Conhecimento como síntese
Arthur Blasio Rambo
Caro colega Lúcio, parceiro na
aventura da construção do conhecimento e, sobretudo, amigo leal, ofereço-lhe
essa modesta contribuição para a “Festschrift”, organizada por seus colegas e
amigos, como homenagem de estima e admiração que sempre tive para com o senhor.
Chegados que estamos a essa altura da vida, a natureza e os objetos das
reflexões diminuem gradativamente em número, mas, em compensação, aqueles que
subsistem ganham em importância existencial. Aos vinte anos olhávamos em nossa volta e percebíamos o mundo como um
cenário feito de múltiplas possibilidades para planejarmos os rumos da nossa
existência, realizarmos os nossos sonhos e concretizarmos os nossos ideais. A
imaturidade e a falta de experiência cobraram, por vezes, um preço muito alto.
Não poucos sonhos mostraram-se quimeras fugazes, outros tantos utopias
impossíveis. Opções para o rumo da vida, que pareciam definitivas, mostraram-se
equivocadas no decorrer dos anos. Para não naufragar nessas situações, foi
preciso recorrer a correções de rota que, aparentemente, poderiam parecer rupturas
pela raiz com o passado. Objetivamente falando, porém, não passaram de escolhas
ousadas para não sacrificar a linha mestra da coerência que tínhamos traçado
para as nossas vidas. E assim, tropeçando, caindo e sempre nos levantando,
continuamos investindo na compreensão da vida, das vivências pessoais, dos
relacionamentos humanos, da atividade acadêmica, da procura de soluções
satisfatórias pelo sentido e pelo lugar que, no universo, cabe à natureza, ao
homem e a Deus. Nessa caminhada, por certo, não faltaram situações-limite que
foi preciso vencer. Se corretamente
entendidas e avaliadas, essas eventualidades que nos surpreenderam na
nossa caminhada ao longo dos anos, tiveram o poder de depurar, selecionar, descartar,
dar valor ao que é verdadeiro e, dessa forma, converter o tempo que nos resta,
a “Geschenkte Zeit”, como diriam nossos maiores, no coroamento dos muitos
sonhos e numa lição proveitosa para os que continuam privando conosco.
Convido-o, por isso, para
uma reflexão sobre um tema que subjaz
como pano de fundo, como “Leitmotiv”, a todo e qualquer esforço acadêmico, seja
na área e na especialidade que for: o
Conhecimento. É óbvio que em duas dezenas de páginas é de todo em todo
impossível dar conta de um conceito que envolve tamanha riqueza de
desdobramentos. Nas linhas que seguem limito-me a refletir sobre algumas
questões que merecem a atenção de quem pretende lidar com seriedade que envolve
a temática proposta.
Antes de mais nada, falar em
conhecimento importa em arriscar-se a lidar com um desses conceitos passíveis
de tantos e tamanhos entendimentos, que a pretensão de dar-lhe uma formulação
compreensiva mínima, se constitui numa empreitada de boas proporções. A
primeira pergunta que se coloca é por onde começar. Melhor. De que conhecimento
estamos falando? Conhecimento científico, conhecimento filosófico, conhecimento
teológico, conhecimento popular, conhecimento instintivo, conhecimento
racional, conhecimento primitivo, conhecimento moderno, etc. etc. Como se pode
ver todas essas formas de conhecimento e outras que possam ser acrescentadas,
partem de objetos, níveis, ângulos e métodos de aproximação diferentes. Se
optarmos por um deles como ponto de
partida, as conclusões a que chegarmos, serão inevitavelmente unilaterais e
parciais. Em qualquer uma das situações o objeto escolhido sinalizará o caminho
pelo qual o conhecimento deverá andar e determinará o seu perfil teórico e
metodológico. Assim o conhecimento teológico sempre será essencialmente
teológico, embora incorpore na sua estrutura subsídios buscados em outras
áreas, como filosofia, a tradição, as
ciências naturais etc. Dessa maneira,
quando se fala em Filosofia Natural, em
História Natural, em História Medieval, em Física Atômica, em Economia
de Mercado e por aí vai, o objeto especificado no adjetivo terá o seu conteúdo
tratado com as ferramentas teóricas e metodológicas próprias do substantivo. Em
outras palavras. O caminho de aproximação para a investigação de algum objeto,
será aquele previsto pelo substantivo. Logicamente, portanto, o estudo da
Natureza é possível pela via filosófica, pela via química, pela via
biogenética, pela via econômica, etc.
Conclui-se daí de que a via de aproximação de algum objeto tem o seu traçado
definido pelo olhar e as ferramentas do ponto de visto pelo qual começa a
investigação. A abordagem pelo viés do matemático trairá sempre o olhar do
matemático que interpreta e confere significado aos resultados. A análise
química, a evolução histórica, a inserção no contexto natural, deixarão transparecer
o olhar do químico, do historiador ou do ecologista. Partindo desses
pressupostos somos levados a avançar mais alguns passos sobre a natureza do
conhecimento.
Os
conhecimentos são múltiplos, tanto pela natureza, quanto pelo nível,
certeza e profundidade. Falar em natureza do conhecimento, significa
aventurar-se num território minado, motivo de não pouca polêmica. O
conhecimento pode ser dividido em científico, filosófico, teológico, popular,
intuitivo, instintivo. Não há necessidade de chamar a atenção de que essa
divisão nos expõe a uma saraivada de discussões. A tendência pós-moderna
de compartimentar os conhecimentos vem
acompanhada do risco de exagerar e até absolutizar os resultados das conquistas
nos respectivos campos do saber. Para não poucos cientistas conhecimento digno
desse nome somente é aquele que é obtido por meio do método analítico,
valendo-se de tecnologias cada mais vez mais precisas. Para o filósofo o
verdadeiro conhecimento é o resultado das conclusões tiradas a partir da visão do
mundo dos pensadores individuais ou das escolas a que se confessam filiados. O
mesmo pode-se afirmar, ressalvadas as características próprias, de todos os
demais campos do conhecimento. Configura-se assim o cenário propício para fazer
prosperar posições fundamentalistas tanto de cientistas, quanto de filósofos ou
teólogos. Em outras palavras encontramo-nos em chão propício para se
movimentarem os “donos da verdade” em todos os campos do saber humano. O velho
e sábio princípio “doctrina multiplex, veritas una” – “as doutrinas são muitas,
a verdade é uma só”, que servia de orientação a instituições seculares de
produção do saber, corre o risco de ser arquivada e esquecida nos museus da
história. No momento em que um cientista chega à conclusão de que a resposta a
questões realmente de fundo desafiam seriamente os potenciais do método e das
tecnologias de investigação empírica e sinaliza para outras vias de aproximação
do problema, corre o risco ser desqualificado como pesquisador pelos seus
pares. Qualificativos como “visionário”, ou “romântico alienado”, ou “o homem
não pode ser levado a sério”, ou ainda “a questão está mal posta” ..., tiveram
como endereços nomes como Teilhard de Chardin, Erich Wassmann, Balduino Rambo,
Francis Collins e muitos outros. Uma posição idêntica observa-se entre alguns filósofos e,
principalmente teólogos, quando um cientista bem intencionado, munido de dados
objetivos solidamente comprovados, sugere a revisão de conclusões e ou a
reformulação de conceitos em discordância com os dados científicos objetivos.
Se no plano do conhecimento
científico e filosófico, que afinal valem-se
de métodos consagrados, aceitos e respeitados, manifestam-se problemas
de mútua aceitação e legitimação dos resultados, o que não esperar nos outros
níveis. O conhecimento popular é elaborado à margem de teorias e métodos
“científicos” e não resulta da comprovação pela lógica e pelo raciocínio. Nem
por isso deixa de ser um conhecimento legítimo. Aliás se procurarmos pela fonte, pela raiz do
conhecimento científico e filosófico, iremos encontrá-la entre os caçadores,
coletores, pastores e agricultores da pré-história. Valendo-se das ferramentas
de que dispunham foram consolidando os corpos de conhecimentos que lhes foram
vitais para a sobrevivência. Observando, comparando, distinguindo,
selecionando, descartando, experimentando, os povos de então criaram condições
cada vez mais consolidadas para seguirem com êxito na sua ascensão histórica.
