A
intuição teve em Jean Jacques Rousseau a sua reabilitação como forma legítima
de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos
resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que
subjazem às mais diversas culturas. Com sua autoridade incontestável o grande
filósofo da modernidade, deixou claro de que o homem busca a matéria prima do
conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos
sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas depende da
natureza de cada uma delas, do entorno cultural em que é recebida e da maneira
única pela qual é percebida e elaborada
pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em
apresentar idéias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não
intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa maneira de conceber a
gênese do conhecimento. E o valor prático, inovador e revolucionário
encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida
individual e coletiva do homem: a Educação.
A
importância em começar a educação das crianças incentivando-as a entrar em
contato com o maior número possível de estímulos vindos das mais diversas
realidades que se encontram no seu entorno ambiental, tem, no presente, em
Edward Wilson um dos seus propositores
e entusiastas de maior peso. Com o nome consagrado entre as maiores autoridades
em entomologia, é óbvio que suas sugestões sobre a educação de crianças
tivessem como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por
muitos desprezado e rejeitado, conceito de “História Natural” que para Wilson
confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na
pesquisa científica. Em outra parte já tivemos ocasião de destacar que para ele
a “Natureza é um fato objetivo” e, portanto, tem uma “História”, uma “História
Natural” também “objetiva”. Não se trata apenas de uma cosmovisão construída a
partir dos dados oferecidos por um momento determinado das pesquisas
científicas. No capítulo 15 do seu livro “A Criação”, Wilson demorou-se em
esboçar toda uma proposta pedagógica, em primeiro lugar destinada para a
educação da criança a partir da natureza e numa imersão existencial progressiva
nesse universo de surpresas sem conta, que vem a ser “mãe e a pátria” do homem
conforme observou Balduino Rambo na “Fisionomia do rio Grande do Sul”. Mas
voltemos a Edward Wilson. Apresenta sua proposta pedagógica com as palavras.
A ascensão na Natureza começa na infância,
portanto o ideal é que a ciência da biologia
seja introduzida logos nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um
naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos
territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos –
tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas
procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em
estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de
um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilson.
Edward. 2006. p. 158)
Wilson
demora-se um pouco para chamar a atenção de que as raízes remotas do conhecimento devem ser procuradas entre os
caçadores e coletores do paleolítico. Munidos com ferramentas as mais simples e
rudimentares que se possam imaginar, a sobrevivência acontecia numa dependência
total das condições ambientais. Valendo-se dos cinco sentidos como janelas,
como pontes de contato e relação com o meio ambiental, foi obtendo as
informações necessárias para a sobrevivência. Orientado pelos instintos
instrumentalizados pela intuição e os
resultados postos à disposição da inteligência reflexa, o homem foi colocando
os fundamentos do conhecimento. A partir daí, somando observação à observação,
experiência à experiência, intuição à intuição, explicação a explicação,
resposta a resposta, consolidaram-se numa velocidade geométrica os corpos de
conhecimento entre os grupos humanos que, ao mesmo tempo, dispersavam-se pelas
mais diversas regiões disponíveis. Não se pode esquecer que em paralelo e em
estreita interdependência e mútua emulação com o instinto, a intuição e a
reflexão, aconteceu a descoberta, a diversificação e aperfeiçoamento de
instrumentos. Do primeiro instrumento de fato identificado como tal, o rudimentar,
tosco e pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu uma sofisticada indústria e
tecnologia de lascamento de sílex, granito, basalto e vidro vulcânico. Do primitivo instrumento
multifuncional, porém, pouco eficiente “machado de punho”, evoluiu, durante
dezenas e centenas de milhares de anos,
um arsenal de ferramentas e instrumentos líticos especializados: instrumentos
para cortar, cavar, desbastar, arremessar, para a defesa, tirar a pele de
animais, separar a carne dos ossos. Entre esse arsenal de pedra lascada merece
destaque a infinita variedade de pontas de flecha, facas e punhais de vidro
vulcânico de proporções fora de comum, cujo acabamento exigiu técnicas
refinadas de lascamento. Explica-se que entre os vestígios materiais que
acompanharam o homem durante todo o paleolítico, predominem os artefatos de
pedra. Pela sua própria natureza são muito mais duráveis e resistentes à ação do tempo do que qualquer outra matéria
prima. Pelo fácil manuseio, disponibilidade em qualquer lugar, a versatilidade
para usos e utilidades múltiplas, para muitas das quais a pedra, o sílex ou a
obsidiana simplesmente não entravam em questão, a opção óbvia seria a madeira,
o osso e o chifre. Muito mais perecíveis do que o sílex ou o vidro vulcânico,
aparecem só bem mais tarde.
