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Sobre o Pe. Marcus Bach

O Pe. Marcus Bach foi um dos representantes das levas pioneiras de jesuítas da Província Sulbrasileira da Companhia de Jesus, que tiveram uma formação especializada regular depois de concluídos os estudos normais exigidos pela ordem. Em 1952 foi mandado pelos superiores para a Universidade Gregoriana, para um biênio em moral. Como resultado redigiu uma alentada tese sobre a especialidade e como tal o direito ao titulo de doutor em moral. Pelo que consta nunca publicou o original e como a publicação era na época condição para receber o diploma, não gozou do direito do uso formal  do titulo. Esse fato, porém, não diminuiu em nada a sua estatura como especialista em questões de ética e moral. Pelo contrário o Pe. Marcus caracterizou-se por uma percepção da moral, que antes de mais nada, deveria facultar à pessoa humana, o exercício de uma sadia liberdade responsável. Uma postura ética e moral, portanto, que se justifica  em última análise pelos direitos e deveres ditados pela natureza humana. Em outras palavras. Uma moral calcada  no direito natural que tem na consciência o critério último da moralidade, ou a pessoa tem que ter antes de mais nada uma consciência moral, convicções éticas e morais, e pautar a vida pessoal e as relações para com os outros em sintonia com princípios coerentes e assim validar as leis objetivas formuladas nos códigos. Nas preleções com os alunos de Teologia Moral o Pe. Marcus costumava valer-se de uma comparação muito plástica para fustigar o exagero do moralismo canônico: “Os que o defendem e praticam parecem-se com cavaleiros que montam e galopam sobre as leis e cânones até perderem as ferraduras”. A conclusão não deixa lugar para dúvidas. Não levam a lugar nenhum ou, inutilizam a cavalgadura. 

O caminho que o Pe. Marcus apontava nas suas preleções de Teologia Moral, nas conversas particulares, nas aulas na universidade, nas conferências a empresários, juristas, religiosos, cursos de formação de todo tipo e nível, deveriam ser trilhados com liberdade de consciência de um lado e do outro com rigorosa responsabilidade social. Compreende-se que com isso ele tenha conquistado um crescente número de discípulos e admiradores, ainda mais porque sabia aliar à abertura das idéias e princípios que pregava a uma comunicação fácil e clara  e um humor jovial, traindo uma grande firmeza de convicções. De outra parte, entretanto, como também é compreensível pois, estamos na década de 1950, período pré-conciliar, não demorou que colegas de magistério, irmãos de ordem, superiores religiosos e eclesiásticos se pusessem em alerta e acompanhassem de perto seus passos. Não é o momento nem o lugar para vasculharmos nos meandros dessa história em que ambas as partes foram prejudicadas. A relação e as reações resultantes da sua posição intelectual, teórica e prática no campo da moral, valeram–lhe restrições na difusão dos seus conceitos. Concluo o inciso com um dito consagrado pela sabedoria popular: “Wo Menschen sind geht es menschlich zu” – “onde há homens procede-se de forma humana”.

O Pe. Marcus mostrou-se desde logo um entusiasta pela linha e estratégia pastoral adotada pelo episcopado latino americano em Medellín. Em conversas informais de acampamento e caminhadas pelos campos de São Francisco de Paula, defendia com convicção as comunidades eclesiais de base como uma das saídas para a pastoral renovada em sintonia com as determinações do Concílio Vaticano II. Votava uma grande admiração pelo cardeal arcebispo de São Paulo, D. Evaristo  Arns e os  bispos D. Aloísio e D. Ivo Lorscheiter. E pelo menos em relação a D. Ivo o apreço pelo Pe. Marcus era recíproco. Mas o perfil intelectual e a coerente ação prática que acabamos de esboçar, ficou na memória de muitos que com ele

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conviveram e  privaram até além dos seus noventa anos de idade,  reflexões de indiscutível solidez, rara lucidez e clarividência profética.

Mas o afastamento do Pe. Marcus do quotidiano universitário nos últimos 40 anos, fez com que a sua participação na colocação das bases da Unisinos, a consolidação de um projeto  e finalmente a implantação e os primeiros anos da existência da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, seja pouco ou nada conhecida, inclusive pelos que hoje são responsáveis pela instituição. A sua presença e atuação marcou de modo mais visível o período de gestação da universidade entre os anos de 1960 e 1971. Antes desse período o Pe. Marcus fora docente regular tanto da Faculdade de Teologia como da de Filosofia. Logo depois de concluído o doutorado na Universidade Gregoriana e retornado às Faculdades de Filosofia e Teologia Cristo Rei em São Leopoldo, já em 1954, nós alunos da primeira turma da Faculdade de Filosofia oficializada, convidamos o Pe. Marcos para nos ministrar um curso intensivo de Metodologia Científica. Foi naquele curso que aprendemos a fazer o registro e guarda em fichas padronizadas citações e conteúdos bibliográficos. Foram de utilidade inestimável nas futuras pesquisas bibliográficas de qualquer tipo de conteúdo científico, fosse na área das Ciências Humanas ou das Ciências Naturais. E mesmo que hoje dificilmente alguém ainda recorra a fichas padronizadas em papel e realize o seu estudo com o auxílio de um PC ou Notbock, o essencial em nada mudou: a exatidão, a honestidade e autenticidade no uso dos conhecimentos alheios, para fazer avançar os conhecimentos em qualquer direção que seja.

Quero demorar-me um pouco mais em destacar a importância da contribuição do Pe. Marcos na consolidação da Faculdade de Economia, na formulação do projeto da Unisinos e na condição de primeiro vice-reitor acadêmico, na consolidação do perfil acadêmico implantado em 1970.

O Pe. Marcus entrou para valer na história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 1962 para ocupar o posto de diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, em substituição do dr. Armando Pereira Câmara. Tanto um como outro não procediam formalmente da área das Ciências Econômicas. O dr. Armando P. Câmara formado em Direito, era jurista, filósofo, ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex- senador da Republica e professor de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo. O Pe. Marcus Bach conquistara o doutorado em Moral pela Universidade Gregoriana em Roma. Imersos na atmosfera pós-moderna os atuais gestores da área econômica, compreensivelmente talvez perguntem assombrados: Que credenciais  poderia ter um jurista professor de direito e um doutor em moral, professor dessa especialidade numa faculdade de Teologia, para implantar e consolidar uma Faculdade de Ciências Econômicas? É preciso procurar a resposta na cabeça do Pe. Thiesen, doutor em Filosofia e Teologia, idealizador dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, já em pleno funcionamento em 1959. A escolha do nome da Faculdade  tinha muito a ver com a sua natureza. A opção pelo nome “Ciências Econômicas” e não simplesmente “Economia” teve a ver com a missão da instituição e da atuação na vida profissional dos que nela se formariam. O substantivo “Ciências” deveria ser a baliza reitora da formação dos profissionais na área da Economia. Somente a Economia entendida como Ciência estaria em condições de forjar profissionais aptos para colaborar como parceiros qualificados nos processos de desenvolvimento humano. Como ponto de partida deve ficar claro que o “fato econômico” é um dado observado em todos os níveis da ascensão cultural, histórica e tecnológica. Sua presença deve-se ao fato de estar relacionado e condicionado pelas necessidades humanas


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essenciais à vida e à sobrevivência. Como tal representa, antes de mais nada um dado histórico-antropológico. Afinal qual é a diferença entre os procedimentos que regulamentam a troca de um macaco caçado por um cacho de bananas, entre nativos de uma floresta tropical e um cidadão que compra – troca – uma Mercedes ou Ferrari por reais, dólares ou euros ? A diferença situa-se apenas na forma, nos meios e do objeto da troca (compra, escambo, outras formas). No fundo, no fundo quaisquer modalidades de troca, aparentemente tão díspares, decorrem da necessidade que leva o homem a apropriar-se dos bens materiais dos quais precisa ou pensa precisar. O que se troca – compra ou vende – é determinado por valores ou pseudo-valores culturais. Em outras palavras, deriva de valores culturais em permanente alternância, substituição ou adaptação histórica. Foi, sem dúvida, por essa razão, que na primeira fase da Faculdade de Ciências Econômicas da Unisinos, figuravam disciplinas de natureza humanística como Antropologia Aplicada, Sociologia, Lógica e Metodologia, Geografia Econômica, História Econômica, Ética. E diga-se de passagem os alunos, ao menos daquela época, costumavam apreciar e valorizar os conteúdos dessas disciplinas. Nem todas eram obrigatórias mas contavam créditos como qualquer outra. A Antropologia estava entre as não obrigatórias. Apesar disso houve semestres em que foi preciso oferecer a formação de  turmas aos sábados ou reunia numa noite  até 120 alunos numa sala.

A Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos tinha como objetivo oferecer aos egressos  de suas salas de aula uma formação de fato compreensiva do “fato econômico”.  Despertar neles a consciência de que a economia  tem condições tanto de contribuir para o progresso harmonioso de uma sociedade, quanto oferecer apoio técnico para o planejamento, gerenciamento e administração de empreendimentos de qualquer tamanho e natureza.

O Pe. Thiesen convidou o dr. Armando Câmara para concretizar o projeto da Faculdade de Ciências Econômicas pensada nesses termos. O corpo docente que consta como fundador nos arquivos da Universidade reuniu entre os 24 nomes que o compunham, economistas, juristas, sociólogos, filósofos, contabilistas, moralistas. A impressão que se tem quando se examina um pouco mais de perto a composição do primeiro corpo docente da Faculdade, é de que o critério para a seleção dos  docentes fundadores foi mais de homens de prestígio na sociedade, do que propriamente um corpo acadêmico comprometido com uma proposta acadêmica. Por bem ou por mal foi com esses titulares fundadores que a nova Faculdade, não tardou em se tornar conhecida e da primeira turma de meia dúzia de alunos passou-se para uma segunda com mais de duas dezenas. O fato é que, queira-se admitir ou não, na ocasião o fato de homens prestigiados e admirados nas camadas cultas da sociedade, foi um fator de grande valia para a legitimação da nova Faculdade.

