentos nessa história de bilhões de anos em que os acontecimentos se complicam. São situações limite em que qualquer cientista isento e sem preconceitos pergunta: o meu arsenal metodológico e conceitual está, de fato, em condições de dar uma resposta que convença, ou devo remeter essa tarefa a uma outra instância que dispõe dos instrumentos adequados para lidar com o problema? Os três momentos críticos são, para repeti-los de novo: o primeiro, a origem da energia, a matéria prima, “o estofo” do universo; o segundo, o surgimento da vida com suas características de “sistema aberto”, alimentando-se, locomovendo-se e reproduzindo-se e orientando-se por instinto; o terceiro, a hominização que equipou o cérebro do homem com a inteligência racional. Não é aqui a ocasião para requentar essa discussão a nível genérico. Nosso interesse resume-se no caminho que Teilhard escolheu para lidar com o problema. Fiel ao propósito de enfrentar essas questões  intrincadas ao nível da evolução natural, espera-se que não remeta a explicação a algum “design inteligente”, ou, o que ninguém estranharia, jesuíta que era, declarar que as Ciências Naturais não têm como dar uma resposta conclusiva, restando a Criação como solução. Optou pela saída de qualquer cientista honesto. Lidando com esse tipo de desafios como sendo hipóteses, e nada mais. É o que ele deixa claro  ao introduzir o capítulo primeiro do “Fenômeno Humano”, com o titulo “O Estofo do Universo.
O estofo do universo: esse resíduo último das análises sempre mais minuciosas da Ciência ... Não desenvolvi com esta, para saber descrevê-lo dignamente, aquele contato direto, familiar, que faz toda a diferença entre o homem que leu e o homem que experimentou. E sei também do perigo que existe em tomar, como materiais de uma construção que se desejaria duradoura, hipóteses que, na própria mente daqueles que as propõem, não devem durar mais do que uma manhã.
Em compensação sobre a variedade de teorias que se vão amontoando umas sobre as outras, surge um certo número de caracteres que reaparecem obrigatoriamente em qualquer uma das explicações propostas para o universo. E dessa “imposição” definitiva, na medida que ela exprime condições inerentes a toda a transformação natural, mesmo viva, que deve necessariamente partir e que pode decentemente falar o naturalista empenhado num estudo geral do Fenômeno Humano. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 41)
Pelo visto Teilhard atribui ao “estofo” do universo as potencialidades necessárias para que a evolução em geral pudesse acontecer, inclusive “gerar a vida”. Fica claro, entretanto que se apoiam em hipóteses “que não devem durar mais do que uma manhã”. Como cientista não se preocupa em especular, ou propor mais um palpite, mais uma hipótese que “não dura mais do que um manhã”, sobre a origem e natureza do “estofo” do universo. Prefere adotar a linha de raciocínio ditada pelo fato objetivo de que a natureza evolui e se transforma. Trabalha com o pressuposto de que no “estofo” do universo encontram-se em potencial, desde  a sua origem, os elementos e mecanismos que no decorrer de bilhões de anos, levaram pela evolução, ao que hoje presenciamos no macrocosmos, no microcosmos e no nanocosmos. No entender de Teilhard, essa gigantesca construção, tanto no tamanho, quanto na diversidade foi possível, porque  o “estofo” primordial previa a agregação, a repetição geométrica, a complexificação e a compressão como ferramentas que permitiram que a consciência se manifestasse em níveis cada vez mais aperfeiçoados. Mas no fundo, no fundo, o panorama da evolução vai sendo desenhado por um plano, que orienta o rumo e permite supor uma razão de ser e não apenas uma mera casualidade. O “alfa” como ponto de partida, a diversificação e a complexificação e, finalmente, a compressão, para terminar no “ômega”, levam à conclusão de que o autor supõe uma teleologia, responsável para que a dinâmica não se desgarre do caminho traçado. Somente aceitando uma teleologia entende-se a evolução global, acontecendo entre os dois polos, o “alfa” como ponto de partida  o “ômega” como ponto de chegada.