A
sobrevivência e o sucesso histórico do homem do paleolítico, portanto, até
menos de 30.000 anos, dependia inteiramente dos seus instintos, sua intuição e
sua inteligência reflexa, instrumentados por um complexo, variado e
multifuncional aparato de tecnologias, tornadas práticas em matérias primas
imediatamente disponíveis. Por todos os séculos, milênios, centenas de milênios
e, provavelmente, milhões de anos, em que o paleolítico prolongou-se, a
humanidade vivia na mais completa simbiose com a natureza, na forma e
modalidade própria de cada região geográfica. O grande salto veio por volta dos
quinze a vinte mil anos atrás. Darci Ribeiro chamou-o de “Revolução dos
Alimentos” que tem na agricultura e na domesticação e criação de animais seu
fator dinâmico mais determinante. Mas não é só nessas duas conquistas. Ela vêm
reforçada por outras que foram de uma
importância difícil de ser dimensionada. Entre elas destacam-se o uso universal
do fogo, a descoberta e a utilidade de metais “in natura”, como o cobre e o
estanho, o ouro e a prata. A amálgama do cobre e do estanho foi uma
descobertas, sem dúvida mais importantes do período da Revolução dos Alimentos.
O homem não só aperfeiçoou matérias primas disponíveis no seu entorno, como deu
início a tecnologias que combinam as qualidades de matérias primas diversas
obtendo ferramentas, utensílios e armas cada vez mais sofisticados,
diversificados, especializados e
eficientes. Entre as tecnologias
que acompanharam, implementaram e aperfeiçoaram a Revolução Agropastoril
soma-se a fundição de ferro, técnicas de irrigação, seleção e aprimoramento de
plantas úteis, seleção e aprimoramento das raças de animais domesticados, o
aproveitamento da energia eólica e hidráulica. Não é aqui a ocasião de
detalharmos o potencial de progresso e de perspectivas de desenvolvimento que essa sucessão de
conquistas proporcionaram ao homem do neolítico e, considerando bem, continuam
sendo os fundamentos das civilizações também do começo do terceiro milênio.
No
contexto da reflexão que estamos fazendo sobre a construção do conhecimento, a
intenção foi chamar a atenção para a superação das muitas amarras que prendiam
o homem às condições do seu entorno geográfico. Se de um lado significou a
conquista de superar condicionamentos inibidores do progresso do homem, de
outro representou um afastamento sempre maior do contato com a natureza e seus
estímulos telúricos. A distância alcançou um nível tal nos grandes centros
urbanos que os homens vivem num mundo fabricado artificialmente ao ponto de o
lar, o berço original foi esquecido quase por completo. Mas, conforme observa
Edward Wilson,
Mesmo assim, os instintos ancestrais continuam vivos dentro de nós. Eles se
expressam na arte, nos mitos e na religião, nos parques e nos jardins, nos esportes
da caça e da pesca, tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais
tempo nos jardins zoológicos do que em
eventos esportivos profissionais, e ainda mais tempo em áreas protegidas dos
parques nacionais, cada vez mais abarrotados de visitantes. A recreação nas florestas nacionais e reservas naturais –
isto é, nas partes que permanecem intactas – gera uma renda de mais de vinte
bilhões de dólares anuais ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o
cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da Natureza virgem.
Um símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em um
ambiente pastoral ou natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar
paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não
esquecido. (Edward Wilson. 2006. p. 159)
Quem
expressou da forma mais completa o fato de a natureza constituir-se na fonte,
no manancial que irriga os sentidos e, a partir das impressões sensoriais,
estimula a intuição e a reflexão, fornece os dados para fundamentar a ciência,
a filosofia, a teologia e termina na Arte, em suas expressões mais sublimes.,
foi o Pe. Rambo.
