Archive for junho 2016

Deitando Raízes #26

b. O Livro da Igreja de Bom Jardim.
Entre os documentos que testemunham  os primeiros começos de Bom Jardim, merece ser incluído  um caderno que leva o nome de "Livro da Igreja." A própria aparência já é uma prova da sua grande idade, o que é comprovado pelo título. Este diz: "Livro da Igreja da comunidade católica de Picada Bom Jardim e além do rio ou 48 Colônias, começado em quatro de dezembro de 1834" Com toda a justiça o livro merece ser considerado uma velha testemunha do passado. Considerando apenas  o ano e, tomando-o como data de nascimento dessa testemunha, estamos diante de um sexagenário. Mas o ano de nascimento deve ser anterior, pois a partir de 1834 registrou os acontecimentos guardados na memória, preservando-os até os nossos dias, coisa que não se pode afirmar de uma criança recém nascida. É lícito, portanto, equipará-lo aos testemunhos mais antigos. A pergunta se é permitido considerá-lo mais importante do que testemunhas vivas, depende do fato de ser superior em conhecimentos e credibilidade  aos demais testemunhos contemporâneos. O que se pode afirmar do "Livro da Igreja" nesta dupla relação?
Em primeiro lugar não se pode contestar que este  documento não tenha conhecido toda a verdade. Quem fala por meio dele são os primeiros povoadores dos quais nem um único está vivo. Eles relatam o que vivenciaram. Que tenham falado a verdade garante-nos o fato de terem sido os membros mais destacados da comunidade católica e os ancestrais dos colonos de hoje, para os quais a veracidade se constitui na mais bela herança dos seus pais e avós.
Qualquer dúvida razoável no que se refere ao conteúdo e veracidade do "Livro da Igreja”, está, portanto, excluída. Mais. Sob certo ponto de vista  o testemunho do "Livro da Igreja" é preferível às testemunha vivas. É sabido que a idade enfraquece a memória e, como conseqüência, prejudica a exatidão das informações orais. Num relato escrito este inconveniente está excluído. O que está escrito preto sobre branco permanece inalterado. A tinta pode apagar um pouco, mas os traços permanecem claros e precisos. Além do ganho em segurança no que diz respeito a detalhes, o prestígio de um "Livro de Igreja", supera o de qualquer testemunho vivo.
No "Livro da Igreja" (103) não dialogamos com uma pessoa individual, mas com muitos  e exatamente com aqueles mais conceituados na comunidade. Apresentam-se  reunidos e nos contam  o que aconteceu naquele tempo remoto. E, o que por fim aumenta ainda mais o conceito do "Livro da Igreja", é o fato de ter sido guardado pelas autoridades eclesiásticas.
E, sendo assim representa, sob todos os aspectos,  um testemunho digno de credibilidade e respeito. Não podemos deixar passar a oportunidade de denunciar a insensatez daquelas pessoas que tiraram os registros civis da competência dos sacerdotes e os confiaram a funcionários civis. A nova moda custa muito dinheiro  que o Estado poderia canalizar para outras finalidades. De qualquer forma  é pouco o cuidado com livros de óbitos, batismos e registros de matrimônios e sepultamentos. Se no passado a igreja não se tivesse encarregado desta tarefa, dificilmente teríamos aqui no país, o registro confiável  de qualquer pessoa.
Porque destacar funcionários especialmente para esta tarefa? Ainda mais irracional nos parece esta moderna febre quando examinamos a questão do ponto de vista exatidão. Quem acredita que os pais declaram conscientemente todos os dados na repartição do estado? Quem garante que tudo o  que é declarado é registrado com exatidão? Depois deste pequeno desvio voltemos ao nosso "Livro da Igreja". Não há necessidade de registrarmos expressamente que não incluiremos  o livro inteiro na crônica, mas só as partes mais interessantes e mais antigas.