O potencial contido no “estofo” do universo materializou-se  na complexa realidade que vem a ser o mundo anorgânico e o orgânico não vivo. Sua pedra angular é o átomo. Multiplicando-se quantitativa e qualitativamente por agregação, por repetição geométrica, por complexificação e por compressão, levou ao nível em que,
 ( ... ) é perfeitamente concebível que um salto essencial seja possível entre dois estados ou formas, mesmo inferiores, de consciência. Para retomar e resolver, nos seus próprios termos, a dúvida anteriormente formulada, há efetivamente, eu direi, muitas maneiras diferentes de um ser possuir um Dentro. Uma superfície fechada, de início irregular, pode-se tornar centrada. Um círculo pode aumentar sua ordem de simetria tornando-se uma esfera. Quer pela ordenação as partes, quer pela aquisição de uma dimensão a mais, nada impede que o grau de interioridade próprio de um elemento cósmico possa variar a ponto de se elevar bruscamente a um novo escalão.
Ora semelhante mutação psíquica deve ser precisamente  acompanhada da descoberta da combinação celular, eis que resulta imediatamente da lei que, conforme atrás reconhecemos, regula em suas relações mútuas o Dentro e o Fora das coisas. Acréscimo da Matéria: portanto correlativamente  diríamos, aumento de consciência no meio sintetizado. Transformação “critica” no arranjo íntimo dos elementos, devemos acrescentar agora:  logo, “ipso facto”, mudança de “natureza” no estado de consciência do Universo.
E agora consideremos novamente à luz destes princípios, o assombroso espetáculo apresentado pela eclosão definitiva da Vida na superfície da Terra Juvenil. Esse ímpeto para frente na espontaneidade. Esse luxuriante desencadeamento de criações fantásticas. Essa expansão desenfreada. Esse salto no improvável ... Não será aí o acontecimento que a teoria nos permite esperar? A explosão da energia interna consecutiva e proporcionada a superorganização fundamentada da Matéria?.

Realização externa de um tipo essencialmente novo ao agrupamento corpuscular, permitindo a organização mais flexível e melhor centrada de um número ilimitado de substâncias tomadas e em todos os graus de grandeza particulares; e, simultaneamente, aparecimento interno de um novo tipo de atividade e de determinações conscientes: por essa dupla e radical metamorfose podemos razoavelmente definir, naquilo que ela tem de especificamente original, a passagem critica da Molécula para a Célula, - “o Passo da Vida”. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 91)

A Natureza como Síntese #16

Teilhar de Chardin  -6
Antropogênese -3

A nova dimensão a que se refere Teilhard vem a ser a Noosfera que vai coroar a Litosfera e a Biosfera. Não há necessidade de lembrar  que na explicação da transição entre as três esferas, a Ciência não consegue avançar muito além da formulação de hipóteses que “não se sustentam por mais do que uma manhã”. O cientista, seja ele biólogo, paleontólogo ou antropólogo,  é desafiado mais uma vez pela incomoda pergunta: Os dados empíricos disponíveis e as perspectivas oferecidas pelo potencial da investigação, pode-se prever uma resposta convincente e definitiva?. Antes de arriscar um veredicto é prudente tentar  compreender mais a fundo o sentido real, quando Teilhard afirma que o “geólogo deveria ser sacudido de estupefação ao deparar-se com os primeiros quartzos lascados”.
Concedemos que para o biólogo, o paleontólogo, o antropólogo físico e o bio antropólogo, a transição entre os símios mais primitivos, os símios antropoides e os homínidas, não cause surpresa fora do comum. Afinal lidam com o que a espécie humana tem em comum com os demais antropoides, símios e seres vivos em geral. Seus métodos são reconhecidos e válidos e as hipóteses que formulam a partir dos dados e resultados que obtém são legítimas. Muitos não percebem, e quando percebem, não se interessam pelo que no homem é de fato inédito e assim “negligenciam um fator essencial, uma dimensão inteira do Universo”. E, procurando manter a fidelidade ao raciocínio e à cosmovisão de Teilhard, a dimensão a que se refere vem a ser a Noosfera. A questão assume uma dimensão bem mais polêmica no momento em que for tratada ao nível do psiquismo. A pergunta de fundo a ser respondida vem a resumir-se em: o psiquismo do homem difere essencialmente  daquele dos seres vivos que vieram antes dele; ou a inteligência animal situa-se apenas num nível abaixo da humana; ou ainda, a inteligência do homem dispõe, em última análise, de algumas ferramentas a mais do que os antropoides como o gorila e o chimpanzé. Explica-se tudo via biologia, via DNA, etc. Nada de suspeitar, muito menos aceitar, uma diferença de natureza entre o psiquismo do homem e do animal. Frente a esse impasse Teilhard propõe encarar de frente o problema.