Acontece que o dr. Armando Câmara ficou na direção da Faculdade pouco mais de dois anos. Um boa porcentagem dos fundadores contribuiu apenas com o empréstimo do nome sem nunca terem contribuído dando aulas ou participando da administração. A escolha da mantenedora para substituir o dr. Armando Câmara, recaiu sobre o Pe. Marcus Bach, doutor em Moral e integrante do corpo docente fundador. Empossado como diretor o Pe. Marcus, cônscio da sua situação de especialista em Moral e pouco familiarizado com propriamente relacionados com a Economia em si, convidou para ser seu colaborador e  coordenador da Faculdade, o Pe. Alcides Giehl, formado na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Rio Grande do Sul e seu aluno na disciplina de Moral na Faculdade de
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Teologia. Estava formada uma dupla perfeitamente afinada com os objetivos a serem alcançados e os meios a serem empregados. O e. Marcus reservou-se o papel de, como Diretor, traçar as linhas mestras a serem seguidas e delegou ao Pe. Alcides a tarefa de reunir  um corpo docente de bom nível  direta e indiretamente comprometido com a formação de economistas de uma visão ampla das questões economias, sociais e culturais do meio em que lhes caberia exercer a profissão. Como estudante  de economia na UFRGS, consolidara uma rede de relações preciosas  com colegas e com professores e profissionais da área. Convidou e aceitaram integrar o corpo docente os professores Antenor Brum, engenheiro e economistas para lecionar estatística, José Bordini Cinal da Associação Comercial de Porto Alegre, para lecionar Administração, Ari Burger, Diretor do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, Olívio Koliver, Eloy Venâncio, Joaquim e João Blessmann, Antônio Camboim, Edgar Írio Simm, Heinz Kliemann, Lenine Nequete, Hipólito Campos, Guilherme Socias Vilella,  Edison Batista Chaves. Alguns dos veteranos permaneceram no corpo docente. Entre eles o prof. Alexandre Vertes, Gabriel Keglevitch, Guilherme Moojen.

Paralelamente ao corpo docente o Pe. Marcus coordenou a formulação de um currículo com um claro propósito centrado  na excelência acadêmica e voltado para formar agentes de promoção humana valendo-se  do desenvolvimento econômico como instrumento.

O Pe. Marcus assumiu a direção da Faculdade de Ciências Econômicas num momento de aguda crise financeira que ameaçava matar no nascedouro a instituição assim como sua coirmã a Faculdade Filosofia Ciências e Letras. A situação da Faculdade de Ciências Econômicas, porém, foi mais dramática pois a quase totalidade dos professores eram leigos e as mensalidades do alunos cobriam apenas uma parte dos recursos. A situação chegou a um ponto em que os salários começaram  a atrasar por meses. Felizmente, situação hoje inimaginável, excetuando um que outro dos professores, todos continuaram a ministrar as aulas como se nada estivesse acontecendo. Era preciso encontrar uma solução a curto prazo, ainda mais que ordens emanadas do comando geral dos jesuítas de Roma, determinavam:

Primeiro -  que nenhuma nova Faculdade nem curso novo algum fosse abeto na Faculdade de Filosofia, sem homens aptos e sem que estejam à disposição os meios financeiros necessários, e para a criação de qualquer nova faculdade deve ser obtida licença explícita do Padre Geral. Segundo – que os cursos já existentes  na Faculdade de Filosofia podem ser mantidos até a definitiva aprovação pelo Governo. Obtida esta, sejam suspensos pelos meios legais aqueles  que são demasiado onerosos.

Tendo em vista a grave penúria financeira o presidente de Mantenedora, Pe. João Sehnem, ordenara  na prática o encerramento das atividades da Faculdade de Ciências Econômicas. O diretor Pe. Marcos e o coordenador Pe. Alcides, resolveram contemporizar e ganhar tempo até encontrar uma solução para superar a crise. Recorreram a empréstimos ente os colonos das redondezas, em Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi , Salvador do Sul, Harmonia, Nova Petrópolis,etc., oferecendo juros anuais de mercado. Com muito esforço foi possível reunir um bom fundo com os empréstimos, o que permitiu que aos poucos, o fantasma da inviabilidade econômico financeira da Faculdade fosse afastado. O dinheiro com os juros foi devolvido logo que as contas ficaram sob controle.



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Saneadas as  finanças e os compromissos com os salários dos professores e fornecedores saldados, o diretor Pe. Marcus começou com iniciativas para abrir a Faculdade de Ciências Econômicas para a comunidade. Entre elas destaco as seguintes.

Esse trabalho de abertura para a comunidade teve como um dos alvos o Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo. Admirado e respeitado pela categoria o Pe. Marcus costumava reunir-se com  a diretoria do Sindicato, e mais por conversas informais do que propriamente palestras programadas, atraiu a entidade para dentro da Faculdade. E um detalhe chamava a atenção. O presidente do Sindicato, o sr. Dantas, aposentado por invalidez por ter perdido um braço, era comunista declarado. Esse fato e o de o Pe. Marcus ser padre jesuíta em nada perturbou que os dois a procurassem juntos caminhos e formas para promover o operariado.

Mas o projeto patrocinado pela Faculdade de Ciências Econômicas, dirigida pelo Pe. Marcus, de maior impacto e de efeitos de longo prazo, foi o “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Ainda no segundo semestre de 1963, foi constituído um grupo de trabalho com a finalidade  de elaborar um “Projeto de Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. Compuseram o grupo o diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Pe. Marcus Bach, o coordenador da Faculdade Pe. Alcides Giehl, o chefe do Departamento de Economia, Pe. Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams. O grupo contou com a assessoria  do sr. Georg Berensen, na época chefe do escritório da Ferrostaal do Brasil em Porto Alegre, firma alemã de planejamento e instalação industrial, empenhada na instalação da planta industrial da Aços Finos Piratini. A colaboração de Berensen foi de fundamental importância  na fase de apresentação do Projeto para o governo da República Federal da Alemanha, em vistas de apoio técnico e financeiro.

O Projeto foi concluído ainda no ano de 1963. A versão final assinada pelo pelos padres Marcus Bach, Alcides Giehl, Arthur Rambo, o prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams, objetivava a “Valorização da Bacia do Rio dos Sinos como um todo e não apenas o controle das enchentes, como também o abastecimento de água, saneamento básico, planejamento urbano, localização de distritos industriais, malha rodoviária, reflorestamento das encostas, navegação fluvial, modernização e racionalização da atividade agro-pecuária, etc.

Resumindo. O Projeto tramitou com surpreendente rapidez no Itamarati e com a mesma rapidez foi apreciado e aprovado pelo governo alemão, que financiou uma equipe de técnicos que entre julho de 1967 e final de 1968, apresentaram o Relatório final. Desse Projeto de valorização e desenvolvimento regional foi executada no decorrer da década de 1970 a obra dos diques de contenção das enchentes. Em momentos comemorativos o mérito da proteção de São Leopoldo contra as enchentes costuma ser contabilizado por políticos e administradores da época como marcos da sua passagem pelo município. Acontece que não se tem conhecimento ou se ignora o fato de que a idéia, o projeto e sua concretização saíram dos gabinetes da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo, coordenado pelo Pe. Marcus Bach, diretor da instituição.

O currículo como jesuíta de então absolvido com excelência: humanidades, filosofia, teologia, doutorado em moral na Universidade Gregoriana em Roma, o contato com o mundo acadêmico europeu, sua trajetória como professor de moral, as conferências feitas a profissionais liberais dos mais diversos níveis, e principalmente, sua atuação como diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, fizeram do Pe. Marcus presença indispensável quando
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da elaboração do  projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em conversas e discussões preparatórias entre os jesuítas que trabalhavam nas Faculdades definiram-se dois grupos. O primeiro deles defendia o projeto de uma instituição mais modesta, menos ambiciosa, mais fácil de ser administrada, com exigências para menor volume de recursos, confiada basicamente a membros da Ordem. Não parece oportuno citar os nomes que defendiam esse perfil de universidade. O outro grupo liderado pelo Pe. João Oscar Nedel, o Pe. Marcus Bach, o Pe. Alcides Giehl, Pe Arthur Rambo,  os professores Alexandre Vertes, Olívio Koliver, José Bordini Cinel além de outros apostavam todas as fichas numa projeto de universidade aberta tanto para o crescimento quantitativo do número de alunos por curso, quanto numa abertura para a incorporação de novas áreas de conhecimento que o andar do tempo certamente aconselharia.

O momento da partida do projeto da nova universidade foi uma reunião liderada pelos padres Nedel, Marcus Bach e Alcides Giehl e os professores leigos Alexandre Vertes e Olívio Koliver. O resultado foi partir para um projeto de universidade grande e de longo alcance, atenta para a direção em que sopram os ventos da História, aberta para acolher as mais diversas correntes  de idéias, empenhada em acompanhar, participar e interagir com os avanços culturais, sociais e tecnológicos. Essa pauta básica foi apresentada ao Pe. Friederichs e por ele aprovada numa reunião logo em seguida.

Com a bênção do superior provincial, a comissão constituída pelos padres Nedel, Marcus e Alcides e os professores Koliver, Vertes, Cinel, Nequete e Rui Ruschel começou a elaborar o projeto, que seria encaminhado para as instâncias oficiais para a aprovação. E para encurtar a história, depois do decreto de criação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, uma das primeiras providências fdo superior provincial foi compor a cúpula da nova universidade. O Pe. João Oscar Nedel foi designado reitor, o Pe. Marcus Bach vice-reitor acadêmico e o prof. José Bordnini Cinel vice-reitor administrativo.  – maiores detalhes encontram-se no livro “Um sonho e uma realidade” – A Unisinos 1953-1969 –

Como vice-reitor o Pe. Marcus constituiu uma equipe para dar forma à forma à estrutura acadêmica da universidade. Como linhas mestras reitoras da concepção acadêmica da nova universidade, foram retomadas e reforçadas aquelas que já vinham norteando o ensino e a pesquisa e atividade social das faculdades isoladas. Primeiro. A Unisinos deveria ser uma “Casa de Sabedoria” como o Pe. Thiesen a tinha definido há mais de uma década em 1957 – Segundo. O saber, o conhecimento produzido e os avanços avanços técnicos conquistados nos mais diversos setores da universidade deveriam destinar-se de alguma forma a um objetivo social, isto é, reverter sob os mais diversos aspectos, em benefício do público direta ou indiretamente influenciado pela instituição. – Terceiro. A universidade deveria ser  uma caixa de ressonância sensível aos apelos dos diversos momentos históricos. Na sua proposta organizacional, institucional e acadêmica, o projeto deveria prever  caminhos para atender às demandas que fossem surgindo no andar do tempo. E uma visão do futuro prenunciava muitos, variados e grandes desafios. – Quarto. A Unisinos estava sendo  organizada e implantada simultaneamente com obrigatoriedade de as instituições de ensino superior particulares  adaptar-se às novas regras da Reforma Universitária

O Pe. Marcos como vice-reitor acadêmico reuniu uma equipe  de sua confiança e com experiência comprovada em assuntos universitários e no decorrer da segunda metade de 1969, coordenando o trabalho em sessões quase diárias que não raro entravam madrugada
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adentro, conseguiu que em fins de outubro de 1969 o perfil acadêmico da Unisinos estivesse  concluído. Na base encontrava-se o Ciclo Básico, obrigatório para todos os alunos e pré-requisito para ingressar em qualquer curso profissional; Os Institutos Centrais de Ciências Humanas, Letras e Artes e  Ciências Positivas. Paralelamente aos Institutos Centrais foram criadas as escolas profissionais e Educação, Economia, Direito, Escola Superior de Música e a Faculdade de Teologia. A universidade foi instalada oficialmente no dia 12 de dezembro de 1969. De então em diante, durante todo o ano de 1970 o Pe. Marcos comandou com firmeza a implantação do Ciclo Básico exigindo o máximo de seriedade na condução e avaliação das diversas disciplinas, com avaliações, senão semanais, ao menos a cada duas semanas. Com essa orientação e a presença diuturna do Vice-Reitor os professores formaram um corpo coeso, disciplinado e de modo especial comprometido com a causa. Em julho de 1970 reuniu o corpo de professores do ciclo Básico na Vila Betânia em Porto Alegre com a finalidade de proceder a uma avaliação do primeiro semestre do ano a nível do Ciclo Básico. Identificadas as falhas e os acertos foram definidas as ações e estratégias para o segundo semestre. Assim os 20 créditos obrigatórios do Ciclo Básico transformaram-no num porta de entrada para a universidade pela qual os alunos tiveram ocasião de avaliar as dúvidas a respeito de sua opção profissional, preencher lacunas na formação do ensino médio e inclusive viver com colegas de múltiplas opções profissionais. De cobro o Ciclo Básico como etapa pré-requisito obrigatória para qualquer opção de curso profissional, contribuía com uma parcela nada desprezível para o orçamento da universidade.