Na primeira página encontramos a informação sobre o terreno no qual se ergue a igreja católica mais o terreno do cemitério.
No dia sete de dezembro de 1834, Esaias Noll, com a concordância da esposa Anna Maria e seus dois filhos maiores de idade, Peter e Magdalena e Heinrich, menor de idade, doou e passou sem ônus para os moradores de Bom Jardim e 48 Colônias, no outro lado do rio, a seguinte área de terra para construir uma igreja e implantar um cemitério.
Primeiro. O local no qual se ergue a igreja com o cemitério, forma uma unidade com 17 braças de largura e 38 de comprimento, delimitado por seis marcos de pedra, livre de pedras e rodeada de todos os lados pelas terras de Esaias Noll. A dita terra foi medida por consenso e na presença de Esaias Noll e a comunidade, ocasião em foram colocados os referidos marcos.
Segundo. Um caminho  dá acesso à igreja, mas sob a condição colocado por Noll, que a comunidade se sirva do mesmo caminho que ele mesmo com sua família usa para ter acesso à picada.
A área acima mencionada, à esquerda da colônia de nº 23, picada do Bom Jardim, entrego, de comum acordo com a minha família, em benefício nosso e dos nossos descendentes, ou futuros proprietários desta colônia, como propriedade irrefutável de toda a comunidade católica para sempre e por toda a eternidade.
E, para uma confirmação maior, (104) Esaias Noll e a comunidade exararam um documento que, depois de lido, foi assinado pelas testemunhas: Johannes Herzer, Valentin Lawall, Daniel Schmitt, Conrad Bühler, Michael Paul Casper e Jacob Paul Casper, todos colonos daqui, excluindo Esaias Noll, sua mulher e filho, confirmaram com a impressão digital por não saberem ler.
Picada Bom Jardim, dia, mês e ano como acima.
Isaias Noll                                impressão digital
Anna Maria Noll               impressão digital
Peter Noll                                 impressão digital
Magdalena Noll                         impressão digital
Heubruch Noll                           impressão digital
J. Herzer                                  impressão digital
Valentin Lavall                           impressão digital
Conrad Bühler                           impressão digital
M. Paul Casper               i         mpressão digital
J. Paul Casper                          impressão digital
Dillenburg                                  impressão digital
Eckert                                      impressão digital
Na página três segue o registro da primeira reunião acontecida entre os membros originais da comunidade.
Acordo.
No dia sete do mês de dezembro chegou-se ao seguinte acordo entre os moradores católicos que se declararam pertencentes à Picada Bom  Jardim. A comunidade como um todo o declarou inviolável e, no final, foi por todos assinado.
Primeiro. Todas aquelas famílias que ainda não participam da igreja e quiserem filiar-se a ela, obrigam-se a pagar 15 Thalers para, somente depois serem considerados membros da igreja, com direito ao uso do cemitério.
Segundo. Na hipótese de um filho, cujos pais são membros da igreja e do  cemitério, casar com alguém cujos pais não são membros, obrigam-se a pagar três Thalers para si mesmos e seus descendentes, para ambos  passarem a ser associados.
Terceiro. (105) Se pessoas que não são associadas quiserem contrair matrimônio na igreja, obrigam-se a pagar a soma de três Thalers e responsabilizar-se por outras eventuais despesas decorrentes do ato.
Quarto. No caso de pais batizarem filhos sem serem associados deve pagar um Thaler à igreja e isto para cada batizado, além das demais despesas.
Quinto. Acontecendo  falecer uma pessoas sem que ela ou seus pais são associados da igreja ou cemitério, e quiserem ser sepultadas no cemitério, obrigam-se a pagar um Thaler para cada pessoa ou defunto.
Para maior segurança o presente documento e acordo foi assinado pelos dois presidentes da igreja Georg Eckert e Johann Mathias Dillenburg, elaborado de comum acordo com a comunidade e assinado por todos os participantes da Picada Bom Jardim e 48 Colônias.