A gênese e a dinâmica que deu forma às incontáveis modalidades de conhecimento,
tem como ponto de partida, raiz e fonte, a natureza humana, com sua capacidade
de dar respostas reflexivas e, ao mesmo tempo, intuitivas e instintivas, aos
estímulos vindos do meio físico-geográfico em aconteceu a respectiva
trajetória. Estamos obviamente diante de
um desafio de razoáveis proporções. A afirmação
de que o homem consolidou e
continua consolidando um conhecimento digno desse nome, com os elementos
que a sua capacidade instintiva, intuitiva e reflexa lhe oferece, desperta no
mínimo desconfiança e incredulidade entre os cientistas acostumados a lidar com
instrumentos de precisão. Não menos reticente mostra-se o filósofo que só
confia na lógica dos seus raciocínios e
nas conclusões dos seus silogismos. Para ambos, as certezas de que os
instintos, as intuições, os sentimentos, os pressentimentos, as sensações, não
oferecem as condições de segurança e confiabilidade, por um conhecimento digno
desse nome.
O cenário que caracteriza a
produção do conhecimento nesses começo do terceiro milênio, tem como ponto de
partida, entre outros, os seguintes elementos. Primeiro. A Renascença mexeu
fundo nos conceitos filosóficos,
teológicos, científicos e artísticos do mundo medieval. E, dessa forma, preparou
o terreno para que os fundamentos conceituais e metodológicos das, assim
chamadas “Ciências Modernas”, começassem a tomar forma e consolidar-se no
decorrer da segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX.
Nesse período definiram-se os grandes campos das Ciências Naturais: da Química,
da Física, da Geologia, da Paleontologia, da Biologia, da Botânica, da Zoologia
e dos seus sub-campos. – Segundo. Paralelamente sucederam-se, em ritmo
acelerado, as conquistas tecnológicas. Consolidava-se assim o cenário no qual a
tecnologia oferecia instrumentos cada vez mais potentes e precisos,
proporcionando, de um lado, à Ciência
resultados sempre mais exatos e diversificados e, do outro, a Ciência exigindo
cada vez mais da tecnologia. Foi assim que Ciência e Tecnologia, numa dinâmica
de mútuo estímulo, moldaram o fundamento material da Modernidade. – Terceiro.
Ao mesmo tempo, as conquistas das Ciências Naturais operou, a nível das idéias, uma profunda revolução do
pensamento, responsável pela cosmovisão
moderna e pós-moderna. – Quarto. A relação de complementariedade entre as
Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, intuída e formulada com rara
felicidade foi Erich Wassmann. Ele foi um representante emblemático de
cientista que contou em seu currículo com uma sólida formação clássica,
filosófica, teológica e científica. Munido com esse suporte de conhecimentos,
mergulhou como nenhum outro, nos complexos mecanismos que regem o bom
funcionamento das sociedades de formigas e térmites. Não se limitou,
entretanto, a fazer um inventario do que
observava, dar-lhe um tratamento estatístico, desdobrá-lo em seus elementos
estruturais, identificar as classes de indivíduos e sua mútua interdependência
e a relação simbiótica com determinados fungos. Os dados que se foram
acumulando assumiram contornos mais amplos, na medida em que eram iluminados
pelo olhar próprio das Ciências do Espírito. Pela dupla aproximação, via
Ciências Naturais e via Ciências do Espírito, Wassmann formulou aos poucos a
sua síntese do universo e da natureza, sinalizando para uma harmonização
teórico-metodológica para não poucos tida como impossível. Para tanto valeu-se
de dois conceitos que facilitam entender como, tanto a Ciência quanto à
Filosofia, oferecem os dados para compreender o todo que é o universo em que
vivemos: “Weltbild” e “Weltauffassung”.
Cabe às Ciências Naturais
fornecer os dados objetivos, materiais e concretos para retratar a natureza,
isto é, desenhar o “Weltbild”. As Ciências do Espírito conferem sentido e
significado ao “Weltbild”, que vão além da simples soma, agregação,
commplexificação e ordenação dos dados empíricos, formulando uma
“Weltauffassung”, uma cosmovisão. A metáfora de um quadro pintado esclarece
melhor o que Wassmann pretende ensinar. As tintas, as cores, a tela, os
pinceis, etc. são os elementos materiais necessários para desenhar o Weltbild.
Correspondem aos dados científicos disponíveis num determinado momento. O
artista combinando cores, tonalidades, luzes e sombras, contornos, panos de
fundo, etc., confere sentido, significado, de acordo com a sua comovisão – a
sua Weltauffassung. Pela sua própria natureza tanto o “Weltbild”, quanto a
“Weltauffassung” encontram-se em constante transformação, reformulação e
resignificação. O “Weltbild” vai-se redesenhando na medida em que as pesquisas
científicas revelam novos dados, tornam os existentes ultrapassados. Os
formuladores da “Weltauffassung”, da cosmovisão, atentos aos progressos das
Ciências atualizam significados e conceitos e revisam a compreensão do universo
e da natureza.
O redesenhar do “Weltbild”
estimulado pelas descobertas científicas que vão-se acumulando e o repensar da
“Weltauffassung” por elas sugerida, garantem o clima propício no qual a
produção do conhecimento encontra condições para prosperar. Não há dúvida de
que se requer uma boa dose de humildade e espírito desarmado, tanto do
cientista quanto do filósofo. O cientista trabalha com a consciência de que
seus métodos e seus instrumentos são de alcance limitado. O filósofo põe-se a
formular e a reformular a sua
cosmsovisão ou “Weltauffassung” tomando em consideração as descobertas que os
cientistas lhe apresentam. Convenhamos
não é tarefa para qualquer um.
Na construção do conhecimento
entram, em proporções variáveis, conhecimentos setoriais, oriundos das mais
diversas fontes, oferecem o caminho que vai em direção ao verdadeiro
Conhecimento em letra maiúscula, ou aquele que não vem acompanhado de
adjetivos. É o Conhecimento puro e simples: “das Wissen schlechthin”, dizem os
alemães. O sábio, portanto, é aquele que se apropriou de alguma forma do
“Conhecimento simplesmente” do “Wissen Schlechthin”. Há uma diferença enorme
entre um “Sábio”, um “Weise” e um “Conhecedor”, um “Kenner”, ou um
especialista, um eclético, um dono de memória e conhecimento enciclopédico. O
“Conhecedor”, o “Kenner” domina uma área específica do conhecimento, uma fatia
expressa por algum adjetivo, como por ex., conhecimento botânico, genético,
histórico, religioso, popular e por aí vai. O Conhecimento sem adjetivo e com
letra maiúscula, que confere ao seu portador “Sabedoria” – “Weisheit”, é o
resultado da síntese, da amálgama, entre conhecimentos parciais e adjetivados.
A síntese sugere o encontro de
conhecimentos setoriais que, num processo dinâmico de complementariedade, levam
a uma compreensão de nível superior, que
vai além da soma das partes. A síntese não anula a natureza dos conhecimentos
setoriais que entram na sua gênese, mas os resignifica em função de um todo que
resulta de um processo de interação e composição complementar. O cobre e o
estanho continuam sendo cobre e estanho ao se amalgamarem numa proporção de
acordo com o tipo de bronze que se pretende. A amálgama não se parece nem com o
cobre nem com o estanho, no que se refere à sua dureza e ductibilidade.
Salvaguardadas as diferenças e as peculiaridades, a amálgma parece um recurso
adequado para entender melhor o que seja o Conhecimento. A participação dos
conhecimentos parciais ou setoriais no processo de síntese resultam, à
maneira de uma amálgama na produção do
Conhecimento. O resultado é uma realidade qualitativamente diferente de cada componente individual, sem
contudo alterar a natureza e as características das partes. A cor, a
ductibilidade, a maleabilidade, a dureza do bronze, não alteram a natureza
química e física do cobre e do estanho. Integram-na, isso sim, numa nova
realidade. Um fenômeno análogo acontece com a produção do Conhecimento. O único
Conhecimento digno de ser chamado de Síntese é aquele que resultou da
confluência, seguida de uma “amálgama”, da maior quantidade, diversidade e
qualidade possivel de conhecimentos parciais. A densidade e a consistência do
Conhecimento, portanto, é diretamente proporcional à quantidade e qualidade dos conhecimentos
parciais que entram na sua construção.