Se queremos resolver essa questão (cuja solução é tão necessária para a Ética da Vida quanto para o conhecimento puro ...) a “superioridade do Homem sobre os Animais” eu não vejo senão um caminho: por decididamente de lado, nos feixes dos comportamentos humanos, todas as manifestações secundárias e equívocas da atividade interna e encarar de frente o fenômeno central da “Reflexão”.
Do ponto de vista experimental, que é o nosso, a reflexão, como a própria palavra indica, é o poder adquirido de uma consciência  de se dobrar sobre si mesma, e de tomar posse de si  mesma como de um objeto dotado de sua própria consistência e de seu próprio valor: não apenas conhecer, - mas conhecer-se; não apenas saber, mas saber que se sabe. Por essa individualização de si mesmo no fundo de si mesmo, o elemento vivo, até aqui espalhado e dividido sobe um círculo difuso de percepções e de atividades, acha-se constituído, pela primeira vez, em centro punctiforme, onde todas as representações e experiências se entrelaçam e se consolidam num conjunto consciente de sua organização. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 186).
A revolução que o aparecimento da Reflexão significou para a história posterior da evolução, justifica algumas reflexões complementares. Quem sabe ler e entender a linguagem da natureza, descobre nos quartzos lascados, nos famosos machados de punho, que deveriam ter impressionado os geólogos mais do que qualquer outra descoberta inusitada, os elementos que distinguem a Inteligência Reflexa da Inteligência Instintiva ou sensitiva. De saída os caçadores e coletores  do paleolítico viram-se numa situação que implicava na própria chance de êxito na competição com as demais espécies pela própria sobrevivência no plano da evolução natural. Sob o aspecto anatômico o homem pertencia àquelas espécies diante mão condenadas ao fracasso na luta pela sobrevivência, se entregue unicamente à lógica implacável da seleção natural. Basta observar as mãos. Não passam de ferramentas de utilidade limitada. Servem para tudo e, ao mesmo tempo, não são eficientes em nada. Basta compará-las com as extremidades  dos animais que no paleolítico disputavam os espaços e os alimentos com o homem. Servem para cavar, mas cavam mal; servem para agarrar, mas agarram mal; servem para defender-se, mas defendem mal. Entre a eficiência das garras de um tatu ou de um tamanduá e as mãos, constata-se uma distancia quilométrica. O mesmo pode-se afirmar  dos cascos de um cavalo, das patas de um leão. Situação parecida constatamos na dentadura. Nela não se verifica nada similar à utilidade num ruminante ou num carnívoro. E o que pensar em relação à proteção contra as intempéries, com o corpo praticamente sem pelos, sem uma cobertura de lã ou camada de gordura? Como então se explica que, apesar de tudo, o homem é a única espécie, pelo menos entre os vertebrados, que continua com pleno êxito a sua trajetória evolutiva?
A resposta resume-se no fato de o homem ser a única espécie capaz de Reflexão. E na prática o que significa isso? Tomemos como exemplo os artefatos lascados de sílex, os machados de punho. O que ensinam? Que os autores do lascamento dispunham da capacidade  de avaliar uma situação e como resposta  por em andamento toda uma cadeia de procedimentos para dar conta dos desafios que oferecia. Parece legítimo imaginar, entre outros, a seguinte sequência de ações: tomar consciência de um desafio,  por ex,. escavar um tubérculo, ou tirar a pele de um animal, ou separar a carne dos ossos, ou defender-se  contra uma fera ou outro homem; constatar a ineficácia das mãos ou dos dentes o homem das cavernas lança mão de pedaços de madeira, de osso, ou lascas de pedra bruta; verificar a possibilidade de torná-las mais eficientes por meio de manipulações adequadas; dar-lhes o formato e os acabamentos necessários para servir à finalidade pretendida. Temos assim, em resumo, a cadeia de operações mentais ditando a sequência de ações para chegar a um objetivo determinado. Como se pode concluir sem mais, a Reflexão é a alma que municia o homem com a capacidade de ter consciência dos fatos, de saber as coisas, mas tendo consciência reflexa, sabendo os porquês do seu saber, e dessa forma, organizar logicamente os atos, valendo-se dos meios apropriados, para por em andamento uma linha teleológica em busca do objetivo pretendido. Na  sua maneira peculiar e única, marca registrada privativa sua, Teilhard resumiu o “Passo para a Noosfera” e o reflexo sobre a natureza e, de modo especial, sobre o homem.