Acontecimento ocorrido na Picada Bom Jardim, no dia, mês e ano, acima registrado.
 Dos dados que seguem pode-se concluir que a comunidade era extremamente generosa para com uma boa causa, apesar dos poucos recursos da época que coincidiu com o início da Guerra dos Farrapos. Na p. oito dos assentamentos dos dois presidentes Georg Eckert e Joh. Dillenbur, constam todas as entradas da igreja.
 A página seguinte registra (106) as despesas na mesma data de 26 de dezembro de 1835.
Contas referentes às despesas dos dois presidentes Georg Eckert e Joh. Dillenburg efetuadas na construção da nova igreja local.
Com isso a comunidade fica devendo 78 Thalers e cinco e meio vinténs ao presidente Georg Eckert e Dillenburg. a conta foi apresentada  para a comunidade e por ela aprovada. Para se ter uma noção do valor do dinheiro é preciso entender que na época  reinava bastante confusão no sistema monetário brasileiro. No tempo do império predominava o português com variações de província para província. No país circulava especialmente muito ouro e prata americana. Os dólares eram simplesmente chamados de Thalers e as patacas valiam 16 vinténs. É preciso chamar atenção ao fato de que as moedas portuguesas valiam o dobro. Um mil réis português valia dois aqui, porque era considerado forte, isto é, valendo o dobro. No ano de 1840 topamos com a interessante observação que o censor Göttems pagou para o marceneiro Carl Arnhold 86 Thalers, uma pataca e oito vinténs pela construção do altar. Depois do balanço  de 1849 lê-se no dia sete de janeiro que a igreja tem em haver 37$440. Observa-se pois, que passada a  Guerra dos Farrapos o velho Thaler cedeu lugar ao novo mil réis. Em primeiro de janeiro de 1950 encontra-se o registro: Depois do balanço a igreja tem um débito de 70$ com Jacob Lärner.
Conforme o "Livro da Igreja" em 1849 eram presidentes da igreja Jos. Allgayer, 1850 Jacob Lärner, 1851 Jacob Kehl, 1852 Joh. Welter. Em 1855 são três os presidentes Joh. Welter, Joh. Fröhlich e Nic. Seewald. A estes sucederam  Mich. Reiter (?), Jh. Ad. Kehl, (107) Math. Klein e Mich. Petter. O fariqueiro Mich. Reiter recebeu por ocasião  da sua posse em 13 de maio de 1855 o saldo de 305$610. Segue uma outra anotação: Hoje, 16 de setembro de 1855 eu, abaixo assinado Mich. Reiter, presidente da igreja, paguei ao novo presidente da nova igreja, Jacob Kehl, com a concordância da comunidade a quantia de 287$000, na presença de M. Schütz e J. Pohren. O ano de 1856 cita pela primeira vez Joh. Finger como presidente da igreja, como consta de um excerto de ata: Hoje, cinco de outubro de 1856 os presidentes da igreja Mich Reiter, Mich. Petter, Math, Klein e Joh. Ad. Kehl, fizeram prestação de contas e entregaram e as contas à nova diretoria eleita: Johann Finger, Joseph Bokorni, Johann Dilli, Friedrich Fey e Jacob Lärner. O presidente da igreja Johann Finger recebeu, contra um recibo assinado, a soma de 124$000.
No ano de 1857 os presidentes da igreja  Johann Finger, Friedrich Fey, Joseph Bokorni, Johannes Dilli e Jacob Lärner, lançaram no livro, depois de aprovados por toda a comunidade de Bom Jardim e 48 Colônias, o seguinte regulamento sobre a ova igreja de São Pedro, inaugurada em 29 de junho do mesmo ano.
Artigo 1. A família católica que quiser participar desta igreja, obriga-se a pagar a soma de 12$000.