A lógica da reflexão leva-nos um
passo adiante e perguntar sobre os pressupostos indispensáveis para alguém
ousar construir o Conhecimento ao qual nos referimos. Sem propor uma prioridade
hierárquica rigorosa, entre outros, não podem ser ignorados.
Primeiro. A amplitude e a solidez
do Conhecimento é diretamente proporcional à amplitude e a solidez da formação
e a capacidade de síntese daquele que o produz. Uma formação com essas
características somente é esperável naqueles que se apropriam dela, começando
no ensino fundamental, passando pelo médio e culminando no superior e na
pós-graduação. Supõe-se, portanto, uma proposta pedagógica, pela qual, passo a
passo, o aluno apropria-se das condições, dos conteúdos, dos conceitos, dos
conhecimentos teóricos e das ferramentas metodológicas, para produzir conhecimento digno desse nome.
Segundo. Até o final do século
XVIII a Europa formava suas elites intelectuais em estabelecimentos de ensino
superior, nas quais a Teologia polarizava a formação. A primeira geração de
universidades como Bolonha, Paris e demais até a Renascença, contavam com a
constante vigilância para não dizer
tutela da Igreja. Muitos religiosos como Duns Scotus, Guilherme de Okham, Tomas
de Aquino, ocuparam cátedras nessas universidades. O Tomismo e a Escolástica
tornaram-se a base reitora maior do ensino da Teologia. A Revolução do
Pensamento do Século XVIII não podia deixar de mexer fundo no próprio conceito
de universidade. Foi preciso repensar seu papel, e com ele, os objetivos e os
métodos. Em meio a essa dinâmica esboçaram-se três modelos que, na sua
essência, continuam até hoje, ditando os rumos das academias com as marcas
invitáveis de acomodação aos tempos e circunstâncias históricas: a Universidade
Latina, a Universidade Inglesa e a Universidade Alemã,.
A Universidade Latina predominou
e continua predominando na França, na Bélgica na Suíça não alemã, na Itália, na
Espanha, em Portugal e respectivas ex-colônias. Esse modelo tem como marca a
profissionalização. A universidade espanhola não passa de uma copia da
francesa. Segundo Alfonso Borrero, um dos maiores conhecedores das
universidades “mãe e filhos bebemos todos do mesmo leite contaminado da
legislação imperial napoleônica de 1806-1808”. Institucionalmente, esse modelo
sofre de uma forte influência, ingerência, e pior, tutela do Estado. Não há
necessidade de grande provas para identificá-lo nas universidades brasileiras.
Tanto as públicas quanto as privadas pagam um peço cada vez mais alto, com a
perda progressiva de autonomia. Prevista na Constituição, na prática não passa
de uma ficção. A universidade é refém das leis, regulamentações, diretrizes,
sucessivas reformas do ensino, impostas pelas autoridades educacionais e seus
aparelhos burocráticos.
A Universidade Inglesa oferece
como marca definidora, como selo a educação do cidadão. Esse diferencial foi
compreensivelmente incorporado nas universidades norte-americanas, inspiradas
fortemente na Universidade Alemã.
A Universidade Alemã concentra
todo o peso na pesquisa científica e na produção do conhecimento, ao ponto de
constituírem-se na sua própria razão de ser. O prestígio de uma universidade é
diretamente proporcional ao valor atribuído à investigação científica e à
produção do conhecimento. Interessa em primeiro lugar a pesquisa científica e o
saber em si. Sua repercussão prática e sua aplicabilidade seguem, num segundo
momento, como conseqüência lógica. Esse modelo exige como pressuposto
total autonomia acadêmica, administrativa e financeira, além de um corpo
docente altamente qualificado.
Até o final do século XVIII a
universidade era formada por três faculdades: a Teologia, a Medicina e o
Direito. Eram hierarquicamente superiores à faculdade de Filosofia, que ocupava
um lugar secundário. As três faculdades principais ofereciam os conhecimentos
de interesse direto do governo, com destaque para a fazenda pública e o bem
estar do corpo visando a preservação da saúde. A Filosofia, que se ocupava com a ciência pura, tratada com rigor e
profundidade, servia apenas de reforço para as principais. A partir do começo
do século XIX foi-se impondo cada vez
mais a convicção de que a missão maior da universidade consistia em impulsionar
a produção do conhecimento e promover a investigação científica em todos os
campos do saber. O grande aliado e patrocinador dessa maneira de conceber a
universidade foi Frederico Guilherme III da Prússia. Para ele a investigação
científica e a produção do conhecimento
constituíam-se em valores em si. Em princípio não importava sua aplicação
prática. Desinteressado pelos utilitarismos imediatos tornou-se o grande
incentivador do trabalho científico criativo e de alto valor. Em outras
palavras: antes de mais nada excelência e depois a utilidade prática. O
movimento em favor da nova concepção de universidade veio aliado ao ideário
romântico e idealista do nacionalismo alemão, que fez com que a filosofia, a
política, o idealismo, o nacionalismo e o romantismo esculpissem o modelo
universitário em gestação. Como conseqüência pregava-se nas cátedras de
filosofia de Jena, Halle e Erlangen a totalidade e indivisibilidade do
conhecimento.
Entende-se assim que o ministro
Bayme, encarregado da reforma da universidade alemã, recorresse aos préstimos
dos intelectuais de maior prestigio. Embora Kant não tivesse participado
diretamente da equipe que formulou as bases da universidade, foi dele a
exigência de que o centro polarizador e
irradiador, ocupado até então pela Teologia, fosse deslocado para a Filosofia.
Bayme convidou Friederich Schleiemacher e Johannes T. Fichte, associados às
contribuições de natureza pedagógica de Pestalozzi e Comenius. Entre eles o
ideário apresentado por Fichte foi o que mais pesou na moldagem do novo modelo
universitário. Em resumo a proposta de Fichte foi a seguinte.
A educação na nova universidade concentra o seu esforço
na formação que visa o desenvolvimento da capacidade intelectual dos estudantes
e não na formação histórica dessa
capacidade, pois, esta limita-se à análise das características estáticas dos
objetos. Preocupa-se com a capacidade superior filosófica que leva o
conhecimento das leis que fazem com que as coisas tenham necessariamente as
características que de fato têm. É desta forma que o educando “aprende”. Uma
vez consolidada essa genuína tendência de aprender, o educando converte-a, sem
demora, na base de todo o conhecimento. Dessa educação origina-se, como
consequência natural, um conhecimento geral de todo necessário, transcendental
e, com certeza, superior a toda a experiência e, reúne em si, todas as
potencialidades das experiências posteriores. A nova educação preocupa-se com a
compreensão do que se descobre. O aluno percebe-se estimulado pelo amor à
ciência, pelo fato de compreender toda uma coerência vinculada com a ação e a
prática. Nessa perspectiva a universidade deve refletir a unidade orgânica do
conhecimento. Deve superar a mera
erudição e especialização e confiar à Filosofia o papel de regente de
uma orquestra interdisciplinar.
A lógica da reflexão em curso
leva-nos a dar mais um passo adiante e perguntar pelos pressupostos necessários
para que alguém esteja em condições de apropriar-se do conhecimento que mereça
esse nome. Entre outros não podem ser
ignorados os seguintes.
A amplitude e a consistência do
conhecimento costuma ser diretamente proporcional à amplitude e à solidez da
formação e da capacidade de síntese, daquele que o produz. Encontramos essa
pré-condição no modelo de formação institucionalizado, tanto no ensino
fundamental, quanto no médio e superior, na Europa Central e do Norte, na
Inglaterra e nas universidades dos Estados Unidos da América do Norte. Na
Alemanha os famosos “Gymnasia” municiavam os jovens estudantes com uma ampla
base filosófica, histórica, clássica, literária e científica, capaz de lhes
franquear as portas de acesso ao vasto universo do conhecimento. E não eram
poucos os exemplos em que os egressos dos “Gymnasia” levavam como primeiro
titulo de nível superior o de Filosofia, História, Línguas e Literatura
Clássica e Moderna, para depois se dedicarem a uma especialidade no complexo
campos das Ciências Naturais. A comprovação encontra-se nos currículos de não
poucos portadores do Prêmio Nobel e nos currículos de outros nomes de
referência nas respectivas especialidades. Representantes emblemáticos dessa
galeria de verdadeiros sábios são Erich Wassmann, o homem das “Formigas e
Térmites”, Teilhard de Chardin com seu “Fenômeno Humano”, Ludwig von
Bertalanffy, autor da “Teoria Geral dos Sistemas”, Adolf Portmann, Konrad
Lorenz, Charles Darwin, Francis Collins,
diretor do Projeto Genoma, Edward Wilson com sua obra “A Criação – um apelo
para salvar a vida na terra” e muitos outros.