Mas a preocupação maior do Pe. Marcus, ao lado de um formação acadêmica geral de alto nível, foi a assimilação de uma consciência ética convicta nos alunos e no corpo docente. Para alcançar essa meta não deixava passar nenhuma ocasião para dar o seu recado nesse sentido nas reuniões rotineiras da administração universitária ou em conferências formais para as quais era convidado obrigatório, também fora do contexto universitário. Mas o instrumento que teve a mão do Pe. Marcos como marca foi a introdução de duas disciplinas obrigatórias para todos os cursos profissionais: Humanismo e Tecnologia e Deontologia, sendo a primeira pré-requisito da segunda. A pretensão do Pe. Marcos e da sua equipe de planejamento acadêmico pretendia com o Ciclo Básico e as disciplinas de conteúdo ético e moral no decorrer dos cursos  profissionais, era de uma munir os egressos da universidade com uma visão humanística mais ampla, de uma consciência ética arraigada e uma conseqüente postura no exercício da profissão.

Por essas eventualidades que costumam entrar em choque com personalidades acima do comum como era o Pe. Marcus e a sua contribuição valiosa e bem sucedida com a consolidação da Unisinos, ele foi substituído pelos superiores no cargo de vice-reitor, pelos superiores no começo de 1972, pelo Pe. Theobaldo Franz, que diga-se de passagem, nada teve a ver com a retirada do Pe. Marcos do cenário acadêmico. As razões nunca foram divulgadas claramente. Nas entrelinhas do episódio, entretanto, percebe-se a mão de coirmãos que viam com nenhuma simpatia a influência do Pe. Marcos em meio a professores e alunos e nas camadas cultas fora dos muros da universidade. E a grande aceitação de conferencias e palestras a que era convidado proferir residia na visão ético-moral que pregava. Visto como heterodoxo por algumas autoridades eclesiásticas, por outras era tido como um abridor de novos caminhos e novas perspectivas para o comportamento ético-moral numa fase de transição, sinalizando para uma verdadeira revolução do comportamento humano. Em outras palavras o Pe. Marcus intuía já naquela época o que  a entrada definitiva da pós-modernidade prenunciava. E sem romper com o passado empenhou-se em mostrar caminhos aceitáveis para enfrentar os desafios que vinham pela frente. Compreende-se que  o seu caminho fosse cruzar com o dos defensores e saudosistas da rigidez da ortodoxia ético-moral pré-conciliar. Mas deixemos  o julgamento nas mãos de Deus.


Em homenagem ao prof. Lúcio Kretuz na Festschrift a ele dedicada

Conhecimento como síntese
Arthur Blasio Rambo

Caro colega Lúcio, parceiro na aventura da construção do conhecimento e, sobretudo, amigo leal, ofereço-lhe essa modesta contribuição para a “Festschrift”, organizada por seus colegas e amigos, como homenagem de estima e admiração que sempre tive para com o senhor. Chegados que estamos a essa altura da vida, a natureza e os objetos das reflexões diminuem gradativamente em número, mas, em compensação, aqueles que subsistem ganham em importância existencial. Aos vinte anos olhávamos  em nossa volta e percebíamos o mundo como um cenário feito de múltiplas possibilidades para planejarmos os rumos da nossa existência, realizarmos os nossos sonhos e concretizarmos os nossos ideais. A imaturidade e a falta de experiência cobraram, por vezes, um preço muito alto. Não poucos sonhos mostraram-se quimeras fugazes, outros tantos utopias impossíveis. Opções para o rumo da vida, que pareciam definitivas, mostraram-se equivocadas no decorrer dos anos. Para não naufragar nessas situações, foi preciso recorrer a correções de rota que, aparentemente, poderiam parecer rupturas pela raiz com o passado. Objetivamente falando, porém, não passaram de escolhas ousadas para não sacrificar a linha mestra da coerência que tínhamos traçado para as nossas vidas. E assim, tropeçando, caindo e sempre nos levantando, continuamos investindo na compreensão da vida, das vivências pessoais, dos relacionamentos humanos, da atividade acadêmica, da procura de soluções satisfatórias pelo sentido e pelo lugar que, no universo, cabe à natureza, ao homem e a Deus. Nessa caminhada, por certo, não faltaram situações-limite que foi preciso vencer. Se corretamente  entendidas e avaliadas, essas eventualidades que nos surpreenderam na nossa caminhada ao longo dos anos, tiveram o poder de depurar, selecionar, descartar, dar valor ao que é verdadeiro e, dessa forma, converter o tempo que nos resta, a “Geschenkte Zeit”, como diriam nossos maiores, no coroamento dos muitos sonhos e numa lição proveitosa para os que continuam privando conosco.

Convido-o, por isso, para uma  reflexão sobre um tema que subjaz como pano de fundo, como “Leitmotiv”, a todo e qualquer esforço acadêmico, seja na área e na especialidade que for: o Conhecimento. É óbvio que em duas dezenas de páginas é de todo em todo impossível dar conta de um conceito que envolve tamanha riqueza de desdobramentos. Nas linhas que seguem limito-me a refletir sobre algumas questões que merecem a atenção de quem pretende lidar com seriedade que envolve a temática proposta. 

Antes de mais nada, falar em conhecimento importa em arriscar-se a lidar com um desses conceitos passíveis de tantos e tamanhos entendimentos, que a pretensão de dar-lhe uma formulação compreensiva mínima, se constitui numa empreitada de boas proporções. A primeira pergunta que se coloca é por onde começar. Melhor. De que conhecimento estamos falando? Conhecimento científico, conhecimento filosófico, conhecimento teológico, conhecimento popular, conhecimento instintivo, conhecimento racional, conhecimento primitivo, conhecimento moderno, etc. etc. Como se pode ver todas essas formas de conhecimento e outras que possam ser acrescentadas, partem de objetos, níveis, ângulos e métodos de aproximação diferentes. Se optarmos  por um deles como ponto de partida, as conclusões a que chegarmos, serão inevitavelmente unilaterais e parciais. Em qualquer uma das situações o objeto escolhido sinalizará o caminho pelo qual o conhecimento deverá andar e determinará o seu perfil teórico e metodológico. Assim o conhecimento teológico sempre será essencialmente teológico, embora incorpore na sua estrutura subsídios buscados em outras áreas, como  filosofia, a tradição, as ciências naturais etc.  Dessa maneira, quando se fala em Filosofia Natural, em  História Natural, em História Medieval, em Física Atômica, em Economia de Mercado e por aí vai, o objeto especificado no adjetivo terá o seu conteúdo tratado com as ferramentas teóricas e metodológicas próprias do substantivo. Em outras palavras. O caminho de aproximação para a investigação de algum objeto, será aquele previsto pelo substantivo. Logicamente, portanto, o estudo da Natureza é possível pela via filosófica, pela via química, pela via biogenética,  pela via econômica, etc. Conclui-se daí de que a via de aproximação de algum objeto tem o seu traçado definido pelo olhar e as ferramentas do ponto de visto pelo qual começa a investigação. A abordagem pelo viés do matemático trairá sempre o olhar do matemático que interpreta e confere significado aos resultados. A análise química, a evolução histórica, a inserção no contexto natural, deixarão transparecer o olhar do químico, do historiador ou do ecologista. Partindo desses pressupostos somos levados a avançar mais alguns passos sobre a natureza do conhecimento.

 Os  conhecimentos são múltiplos, tanto pela natureza, quanto pelo nível, certeza e profundidade. Falar em natureza do conhecimento, significa aventurar-se num território minado, motivo de não pouca polêmica. O conhecimento pode ser dividido em científico, filosófico, teológico, popular, intuitivo, instintivo. Não há necessidade de chamar a atenção de que essa divisão nos expõe a uma saraivada de discussões. A tendência pós-moderna de  compartimentar os conhecimentos vem acompanhada do risco de exagerar e até absolutizar os resultados das conquistas nos respectivos campos do saber. Para não poucos cientistas conhecimento digno desse nome somente é aquele que é obtido por meio do método analítico, valendo-se de tecnologias cada mais vez mais precisas. Para o filósofo o verdadeiro conhecimento é o resultado das conclusões tiradas a partir da visão do mundo dos pensadores individuais ou das escolas a que se confessam filiados. O mesmo pode-se afirmar, ressalvadas as características próprias, de todos os demais campos do conhecimento. Configura-se assim o cenário propício para fazer prosperar posições fundamentalistas tanto de cientistas, quanto de filósofos ou teólogos. Em outras palavras encontramo-nos em chão propício para se movimentarem os “donos da verdade” em todos os campos do saber humano. O velho e sábio princípio “doctrina multiplex, veritas una” – “as doutrinas são muitas, a verdade é uma só”, que servia de orientação a instituições seculares de produção do saber, corre o risco de ser arquivada e esquecida nos museus da história. No momento em que um cientista chega à conclusão de que a resposta a questões realmente de fundo desafiam seriamente os potenciais do método e das tecnologias de investigação empírica e sinaliza para outras vias de aproximação do problema, corre o risco ser desqualificado como pesquisador pelos seus pares. Qualificativos como “visionário”, ou “romântico alienado”, ou “o homem não pode ser levado a sério”, ou ainda “a questão está mal posta” ..., tiveram como endereços nomes como Teilhard de Chardin, Erich Wassmann, Balduino Rambo, Francis Collins e muitos outros. Uma posição idêntica  observa-se entre alguns filósofos e, principalmente teólogos, quando um cientista bem intencionado, munido de dados objetivos solidamente comprovados, sugere a revisão de conclusões e ou a reformulação de conceitos em discordância com os dados científicos objetivos.