Artigo 2. Na hipótese do casamento do filho cujo pais são associados com alguém não associado, ele paga 3$000
Artigo 3. Acontecendo que num casal associado à igreja falece um dos cônjuges e o sobrevivente contrai novas núpcias, não paga nada, mesmo que a pessoa seja estranha, sob a condição de continuar como associado.
Artigo 4. Se famílias se estabelecerem em propriedades na mencionada comunidade e vindo a falecer um membro da família, este não poderá ser  sepultado no cemitério, sem que antes se paguem 6$000.

As severas providências  da parte dos associados da comunidade, não podem ser estranhados por nenhuma pessoa de sã razão. Os signatários contribuíram, ano entra ano sai, pela construção da igreja, tanto com dinheiro quanto pelo fornecimento de materiais de construção ou trabalho  voluntário. Por acaso não seria justo que usufruíssem dos proveitos da igreja construída às suas custas? Aqueles que por sovinice ou por outras razões pouco louváveis não participaram do trabalho, não tinham porque se queixar, ao serem excluídos das compensações e o acesso a elas lhes era facultado somente por meio de uma contribuição extra. Também nesta situação é valido o provérbio: dorme-se na cama que a gente mesmo preparou. Dito d passagem vale o mesmo  em termos de direito, para a contribuição em favor dos padres nas picadas. Somente aqueles que construíram as pequenas capelas e pagam a contribuição irrisória para custear as visitas pastorais dos padres, tem o direito de esperar que eles batizem, presidam matrim^nios, etc., na capela da picada. Quem não for membro da comunidade no sentido  pleno, não tem o direito de exigir um tratamento igual aos demais. O pároco fica à disposição na sede da paróquia. Se alguém quiser batizar uma criança que vá tranqüilamente a cavalo, duas ou três horas até a igreja paroquial. Lá nunca lhe será negada a administração do sacramento. Ou por acaso o sacerdote e o pároco é obrigado a viver em piores condições do que o fabriqueiro ou os membros da comunidade? Somente alguém falto de todo o sentimento de justiça ou perdido por completo a noção de justiça, e o que significa o pároco ou o pastor de almas, seria capaz de exigir semelhante coisa. Infelizmente não poucos católicos estão contaminados pela atmosfera da descrença e dos erros, ao ponto de enxergarem no pároco nada mais do que um empregado. Desprezando qualquer justiça, exigem que tais chamados "serviços" sejam prestados de graça. No seu íntimo essas pessoas há muito deixaram de ser católicas.  Não passaria de uma insensatez perder-se em conversas ou acertos com eles. Neste caso os fabriqueiros agem todo o direito e justiça quando chamam a atenção com certa energia os membros faltosos para os seus deveres e dívidas, seguindo o provérbio sadio  e compreensível de modo especial na mata virgem: "Para um cepo tosco uma cunha tosca."
As contas dos anos de 1857 a 1861 mostram a situação financeira da igreja nos anos que se seguiram. No último deles encontramos encontramos algumas páginas adiante, a seguinte informação:
"Hoje, 26 de dezembro de 1861, na presença do Pastor J. M. Traube, Johannes Finger, fabriqueiro, Friedrich Feyh, Johannes Fröhlich, Joh. Dilli e Anton Anschau, houve balanço de final de ano. Foi constatado que, deduzidas as despesas e e custos e consideradas as contas anteriores, o saldo a favor da igreja é de 275$570, soma entregue ao presidente da igreja Johannes Finger."
Em anexo vem a seguinte observação:
"À soma de 275$570 acima em favor da igreja de São Pedro de Bom Jardim, em mãos do fabriqueiro, o senhor Johannes Finger, deve somar-se  o valor de 51$300, omitido por engano. Desta maneira o crédito em favor da igreja sobe para 327$870, confirmado com as devidas assinaturas."
A mesma prática continua, (109) ano por ano, até 1869 quando, conforme anotou o então vigário Pe. Franz Schleipen, constatou-se um haver de 350$880. A soma está prevista para a a aquisição de material de construção para a sacristia e um anexo na moradia do vigário.