A riqueza, a consistência e a
abrangência do Conhecimento é diretamente proporcional à quantidade, à
diversidade e, principalmente à qualidade dos conhecimentos setoriais que
influíram na sua construção. O conhecimento de um físico que não se valeu de
ferramentas conceituais, teóricas e metodológicas, além das específicas do
objeto da sua pesquisa, necessariamente será limitado e parcial. A mesma
afirmação vale, ressalvadas as peculiaridades da área, para o historiador, o
filósofo, o teólogo, etc. Um grande número de “especialistas”, tanto no campo
das Ciências Humanas, quanto das Ciências Naturais, isolaram-se entre as quatro
paredes dos seus laboratórios ou enclausuraram-se nos seus gabinetes de
pesquisa herméticos e estagnaram a um nível deplorável de indigência de visão do mundo. Correm o risco iminente e
real de engrossar as fileiras dos fundamentalistas e dogmáticos. São os donos
da verdade que, atormentam com suas posições inegociáveis os participantes de
congressos, simpósios e seminários de estudo. Emitem juízos de valor sobre
questões da competência de outros campos do conhecimento. Pior. Fecham as
portas para um dialogo sem preconceitos, desarmado e humilde. Num clima desses
não há condições mínimas para prosperar o “Conhecimento” em maiúsculo e,
consequentemente, não há lugar para “Sábios” – “Weise”, como diriam os alemães.
O máximo que pode acontecer é o surgimento de “Conhecedores” – “Kenner”, talvez
de tamanho enciclopédico, que impressionam os menos avisados, mas não convencem
as pessoas munidas de uma relativa
capacidade critica.
Na Inglaterra as instituições de
ensino em todos os níveis, tiveram o mesmo cuidado com a formação.
Empenhavam-se em equipar os alunos com um lastro de conhecimentos capazes de
lhes franquear as portas para uma compreensão global do universo, da natureza
e, sobretudo, moldar um cidadão culto e cultivador dos valores humanos, sociais
e cívicos. Nesse tirocínio o elemento “pedagógico”, o componente “educação”,
fazia a diferença. A feliz combinação com o conhecimento das instituições
alemãs e o compromisso com a formação do cidadão da escola inglesa, resultou na
marca registrada da formação americana no ensino fundamental, médio e superior.
A consolidação do padrão de
educação inglesa aconteceu com mais evidência, com a reforma comandada por
Newman, nas universidades de Oxford e Cambridge. O modelo veio a chamar-se
“Oxbridge” O conceito sugere a combinação da proposta mais humanística de
Oxford, com a mais direcionada para as ciências de Cambridge. O cidadão
modelado com esse perfil vem a ser um
“gentelman”. O modelo “oxbridge” forma um cidadão do qual espera-se que seja,
segundo o ideal romano, “vir bônus, peritus dicendi”, o que vem a significar,
um cidadão virtuoso, correto, educado e dotado de princípios. Essas virtudes
aliadas ao “peritus dicendi”, isto é, dono de saber sólido e abrangente,
combinado com o dom de se comunicar com maestria, resultam no autêntico
“gentelman”.
É um fato histórico que os
fundadores e refundadores das universidades americanas, foram inspirar-se na universidade alemã. Acontece que a
universidade americana da primeira
metade do século XIX tinha sido o resultado paradoxal do valor maior dessa
nação: a liberdade. A criação e a administração das universidades entregues à
iniciativa de quem estivesse disposto a bancar um projeto nessa área, terminou
em anarquia. Ninguém se entendia. Falar em sistema universitário americano na
época, não passava da enumeração de instituições, cada qual com sua proposta,
não raro conflitante com as demais. O que menos interessava era a produção do
conhecimento e a prática da pesquisa científica e a reflexão séria. O estado
puro resultado dessa situação, foi resumido em 1829 por Henry Wadsworth Longfellow,
estudante americano em Göttingen. Conforme sua avaliação a universidade em seu
país limitava-se a três grandes
edifícios de tijolo, uma capela e o reitor rezando nela. O mesmo estudante
contrapôs a esse cenário desanimador, o que acontecia em Göttingen. Os
professores unidos no mesmo espírito, atraíam os estudantes capazes de os
ensinar no regime de Seminário. Nele o professor estava em condições de
aprender o que não sabia. Um outro estudante americano deslumbrado com a
universidade que encontrou na Alemanha, descreveu os professores como
“indescritíveis instrumentos aptos para todos os tipos tarefas, dispostos a
ensinar topografia ou oratória latina”. O posterior fundador da universidade de
Cornell, estudou em Berlim e lá encontrou o ideal do seus sonhos de
universidade. Não poupava louvores a seus mestres. Confessou que foi na
Alemanha que tomou a decisão de fazer algo em favor da educação na América.
Dos estudantes isolados na
primeira metade do século XIX buscando formação nas universidades alemãs, o
número foi-se multiplicando, a partir da metade daquele século. Entre 1860 e
1870, cerca de 1000 estudantes partiram para a Alemanha. Na década seguinte
foram 2000. Ao longo da segunda metade do século, nada menos do que 10000
americanos formaram-se na Alemanha. O crescimento do número foi ainda maior
entre 1900 e 1914, quando pelas razões históricas conhecidas, o fluxo foi
interrompido por completo. Henry T, Trappan falando em seu livro “University
Education” sobre os resultados benéficos dessa peregrinação em busca das universidades alemãs, resumiu
assim as suas conclusões. A pesquisa científica começou a tomar fôlego e, aos
poucos, a universidade foi-se assumindo como uma instituição na qual o
professor, o investigador e o estudante selavam uma aliança em busca do mesmo
objetivo. (cf. Rambo Arthur. Um Sonho e
uma Realidade. 2009. P. 95-96)
Os resultados não se fizeram
esperar. Em todo o território dos Estados Unidos foram surgindo dezenas de
instituições de ensino fundamental, médio e superior, alimentadas pelo mesmo
ideal de excelência com forte assento
para a educação. O MIT –
Massachussets Institute o Technologie”, é o exemplo mais emblemático do bem sucedido
transplante do ideal de pesquisa da universidade alemã, aliado ao ideal de educação
do cidadão de Oxford e Cambridge, sabiamente adaptado às condições americanas.
E o que os norte-americanos
procuravam nas universidades alemãs? Aprender a arte da investigação. Os
estudantes dirigiam-se à Faculdade de Filosofia, depositaria do saber puro,
atraídos pelas disciplinas científicas, para ensiná-las de forma diferente,
como se costumava fazer nas faculdades profissionais de Direito, Medicina e
Teologia. Procuravam com avidez e de preferência a Psicologia, a Economia, a
Física, a Química, a Biologia e as Matemáticas. A universidade mais procurada
foi a de Berlim. (cf. Ascun, 1992. Nr. 11, p. 46-47)
E a história da formação superior
norte-americana provou o acerto da
peregrinação dos estudantes daquele país
para a Alemanha, durante mais de meio século. Contam-se hoje às dúzias nos Estados Unidos as universidades com seus
centros de produção de conhecimento e institutos de pesquisa de alto nível e
desenvolvimento de tecnologias de ponta. Na sua concepção, implantação e
consolidação tiveram papel decisivo os professores e pesquisadores
formados em universidades alemãs.
Evidentemente não se tratou de um transplante puro e simples do modelo alemão
para a América do Norte. Com a transferência aconteceu uma inevitável adaptação
às novas circunstâncias. Como exemplo bem sucedido e representativo merece
destaque o já citado e o famoso “MIT – Massachussets Institute of Technology”.
Trata-se, na verdade, de um complexo universitário que produz conhecimento de
alto nível em todas as áreas, realiza pesquisas científicas pioneiras e
desenvolve tecnologias de ponta. De seus gabinetes de investigação e
laboratórios de pesquisa saíram dezenas de prêmios Nobel E o segredo?