Se no plano do conhecimento científico e filosófico, que afinal valem-se  de métodos consagrados, aceitos e respeitados, manifestam-se problemas de mútua aceitação e legitimação dos resultados, o que não esperar nos outros níveis. O conhecimento popular é elaborado à margem de teorias e métodos “científicos” e não resulta da comprovação pela lógica e pelo raciocínio. Nem por isso deixa de ser um conhecimento legítimo. Aliás se  procurarmos pela fonte, pela raiz do conhecimento científico e filosófico, iremos encontrá-la entre os caçadores, coletores, pastores e agricultores da pré-história. Valendo-se das ferramentas de que dispunham foram consolidando os corpos de conhecimentos que lhes foram vitais para a sobrevivência. Observando, comparando, distinguindo, selecionando, descartando, experimentando, os povos de então criaram condições cada vez mais consolidadas para seguirem com êxito na sua ascensão histórica.

A gênese e a dinâmica  que deu forma às incontáveis modalidades de conhecimento, tem como ponto de partida, raiz e fonte, a natureza humana, com sua capacidade de dar respostas reflexivas e, ao mesmo tempo, intuitivas e instintivas, aos estímulos vindos do meio físico-geográfico em aconteceu a respectiva trajetória. Estamos obviamente  diante de um desafio de razoáveis proporções. A afirmação  de que o homem consolidou e  continua consolidando um conhecimento digno desse nome, com os elementos que a sua capacidade instintiva, intuitiva e reflexa lhe oferece, desperta no mínimo desconfiança e incredulidade entre os cientistas acostumados a lidar com instrumentos de precisão. Não menos reticente mostra-se o filósofo que só confia na lógica  dos seus raciocínios e nas conclusões dos seus silogismos. Para ambos, as certezas de que os instintos, as intuições, os sentimentos, os pressentimentos, as sensações, não oferecem as condições de segurança e confiabilidade, por um conhecimento digno desse nome.

O cenário que caracteriza a produção do conhecimento nesses começo do terceiro milênio, tem como ponto de partida, entre outros, os seguintes elementos. Primeiro. A Renascença mexeu fundo nos conceitos  filosóficos, teológicos, científicos e artísticos do mundo medieval. E, dessa forma, preparou o terreno para que os fundamentos conceituais e metodológicos das, assim chamadas “Ciências Modernas”, começassem a tomar forma e consolidar-se no decorrer da segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Nesse período definiram-se os grandes campos das Ciências Naturais: da Química, da Física, da Geologia, da Paleontologia, da Biologia, da Botânica, da Zoologia e dos seus sub-campos. – Segundo. Paralelamente sucederam-se, em ritmo acelerado, as conquistas tecnológicas. Consolidava-se assim o cenário no qual a tecnologia oferecia instrumentos cada vez mais potentes e precisos, proporcionando, de um lado,  à Ciência resultados sempre mais exatos e diversificados e, do outro, a Ciência exigindo cada vez mais da tecnologia. Foi assim que Ciência e Tecnologia, numa dinâmica de mútuo estímulo, moldaram o fundamento material da Modernidade. – Terceiro. Ao mesmo tempo, as conquistas das Ciências Naturais operou,  a nível das idéias, uma profunda revolução do pensamento, responsável pela  cosmovisão moderna e pós-moderna. – Quarto. A relação de complementariedade entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, intuída e formulada com rara felicidade foi Erich Wassmann. Ele foi um representante emblemático de cientista que contou em seu currículo com uma sólida formação clássica, filosófica, teológica e científica. Munido com esse suporte de conhecimentos, mergulhou como nenhum outro, nos complexos mecanismos que regem o bom funcionamento das sociedades de formigas e térmites. Não se limitou, entretanto,  a fazer um inventario do que observava, dar-lhe um tratamento estatístico, desdobrá-lo em seus elementos estruturais, identificar as classes de indivíduos e sua mútua interdependência e a relação simbiótica com determinados fungos. Os dados que se foram acumulando assumiram contornos mais amplos, na medida em que eram iluminados pelo olhar próprio das Ciências do Espírito. Pela dupla aproximação, via Ciências Naturais e via Ciências do Espírito, Wassmann formulou aos poucos a sua síntese do universo e da natureza, sinalizando para uma harmonização teórico-metodológica para não poucos tida como impossível. Para tanto valeu-se de dois conceitos que facilitam entender como, tanto a Ciência quanto à Filosofia, oferecem os dados para compreender o todo que é o universo em que vivemos: “Weltbild” e “Weltauffassung”.

Cabe às Ciências Naturais fornecer os dados objetivos, materiais e concretos para retratar a natureza, isto é, desenhar o “Weltbild”. As Ciências do Espírito conferem sentido e significado ao “Weltbild”, que vão além da simples soma, agregação, commplexificação e ordenação dos dados empíricos, formulando uma “Weltauffassung”, uma cosmovisão. A metáfora de um quadro pintado esclarece melhor o que Wassmann pretende ensinar. As tintas, as cores, a tela, os pinceis, etc. são os elementos materiais necessários para desenhar o Weltbild. Correspondem aos dados científicos disponíveis num determinado momento. O artista combinando cores, tonalidades, luzes e sombras, contornos, panos de fundo, etc., confere sentido, significado, de acordo com a sua comovisão – a sua Weltauffassung. Pela sua própria natureza tanto o “Weltbild”, quanto a “Weltauffassung” encontram-se em constante transformação, reformulação e resignificação. O “Weltbild” vai-se redesenhando na medida em que as pesquisas científicas revelam novos dados, tornam os existentes ultrapassados. Os formuladores da “Weltauffassung”, da cosmovisão, atentos aos progressos das Ciências atualizam significados e conceitos e revisam a compreensão do universo e da natureza.

O redesenhar do “Weltbild” estimulado pelas descobertas científicas que vão-se acumulando e o repensar da “Weltauffassung” por elas sugerida, garantem o clima propício no qual a produção do conhecimento encontra condições para prosperar. Não há dúvida de que se requer uma boa dose de humildade e espírito desarmado, tanto do cientista quanto do filósofo. O cientista trabalha com a consciência de que seus métodos e seus instrumentos são de alcance limitado. O filósofo põe-se a formular e a reformular  a sua cosmsovisão ou “Weltauffassung” tomando em consideração as descobertas que os cientistas lhe apresentam.  Convenhamos não é tarefa para qualquer um.

Na construção do conhecimento entram, em proporções variáveis, conhecimentos setoriais, oriundos das mais diversas fontes, oferecem o caminho que vai em direção ao verdadeiro Conhecimento em letra maiúscula, ou aquele que não vem acompanhado de adjetivos. É o Conhecimento puro e simples: “das Wissen schlechthin”, dizem os alemães. O sábio, portanto, é aquele que se apropriou de alguma forma do “Conhecimento simplesmente” do “Wissen Schlechthin”. Há uma diferença enorme entre um “Sábio”, um “Weise” e um “Conhecedor”, um “Kenner”, ou um especialista, um eclético, um dono de memória e conhecimento enciclopédico. O “Conhecedor”, o “Kenner” domina uma área específica do conhecimento, uma fatia expressa por algum adjetivo, como por ex., conhecimento botânico, genético, histórico, religioso, popular e por aí vai. O Conhecimento sem adjetivo e com letra maiúscula, que confere ao seu portador “Sabedoria” – “Weisheit”, é o resultado da síntese, da amálgama, entre conhecimentos parciais e adjetivados. A síntese sugere  o encontro de conhecimentos setoriais que, num processo dinâmico de complementariedade, levam a uma compreensão de  nível superior, que vai além da soma das partes. A síntese não anula a natureza dos conhecimentos setoriais que entram na sua gênese, mas os resignifica em função de um todo que resulta de um processo de interação e composição complementar. O cobre e o estanho continuam sendo cobre e estanho ao se amalgamarem numa proporção de acordo com o tipo de bronze que se pretende. A amálgama não se parece nem com o cobre nem com o estanho, no que se refere à sua dureza e ductibilidade. Salvaguardadas as diferenças e as peculiaridades, a amálgma parece um recurso adequado para entender melhor o que seja o Conhecimento. A participação dos conhecimentos parciais ou setoriais no processo de síntese resultam, à maneira  de uma amálgama na produção do Conhecimento. O resultado é uma realidade qualitativamente  diferente de cada componente individual, sem contudo alterar a natureza e as características das partes. A cor, a ductibilidade, a maleabilidade, a dureza do bronze, não alteram a natureza química e física do cobre e do estanho. Integram-na, isso sim, numa nova realidade. Um fenômeno análogo acontece com a produção do Conhecimento. O único Conhecimento digno de ser chamado de Síntese é aquele que resultou da confluência, seguida de uma “amálgama”, da maior quantidade, diversidade e qualidade possivel de conhecimentos parciais. A densidade e a consistência do Conhecimento, portanto, é diretamente proporcional  à quantidade e qualidade dos conhecimentos parciais que entram na sua construção.

A lógica da reflexão leva-nos um passo adiante e perguntar sobre os pressupostos indispensáveis para alguém ousar construir o Conhecimento ao qual nos referimos. Sem propor uma prioridade hierárquica rigorosa, entre outros, não podem ser ignorados.

Primeiro. A amplitude e a solidez do Conhecimento é diretamente proporcional à amplitude e a solidez da formação e a capacidade de síntese daquele que o produz. Uma formação com essas características somente é esperável naqueles que se apropriam dela, começando no ensino fundamental, passando pelo médio e culminando no superior e na pós-graduação. Supõe-se, portanto, uma proposta pedagógica, pela qual, passo a passo, o aluno apropria-se das condições, dos conteúdos, dos conceitos, dos conhecimentos teóricos e das ferramentas metodológicas, para produzir  conhecimento digno desse nome.

Segundo. Até o final do século XVIII a Europa formava suas elites intelectuais em estabelecimentos de ensino superior, nas quais a Teologia polarizava a formação. A primeira geração de universidades como Bolonha, Paris e demais até a Renascença, contavam com a constante vigilância  para não dizer tutela da Igreja. Muitos religiosos como Duns Scotus, Guilherme de Okham, Tomas de Aquino, ocuparam cátedras nessas universidades. O Tomismo e a Escolástica tornaram-se a base reitora maior do ensino da Teologia. A Revolução do Pensamento do Século XVIII não podia deixar de mexer fundo no próprio conceito de universidade. Foi preciso repensar seu papel, e com ele, os objetivos e os métodos. Em meio a essa dinâmica esboçaram-se três modelos que, na sua essência, continuam até hoje, ditando os rumos das academias com as marcas invitáveis de acomodação aos tempos e circunstâncias históricas: a Universidade Latina, a Universidade Inglesa e a Universidade Alemã,.

A Universidade Latina predominou e continua predominando na França, na Bélgica na Suíça não alemã, na Itália, na Espanha, em Portugal e respectivas ex-colônias. Esse modelo tem como marca a profissionalização. A universidade espanhola não passa de uma copia da francesa. Segundo Alfonso Borrero, um dos maiores conhecedores das universidades “mãe e filhos bebemos todos do mesmo leite contaminado da legislação imperial napoleônica de 1806-1808”. Institucionalmente, esse modelo sofre de uma forte influência, ingerência, e pior, tutela do Estado. Não há necessidade de grande provas para identificá-lo nas universidades brasileiras. Tanto as públicas quanto as privadas pagam um peço cada vez mais alto, com a perda progressiva de autonomia. Prevista na Constituição, na prática não passa de uma ficção. A universidade é refém das leis, regulamentações, diretrizes, sucessivas reformas do ensino, impostas pelas autoridades educacionais e seus aparelhos burocráticos.