Algumas folhas adiante lemos:
"Hoje, 26 de dezembro de 1869 reuniu-se na casa  do vigário toda a diretoria da igreja com a comissão de construção,  para deliberar sobre diversos assuntos do interesse da comunidade. Em primeiro lugar  determinou-se o seguinte no que fazer em relação à nova sacristia e a cozinha na moradia do vigário:
1. Pagar 100$000 deduzidos da fábrica da igreja, ao construtor Lange.
2. Encomendar pelo mesmo Lange nove sacos de cal.
3. Solicitar a cada domicílio que providencie por um saco de arreia.
4. Encomendar seis dúzias de sarrafos, 250 tijolos e telhas com Karl Haller.
5. Encomendar a grande estátua de São Pedro.
6. Encomendar  a estátua de Nossa Senhora com o Menino.
Carlos Sänger, Georg Gehring, Johannes Schneider, Johannes Finger, Friedrich Arendt, Johannes Dilli, Jacob Kehl, Philipp Renner.
Algumas páginas acima lemos uma decisão genérica sobre diversas questões  relativas à comunidade.
Hoje, 7 de março de 1869, reuniu-se na residência do vigário Pe. Schleipen, a nova diretoria da igreja, formada pelos senhores Johannes Schneider do Kunzlerthal, Carl Sänger da Picada Café, Fiedrich Arendt e Friedrich Feyhen da Colônia 48, Georg Gehring e João Dilli de Bom Jardim. Presente também se encontrava o fabriqueiro de Bom Jardim, nomeado por S. Excia, o Senhor Bispo. O vigário presidia a sessão. Em primeiro lugar o fabriqueiro foi empossado no seu cargo. Em seguida discutiram-se  várias questões relativas a toda a comunidade e tomadas as seguintes decisões:
Primeiro. Cada pai de família deve contribuir com 3$000 para a aquisição dos livros necessários para a freguesia, dinheiros que serão arrecadas pelos censores da igreja.
Segundo. Para ao futuro pagar-se-á para a fábrica da igreja uma pataca pelo batizado, uma vela para cada bênção (?) e uma para cada matrimônio.
Terceiro. Cada censor receberá individualmente durante dois meses as esmolas na igreja. Para a seqüência observe-se  a idade, sendo que o mais idoso dos censores começa.
O vigário
Franz Schleipen
Seguem os nomes acima assinalados.
Com data de seis de outubro consta:
Hoje reuniu-se na casa do vigário a diretoria da igreja para discutir assuntos do interesse da comunidade. 
Primeiro. Tomou-se conhecimento da venda do missal para a capela de São João no Bohnenthal.
Segundo. Decidiu-se ainda que a restauração do altar mor e do púlpito começará depois de entradas as contribuições.
Terceiro. Depois de passado o Natal começarão a ser feitos os reparos necessários na casa do vigário.
O vigário
Eugen Steinhart
Johann Finger, Carl Sänger, Georg Gehring, Friedrich Feyh, Johannes Dilli, Friedrich Arendt.
Para concluir o relato sobre o "Livro da Igreja", mostramos o esboço de um contrato, que a diretoria da igreja celebrou com o então vigário Eugen Steinhart, para garantir a propriedade da casa paroquial. Ei-lo:
No dia quatro de  fevereiro de 1872 o Pe. Eugen Steinhart assinou com os senhores Friedrich Feyh, Johann Finger e Johann Fröhlich, os representantes legais da Associação de Homens, que se haviam reunido para comprar e manter a dita moradia, um contrato pelo qual adquirem, por dois anos pelo valor de um mil réis, o uso da casa em questão.
São Pedro do Bom Jardim, 4 de fevereiro de 1875


Os contratantes.