Encontra-se na concepção institucional e acadêmica, materializada inclusive no
projeto arquitetônico e na distribuição espacial dos prédios, que não sofreu
nenhuma alteração importante desde a sua construção em 1916. O complexo do
“State Center” inaugurado em 2004, reforçou a idéia da interdependência e da
interdisciplinariedade entre as diversas áreas do conhecimento. Numa ponta
abriga um laboratório de Inteligência Artificial e na outra um departamento de
Lingüística e Filosofia. O Instituto, embora seja conhecido como de tecnologia,
realiza uma proposta interdisciplinar tal que os alunos de todas áreas e
diversas especialidades, são estimulados, e de fato têm condições, de
apropriar-se de uma formação básica generalista. Decidido a oferecer aos
estudantes uma sólida formação científica, humanística e técnica, o Instituto
exige que todos absolvam um mínimo de disciplinas de cada uma das grandes áreas
do conhecimento. Aliás o próprio projeto arquitetônico de 1916 foi desenhado e
executado de tal forma que estimula a circulação e o contato entre as cinco
escolas centrais: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Humanidades, Artes e
Ciências Sociais, Administração e Ciência e o complexo da Saúde e Tecnologia.
O modelo de formação em nível
médio nos “Gymnasia” e superior nas universidades alemãs, privilegiou dois
elementos. Primeiro. A apropriação de um conhecimento amplo e genérico, no qual
as Artes, Letras, Humanidades e Ciências Naturais, entrava numa dosagem
equilibrada. Todas gozavam de igual importância. Numa perspectiva
interdisciplinar oferecia-se ao estudante oportunidade para apropriar-se de uma formação que o preparava, em primeiro
lugar, para uma compreensão abrangente e integrada do saber. Em segundo lugar,
valendo-se dos encontros em formato de Seminário, familiarizava-se com as bases
teóricas e a formação critica, indispensável para aventurar-se na construção de
um conhecimento próprio, autônomo e original. No Seminário predominava a
convicção de que o saber, o conhecimento em si, sem um direcionamento pratico,
preparava melhor os egressos para a atividade profissional. Essa mesma convicção
aparece no modelo das universidades inglesas clássicas de Oxford e Cambridge.
Perseguiam o propósito de formar o “gentelman”, o “vir bonus, peritus dicendi”.
A razão pela insistência na
formação media e superior, foi ressaltar a sua importância como pressuposto
para a produção do conhecimento. Já que partimos da premissa de que
conhecimento é síntese, a lógica sugere que o resultado final dessa síntese é
tanto mais rico e tanto mais consistente, quanto mais conhecimentos parciais
entrarem na sua construção. Os dois elementos estão presentes, tanto na
proposta pedagógica quanto no currículo em
nível médio e superior das instituições de que nos ocupamos acima. Nos
“Gymnasia” de nível médio estavam previstas
todas as disciplinas indispensáveis para uma formação básica ampla de
perfil generalista. Em grandes linhas eram elas: as línguas clássicas e
modernas mais correntes na comunicação
de alto nível e respectivas literaturas. Os egressos dos “Gymnasia” estavam em
condições de valer-se dos textos no original grego, latino, francês, alemão,
inglês, português e não raro em outras línguas, com destaque para o italiano,
espanhol, russo, polonês ... A História Natural compreendendo a física, a
química, a biologia, a geologia, a botânica, a zoologia, formava o segundo
pilar. O terceiro tinha na história, geografia, antropologia, etnografia e
etnologia seu foco de interesse. Finalmente a quarta coluna mestra na formação
média tinha na matemática, na filosofia e não raro na teologia a sua coroação.
Dessa forma o estudante estava em
condições de ter acesso à matéria prima e às ferramentas teóricas e
metodológicas indispensáveis para a produção do conhecimento. Assim aparelhado,
o egresso do nível médio, ingressava no superior em condições de, sob a
orientação de mestres experientes,
encontrar o caminho para dar a largada à arquitetura de um universo próprio de produção do
conhecimento. O processo levaria anos dava-se num ambiente que se denominava
“Seminário”. Na modalidade padrão de
Seminário, o professor fazia o papel de moderador e coordenador dos debates e
das discussões e não de autoridade que ditava de cima para baixo as regras e
impunha suas idéias. Cabia-lhe conduzir de tal forma o fluxo do debate, que dele resultasse um avanço qualitativos
sobre o tema em foco. O importante consistia sempre no fato de que o
patamar alcançado servisse de degrau
para um novo avanço para mais adiante e
mais acima. Preparava-se assim a plataforma para um novo Seminário para
aprofundar ainda mais a temática. E assim, professor e aluno, cúmplices e
comprometidos na aventura da apropriação e aprofundamento de sempre novos
saberes, avançavam sobre sempre novas fronteiras do conhecimento.
Com esse formato, o Seminário bem
conduzido vem a ser um laboratório próximo do ideal. Habilita o estudante a
levantar vôo rumo à produção de um conhecimento autônomo, conduzido por um
mestre que faz mais o papel de parceiro do que de tutor. Não por nada o orientador de teses de doutorado leva,
ainda hoje, o nome sugestivo, quase carinhoso de “Doktor Vater”. O Seminário
oferece também uma magnífica ocasião para o próprio professor enriquecer,
ampliar, renovar e atualizar o seu próprio universo de conhecimento.
A especialização não vem a ser a
prioridade dos Seminários. Na proposta original das universidades alemãs da
primeira geração, interessava, antes de mais nada o conhecimento como tal e a
apropriação das ferramentas indispensáveis para produzi-lo. Pela lógica
supunha-se que aquele que estivesse de
posse delas, deveria estar em condições para dedicar-se com sucesso a qualquer
campo específico do saber. Foi exatamente
essa característica do Seminário que tanto encantou os jovens americanos
que foram em massa estudar nas universidades alemãs, entre 1850 e 1914.
Ao tirocínio ao qual o estudante era submetido
no Seminário das universidades alemãs, à formação da personalidade pelo modelo
“Oxbridge” e ao acentuado propósito pedagógico das universidades americanas do
norte, vem na contra-mão a proposta latino-napoleônica da universidade voltada
para a profissionalização e tutelada pelo Estado. Dois elementos complementares são responsáveis pelo seu perfil
institucional e acadêmico. Antes de mais nada a formação do cidadão, em
especial na universidade, consta como um dos instrumentos de que o Estado se
serve para concretizar seus propósitos. Sendo assim sua destinação primeira
consiste em prestar serviço ao Estado. A lógica segue retilínea. Para tocar
suas políticas, iniciativas e projetos públicos, o Estado precisa de mão de
obra especializada, precisa de técnicos. Ora a formação desses recursos humanos
acontece em instituições que vão do fundamental ao ensino superior. Entende-se
assim que é do interesses do Estado ditar a própria razão de ser da
universidade e, consequentemente, a natureza acadêmica e o perfil
institucional, administrativo e burocrático. Encontramo-nos assim frente a um
modelo viciado na sua própria essência. A autonomia prevista na Lei Fundamental
ou na Constituição de algum país que optou por esse modelo, não passa de ficção. Não é para valer
como de fato não vale. Presta-se muito bem para
mistificação em discursos de políticos, encobrir propósitos ideológicos,
enfim, para enganar os desavisados. Nessa condição a universidade como qualquer
outra instituição de ensino, constitui-se, em primeiro lugar, senão em único,
num instrumento a serviço dos interesses do Estado. Pior. Dá a impressão de que
por meios legítimos ou nem tanto, a formação do cidadão está sendo direcionada
em função dos interesses pessoais dos donos da nomenclatura de plantão no
poder. Nessas condições produzir conhecimento digno desse nome, só fora e à
margem das instituições formais.
A instrumentalização da formação
do cidadão em favor dos interesses do Estado, vem acompanhado de outro
inconveniente não menos nefasto. Fica atrelada
aos partidos e ideologias políticas que se alternam no poder. Esse fato
resulta ainda mais danoso em situações e que regimes democráticos alternam-se
com regimes autoritários ou ditatoriais. Nesse contexto costumam suceder-se em
intervalos curtos e sem condições mínimas de avaliação, as “Reformas de
Ensino”, tão familiares no Brasil depois de 1960.