A Universidade Inglesa oferece como marca definidora, como selo a educação do cidadão. Esse diferencial foi compreensivelmente incorporado nas universidades norte-americanas, inspiradas fortemente na Universidade Alemã.

A Universidade Alemã concentra todo o peso na pesquisa científica e na produção do conhecimento, ao ponto de constituírem-se na sua própria razão de ser. O prestígio de uma universidade é diretamente proporcional ao valor atribuído à investigação científica e à produção do conhecimento. Interessa em primeiro lugar a pesquisa científica e o saber em si. Sua repercussão prática e sua aplicabilidade seguem, num segundo momento,  como conseqüência  lógica. Esse modelo exige como pressuposto total autonomia acadêmica, administrativa e financeira, além de um corpo docente altamente qualificado.

Até o final do século XVIII a universidade era formada por três faculdades: a Teologia, a Medicina e o Direito. Eram hierarquicamente superiores à faculdade de Filosofia, que ocupava um lugar secundário. As três faculdades principais ofereciam os conhecimentos de interesse direto do governo, com destaque para a fazenda pública e o bem estar do corpo visando a preservação da saúde. A Filosofia, que se ocupava  com a ciência pura, tratada com rigor e profundidade, servia apenas de reforço para as principais. A partir do começo do século XIX foi-se impondo cada  vez mais a convicção de que a missão maior da universidade consistia em impulsionar a produção do conhecimento e promover a investigação científica em todos os campos do saber. O grande aliado e patrocinador dessa maneira de conceber a universidade foi Frederico Guilherme III da Prússia. Para ele a investigação científica  e a produção do conhecimento constituíam-se em valores em si. Em princípio não importava sua aplicação prática. Desinteressado pelos utilitarismos imediatos tornou-se o grande incentivador do trabalho científico criativo e de alto valor. Em outras palavras: antes de mais nada excelência e depois a utilidade prática. O movimento em favor da nova concepção de universidade veio aliado ao ideário romântico e idealista do nacionalismo alemão, que fez com que a filosofia, a política, o idealismo, o nacionalismo e o romantismo esculpissem o modelo universitário em gestação. Como conseqüência pregava-se nas cátedras de filosofia de Jena, Halle e Erlangen a totalidade e indivisibilidade do conhecimento.

Entende-se assim que o ministro Bayme, encarregado da reforma da universidade alemã, recorresse aos préstimos dos intelectuais de maior prestigio. Embora Kant não tivesse participado diretamente da equipe que formulou as bases da universidade, foi dele a exigência de que o centro polarizador  e irradiador, ocupado até então pela Teologia, fosse deslocado para a Filosofia. Bayme convidou Friederich Schleiemacher e Johannes T. Fichte, associados às contribuições de natureza pedagógica de Pestalozzi e Comenius. Entre eles o ideário apresentado por Fichte foi o que mais pesou na moldagem do novo modelo universitário. Em resumo a proposta de Fichte foi a seguinte.

A educação  na nova universidade concentra o seu esforço na formação que visa o desenvolvimento da capacidade intelectual dos estudantes e não na formação  histórica dessa capacidade, pois, esta limita-se à análise das características estáticas dos objetos. Preocupa-se com a capacidade superior filosófica que leva o conhecimento das leis que fazem com que as coisas tenham necessariamente as características que de fato têm. É desta forma que o educando “aprende”. Uma vez consolidada essa genuína tendência de aprender, o educando converte-a, sem demora, na base de todo o conhecimento. Dessa educação origina-se, como consequência natural, um conhecimento geral de todo necessário, transcendental e, com certeza, superior a toda a experiência e, reúne em si, todas as potencialidades das experiências posteriores. A nova educação preocupa-se com a compreensão do que se descobre. O aluno percebe-se estimulado pelo amor à ciência, pelo fato de compreender toda uma coerência vinculada com a ação e a prática. Nessa perspectiva a universidade deve refletir a unidade orgânica do conhecimento. Deve superar a mera  erudição e especialização e confiar à Filosofia o papel de regente de uma orquestra interdisciplinar.

A lógica da reflexão em curso leva-nos a dar mais um passo adiante e perguntar pelos pressupostos necessários para que alguém esteja em condições de apropriar-se do conhecimento que mereça esse nome. Entre  outros não podem ser ignorados os seguintes.

A amplitude e a consistência do conhecimento costuma ser diretamente proporcional à amplitude e à solidez da formação e da capacidade de síntese, daquele que o produz. Encontramos essa pré-condição no modelo de formação institucionalizado, tanto no ensino fundamental, quanto no médio e superior, na Europa Central e do Norte, na Inglaterra e nas universidades dos Estados Unidos da América do Norte. Na Alemanha os famosos “Gymnasia” municiavam os jovens estudantes com uma ampla base filosófica, histórica, clássica, literária e científica, capaz de lhes franquear as portas de acesso ao vasto universo do conhecimento. E não eram poucos os exemplos em que os egressos dos “Gymnasia” levavam como primeiro titulo de nível superior o de Filosofia, História, Línguas e Literatura Clássica e Moderna, para depois se dedicarem a uma especialidade no complexo campos das Ciências Naturais. A comprovação encontra-se nos currículos de não poucos portadores do Prêmio Nobel e nos currículos de outros nomes de referência nas respectivas especialidades. Representantes emblemáticos dessa galeria de verdadeiros sábios são Erich Wassmann, o homem das “Formigas e Térmites”, Teilhard de Chardin com seu “Fenômeno Humano”, Ludwig von Bertalanffy, autor da “Teoria Geral dos Sistemas”, Adolf Portmann, Konrad Lorenz, Charles Darwin, Francis  Collins, diretor do Projeto Genoma, Edward Wilson com sua obra “A Criação – um apelo para salvar a vida na terra” e muitos outros.

A riqueza, a consistência e a abrangência do Conhecimento é diretamente proporcional à quantidade, à diversidade e, principalmente à qualidade dos conhecimentos setoriais que influíram na sua construção. O conhecimento de um físico que não se valeu de ferramentas conceituais, teóricas e metodológicas, além das específicas do objeto da sua pesquisa, necessariamente será limitado e parcial. A mesma afirmação vale, ressalvadas as peculiaridades da área, para o historiador, o filósofo, o teólogo, etc. Um grande número de “especialistas”, tanto no campo das Ciências Humanas, quanto das Ciências Naturais, isolaram-se entre as quatro paredes dos seus laboratórios ou enclausuraram-se nos seus gabinetes de pesquisa herméticos e estagnaram a um nível deplorável de indigência de  visão do mundo. Correm o risco iminente e real de engrossar as fileiras dos fundamentalistas e dogmáticos. São os donos da verdade que, atormentam com suas posições inegociáveis os participantes de congressos, simpósios e seminários de estudo. Emitem juízos de valor sobre questões da competência de outros campos do conhecimento. Pior. Fecham as portas para um dialogo sem preconceitos, desarmado e humilde. Num clima desses não há condições mínimas para prosperar o “Conhecimento” em maiúsculo e, consequentemente, não há lugar para “Sábios” – “Weise”, como diriam os alemães. O máximo que pode acontecer é o surgimento de “Conhecedores” – “Kenner”, talvez de tamanho enciclopédico, que impressionam os menos avisados, mas não convencem as pessoas munidas de uma relativa  capacidade critica.

Na Inglaterra as instituições de ensino em todos os níveis, tiveram o mesmo cuidado com a formação. Empenhavam-se em equipar os alunos com um lastro de conhecimentos capazes de lhes franquear as portas para uma compreensão global do universo, da natureza e, sobretudo, moldar um cidadão culto e cultivador dos valores humanos, sociais e cívicos. Nesse tirocínio o elemento “pedagógico”, o componente “educação”, fazia a diferença. A feliz combinação com o conhecimento das instituições alemãs e o compromisso com a formação do cidadão da escola inglesa, resultou na marca registrada da formação americana no ensino fundamental, médio e superior.

A consolidação do padrão de educação inglesa aconteceu com mais evidência, com a reforma comandada por Newman, nas universidades de Oxford e Cambridge. O modelo veio a chamar-se “Oxbridge” O conceito sugere a combinação da proposta mais humanística de Oxford, com a mais direcionada para as ciências de Cambridge. O cidadão modelado  com esse perfil vem a ser um “gentelman”. O modelo “oxbridge” forma um cidadão do qual espera-se que seja, segundo o ideal romano, “vir bônus, peritus dicendi”, o que vem a significar, um cidadão virtuoso, correto, educado e dotado de princípios. Essas virtudes aliadas ao “peritus dicendi”, isto é, dono de saber sólido e abrangente, combinado com o dom de se comunicar com maestria, resultam no autêntico “gentelman”.

É um fato histórico que os fundadores e refundadores das universidades americanas, foram inspirar-se  na universidade alemã. Acontece que a universidade  americana da primeira metade do século XIX tinha sido o resultado paradoxal do valor maior dessa nação: a liberdade. A criação e a administração das universidades entregues à iniciativa de quem estivesse disposto a bancar um projeto nessa área, terminou em anarquia. Ninguém se entendia. Falar em sistema universitário americano na época, não passava da enumeração de instituições, cada qual com sua proposta, não raro conflitante com as demais. O que menos interessava era a produção do conhecimento e a prática da pesquisa científica e a reflexão séria. O estado puro resultado dessa situação, foi resumido em 1829 por Henry Wadsworth Longfellow, estudante americano em Göttingen. Conforme sua avaliação a universidade em seu país limitava-se  a três grandes edifícios de tijolo, uma capela e o reitor rezando nela. O mesmo estudante contrapôs a esse cenário desanimador, o que acontecia em Göttingen. Os professores unidos no mesmo espírito, atraíam os estudantes capazes de os ensinar no regime de Seminário. Nele o professor estava em condições de aprender o que não sabia. Um outro estudante americano deslumbrado com a universidade que encontrou na Alemanha, descreveu os professores como “indescritíveis instrumentos aptos para todos os tipos tarefas, dispostos a ensinar topografia ou oratória latina”. O posterior fundador da universidade de Cornell, estudou em Berlim e lá encontrou o ideal do seus sonhos de universidade. Não poupava louvores a seus mestres. Confessou que foi na Alemanha que tomou a decisão de fazer algo em favor da educação na América.