Isto posto, eu pergunto. Se, com o correr do que ficou dito, é o fato de se encontrar “refletido” que constitui o ser verdadeiramente “inteligente”, podemos nós seriamente duvidar de que a inteligência seja o apanágio evolutivo do Homem e só do homem? E podemos nós, por conseguinte, hesitar em reconhecer, por que não sei que falsa modéstia, que sua posse representa para o Homem um avanço radical em relação a toda a Vida antes dele? O animal sabe, bem entendido. Mas, certamente, ele não sabe que sabe: de outro modo, teria há muito tempo multiplicado invenções e desenvolvido um sistema de construções internas que poderiam escapar à nossa observação. Consequentemente, permanece fechado para ele todo o domínio do Real, no qual nós nos movemos, nós, - mas no qual ele, por sua vez, não consegue entrar. Um fosso, - ou um limiar – para ele intransponível, nos separa. Em relação a ele, por sermos reflexivos, não somos apenas diferentes, mas outros. Não só simples mudança de grau, - mas mudança de natureza – que resulta de uma mudança de estado. (Teilhard de Chardin. 1986. p. 186-187).
A capacidade de refletir, isto é, a capacidade de tomar consciência de si mesmo, de entender o porque do seu saber, fez com que o homem percebesse que seus semelhantes gozavam da mesma prerrogativa. É legítimo  imaginar que daí nascesse a curiosidade de aproximar-se deles e comunicar-se com eles. A aproximação por meio do diálogo, o mútuo entendimento e o consequente conhecimento do outro, só foi possível com o recurso à linguagem nas suas diversas formas. A linguagem falada, complementada e reforçada por gestos, atitudes corporais, mímicas, etc., deve ter sido a primeira via de aproximação entre os humanos. Sua importância é tamanha que a evolução cultural da humanidade é simplesmente impensável sem o fantástico instrumento que são as línguas faladas e demais formas de comunicação. Sem elas é inimaginável a formação de comunidades, o desenvolvimento da arte, a formulação de sistemas de pensamento, de concepções mágicas e religiosas, os cultos religioso, os rituais de qualquer  espécie. E o que é mais importante do que tudo são os registros feitos pelo homem através dos tempos, as experiências feitas, a memória acumulada, tudo se perderia. Por isso,
A linguagem  não é apenas uma ferramenta. Ela é a ferramenta mais importante do homem. É ela que nos faz humanos. Pela fala, depois, pela escrita, conseguimos formular pensamentos e acumular conhecimentos no decorrer das gerações. Um cachorro não pode saber como era seu bisavô. O homem é o único ser que pode ter essa informação. Uma das maiores vantagens evolutivas da linguagem é a capacidade de reconhecer que um semelhante tem um cérebro como o nosso e pode pensar, como nós. A isso damos o nome de teoria da mente. Foi essa capacidade que nos possibilitou a comunicação. No momento em que um homem raciocinou que o outro perto dele tinha uma mente igual, chegou à brilhante conclusão de que ele pode me entender. Essa ideia básica, fundamental, está presente até hoje em todas as formas humanas de expressão. Foi somente a partir daí que conseguimos viver plenamente em comunidade, que criamos a filosofia e a matemática e nos constituímos em humanidade. (Entrevista com Daniel Everett. Vaja, 7 de março. 2012. p. 20)
A linguagem possibilita, simultaneamente, a capacidade de inventar e desenvolver tecnologias, uma outra conquista peculiar e exclusiva ao homem como portador de inteligência reflexa. Assim como confeccionar instrumentos, mesmo os mais rudimentares, prova que seu autor é portador de inteligência reflexa e como tal um autêntico ser humano, assim a linguagem, nas suas mais diversas modalidades, só aparece onde há reflexão. Reduzir a linguagem a uma pré-disposição genética, uma herança biológica, pré-programada no DNA, mais precisamente no gene F0XP2, como  prega a teoria de Noam Chomsky,[1] parece difícil, melhor impossível de sustentar, tomando-se como ponto  de partida verdadeira a natureza da