No caso específico do Brasil as
poucas universidades em funcionamento até o final de 1950, exibiam um perfil
muito parecido com as alemãs, inglesas e norte-americanas. A Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras ocupava o centro polarizador e irradiador, na
condição de “Alma Mater” da universidade. Em sua volta agrupavam-se as
faculdades, as escolas profissionais e os institutos de pesquisa. No âmbito da
“Alma Mater” cultivava-se o clima propício para
a formação de uma base mais ampla. Nela o estudante encontrava as
condições necessárias para dar partida a uma carreira de pesquisa, investigação
e produção do conhecimento. Essa estrutura institucional facilitava em muito o encontro e intercâmbio de
informações e experiências. Professores e alunos de filosofia, história,
geografia, biologia, matemática, física, química, línguas e literatura
circulavam nos mesmos espaços físicos. Os professores compartilhavam as mesmas
salas, bibliotecas, restaurantes e participavam de programações acadêmicas
interdisciplinares. Áreas afins como História e Geografia formavam um só
departamento. Hoje essas duas áreas, por ex., encontram-se tão distantes no contexto acadêmico, ao ponto de
ignorarem-se e não perceberem mais a sua mútua interdependência.
Este ideário de 50 anos passados
começou a tomar começou a tomar o rumo oposto com a reforma universitária do
começo da década de 1960. Em resumo significou o desmonte do modelo
institucional e acadêmico da universidade tradicional. Não negamos os desvios,
os equívocos e aberrações que se tinham instalado nela e exigiam correções e
ajustes de maior ou menor profundidade. A Reforma, entretanto, significou em
última análise, a opção por um modelo de instituição em bases essencialmente
diferentes. O método sintético dedutivo cedeu lugar ao analítico indutivo na
orientação das pesquisas e produção do conhecimento. Em vez de partir do geral
para o particular, do todo para as partes, optou-se pelo caminho inverso: da
Pluralidade para a Unidade. Analisando, pesquisando e entendo fatos, fenômenos
e dados particulares, procura-se
descobrir o que há de comum entre eles. Em outras palavras. Pretende-se entender o todo identificando e analisando as
partes. Ou ainda. Entender a Unidade pela Pluralidade. Não há dúvida de que o
método analítico-indutivo oferece vantagens inegáveis sobre o sintético
dedutivo. Mas não se pode ignorar que vem acompanhado de alguns riscos e, por
isso mesmo, algumas cautelas são necessárias. Teilhard de Chardin resumiu muito
bem a questão
Ao
contrário dos “primitivos” que atribuem personalidade a tudo que se mexe, ou
mesmo dos primeiros grupos que divinizaram todos os aspectos e forças da
natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar ou impersonalizar o
que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise. Esse
maravilhoso instrumento de pesquisa científica, ao qual devemos todos os nossos
progressos, mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma
pilha de engrenagens desmontadas e partículas que se esvaem. E a segunda é a descoberta do mundo sideral, objeto tão
vasto que se tem a impressão de que toda a proporção entre o nosso ser e as dimensões
do Cosmos à nossa volta, foi abolida (Teilhard de Chardin, 1986, p. 293)
Como não podia deixar de ser essa
substituição da referência teórico-metodológica veio acompanhada de uma série
de conseqüências tanto positivas quanto negativas.
A primeira, levou ao
redimensionamento da estrutura acadêmica em função da resignificação dos
conteúdos dos campos do conhecimento e respectivas disciplinas. Teve início
então uma departamentalização cada vez mais acirrada, a qual favoreceu uma
compartimentalização igualmente levada a
extremos. Seguiu a independência, o isolamento e a impermeabilidade entre as
disciplinas e seus conteúdos. A segunda, trouxe consigo um outro fenômeno não
menos nocivo. Os campos do conhecimento sofreram uma revisão, melhor, uma resignificação
da sua natureza e tiveram a sua função reorientada. A Geografia, por ex.,
deixou de ser uma ciência humana para ser situada entre as técnicas. Um fato
semelhante aconteceu com as Ciências Econômicas, Jurídicas, Arquitetura e
outras. De Ciências Humanas ou pelo menos com destino imediato direcionado para
satisfazer as necessidades humanas, estão sendo tratadas como se fossem apenas
técnicas. Áreas eminentemente técnicas como a Engenharia, ignoram a sua relação
com outras especialidades. Essa compartimentação centrífuga carregou consigo
outras conseqüências. A preocupação pela
compreensão da unidade, da totalidade do saber passou para um segundo plano. O
que importa é conhecer até as últimas minúcias as partes. Com isso inverteu-se
a perspectiva a partir a qual o conhecimento é construído. A “análise”
veio ocupar o lugar da “síntese” como
norte metodológico. Há, com certeza, uma razão de peso para essa inversão de
perspectiva. A segunda metade do século XX inaugurou uma forte tendência para o
desenvolvimento. O mundo saíra profundamente modifica do da Guerra. As alianças
políticas, os tratados econômicos e os pactos econômicos, acomodaram o mundo
como uma totalidade, em blocos hegemônicos, envolvendo de alguma forma todos os povos e nações. Nesse contexto foi
fundamental a maneira de conceber a formação e a educação do cidadão. O apelo
pela mobilização de cidadãos dotados de conhecimentos diretamente utilizáveis,
fez com que, principalmente as universidades, fossem convocadas para suprir a
demanda de mão de obra especializada. O interesse pelos conhecimentos e
investigações passíveis de aplicabilidade prática e imediata, cresceu numa
proporção tal que o conhecimento e a pesquisa em áreas indiretamente
importantes passassem para um segundo plano. As prioridades fizeram com que,
por ex., as Ciências Humanas ocupassem uma posição marginal nos interesses de
muitas instituições de ensino superior. Não há necessidade de recorrer a
profundos malabarismos lógicos, para perceber que essa correção de rumo fez tremer
um dos pilares mestres da universidade: “a Autonomia”. parece importante,
entretanto, lembrar de que a autonomia pode ser vista como informal, de fato,
ou capitulada na Constituição e regulamentada por legislação complementar. A
primeira versão encontra-se nos países
em que o Estado interessa-se pelas universidades pelo fato de os resultados das
investigações nelas realizadas, o conhecimento de alto nível produzido e as
tecnologias de ponta desenvolvidas, interessam ao propósitos do Estado. Por
isso mesmo o Estado municia as universidades com os suportes logísticos
indispensáveis que lhe garantem os meios e instrumentos em constante
aperfeiçoamento e atualização, para tocar o desenvolvimento e conferem-lhe
prestígio pelo alto nível de conhecimento produzido e suas academias. A
relativa perda de autônima é de fato
imposta pela demanda do mercado num sentido mais amplo. Esse perfil, salvo
melhor entendimento, continua predominando nas universidades alemãs, inglesas e
norte-americanas. Sua estrutura institucional
e sua proposta acadêmica mantém a excelência como meta, a pluralidade na
unidade como referência metodológica e a destinação do conhecimento produzido,
as pesquisas efetivadas e a utilidade das tecnologias desenvolvidas, direcionadas para o desenvolvimento.
Vista sob essa ótica o “mercado” orienta e seleciona o que a universidade deve oferecer. As políticas
adotadas, as prioridades seguidas, a maneira como os recursos são geridos,
inclusive os recursos que o Estado destina, são da exclusiva competência dos
responsáveis diretos pela universidade.
Uma situação bem diferente, para
não dizer antagônica, se faz presente nas universidades públicas e privadas,
direta ou indiretamente inspiradas no modelo napoleônico. Na sua própria
concepção original são profissionalizantes. Como tal o valor maior cultivado na
academia é a aplicabilidade prática. Assim a universidade transforma-se em mais
um precioso e poderoso instrumento no aparelhamento do Estado. Neste caso os
homens e os partidos de plantão no governo, servem-se dela como de todos os
níveis do ensino, para perseguir seus propósitos, difundir suas ideologias
políticas e implementar seus interesses pessoais. Dessa forma está armado o cenário para o Estado por em andamento a
escalada de tutela sobre a universidade. Nos cinqüenta anos que se passaram
desde que começaram as reformas, os governos federal, estadual e municipal,
valendo-se de “bases e diretrizes”, repetidas, remodeladas e “aperfeiçoadas”,
implementadas por meio de uma aparelhamento burocrático cada mais hermético,
controlam até às minúcias, o ensino e a educação do infantil ao pós-graduado. A
autonomia prevista na Constituição não passa de letra morta.
A tutela do Estado sobre o
ensino, de modo especial sobre a universidade, trouxe consigo problemas de
fundo, que afetaram as investigações científicas e a produção do conhecimento.