A natureza de certo age sobre todos os
sentidos a modo de arte musical, pictórica e espacial, a saber, a água em todas as suas formas de
mar-oceano, de rio, de lago, de fonte, nuvens e gelo; a terra firme em todas as
suas configurações de ilha, montanha, planície e a vegetação em todas as suas
modificações de selva ou mata, de relva, estepe e pântano. Dessas partes
componentes, estruturam-se em muitas combinações as paisagens predominantes,
mas elas também se repetem no pequeno e no mínimo. Pode falar-se, outrossim, de
direções ou correntes artísticas e de estilo da Natureza, ligadas elas ao
tempo. Significativamente, elas valem tanto mais quanto mais próximo se acha o
meio de representação. (Aparados da Serra – na trilha do P. Rambo. 2007. p. 19)
Mesmo
nos ambientes urbanos onde a artificialização e o conseqüente distanciamento do
mundo natural alcançou um ponto extremo, persiste uma espécie de nostalgia
atávica, uma consciência coletiva nem tão adormecida, dos tempos em que o homem
do paleolítico andava de pés descalços, pelas florestas, savanas, montanhas e
planícies. Reencontrar-se com esse passado remoto e contudo tão presente, é um
desejo, para não dizer instinto, que se faz valer também no homem que nasceu
numa selva de arranha-céus e respira de dia e de noite o odor do asfalto. Creio
que não é temerário afirmar que é
exatamente nessa atmosfera de artificialidade, que se faz notar com
crescente vigor a nostalgia da volta ao
paraíso perdido, pelo menos para
usufruir pequenos intervalos de paz. Encontramos aqui, salvo melhor
explicação, a resposta ou as respostas para uma série de fenômenos e movimentos
que se tornaram evidentes depois da Segunda Grande Guerra e que acompanham o fenômeno da urbanização e se
tornam cada vez mais comuns, na medida em que o homem do campo se transfere
para os espaços das grandes cidades, metrópoles e áreas metropolitanas. O
primeiro deles acontece a nível macro sob rótulos como salvemos o planeta
terra, salvemos a biodiversidade, salvemos as florestas tropicais, salvemos as
paisagens naturais, previnamos o aquecimento global, além de muitos outros
rótulos. Na sua essência todos são manifestações comuns da natureza, ou se
preferirmos, do “instinto” do homem que percebe que o chão em que estão
fincadas suas raízes existenciais, está a perigo. Os alertas a respeito já se
fazem ouvir, cá lá, desde a segunda metade do século XIX. Cientistas, geógrafos,
historiadores, filósofos, moralistas e teólogos ocuparam-se e ocupam-se cada
vez mais com o assunto. A questão
manteve-se, entretanto, a nível mais teórico e dela ocupavam-se intelectuais, cientistas e pensadores
confinados em suas academias. A “questão ecológica”, como já afirmamos mais
acima, baixou, entretanto, ao nível dos
interesses e preocupações das instituições responsáveis por traçar políticas
públicas, cuidar da saúde pública, da condução da economia, do disciplinamento
do uso do espaço, tanto rural quanto urbano, da educação e de uma
jurisprudência em condições de criar parâmetros legais para coibir os abusos em
relação ao aproveitamento dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, estimular
iniciativas que apresentem propostas para a preservação do que ainda existe de
natureza original, prevenir danos futuros e
recuperar o já danificado. Ações patrocinadas por organismos
governamentais como o Ministério do Meio Ambiente, secretarias estaduais ou
municipais do Meio Ambiente, etc., ou se
promovidas por ONGS e similares, ou ainda por empresas de natureza diversa ou
indivíduos. Relevando os interesses menos “ecológicos” que acompanham, viciam
ou até movem não poucas dessas iniciativas, no fundo, no fundo, são movidas por
uma preocupação, sob todos os aspectos, louvável, para não dizer impositiva.
Evitar que ao homem dessa e das futuras gerações não falte o mínimo de chão no
qual captar matéria prima indispensável para realizar o “humano” da sua
natureza, assim como o fizeram sem preocupação, os nossos ancestrais durante
centenas de milhares de anos. Não é aqui o momento de nos alongarmos demais
sobre essa questão. Mas vale acrescentar ainda que o homem “é filho desta
terra, que lhe fornece o pão de cada dia e lhe fornece os símbolos da sua vida espiritual,
como escreveu o Pe. Rambo. (Rambo. 1942.
p. 337). E vale acrescentar que basta percorrer a história do homem enquanto
dispomos de provas objetivas, e para
além e para trás, valendo-nos da lógica
que comanda os processos históricos, que a arte, o imaginário, as crenças, as
religiões, as mitologias, as próprias organizações espaciais, tem no entorno
natural o seu grande inspirador e modelador. O receio, para não dizer pavor
instintivo do homem vivendo em ambiente urbano cada vez mais distante dessa
“mãe e pátria”, prive-o da paisagem que o inspirou e iluminou na sua
trajetória.