Dos estudantes isolados na primeira metade do século XIX buscando formação nas universidades alemãs, o número foi-se multiplicando, a partir da metade daquele século. Entre 1860 e 1870, cerca de 1000 estudantes partiram para a Alemanha. Na década seguinte foram 2000. Ao longo da segunda metade do século, nada menos do que 10000 americanos formaram-se na Alemanha. O crescimento do número foi ainda maior entre 1900 e 1914, quando pelas razões históricas conhecidas, o fluxo foi interrompido por completo. Henry T, Trappan falando em seu livro “University Education” sobre os resultados benéficos dessa peregrinação  em busca das universidades alemãs, resumiu assim as suas conclusões. A pesquisa científica começou a tomar fôlego e, aos poucos, a universidade foi-se assumindo como uma instituição na qual o professor, o investigador e o estudante selavam uma aliança em busca do mesmo objetivo.  (cf. Rambo Arthur. Um Sonho e uma Realidade. 2009. P. 95-96)

Os resultados não se fizeram esperar. Em todo o território dos Estados Unidos foram surgindo dezenas de instituições de ensino fundamental, médio e superior, alimentadas pelo mesmo ideal de excelência com forte assento  para a educação. O MIT –  Massachussets Institute o Technologie”, é  o exemplo mais emblemático do bem sucedido transplante do ideal de pesquisa da universidade alemã, aliado ao ideal de educação do cidadão de Oxford e Cambridge, sabiamente adaptado às condições americanas.

E o que os norte-americanos procuravam nas universidades alemãs? Aprender a arte da investigação. Os estudantes dirigiam-se à Faculdade de Filosofia, depositaria do saber puro, atraídos pelas disciplinas científicas, para ensiná-las de forma diferente, como se costumava fazer nas faculdades profissionais de Direito, Medicina e Teologia. Procuravam com avidez e de preferência a Psicologia, a Economia, a Física, a Química, a Biologia e as Matemáticas. A universidade mais procurada foi a de Berlim. (cf. Ascun, 1992. Nr. 11, p. 46-47)

E a história da formação superior norte-americana  provou o acerto da peregrinação dos estudantes  daquele país para a Alemanha, durante mais de meio século. Contam-se hoje às dúzias  nos Estados Unidos as universidades com seus centros de produção de conhecimento e institutos de pesquisa de alto nível e desenvolvimento de tecnologias de ponta. Na sua concepção, implantação e consolidação tiveram papel decisivo os professores e pesquisadores formados  em universidades alemãs. Evidentemente não se tratou de um transplante puro e simples do modelo alemão para a América do Norte. Com a transferência aconteceu uma inevitável adaptação às novas circunstâncias. Como exemplo bem sucedido e representativo merece destaque o já citado e o famoso “MIT – Massachussets Institute of Technology”. Trata-se, na verdade, de um complexo universitário que produz conhecimento de alto nível em todas as áreas, realiza pesquisas científicas pioneiras e desenvolve tecnologias de ponta. De seus gabinetes de investigação e laboratórios de pesquisa saíram dezenas de prêmios Nobel E o segredo? Encontra-se na concepção institucional e acadêmica, materializada inclusive no projeto arquitetônico e na distribuição espacial dos prédios, que não sofreu nenhuma alteração importante desde a sua construção em 1916. O complexo do “State Center” inaugurado em 2004, reforçou a idéia da interdependência e da interdisciplinariedade entre as diversas áreas do conhecimento. Numa ponta abriga um laboratório de Inteligência Artificial e na outra um departamento de Lingüística e Filosofia. O Instituto, embora seja conhecido como de tecnologia, realiza uma proposta interdisciplinar tal que os alunos de todas áreas e diversas especialidades, são estimulados, e de fato têm condições, de apropriar-se de uma formação básica generalista. Decidido a oferecer aos estudantes uma sólida formação científica, humanística e técnica, o Instituto exige que todos absolvam um mínimo de disciplinas de cada uma das grandes áreas do conhecimento. Aliás o próprio projeto arquitetônico de 1916 foi desenhado e executado de tal forma que estimula a circulação e o contato entre as cinco escolas centrais: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Humanidades, Artes e Ciências Sociais, Administração e Ciência e o complexo da Saúde e Tecnologia.

O modelo de formação em nível médio nos “Gymnasia” e superior nas universidades alemãs, privilegiou dois elementos. Primeiro. A apropriação de um conhecimento amplo e genérico, no qual as Artes, Letras, Humanidades e Ciências Naturais, entrava numa dosagem equilibrada. Todas gozavam de igual importância. Numa perspectiva interdisciplinar oferecia-se ao estudante oportunidade para apropriar-se  de uma formação que o preparava, em primeiro lugar, para uma compreensão abrangente e integrada do saber. Em segundo lugar, valendo-se dos encontros em formato de Seminário, familiarizava-se com as bases teóricas e a formação critica, indispensável para aventurar-se na construção de um conhecimento próprio, autônomo e original. No Seminário predominava a convicção de que o saber, o conhecimento em si, sem um direcionamento pratico, preparava melhor os egressos para a atividade profissional. Essa mesma convicção aparece no modelo das universidades inglesas clássicas de Oxford e Cambridge. Perseguiam o propósito de formar o “gentelman”, o “vir bonus, peritus dicendi”.

A razão pela insistência na formação media e superior, foi ressaltar a sua importância como pressuposto para a produção do conhecimento. Já que partimos da premissa de que conhecimento é síntese, a lógica sugere que o resultado final dessa síntese é tanto mais rico e tanto mais consistente, quanto mais conhecimentos parciais entrarem na sua construção. Os dois elementos estão presentes, tanto na proposta pedagógica quanto no currículo em  nível médio e superior das instituições de que nos ocupamos acima. Nos “Gymnasia” de nível médio estavam previstas  todas as disciplinas indispensáveis para uma formação básica ampla de perfil generalista. Em grandes linhas eram elas: as línguas clássicas e modernas  mais correntes na comunicação de alto nível e respectivas literaturas. Os egressos dos “Gymnasia” estavam em condições de valer-se dos textos no original grego, latino, francês, alemão, inglês, português e não raro em outras línguas, com destaque para o italiano, espanhol, russo, polonês ... A História Natural compreendendo a física, a química, a biologia, a geologia, a botânica, a zoologia, formava o segundo pilar. O terceiro tinha na história, geografia, antropologia, etnografia e etnologia seu foco de interesse. Finalmente a quarta coluna mestra na formação média tinha na matemática, na filosofia e não raro na teologia a sua coroação.

Dessa forma o estudante estava em condições de ter acesso à matéria prima e às ferramentas teóricas e metodológicas indispensáveis para a produção do conhecimento. Assim aparelhado, o egresso do nível médio, ingressava no superior em condições de, sob a orientação  de mestres experientes, encontrar o caminho para dar a largada à arquitetura  de um universo próprio de produção do conhecimento. O processo levaria anos dava-se num ambiente que se denominava “Seminário”. Na modalidade padrão  de Seminário, o professor fazia o papel de moderador e coordenador dos debates e das discussões e não de autoridade que ditava de cima para baixo as regras e impunha suas idéias. Cabia-lhe conduzir de tal forma o fluxo do debate,  que dele resultasse um avanço qualitativos sobre o tema em foco. O importante consistia sempre no fato de que o patamar  alcançado servisse de degrau para um novo avanço para  mais adiante e mais acima. Preparava-se assim a plataforma para um novo Seminário para aprofundar ainda mais a temática. E assim, professor e aluno, cúmplices e comprometidos na aventura da apropriação e aprofundamento de sempre novos saberes, avançavam sobre sempre novas fronteiras do conhecimento.

Com esse formato, o Seminário bem conduzido vem a ser um laboratório próximo do ideal. Habilita o estudante a levantar vôo rumo à produção de um conhecimento autônomo, conduzido por um mestre que faz mais o papel de parceiro do que de tutor. Não por nada  o orientador de teses de doutorado leva, ainda hoje, o nome sugestivo, quase carinhoso de “Doktor Vater”. O Seminário oferece  também uma magnífica  ocasião para o próprio professor enriquecer, ampliar, renovar e atualizar o seu próprio universo de conhecimento.

A especialização não vem a ser a prioridade dos Seminários. Na proposta original das universidades alemãs da primeira geração, interessava, antes de mais nada o conhecimento como tal e a apropriação das ferramentas indispensáveis para produzi-lo. Pela lógica supunha-se  que aquele que estivesse de posse delas, deveria estar em condições para dedicar-se com sucesso a qualquer campo específico do saber. Foi exatamente  essa característica do Seminário que tanto encantou os jovens americanos que foram em massa estudar nas universidades alemãs, entre 1850 e 1914.

Ao  tirocínio ao qual o estudante era submetido no Seminário das universidades alemãs, à formação da personalidade pelo modelo “Oxbridge” e ao acentuado propósito pedagógico das universidades americanas do norte, vem na contra-mão a proposta latino-napoleônica da universidade voltada para a profissionalização e tutelada pelo Estado. Dois  elementos complementares  são responsáveis pelo seu perfil institucional e acadêmico. Antes de mais nada a formação do cidadão, em especial na universidade, consta como um dos instrumentos de que o Estado se serve para concretizar seus propósitos. Sendo assim sua destinação primeira consiste em prestar serviço ao Estado. A lógica segue retilínea. Para tocar suas políticas, iniciativas e projetos públicos, o Estado precisa de mão de obra especializada, precisa de técnicos. Ora a formação desses recursos humanos acontece em instituições que vão do fundamental ao ensino superior. Entende-se assim que é do interesses do Estado ditar a própria razão de ser da universidade e, consequentemente, a natureza acadêmica e o perfil institucional, administrativo e burocrático. Encontramo-nos assim frente a um modelo viciado na sua própria essência. A autonomia prevista na Lei Fundamental ou na Constituição de algum país que optou por esse  modelo, não passa de ficção. Não é para valer como de fato não vale. Presta-se muito bem para  mistificação em discursos de políticos, encobrir propósitos ideológicos, enfim, para enganar os desavisados. Nessa condição a universidade como qualquer outra instituição de ensino, constitui-se, em primeiro lugar, senão em único, num instrumento a serviço dos interesses do Estado. Pior. Dá a impressão de que por meios legítimos ou nem tanto, a formação do cidadão está sendo direcionada em função dos interesses pessoais dos donos da nomenclatura de plantão no poder. Nessas condições produzir conhecimento digno desse nome, só fora e à margem das instituições formais.

A instrumentalização da formação do cidadão em favor dos interesses do Estado, vem acompanhado de outro inconveniente não menos nefasto. Fica atrelada  aos partidos e ideologias políticas que se alternam no poder. Esse fato resulta ainda mais danoso em situações e que regimes democráticos alternam-se com regimes autoritários ou ditatoriais. Nesse contexto costumam suceder-se em intervalos curtos e sem condições mínimas de avaliação, as “Reformas de Ensino”, tão familiares no Brasil depois de 1960.