O lado talvez mais discutível dessa situação relaciona-se com as áreas do
conhecimento privilegiadas na escolha das prioridades acadêmicas. As demandas
do mercado público e privado ditam a formação profissional preferencial. Somado
ao engajamento político e ideológico as Ciências Humanas, as Letras e Artes
passaram para um plano secundário.
No caso específico do Brasil, os
órgãos públicos, ministérios, secretarias, agências, etc., direta e
indiretamente responsáveis pela formação acadêmica e profissional, impuseram,
com o andar dos anos, uma aparelhamento burocrático inflexível. O Ministério da
Educação dita, por meio da CAPES e secretarias setoriais, até as últimas
minúcias, tanto da estrutura burocrático das instituições de ensino, quanto a
natureza, a importância e a destinação
das propostas curriculares. Pouco espaço, melhor nenhum, sobra para propostas
que não cabem nessa camisa de força. Para usufruírem da legitimação oficial as
instituições de ensino em geral e as universidades em particular, são coagidas
a se burocratizar até as últimas minúcias. O processo começa pela opção por
prioridades, estrutura curricular, privilegiamento de conteúdos, escolha e execução
de projetos de pesquisa e por aí vai. Uma pesquisa científica e ou a produção
de conhecimento, só goza de reconhecimento quando executada rigorosamente de
acordo com as regras ditadas pelas coordenações, comitês, colegiados, etc.,
etc., ou pior pela ideologia ou simples humor dos gestores. Não sobra espaço
para a liberdade e ou autonomia de vôo de uma investigação ou produção do
conhecimento sem compromisso. Estamos diante do cenário perfeito que favorece o
espírito de rebanho na mesma proporção em que barra o caminho para a produção
de um conhecimento livre e sem compromisso. O cenário torna-se dramático quando
se instala a tirania partidária e
ideológica no meio acadêmico. Os professores que ousam discordar são
sumariamente silenciados, isolados e boicotados pelos colegas. Nas ocasiões em
que se decidem currículos e disciplinas, suas opiniões são ignoradas. Cabe ao oportunismo ideológico
a última palavra. Na sala de aula os conteúdos são selecionados, apresentados e
tratados sob medida, para agradar os alunos e exigir deles o menor esforço
possível. Professor bom é aquele que fala sobre temas e, principalmente, sob o
enfoque que os alunos esperam, melhor exigem.
E as conseqüências ?. Egressos do ensino fundamental
semi-analfabetos, formados no ensino médio, incapazes de formular um raciocínio
coerente, dominando precariamente a língua do País, sem condições de redigir
uma frase correta. Nessas condições falar em produzir conhecimento, só com
muita imaginação. Faltam as condições
prévias mais elementares. Os estudantes ressentem-se da falta de ferramentas
básicas para arriscar-se a produzir conhecimento. Carecem dos meios
indispensáveis como línguas clássicas e modernas mais correntes, uma formação
geral mínima, o domínio indispensável dos instrumentos teóricos e metodológicos.
As reflexões sobre a
inconsistência para não dizer caos e penúria que é a proposta da educação em
todos os níveis, poderia ser aprofundada Resolveria muito pouco para não dizer
nada. Em todo o caso, enquanto persistir a tutela do Estado, a
instrumentalização política e ideológica na formação dos estudantes, a produção
de um conhecimento de alto nível, fica entregue a “free lancers”. Nada se pode
esperar de relevante nesse sentido na atmosfera
acadêmica viciada das instituições formais de ensino. Não é por nada que
se contam nos dedos das mãos os portadores do prêmio Nobel na América Latina.
Um detalhe importante. Todos em Literatura e um da Paz. Nenhum em Medicina,
Física, Química ou Economia. O Brasil não conta com nenhum, apesar do discurso
megalômano das autoridades e da empáfia de não poucos pesquisadores ou
pensadores. O que de alguma forma se produziu de valor em termos de
conhecimento, aconteceu fora do clima contaminado das universidades. Nelas
costuma haver apenas condições para repetir e reciclar, não raro de forma
tosca, Marx, Engels, Hegel, Lênin, Trotzki, Gramschi e outros da moda, por
“pensadores” que não leram seus autores no original. Ocupam-se com o pensamento
deles por meio de textos recosidos e devidamente interpretados, de acordo com
as conveniências políticas e ideológicas.
A
razão de fundo que não autoriza sonhar a curto e médio prazo com uma
reversão do quadro que acabamos de desenhar, foi expressa na observação do Pe.
Affonso Borrero. Para ele foi surpreendente a maciça presença de filósofos na
formulação do programa de reforma universitária da Alemanha do começo do século
XIX: Kant, Schelling, Schleiermacher, Fichte, Hegel, Humboldt. Segundo ele,
quando hoje se coloca na mesa dos debates o tema universidade, confrontam-se as
idéias de políticos, economistas, jornalistas, contadores, planejadores e
administradores da educação. Desinformados sobre a História e a Filosofia da
Ciência, sobre a História e Filosofia da Universidade, sobre a História e Filosofia
da Educação, não deixam espaço para o Filósofo.
Até aqui a nossa linha de
reflexão teve como foco a necessidade de uma formação capaz de consolidar uma
compreensão integradora do universo, da natureza e do homem, ao mesmo tempo,
oferecer uma sólida base teórica e metodológica. Em países como na Europa Central
e do Norte, na Inglaterra e Estados Unidos a América do Norte, as universidades
oferecem esse perfil, com a autonomia assegurada de direito e de foto. Esses
países investem pesado no ensino fundamental e médio, na formação básica de
natureza generalista e interdisciplinar, das línguas, literaturas, humanidades,
ciências da natureza, sem se esquecer dos instrumentos teóricos e metodológicos
indispensáveis. Nas universidades, sobretudo, as atividades acontecem de acordo com o princípio sagrado da “liberdade
de ensinar e liberdade de aprender” – Lehrfreiheit und Lernfreiheit” como
diriam os alemães. A autonomia no plano
acadêmico permite a liberdade de escolha
“do que” e “do como” ensinar e “do que” e “do como” aprender. E, para que tal
possa acontecer, exige-se na outra ponto autonomia econômica e financeira e a
maior distancia possível do Estado, da Igreja, dos partidos políticos e
ideologias na moda. Nessa situação os governos centrais ou regionais têm o
direito e o dever de destinar os recursos necessários. Uma vez depositados na
conta de alguma universidade, cabe aos seus órgãos administrativos determinar
as prioridades de aplicação.
Terminada a Segunda Guerra entrou sorrateiramente em cena a
revolução que acentuou ainda mais a fragmentação e a compartimentação do
conhecimento. De maneira quase imperceptível no começo, depois com sempre maior
evidência, para impor-se no final do século XX como um fenômeno avassalador: a
Pós-Modernidade. Subverteu pela base tudo que a Modernidade tinha posto em pé
quando, no dizer de Alexandro Serrano Caldera “desvalorizou o futuro, fez cair
as utopias, cancelou as certezas e implantou o reino do ceticismo moral”.
(Caldera. 2004, p. 91). Em outra passagem o mesmo autor conclui que “a
Pós-modernidade não é apenas a desligitimação e desconstrução dos modelos e
paradigmas que deixariam, entre outras coisas, a ideologia arquivada nos museus
do tempo, irremediavelmente passado,
sendo que a construção de novos modelos dar-se-ia a partir de uma realidade
globalizante. (Cf. Caldera. 2004. p.
91-92) Ou ainda “o protótipo do homem dominante da atualidade é o tirano
digital”. (Caldera. 2004. P. 91).
O autor das “Meditações Máximas e
Mínimas” deixou outras dezenas de caracterizações da Pós-Modernidade. Todas
elas convergem para um ponto comum. A supressão das referências estáveis e
seguras, a fragmentação e compartimentação em todos os campos, inclusive na
produção do conhecimento. Em meio a esse quadro o passado perde a importância
como fonte de referências e o futuro deixa de fazer sentido como um universo a
ser construído. O que conta é o presente. “A modernidade está em crise porque
está em crise a idéia do futuro. O homem contemporâneo vive em função do aqui e
agora”. (Caldera. 2004. P. 91)
Somando os efeitos deletérios
sobre o ensino e pesquisa tutelados e burocratizados, à tendência centrífuga da
Pós-Modernidade, temos o caldo perfeito para o cultivo dos obstáculos que
barram o caminho de quem se aventura pelo caminho da produção do conhecimento.