No
varejo a mesma nostalgia motiva os estressados seres humanos, triturados pela
zoeira e dos congestionamentos das metrópoles, a buscar algumas horas ou
momentos de paz , na penumbra silenciosa, porém, eloqüente das árvores,
povoadas de pássaros executando sons, músicas e sinfonias que, desde as brumas
do tempo, vem embalando os sonhos, os momentos tristes e as horas de alegria,
dos nossos antepassados de vinte, cinqüenta, cem e mais mil anos passados. É na
tentativa de saborear pelo menos por algumas horas o prazer de reencontra-se
com o cenário que tornou possível a caminhada do homem através dos tempos, que
o homem esmagado pelo demiurgo da metrópole, procura em fins de semana um
sitio, acampa aos pés de uma cascata, de mochila nas costas percorre trilhas na
florestas, ou fica horas e mais horas escutando a marulhar da água de um arroio
de montanha, respirando o ar leve do planalto, contemplando as araucárias
várias vezes seculares, ou fica a imaginar-se o alguém quem mora nos abismos ou
faz-se de eterna sentinela nos mirantes sobre os penhascos.
A
partir das constatações acima Edward Wilson sugere (propõe) que a
familiarização da criança, desde o mais cedo possível, comece a ser estimulada
a observar o seu entorno natural até as suas últimas minúcias. Para ele os
fundamentos para a construção de um conhecimento sólido deve começar o mais
cedo possível. E o primeiro passo consiste em despertar e estimular o interesse
pelo mundo natural, que todo o ser humano, pela sua própria natureza, carrega
consigo desde que veio mundo.
A mente da criança se abre muito cedo para a
natureza viva. Se for estimula ,ela se desdobra em estágios que vão
fortalecendo seus laços com as formas de vida não humanas. O cérebro é
programada para o que os psicólogos chamam de “aprendizado programado”: nós nos
lembramos facilmente de algumas experiências. Em contraste, somos preparados
para evitar e aprender outras experiências, ou então aprendê-las e depois
evitá-las. Por exemplo, flores e borboletas sim; aranhas e cobras, não. Edward
Wilson. 2006. p. 161)
O
autor chama também a atenção de que o despertar das habilidades cognitivas na
criança a partir da observação da natureza, consolida categorias mentais que encontram aplicação
prática em outros departamentos da sociedade humana. A habilidade de
classificar categorias naturais como plantas, animais, rochas, sedimentos,
fontes, e mais ainda aprender a reconhecer por ex., as árvores de um bosque, os
pássaros que vivem nele, os insetos que polinizam as flores, etc., organizam a
mente e disciplinam seu uso também em outras atividades. Mesmo que se possa
afirmar que toda a criança é um naturalista pela sua própria natureza, um
número insignificante irá dedicar-se a algum campo das Ciências Naturais como
profissional. Acontece, porém, que o treinamento e a disciplina mental
adquirido na infância e na adolescência, facilitam-lhe na futura profissão por
ex., a dar importância a uma boa organização entre os diversos produtos que
saem de uma indústria ou são postos à venda numa loja. Concluindo acrescenta:
“É possível que o talento para reconhecer padrões recorrentes que identificamos
nos artistas, poetas, cientistas sociais
cientistas naturais, seja construído sobre as habilidades fundamentais
de percepções que encontramos na inteligência naturalista”. (E. Wilson. 2006.
p. 160)
Quem,
como nenhum outro, percebeu o alcance do
conhecimento intuitivo como instrumento pedagógico foi Pestalozzi, conterrâneo e contemporâneo de Rousseau. Ele
fez da intuição, ou se preferirmos da percepção sensorial, a razão de ser, a
base da sua filosofia educacional e do seu método didático-pedagógico. A
aplicação prática dos pressupostos pedagógicos de Pestalozzi veio a ser adotada
na condição de método oficial para as escolas da Prússia. Desde meados do
século XVIII os reis da Prússia foram investindo na educação das novas
gerações. Entendiam que somente dessa maneira seria possível formar em grande
número pessoas úteis ao Estado e à comunidade nacional, como cidadãos
conscientes e comprometidos, como funcionários eficientes e como soldados
leais. Um século mais tarde todas as crianças entre os seis e os quinze anos eram obrigadas a
freqüentar a escola. O resultado não deixa dúvidas. Em 1870 a porcentagem de
analfabetos entre os meninos de mais de dez anos não passava dos dez por cento
e das meninas de quinze por cento. Em não poucos lugares não passava dos cinco
por cento. Somada à política oficial de por meio de dispositivos legais
implantar a obrigatoriedade do ensino entre os seis e os quinze anos, foi de
importância fundamental na estrutura educacional. Os povoados mais
insignificantes contavam com um escola primária e cada cidade um pouco mais
importante oferecia um ginásio. O interesse pela educação fazia parte das
preocupações, desde os mais altos funcionários, empresários, comerciantes,
profissionais liberais, donas de casa e o povo em geral. Investiam tempo e
dinheiro em parceria com o governo no esforço de erradicar a ignorância do povo
e aprimorar cada vez mais a filosofia e
os métodos da educação.