Deitando Raízes #25

B. Os Sacerdotes de Bom Jardim.
Os sacerdotes que atuaram em Bom Jardim bem merecem um lugar na Crônica da comunidade católica. No começo, como já foi assinalado, a cura de almas estava a cargo dos párocos de Sant´Ana e mais tarde de São Leopoldo. O Pe. José Ignácio vinha de tempos em tempos de Sant´Ana para   batizar e de quando em vez para rezar uma missa. Era um senhor simpático e pacífico. Na maioria das vezes cabia a Johannes Finger e ao velho Fey buscá-lo Nestas ocasiões os acompanhantes costumavam ser bem servidos. Um episódio especialmente engraçado ficou até o fim na memória do velho Finger. Na mesa fora servido carne, galinha e os pratos nacionais feijão e arroz além de um prato de batatas. O pároco prevenido puxou-o para si e observou sorrindo para os alemães: "Para vocês dois não vai sobrar nada, sirvam-se à vontade do restante." Ficaram satisfeitos e não tiveram nenhum motivo de arrependimento, por deixarem a rara iguaria para o padre. No retorno o pároco observou que os colonos levavam um cavalo com a marca das cavalariças imperiais. Embora soubesse que o animal fora comprado, permitiu-se a brincadeira de achar que o tinham roubado e os interpelou com rispidez: "Vocês são ladrões de cavalos, não continuo um passo na companhia de vocês." Os alemães fizeram de tudo para provar-lhe que tinham adquirido honestamente o animal, mas ele fingiu não entender e fez como se quisesse voltar, o que não os  aliviou nem um pouco. A este mesmo pároco a paróquia deve o fato de ter São Pedro como patrono. Como em outras questões também nessa  havia no começo desencontro de opiniões. Mas, depois que o vigário deu de presente uma estátua de São Pedro, estava dada a solução para a dificuldade. Todos se deram por satisfeitos com São Pedro como patrono de Bom Jardim. Também o pároco de São Leopoldo visitou a picada a fim de dar andamento às ações de ofício. Um deles chamava-se Pe. Antônio e, mais tarde, um certo Binfart. Ambos demonstraram simpatia para com Bom Jardim.
Os missionários espanhóis vindos da Argentina visitaram também a picada onde pregaram a famosa missão. A partir de 1849 o Pe. Augustin Lipinski, vigário de Dois Irmãos e o Pe. Johann Sedlac de São José, deram seguido a sua colaboração para com a picada. O Pe. Augustin costumava hospedar-se  na asa de Johann Finger ou do velho Lerner. Mais tarde o Pe. Johann escolheu como sede do seu trabalho a casa do professor Schütz.
Em 1859 Bom Jardim recebeu um capelão próprio na pessoa de Joh. Meinulphus Traube. Embora sacerdote alemão não honrou o clero alemão. Não poucas vezes suas atitudes causavam escândalo, o que mais tarde degenerou em oposição aberta contra o bispo diocesano. Não se pode negar nele empenho como pegador, mas sua maneira de atuar não era correta. Como uma comunidade poderia prosperar nas mãos de um cura de almas, que organizava sem cerimônia reuniões dançantes na sua própria casa, participava delas e, em certa ocasião, afirmou que já se encontrava há seis anos no Brasil e ainda não tinha encontrado um confessor. Este comportamento só podia confundir e esfriar os fiéis.
Outras demonstrações de leviandade edificavam pouco. Suspenso pelo bispo procurou manter-se no posto que resultou numa cisão na comunidade. Especialmente censurável foi a controvérsia que manteve com seu superior num jornal eclesiástico. Mesmo, segundo seus adeptos, sua pena era afiada demais. Apear de tudo não apostatou de todo da Igreja. Chegou a chorar quando foi convidado pelos protestantes para ser seu pregador. Mais tarde abandonou o Brasil e retornou à Alemanha onde, afirma-se, ter feito penitência por seus descaminhos. (100) Depois de sua partida Bom Jardim foi, por algum tempo, entregue à sua própria sorte, sendo atendido, ora a partir de Dois Irmãos, ora de São José do Hortêncio. Permaneceu, porém, sob a jurisdição  de São Leopoldo e do seu vigário Wendelin Bock. Com ele Bom Jardim viveu uma situação melhor, porque este sacerdote deixou  generosamente o dinheiro dos batismos para a igreja. Criaram-se assim condições  par reunir um fundo para a ocasião da elevação em igreja paroquial.