No caso específico do Brasil as poucas universidades em funcionamento até o final de 1950, exibiam um perfil muito parecido com as alemãs, inglesas e norte-americanas. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ocupava o centro polarizador e irradiador, na condição de “Alma Mater” da universidade. Em sua volta agrupavam-se as faculdades, as escolas profissionais e os institutos de pesquisa. No âmbito da “Alma Mater” cultivava-se o clima propício para  a formação de uma base mais ampla. Nela o estudante encontrava as condições necessárias para dar partida a uma carreira de pesquisa, investigação e produção do conhecimento. Essa estrutura institucional facilitava  em muito o encontro e intercâmbio de informações e experiências. Professores e alunos de filosofia, história, geografia, biologia, matemática, física, química, línguas e literatura circulavam nos mesmos espaços físicos. Os professores compartilhavam as mesmas salas, bibliotecas, restaurantes e participavam de programações acadêmicas interdisciplinares. Áreas afins como História e Geografia formavam um só departamento. Hoje essas duas áreas, por ex., encontram-se tão distantes  no contexto acadêmico, ao ponto de ignorarem-se e não perceberem mais a sua mútua interdependência.

Este ideário de 50 anos passados começou a tomar começou a tomar o rumo oposto com a reforma universitária do começo da década de 1960. Em resumo significou o desmonte do modelo institucional e acadêmico da universidade tradicional. Não negamos os desvios, os equívocos e aberrações que se tinham instalado nela e exigiam correções e ajustes de maior ou menor profundidade. A Reforma, entretanto, significou em última análise, a opção por um modelo de instituição em bases essencialmente diferentes. O método sintético dedutivo cedeu lugar ao analítico indutivo na orientação das pesquisas e produção do conhecimento. Em vez de partir do geral para o particular, do todo para as partes, optou-se pelo caminho inverso: da Pluralidade para a Unidade. Analisando, pesquisando e entendo fatos, fenômenos e dados  particulares, procura-se descobrir o que há de comum entre eles. Em outras palavras. Pretende-se  entender o todo identificando e analisando as partes. Ou ainda. Entender a Unidade pela Pluralidade. Não há dúvida de que o método analítico-indutivo oferece vantagens inegáveis sobre o sintético dedutivo. Mas não se pode ignorar que vem acompanhado de alguns riscos e, por isso mesmo, algumas cautelas são necessárias. Teilhard de Chardin resumiu muito bem a questão

Ao contrário dos “primitivos” que atribuem personalidade a tudo que se mexe, ou mesmo dos primeiros grupos que divinizaram todos os aspectos e forças da natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar ou impersonalizar o que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise. Esse maravilhoso instrumento de pesquisa científica, ao qual devemos todos os nossos progressos, mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e partículas que se esvaem. E a segunda  é a descoberta do mundo sideral, objeto tão vasto que se tem a impressão de que toda a proporção entre o nosso ser e as dimensões do Cosmos à nossa volta, foi abolida (Teilhard de Chardin,  1986, p. 293)

Como não podia deixar de ser essa substituição da referência teórico-metodológica veio acompanhada de uma série de conseqüências tanto positivas quanto negativas.

A primeira, levou ao redimensionamento da estrutura acadêmica em função da resignificação dos conteúdos dos campos do conhecimento e respectivas disciplinas. Teve início então uma departamentalização cada vez mais acirrada, a qual favoreceu uma compartimentalização  igualmente levada a extremos. Seguiu a independência, o isolamento e a impermeabilidade entre as disciplinas e seus conteúdos. A segunda, trouxe consigo um outro fenômeno não menos nocivo. Os campos do conhecimento sofreram uma revisão, melhor, uma resignificação da sua natureza e tiveram a sua função reorientada. A Geografia, por ex., deixou de ser uma ciência humana para ser situada entre as técnicas. Um fato semelhante aconteceu com as Ciências Econômicas, Jurídicas, Arquitetura e outras. De Ciências Humanas ou pelo menos com destino imediato direcionado para satisfazer as necessidades humanas, estão sendo tratadas como se fossem apenas técnicas. Áreas eminentemente técnicas como a Engenharia, ignoram a sua relação com outras especialidades. Essa compartimentação centrífuga carregou consigo outras  conseqüências. A preocupação pela compreensão da unidade, da totalidade do saber passou para um segundo plano. O que importa é conhecer até as últimas minúcias as partes. Com isso inverteu-se a perspectiva a partir a qual o conhecimento é construído. A “análise” veio  ocupar o lugar da “síntese” como norte metodológico. Há, com certeza, uma razão de peso para essa inversão de perspectiva. A segunda metade do século XX inaugurou uma forte tendência para o desenvolvimento. O mundo saíra profundamente modifica do da Guerra. As alianças políticas, os tratados econômicos e os pactos econômicos, acomodaram o mundo como uma totalidade, em blocos hegemônicos, envolvendo de alguma forma  todos os povos e nações. Nesse contexto foi fundamental a maneira de conceber a formação e a educação do cidadão. O apelo pela mobilização de cidadãos dotados de conhecimentos diretamente utilizáveis, fez com que, principalmente as universidades, fossem convocadas para suprir a demanda de mão de obra especializada. O interesse pelos conhecimentos e investigações passíveis de aplicabilidade prática e imediata, cresceu numa proporção tal que o conhecimento e a pesquisa em áreas indiretamente importantes passassem para um segundo plano. As prioridades fizeram com que, por ex., as Ciências Humanas ocupassem uma posição marginal nos interesses de muitas instituições de ensino superior. Não há necessidade de recorrer a profundos malabarismos lógicos, para perceber que essa correção de rumo fez tremer um dos pilares mestres da universidade: “a Autonomia”. parece importante, entretanto, lembrar de que a autonomia pode ser vista como informal, de fato, ou capitulada na Constituição e regulamentada por legislação complementar. A primeira versão encontra-se  nos países em que o Estado interessa-se pelas universidades pelo fato de os resultados das investigações nelas realizadas, o conhecimento de alto nível produzido e as tecnologias de ponta desenvolvidas, interessam ao propósitos do Estado. Por isso mesmo o Estado municia as universidades com os suportes logísticos indispensáveis que lhe garantem os meios e instrumentos em constante aperfeiçoamento e atualização, para tocar o desenvolvimento e conferem-lhe prestígio pelo alto nível de conhecimento produzido e suas academias. A relativa  perda de autônima é de fato imposta pela demanda do mercado num sentido mais amplo. Esse perfil, salvo melhor entendimento, continua predominando nas universidades alemãs, inglesas e norte-americanas. Sua  estrutura institucional e sua proposta acadêmica mantém a excelência como meta, a pluralidade na unidade como referência metodológica e a destinação do conhecimento produzido, as pesquisas efetivadas e a utilidade das tecnologias  desenvolvidas, direcionadas para o desenvolvimento. Vista sob essa ótica o “mercado” orienta e seleciona o que  a universidade deve oferecer. As políticas adotadas, as prioridades seguidas, a maneira como os recursos são geridos, inclusive os recursos que o Estado destina, são da exclusiva competência dos responsáveis diretos pela universidade.

Uma situação bem diferente, para não dizer antagônica, se faz presente nas universidades públicas e privadas, direta ou indiretamente inspiradas no modelo napoleônico. Na sua própria concepção original são profissionalizantes. Como tal o valor maior cultivado na academia é a aplicabilidade prática. Assim a universidade transforma-se em mais um precioso e poderoso instrumento no aparelhamento do Estado. Neste caso os homens e os partidos de plantão no governo, servem-se dela como de todos os níveis do ensino, para perseguir seus propósitos, difundir suas ideologias políticas e implementar seus interesses pessoais. Dessa forma está armado  o cenário para o Estado por em andamento a escalada de tutela sobre a universidade. Nos cinqüenta anos que se passaram desde que começaram as reformas, os governos federal, estadual e municipal, valendo-se de “bases e diretrizes”, repetidas, remodeladas e “aperfeiçoadas”, implementadas por meio de uma aparelhamento burocrático cada mais hermético, controlam até às minúcias, o ensino e a educação do infantil ao pós-graduado. A autonomia prevista na Constituição não passa de letra morta.

A tutela do Estado sobre o ensino, de modo especial sobre a universidade, trouxe consigo problemas de fundo, que afetaram as investigações científicas e a produção do conhecimento. O lado talvez mais discutível dessa situação relaciona-se com as áreas do conhecimento privilegiadas na escolha das prioridades acadêmicas. As demandas do mercado público e privado ditam a formação profissional preferencial. Somado ao engajamento político e ideológico as Ciências Humanas, as Letras e Artes passaram para um plano secundário.

No caso específico do Brasil, os órgãos públicos, ministérios, secretarias, agências, etc., direta e indiretamente responsáveis pela formação acadêmica e profissional, impuseram, com o andar dos anos, uma aparelhamento burocrático inflexível. O Ministério da Educação dita, por meio da CAPES e secretarias setoriais, até as últimas minúcias, tanto da estrutura burocrático das instituições de ensino, quanto a natureza, a importância  e a destinação das propostas curriculares. Pouco espaço, melhor nenhum, sobra para propostas que não cabem nessa camisa de força. Para usufruírem da legitimação oficial as instituições de ensino em geral e as universidades em particular, são coagidas a se burocratizar até as últimas minúcias. O processo começa pela opção por prioridades, estrutura curricular, privilegiamento de conteúdos, escolha e execução de projetos de pesquisa e por aí vai. Uma pesquisa científica e ou a produção de conhecimento, só goza de reconhecimento quando executada rigorosamente de acordo com as regras ditadas pelas coordenações, comitês, colegiados, etc., etc., ou pior pela ideologia ou simples humor dos gestores. Não sobra espaço para a liberdade e ou autonomia de vôo de uma investigação ou produção do conhecimento sem compromisso. Estamos diante do cenário perfeito que favorece o espírito de rebanho na mesma proporção em que barra o caminho para a produção de um conhecimento livre e sem compromisso. O cenário torna-se dramático quando se instala a tirania  partidária e ideológica no meio acadêmico. Os professores que ousam discordar são sumariamente silenciados, isolados e boicotados pelos colegas. Nas ocasiões em que se decidem currículos e disciplinas, suas opiniões  são ignoradas. Cabe ao oportunismo ideológico a última palavra. Na sala de aula os conteúdos são selecionados, apresentados e tratados sob medida, para agradar os alunos e exigir deles o menor esforço possível. Professor bom é aquele que fala sobre temas e, principalmente, sob o enfoque que os alunos esperam, melhor exigem.

E as conseqüências ?.  Egressos do ensino fundamental semi-analfabetos, formados no ensino médio, incapazes de formular um raciocínio coerente, dominando precariamente a língua do País, sem condições de redigir uma frase correta. Nessas condições falar em produzir conhecimento, só com muita imaginação.  Faltam as condições prévias mais elementares. Os estudantes ressentem-se da falta de ferramentas básicas para arriscar-se a produzir conhecimento. Carecem dos meios indispensáveis como línguas clássicas e modernas mais correntes, uma formação geral mínima, o domínio indispensável dos instrumentos  teóricos e metodológicos.