E
o esforço concentrou-se exatamente no ponto mais sensível, isto é, no
pressuposto teórico e metodológico do sistema escolar que pode ser definido
como “prussiano-pestalozziano”.
Fundamentou-se na doutrina de Rousseau de que a educação é um processo;
que esse processo deve fluir livremente da natureza da criança que é boa por
natureza; que cada uma é peculiar quanto
à sua individualidade. Libânio (1991, p. 61) destacou como idéias mais
importantes de Rousseau:
1) A preparação da criança para a vida
futura deve basear-se no estudo das coisas que correspondem às suas necessidades e interesses atuais.
Antes de ensinar as ciências, elas precisam ser levadas a despertar o gosto
pelo estudo. Os verdadeiros professores são a natureza, experiência e o sentimento. O contato da
criança com o mundo que a rodeia é que desperta o interesse e suas
potencialidades naturais.
2) A educação é um processo natural, ela se
fundamenta no desenvolvimento interno do aluno. As crianças são boas por
natureza, elas têm uma tendência natural de se desenvolverem. (Libâneo, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991)
Não
é aqui o lugar para detalhar a proposta pedagógica e o método didático de
Pestalozzi, mas chamar a atenção para a importância do conhecimento construído
a partir dos dados, ou, se preferirmos, da matéria prima que é oferecida pela
via sensorial-intuitiva. Entre as perspectivas pelas quais seu
significado pode ser apreciado, destacamos.
Percebe-se um paralelismo sintomático, uma
analogia que faz pensar, entre a construção do conhecimento de uma criança e o
conhecimento elaborado pela humanidade nos assim chamada fase “pré-científica e
pré-racionalista”, ou se preferirmos, antes de entrar em ação método sintético
dedutivo e o analítico indutivo. Os sentidos captam as informações que são processadas e elaboradas
intuitivamente. Os significados que lhes são atribuídos, o papel que lhes cabe
cumprir no quotidiano das comunidades humanas e dos indivíduos, são
determinados pela tradição cultural e pelas ideosincrasias individuais.
Propomos como exemplo a astrologia. A impressão que os astros e a coreografia
celeste deixam no homem que contempla o firmamento noturno sem nuvens, representam
animais, personagens imaginários, eventos misteriosos, presságios,
infortúnios e muito mais do que o espetáculo é capaz de despertar na
imaginação. Nesse processo de aprendizagem e de elaboração intuitiva e
sensorial das informações captadas pelos sentidos, adquirem forma os muitos
corpos de conhecimento construídos
durante séculos e milênios. Corresponde à fase, diria, infantil, na qual tanto
a criança quanto a humanidade, atribuem personalidade, significado, simbologia
ao mundo que entra pela janela dos sentidos. É nessa fase que se consolidam os
elementos qualitativos das culturas expressos nas crenças, nas religiões, nos costumes, nos
hábitos, nos valores sociais, éticos e morais. Enfim é nessa fase que acontece
a educação e a formação da personalidade do ser humano. E é nessa fase também
que se consolidam as linhas mestras das tradições culturais. E a analogia entre
a fase “infantil”, a fase do aprendizado e da colocação dos fundamentos da
personalidade pela percepção sensorial e a intuição na educação, tanto de uma
criança, quanto os fundamentos das culturas, um elemento determinante merece
atenção. Assim como a forma e, principalmente, a consistência do conteúdo
assimilado pela criança determinam como o “Leitmotiv”, o norte para o resto da
vida, assim também as conquistas dos povos na sua fase “infantil”, continuam
repercutindo, de alguma forma, até hoje. Voltamos a chamar a atenção ao
Horóscopo que continua, mais do que nunca, gozar de público e popularidade. O
conhecimento adquirido via sensorial-intuitiva perpassa a história individual e
a história coletiva como um “som subliminar e a ressonância que desperta”, como
diria o Pe. Rambo, faz com que o resultado seja uma sinfonia harmônica ou uma
cacofonia desafinada. Foi essa, sem dúvida, a razão de ser porque a educação
infantil e fundamental, principalmente, tinham em vista o desabrochar das
potencialidades inatas na criança, pondo-a