O primeiro pároco foi o Pe. Fr. Schleipen que, entretanto, não permaneceu muito tempo no posto. Contrariamente à sua atividade posterior como construtor, dedicou-se à decoração interna da igreja, construindo altares e mandando buscar estátuas.
Depois que August Lohmann e Blees exerceram a função de substitutos, Bom Jardim recebeu em março de 1870 o Pe. Eugen Steinhart como pároco. Na sua gestão aconteceu o episódio Mucker. Empenhou-se muito para manter o povo longe dos encontros dos Mucker. Para alertar e proteger  contra os malefícios de tais propostas, lia para o povo na História Unversal de  Amegarn  os teatros dos anabatistas de Münster e salvou muitos que, movidos por uma curiosidade reprovável, quiseram observar os fato e as pessoas. Já destacamos convenientemente no capítulo décimo da primeira parte, seus méritos por ocasião da varíola.
Em 1875 veio o Pe. Trappe que ficou como sucessor até  fins de 1883. Em primeiro de janeiro de 1874 foi substituído pelo Pe. Andreas Eultgen. Já que não se encontra mais entre os vivos, queremos demorar-nos na sua atuação. O Pe. Eultgen era um homem pequeno mas de grande atividade e zelo. Confirmamos por inteiro o que o Pe. Ambrosius Schupp escreveu no "Deutsches Volksblatt", por ocasião dos eu falecimento.
Não há necessidade de destacar o que ele fez por Bom Jardim. Materializado em pedra é visível para a comunidade paroquial: a ampliação por duas janelas do prédio da igreja e, de modo especial, a bela torre. Gozava de alto prestígio entre os paroquianos apesar de estatura pequena. A ele deve-se muito de modo  especial no que toca à vida de piedade e das virtudes.
Desde o dia 25 de janeiro de 1891 o Pe. Petrus Gasper, algum tempo antes coadjutor do Pe. Eultgen, é o pároco de Bom Jardim. Conforme é sabido pelos nossos conterrâneos, continuou a estimular  o entusiasmo por meio do interesse por diversas formas de associações, especialmente pelas associações de homens.
Ao lado do pároco atuaram em Bom Jardim diversos padres jesuítas como coadjutores. Na seqüência foram Carl Strobe, Joh. Ruland, An.  Queri, Wilh. Holgreve. Vários deles já estão  na eternidade.
O Pe. Carl Strobel faleceu em Dois Irmãos, onde a comunidade agradecida ergueu-lhe um belo monumento no cemitério. Aguardemos mais informações sobre ele na Crônica que esperamos seja publicada sobre Dois Irmãos.
Não podemos  deixar de lembrar-nos de um homem que não apenas foi capelão em Bom Jardim, como tomou parte na missão de 1887. Referimo-nos ao Pe. Robert Hofherr. Em sua homenagem podemos afirmar que ele foi um autêntico missionário, (101) assim como no passado temos outros muitos exemplos.