reflexão assim como a propõe Teilhard de Chardin. Depois de servir por meio século de cartilha, para não dizer bíblia para inúmeros linguistas e pedagogos, Chomsky começa  a ser contestado exatamente a partir da sua especialidade. Em seu recente livro: “Language: the Cultural Tool” – “A Linguagem: a Ferramenta  Cultural”, o linguista Daniel Everett,[2] professor da universidade de Bentley em Boston, bate de frente com essa teoria. Numa entrevista à revista Veja, classifica de ridícula a ideia de Chomsky, pois, conforme ele, não há provas, nem nunca as houve, de que existem estruturas em nosso cérebro ou em nosso DNA, que autorizam afirmar que a linguagem é hereditária. O gene FOXP2 ao qual por algum tempo, atribuiu-se a hereditariedade da linguagem, além de ter outras funções, está presente em ratos, algumas espécies de aves, e outros animais. Soma-se a isso que Chomsky não é geneticista e nunca fez pesquisas em biologia humana. Resumindo Everett afirma que,
As línguas são a combinação de três fatores: a capacidade cognitiva do homem, a cultura dos povos  e o que as sociedades querem comunicar. Nosso corpo estabelece os limites de como nos expressamos, a cultura define como falamos e lemos e a vontade de nos comunicarmos determina o que queremos dizer. É uma relação dinâmica. Cada uma dessas peças influencia a outra. (Everett. Em Veja. 7 de março. 2012. P. 20)
Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, portanto um geneticista de nível incontestável, referindo-se à possibilidade do condicionamento da linguagem geneticamente, mais especificamente pelo gene FOXP2,  explica que a descoberta de uma falha nesse gene era o responsável por dificuldades de falar numa família inglesa observada por gerações por especialistas. A conclusão foi que o defeito no FOX-P2 era o responsável pela dificuldade de processar regras de gramática, estruturar frases e mover os músculos do rosto e da boca e das pregas vocais par articular certas palavras. Uma minuciosa investigação do código genético das pessoas dessa família mostrou que havia uma minúscula falha na grafia no gene FOX-P2. Uma análise mais  minuciosa mostrou também que a sequência do gene FOX-P2 permanecera estável  em quase todos os mamíferos. Somente no homem tinha ocorrido essa modificação daquele gene há mais ou menos 100.000 anos, portanto em termos de contagem cronológica da evolução, muito recente. A conclusão foi de que as mudanças ocorridas teriam contribuído par o desenvolvimento da linguagem entre os humanos. As possíveis consequências  dessa descoberta terminaram em inúmeras discussões pelos mundo científico afora. Especialistas em outras áreas como Noam Chomski, um pedagogo, concluíram que capacidade de falar, a língua é o produto de um condicionamento genético, resultado portanto de uma mutação genética ocorrida na sequência do gene FOX-P2 do cromossoma 7. O fato é que essa conclusão foi transformada em base para  uma proposta pedagógica que, por anos, por assim dizer, tornou-se  a cartilha para explicar origem da linguagem humana e como consequência orientou a estratégia pedagógica no seu ensino nos diversos níveis da formação dos alunos. Um pouco mais acima já apontamos para a denúncia de Daniel Everett, referindo-se a Chomsky e sua proposta como insustentável, embora largamente  aceita e praticada como caminho para entender a linguagem humana.  Antes de Everett, Francis Collins com toda a sua autoridade como geneticista diretor do Projeto Genoma Humano, concluiu sobre essa questão:
Neste ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos evoluíram rigorosamente por meio de mutação e seleção natural, quem precisa de Deus para explicar? A isso, eu respondo: eu preciso. A comparação entre sequências  de chimpanzé e de ser humano, embora interessante, não explica o que é preciso para o ser humano. A meu ver, apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com dos sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal  por Deus, Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação O exclui como fonte daquilo que torna a humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra como Ele trabalha. ( linguagem de Deus, p. 146)