A tendência centrífuga à qual nos
acabamos de referir pode ser percebida fazendo uma comparação com a dinâmica de
evolução assim como a descreveu Teilhard de Chardin. Ele valeu-se da metáfora
do globo terrestre como recurso didático para fazer entender a evolução global. Para ele a evolução do universo teve o seu começo num
ponto único de partida o “pólo sul” – o “alfa”. Pelos mecanismos
combinados da “agregação, da
“incorporação” e da “complexificação”, o todo expandiu-se e diversificou-se. À
maneira dos meridianos o leque dos acontecimentos evolutivos toma o rumo do
equador, diversificando-se e abrindo-se cada vez mais. Num corte transversal à
altura do equador, observado da perspectiva do pólo norte, dezenas, centenas e
milhares de linhas ou meridianos, sugerem uma situação de separação e de
isolamento entre eles. Parece que não existe
relação de interdependência. A miopia do homem pós-moderno faz com que
se percebam apenas os terminais dos meridianos, gerando a ilusão de que a dispersão
continuará a se acentuar cada vez mais. O pólo sul donde partem os meridianos,
parece nada ter em comum com os meridianos isolados, observados a partir do
equador. Na comparação os meridianos correspondem aos muitos campos possíveis
do conhecimento. As gerações de estudantes e não poucos dos seus mestres, já
não percebem de que os campos em que pretendem atuar no futuro têm, à maneira
dos meridianos, um ponto de partida comum, o pólo sul, o “alfa” de Teilhard. A
razão última de ser de tudo deve ser procurado lá no começo. Lá estão concentradas
a causa e as energias que explicam a diversificação e, ao mesmo tempo, garantem
que o avanço através das diversas fases, apesar de as aparências simularem o
contrário, a unidade persiste.
Continuando a comparação da produção do conhecimento com a trajetória
dos meridianos, a situação gerada pela pós-modernidade, leva a sérios
equívocos. É comum a falsa impressão de que na altura do equador os meridianos
separam-se de vez, assim como os conhecimentos parciais por eles significados.
Sendo assim a tendência que se observa é de ignorar o ponto de partida comum,
no qual e pelo qual a enorme diversidade encontra a razão de ser. Estamos
assim frente a um risco de proporções
nada desprezíveis, de perder de vista a dimensão histórica e a noção da totalidade na diversidade dos
fatos e acontecimentos. Pior. Não se vai apenas a historicidade como o próprio
conceito de história do universo, da natureza e do homem. A noção de história
como referência importante para a explicação dos fatos, já não significa nada para
o conhecimento do homem pós-moderno. O que importa é tentar lidar com a
pluralidade e movimentar-se numa floresta na qual só interessam as árvores e
não se percebe mais que fazem parte de um sistema. A ausência da noção de
história leva à desvalorização do passado e o ceticismo em relação ao futuro.
“Para ele (o homem pós-moderno) o Paraíso não está no passado, nem num mais
além desta vida. Só se existe nesta vida e neste mundo; nele o ser humano, dono
da razão e de si mesmo, é capaz de construí-lo”. Ou. “O homem contemporâneo
vive em função do presente, do aqui e agora”.
(Caldera. 2004. p. 91)
Há sinais, ainda muito tímidos é
verdade, de que a pós-modernidade começa a esgotar seus potenciais de dispersão
e fragmentação. A abolição das referências em todos os setores da vida, a perda
da perspectiva do todo e da razão de ser que explica dinâmica das coisas,
começou a produzir seus efeitos. Multiplicam-se aos poucos as manifestações em
favor do retorno a uma visão unificadora e integradora. Não se trata de um
movimento saudosista empenhado numa
volta pura e simples ao passado. Não postula a restauração do paraíso perdido,
o retorno ao mundo mitológico dos antigos, ou à crença de que o presente nada
mais é do que um momento de passagem, ou que a dinâmica do universo obedece à
mecânica semelhante a um relógio. Já se percebem sinais evidentes de que a complexidade da pluralidade que nos
cerca encontra sua própria razão de ser num todo, numa totalidade, que explica
sua existência e responde pela sua dinâmica. Recorrendo mais uma vez à metáfora
do globo terrestre de Teilhard de Chardin: no começo de tudo há um “pólo sul”,
um “Alfa”, do qual originam-se as realidades naturais, diversificam-se e
expandem-se, para novamente convergir em busca do “pólo norte”, o “Ômega”.
Os argumentos em favor de uma
compreensão integradora e unificadora, partem com freqüência crescente de
manifestações de cientistas de renome. Representantes emblemáticos são Francis
Collins, diretor do Projeto Genoma, Edward Wilson, entomólogo de renome, professor em Harvard e de modo geral os
centenas de cientistas que integram o “American Scientific Affiliation”.
Obviamente alinham-se nessa direção os cientistas que procedem do contexto
religioso como Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Johannes Rick, Ferdinand
Theissen, Girolamo Bresadolla, Balduino Rambo, Luiz Sehnem e muitos outros.
Apontam para o fato de que está em curso um movimento de retorno a uma
compreensão unitária do universo. Significa também que a visão da dispersão e
fragmentação, se aproxima do limite. Voltando ao globo terrestre de Teilhard,
estamos estacionados à altura do equador e começa o movimento de reaproximação
dos fragmentos, a retomada de aproximação e reintegração. Os meridianos
começaram a inflexionar em direção ao pólo norte, ao “Omega”. Num futuro ainda
imprevisível acontecerá o reencontro. A
pluralidade será subsumida pela unidade. Não é aqui o momento de especular
sobre prazos. O que se pode afirmar com certeza é de que não se trata de uma
linha de horizonte que se distancia na medida em que caminha em sua direção,
mas um pólo real, um “Omega” real a ser buscado.
O desafio imediato que se coloca situa-se em outra esfera.
Começa pela adoção da bases teórico-metodológica capaz de levar a pluralidade
dispersa para a unidade que lhe dá sentido e razão de ser. Em outras palavras
qual o caminho que permite recolocar no seu devido lugar a importância da relação da Pluralidade com a
Unidade, as partes com o Todo e o Todo com as partes.
Partindo dessa preocupação a
lógica leva a concluir de que as partes interrelacionadas, interagem entre si,
interdeterminam-se e interlegitimam—se. O desafio que se coloca consiste em
identificar as partes, descobrir as relações mútuas, estabelecer o nível de
importância de cada uma em relação ao todo. Falar em conhecimento só depois de
alguém se ter apropriado da compreensão do plural no uno e do uno no plural.
O caminho oferece suas
dificuldades. Será longo e trabalhoso. E como já sinalizamos, pressupõe algumas
premissas. A mais importante, ao que parece, consiste numa formação
multidisciplinar e, antes de mais nada, interdisciplinar ampla e consistente.
Pressupõe-se, para tanto, a familiaridade com as ferramentas que permitem o
acesso aos conteúdos, dados e informações à matéria prima com que se pretende
construir o conhecimento. Entre elas destacamos: o domínio das línguas, pelo
menos ao nível da leitura, nas quais encontra-se preservado o patrimônio do
conhecimento; conhecimentos teórico-metodológicos para conferir credibilidade e
solidez a todos os passos, e de modo especial, a síntese final com que culmina
o verdadeiro conhecimento; em se tratando de investigações no campo das
Ciências Naturais, o perfeito domínio do manuseio dos aparelhos e tecnologias
disponíveis os respectivos laboratórios
de pesquisa; domínio dos conhecimentos gerais mínimos que permitem a
compreensão de que o universal, o todo, não se resume na simples soma
aritmética das partes.
Bibliografia
ASCUN – Simpósio permanente sobre
la Universidad – Quinto seminário general
1990-1992
CALDERA, Alexandro Serrano.
Meditações Máximas e Mínimas. Trad. Ângela Teresa Sperb. Edit. Nova Harmonia.
São Leopoldo. 2004.
CHARDIN, Teilhard de. O Fenômeno
Humano. Trad. José Luiz Archanjo. São Paulo: Ed. Clutriz. 1986.
RAMBO, Arthur Bl. Um Sonho e uma
realidade – A Unisinos 1953-1969. São Leopoldo. Edit. Unisinos. 2009.