O Pe. Hofherr reunia em si todas as qualidades necessárias para uma missão de tamanha importancia. Em primeiro lugar era de estatura alta e robusta, o que sempre impressiona o povo e por si só impõe respeito. Além disto era dono de uma voz forte, nem fina demais nem grave demais. Para a voz vale o que se espera do sino. Pode ser que dois sinos emitam o mesmo som e, contudo, nota-se uma diferença significativa entre eles. Assim acontecia com o Pe. Hofherr. Sua voz soava como o metal do sino e a sonoridade era pura e cheia de alma. Além disto valia-se de uma retórica adequada ao povo. A forma, o estilo e a apresentação tinham o objetivo de  agradar o povo. As imagens, as comparações, as narrações, os provérbios e, não em último lugar, expressões nas quais comunicava seus pensamentos e desejos, perpassavam o seu discurso. Além disto demonstrava um caráter íntegro e aberto, avesso a qualquer tipo de dissimulação, expressando a sua opinião de forma clara e sem sutilezas. Exatamente por isso, era com freqüência alvo de brincadeiras inocentes e bem humoradas. Seu espírito  simples como o de uma criança demonstrava uma disposição sincera  para com todos e, por isso, muitos confiavam nele. Mas o que sobretudo o caracterizava era a sua profunda e sincera piedade. A oração era para ele uma questão existencial. Quantas vezes empunhava o terço e outras tantas a oração não parecia ter fim. O que mais o distinguia era o seu ardente zelo pelas almas, que para muitos podia parecer exagerado e até imprudente. Os que o acusavam de imprudência esquecem-se  das intenções que o moviam. Com seus aparentes exageros fez um grande bem para muitos. Foi um bom lutador pela causa da Igreja. Se pudéssemos contar com um número maior igual a ele, os benefícios para ela e o Brasil  seriam tanto maiores.  Por isso o saudamos com a invocação que os primeiros cristãos mandavam escrever sobre a sepultura dos seus amados. "Ave, pia anima."- "Saudamos-te, alma piedosa. "Nós te saudamos! Para nós não estás morto nem longe. Ouves-nos e nos dirigimos a ti como a um vivo. Lembramo-nos de ti e  agradecemos-te por todo o bem que fizeste ao longo da tua vida.  Bendita sejas, alma piedosa! Não ao teu corpo dirigimos a nossa saudação, não a uma sombra como os pagãos. Saudamos-te alma cheia de vida, plena de pensamentos e sentimentos. Bendita sejas, alma piedosa. Sim, eras piedosa e morreste santa. Permaneces conosso irmão e, como irmão, te lembrarás de nós, quando estiveres na glória. "Ave, pia anima" – “Bendita sejas, alma piedosa”.
Na aparência o Pe. Hofherr era saudável e forte. Mas, como acontece tantas vezes na terra, eram apenas aparências. Nascido na Badênia, como estudante já tomava parte nos congressos católicos. Depois entrou na Companhia de Jesus. Pelo seu talento de orador prometia, já naquela época, uma grande e abençoada atividade como missionário na Alemanha. As coisas, entretanto, se deram de outra maneira. Já durante  os estudos foi mandado  para a Algéria na África por motivos de saúde. De lá os superiores o chamaram para a teologia em Innsbruck no Tirol. Seguiu depois para a Hungria como missionário entre os alemães. Em 1887 foi-lhe  indicado o Brasil como campo de trabalho, porque sua saúde continuava a preocupar. Supunha-se que o clima ameno do Rio Grande do Sul lhe restauraria as energias. Na aparência parecia-se a uma torre sólida, mas sua morte prematura demonstrou que os fundamentos eram  frágeis. Apesar disto trabalhou com vigor. Atraiu uma bênção toda especial sobre o trabalho realizado com a congregação de moços de Dois Irmãos. (102) Muitos  lembram-se ainda com gratidão. Como pescador apostólico incansável lançava  a rede por meio dos seus sermões. Sem arrefecer punha-se em busca de cada um particular até conseguiu fisgar a alma para o Salvador.
Quem sabe mais tarde não poucos pais e também filhos se penitenciaram por não terem dado ouvidos às suas advertências. Conhecido é o ataque brutal contra ele da parte de um morador de Dois Irmãos, provocando um vendaval de indignação por toda a colônia. Especialmente edificante foi sua morte  por ocasião do natal de 1896.