“A capacidade cognitiva” a que se refere Everett, não passa  de uma outra maneira de designar a “capacidade de reflexão de Teilhard.  A linguagem, incluindo a falada, a escrita, a expressão pelas artes, os gestos, a mímica e qualquer outro tipo de comunicação intencional, é o resultado direto da reflexão. A pessoa ao concentrar-se sobre si mesma, percebe que seu semelhante está fazendo o mesmo. A partir desse mútuo observar-se nasce o desejo de comunicar-se, de compartilhar experiências e vivências, de trocar impressões, de encontrar soluções comuns, de interpretar as incógnitas que envolvem a vida, a natureza e o universo. A linguagem serve de ponte para essa intercomunicação. Não faz  diferença se para tanto os interlocutores se valem  da língua  falada, da escrita, nas mais variadas modalidades, de gestos da mímica, de posturas, da arte. O determinante está no fato  de que a comunicação entre humanos tem como motor e combustível a necessidade inata ao homem de relacionar-se de forma consciente com os outros, isto é, o homem é por natureza um ser social. Entre os animais a comunicação acontece unicamente no plano instintivo e, por isso mesmo, dá-se a partir de sinais mecânicos que têm sempre o mesmo significado e sempre pedem a mesma resposta. No caso do homem a comunicação é essencialmente reflexiva e, por isso mesmo, conceitual e simbólica. E sendo conceitual e simbólica expressa a maneira peculiar  como as pessoas percebem o que elas próprias são e o universo e os acontecimentos em que vivem a existência. Como se pode concluir, a linguagem, melhor, as linguagens são o fruto da consciência que o homem tem de si mesmo e da necessidade de compartilhar com os semelhantes a sua cosmovisão, sua “Weltauffassung”. E é sobre esse fundamento que as culturas vão tomando forma. Assim como cada pessoa individual percebe a si mesmo e o mundo de uma perspectiva original, as comunidades de pessoas convencionam caminhos comuns que as orientam para um objetivo comum, o caminho comum vem a ser a tradição cultural. Nela, cada indivíduo, referenciando-se a balizas respeitadas por  todos, preserva a individualidade expressa na maneira de caminhar, nas emoções que sente, nos simbolismos que lhe são sugeridos, nas reações diante dos imprevistos e na forma de lidar com questões  existenciais de fundo como são a doença, o  sofrimento, a injustiça, a solidariedade, o amor, a fidelidade, a morte e o que se oculta atrás dos seus mistérios e incógnitas, e nesse cenário o lugar ou não lugar para Deus.



[1] Noam Chomsk nasceu em East Oak Lane, Pensilvania em 7 de dezembro de 1928. Linguista, cientista cognitivo, filósofo, ativista. Sua atividade acadômica foram desenvolvidas no MIT Instituto do  Tecnologia de Mssachusssets. Sua teoria serve largamente como suporte teórico para o apendizado da língua com esta sendo condicionado geneticamente,mais especificamente ao gener FOX-P2. A teoria de Chomsky tem em Daniel Everett um critico de peso.
[2] O linguista Daniel Everett nasceu em 16 de julho de 1951 em Ollvill, Califórnia. Coordena o Instuto de Artes e Ciências na universidade de Bentley, Massachusssets. É um crítico de peso de Chomsky que liga a capacidade da falar como o resultado de uma herança genética. Para ele a linguagem tem a sua origem na necessidade de o homem comunicar-se com seus semelhantes. No seu livro “Linguaje a tool of culture” resume três fatores  que estão à base da lingua: A capacidade cognitive do homem, a cultura dos povos e o que se quer comunicar. Nosso corpo põe os limites de como nos expressamos, a cultura define como falamos e lemos e a vontade de nos comunicar determina o que queremos dizer. É uma relação dinâmica em que cada uma desss peças influencia a outra. (cf. Everett, Daniesl em Veja, 7 de março de 2012, p. 20)