por meio dos sentidos em contato com o mundo em que vive. A proposta
educacional e curricular, ditada pelo fato de a criança “ser boa por natureza”
e ser levada pela “tendência natural de desenvolver-se”, foi, por isso,
concebida como facilitadora para despertar e desenvolver as qualidades e potenciais inatos. O resultado prático da
educação resulta num cidadão útil à comunidade e num cidadão consciente das
suas obrigações e direitos em relação ao Estado. Ao educador, mestre ou professor cabe a tarefa de tornar o
aprendizado o mais espontâneo e o mais amplo e completo possível. Os resultados
dessa filosofia e prática educacional concebida e popularizada pela Prússia,
foram tão espetaculares que foram sendo copiados e implantados em outros
paises, também fora da Europa. Forneceu. Por ex., a base teórico-metodológica da proposta
pedagógica executada nas escolas comunitárias teuto-brasileiras no sul do
Brasil até 1940. As linhas mestras do chamado “construtivismo”, com perfil
fortemente ideológico, têm sua
inspiração em Pestalozzi, Commenius e outros,
Uma
vez consolidado o conhecimento haurido pela via sensorial-intuitiva e,
paralelamente, definidos os traços fundamentais da personalidade, a criança, o
adolescente estava em condições de avançar na construção do conhecimento,
recorrendo a “dedução e a indução”. Seguia então a fase em que o educando apropriava-se
dos instrumentos indispensáveis para movimentar-se com sucesso nos campos das
Ciências Naturais, das Ciências do Espírito, das Ciências Humanas e das Artes e
Letras. O currículo punha-o em contato com a matemática, a física, a química, a
história natural, a geografia, as línguas clássicas e modernas, as artes, a filosofia. Só depois de ter-se
familiarizado com esse vasto mundo de conhecimentos de cunho geral e com os
respectivos métodos e ferramentas, oferecidos nos famosos “gymnasia”, o jovem partia
para a especialização e ou profissionalização: Direito, medicina, engenharia,
filosofia, línguas, literatura, biologia, botânica, zoologia, história,
geografia, ... em escolas técnicas, politécnicas e universidades convencionais.
As crianças, candidatas a futuras produtoras de conhecimento, encontravam
escolas e mestres que se valiam do potencial inato como ponto de partida para a educação.
Desenvolvê-lo ao máximo despertando e aperfeiçoando ao máximo possível a
percepção sensorial aliada à intuição, resumia a tarefa das escolas elementares
e dos seus mestres. Superada essa etapa
o esforço concentrava-se no aparelhamento do adolescente e do jovem com
as ferramentas indispensáveis para enfrentar uma futura especialização
acadêmica ou profissional, oferecidas por uma formação a nível genérico nos
“gymnasia”. Nas duas fases iniciais a que nos acabamos de referir, a
preocupação com a futura profissão dos alunos não entra como fator, a não ser
muito, marginal e secundário, na proposta e
execução do currículo. O que decide é o fato de que o egresso dos
“gymnasia” esteja em condições de movimentar-se com desenvoltura na sociedade
em que deverá atuar; tenha consolidado uma personalidade que se rege por
princípios e valores pessoais, sociais e éticos sólidos e coerentes; e que, por
isso mesmo seja um membro útil à sua comunidade e um cidadão comprometido com o
Estado, leal nas mais diversas
eventualidades. A formação especializada só depois de vencidas as duas etapas
anteriores. Engenheiros, médicos, advogados e juristas, políticos, economistas,
religiosos, pesquisadores especializados nas mais diversas áreas do
conhecimento, acadêmicos, filósofos, teólogos, todos compartilham da base comum
que lhes moldou a personalidade e as bases do conhecimento. Esse fato faz com
que um médico esteja em condições de dialogar com um historiador, um filósofo
ou um artista; um filósofo ou teólogo tenha condições de entender-se com um
geneticista ou um físico; de um jurista ou economista analisar com proveito
questões que importam em administração com sociólogos, antropólogos, médicos,
...; os docentes e pesquisadores das universidades se darem conta de que a
qualidade dos seus esforços têm tudo a ver com a troca dos resultados e,
principalmente, com uma sincera e efetiva cooperação e colaboração
interdisciplinar.