As reflexões sobre a inconsistência para não dizer caos e penúria que é a proposta da educação em todos os níveis, poderia ser aprofundada Resolveria muito pouco para não dizer nada. Em todo o caso, enquanto persistir a tutela do Estado, a instrumentalização política e ideológica na formação dos estudantes, a produção de um conhecimento de alto nível, fica entregue a “free lancers”. Nada se pode esperar de relevante nesse sentido na atmosfera  acadêmica viciada das instituições formais de ensino. Não é por nada que se contam nos dedos das mãos os portadores do prêmio Nobel na América Latina. Um detalhe importante. Todos em Literatura e um da Paz. Nenhum em Medicina, Física, Química ou Economia. O Brasil não conta com nenhum, apesar do discurso megalômano das autoridades e da empáfia de não poucos pesquisadores ou pensadores. O que de alguma forma se produziu de valor em termos de conhecimento, aconteceu fora do clima contaminado das universidades. Nelas costuma haver  apenas condições  para repetir e reciclar, não raro de forma tosca, Marx, Engels, Hegel, Lênin, Trotzki, Gramschi e outros da moda, por “pensadores” que não leram seus autores no original. Ocupam-se com o pensamento deles por meio de textos recosidos e devidamente interpretados, de acordo com as conveniências políticas e ideológicas.

A  razão de fundo que não autoriza sonhar a curto e médio prazo com uma reversão do quadro que acabamos de desenhar, foi expressa na observação do Pe. Affonso Borrero. Para ele foi surpreendente a maciça presença de filósofos na formulação do programa de reforma universitária da Alemanha do começo do século XIX: Kant, Schelling, Schleiermacher, Fichte, Hegel, Humboldt. Segundo ele, quando hoje se coloca na mesa dos debates o tema universidade, confrontam-se as idéias de políticos, economistas, jornalistas, contadores, planejadores e administradores da educação. Desinformados sobre a História e a Filosofia da Ciência, sobre a História e Filosofia da Universidade, sobre a História e Filosofia da Educação, não deixam espaço para o Filósofo.

Até aqui a nossa linha de reflexão teve como foco a necessidade de uma formação capaz de consolidar uma compreensão integradora do universo, da natureza e do homem, ao mesmo tempo, oferecer uma sólida base teórica e metodológica. Em países como na Europa Central e do Norte, na Inglaterra e Estados Unidos a América do Norte, as universidades oferecem esse perfil, com a autonomia assegurada de direito e de foto. Esses países investem pesado no ensino fundamental e médio, na formação básica de natureza generalista e interdisciplinar, das línguas, literaturas, humanidades, ciências da natureza, sem se esquecer dos instrumentos teóricos e metodológicos indispensáveis. Nas universidades, sobretudo, as atividades acontecem  de acordo com o princípio sagrado da “liberdade de ensinar e liberdade de aprender” – Lehrfreiheit und Lernfreiheit” como diriam os alemães. A autonomia no  plano acadêmico  permite a liberdade de escolha “do que” e “do como” ensinar e “do que” e “do como” aprender. E, para que tal possa acontecer, exige-se na outra ponto autonomia econômica e financeira e a maior distancia possível do Estado, da Igreja, dos partidos políticos e ideologias na moda. Nessa situação os governos centrais ou regionais têm o direito e o dever de destinar os recursos necessários. Uma vez depositados na conta de alguma universidade, cabe aos seus órgãos administrativos determinar as prioridades de aplicação.

Terminada a Segunda  Guerra entrou sorrateiramente em cena a revolução que acentuou ainda mais a fragmentação e a compartimentação do conhecimento. De maneira quase imperceptível no começo, depois com sempre maior evidência, para impor-se no final do século XX como um fenômeno avassalador: a Pós-Modernidade. Subverteu pela base tudo que a Modernidade tinha posto em pé quando, no dizer de Alexandro Serrano Caldera “desvalorizou o futuro, fez cair as utopias, cancelou as certezas e implantou o reino do ceticismo moral”. (Caldera. 2004, p. 91). Em outra passagem o mesmo autor conclui que “a Pós-modernidade não é apenas a desligitimação e desconstrução dos modelos e paradigmas que deixariam, entre outras coisas, a ideologia arquivada nos museus do tempo, irremediavelmente  passado, sendo que a construção de novos modelos dar-se-ia a partir de uma realidade globalizante. (Cf. Caldera. 2004.  p. 91-92) Ou ainda “o protótipo do homem dominante da atualidade é o tirano digital”.  (Caldera. 2004.  P. 91).

O autor das “Meditações Máximas e Mínimas” deixou outras dezenas de caracterizações da Pós-Modernidade. Todas elas convergem para um ponto comum. A supressão das referências estáveis e seguras, a fragmentação e compartimentação em todos os campos, inclusive na produção do conhecimento. Em meio a esse quadro o passado perde a importância como fonte de referências e o futuro deixa de fazer sentido como um universo a ser construído. O que conta é o presente. “A modernidade está em crise porque está em crise a idéia do futuro. O homem contemporâneo vive em função do aqui e agora”. (Caldera. 2004. P. 91)

Somando os efeitos deletérios sobre o ensino e pesquisa tutelados e burocratizados, à tendência centrífuga da Pós-Modernidade, temos o caldo perfeito para o cultivo dos obstáculos que barram o caminho de quem se aventura pelo caminho da produção do conhecimento.

A tendência centrífuga à qual nos acabamos de referir pode ser percebida fazendo uma comparação com a dinâmica de evolução assim como a descreveu Teilhard de Chardin. Ele valeu-se da metáfora do globo terrestre como recurso didático para fazer entender a evolução  global. Para ele  a evolução do universo teve o seu começo num ponto único de partida o “pólo sul” – o “alfa”. Pelos mecanismos combinados  da “agregação, da “incorporação” e da “complexificação”, o todo expandiu-se e diversificou-se. À maneira dos meridianos o leque dos acontecimentos evolutivos toma o rumo do equador, diversificando-se e abrindo-se cada vez mais. Num corte transversal à altura do equador, observado da perspectiva do pólo norte, dezenas, centenas e milhares de linhas ou meridianos, sugerem uma situação de separação e de isolamento entre eles. Parece que não existe  relação de interdependência. A miopia do homem pós-moderno faz com que se percebam apenas os terminais dos meridianos, gerando a ilusão de que a dispersão continuará a se acentuar cada vez mais. O pólo sul donde partem os meridianos, parece nada ter em comum com os meridianos isolados, observados a partir do equador. Na comparação os meridianos correspondem aos muitos campos possíveis do conhecimento. As gerações de estudantes e não poucos dos seus mestres, já não percebem de que os campos em que pretendem atuar no futuro têm, à maneira dos meridianos, um ponto de partida comum, o pólo sul, o “alfa” de Teilhard. A razão última de ser de tudo deve ser procurado lá no começo. Lá estão concentradas a causa e as energias que explicam a diversificação e, ao mesmo tempo, garantem que o avanço através das diversas fases, apesar de as aparências simularem o contrário, a unidade persiste.

Continuando a comparação  da produção do conhecimento com a trajetória dos meridianos, a situação gerada pela pós-modernidade, leva a sérios equívocos. É comum a falsa impressão de que na altura do equador os meridianos separam-se de vez, assim como os conhecimentos parciais por eles significados. Sendo assim a tendência que se observa é de ignorar o ponto de partida comum, no qual e pelo qual a enorme diversidade encontra a razão de ser. Estamos assim  frente a um risco de proporções nada desprezíveis, de perder de vista a dimensão histórica  e a noção da totalidade na diversidade dos fatos e acontecimentos. Pior. Não se vai apenas a historicidade como o próprio conceito de história do universo, da natureza e do homem. A noção de história como referência importante para a explicação dos fatos, já não significa nada para o conhecimento do homem pós-moderno. O que importa é tentar lidar com a pluralidade e movimentar-se numa floresta na qual só interessam as árvores e não se percebe mais que fazem parte de um sistema. A ausência da noção de história leva à desvalorização do passado e o ceticismo em relação ao futuro. “Para ele (o homem pós-moderno) o Paraíso não está no passado, nem num mais além desta vida. Só se existe nesta vida e neste mundo; nele o ser humano, dono da razão e de si mesmo, é capaz de construí-lo”. Ou. “O homem contemporâneo vive em função do presente, do aqui e agora”.  (Caldera. 2004.  p. 91)

Há sinais, ainda muito tímidos é verdade, de que a pós-modernidade começa a esgotar seus potenciais de dispersão e fragmentação. A abolição das referências em todos os setores da vida, a perda da perspectiva do todo e da razão de ser que explica dinâmica das coisas, começou a produzir seus efeitos. Multiplicam-se aos poucos as manifestações em favor do retorno a uma visão unificadora e integradora. Não se trata de um movimento saudosista empenhado  numa volta pura e simples ao passado. Não postula a restauração do paraíso perdido, o retorno ao mundo mitológico dos antigos, ou à crença de que o presente nada mais é do que um momento de passagem, ou que a dinâmica do universo obedece à mecânica semelhante a um relógio. Já se percebem sinais evidentes  de que a complexidade da pluralidade que nos cerca encontra sua própria razão de ser num todo, numa totalidade, que explica sua existência e responde pela sua dinâmica. Recorrendo mais uma vez à metáfora do globo terrestre de Teilhard de Chardin: no começo de tudo há um “pólo sul”, um “Alfa”, do qual originam-se as realidades naturais, diversificam-se e expandem-se, para novamente convergir em busca do “pólo norte”, o “Ômega”.

Os argumentos em favor de uma compreensão integradora e unificadora, partem com freqüência crescente de manifestações de cientistas de renome. Representantes emblemáticos são Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, Edward Wilson, entomólogo de renome,  professor em Harvard e de modo geral os centenas de cientistas que integram o “American Scientific Affiliation”. Obviamente alinham-se nessa direção os cientistas que procedem do contexto religioso como Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Johannes Rick, Ferdinand Theissen, Girolamo Bresadolla, Balduino Rambo, Luiz Sehnem e muitos outros. Apontam para o fato de que está em curso um movimento de retorno a uma compreensão unitária do universo. Significa também que a visão da dispersão e fragmentação, se aproxima do limite. Voltando ao globo terrestre de Teilhard, estamos estacionados à altura do equador e começa o movimento de reaproximação dos fragmentos, a retomada de aproximação e reintegração. Os meridianos começaram a inflexionar em direção ao pólo norte, ao “Omega”. Num futuro ainda imprevisível acontecerá o reencontro.  A pluralidade será subsumida pela unidade. Não é aqui o momento de especular sobre prazos. O que se pode afirmar com certeza é de que não se trata de uma linha de horizonte que se distancia na medida em que caminha em sua direção, mas um pólo real, um “Omega” real a ser buscado.

O desafio imediato  que se coloca situa-se em outra esfera. Começa pela adoção da bases teórico-metodológica capaz de levar a pluralidade dispersa para a unidade que lhe dá sentido e razão de ser. Em outras palavras qual o caminho que permite recolocar no seu devido lugar  a importância da relação da Pluralidade com a Unidade, as partes com o Todo e o Todo com as partes.

Partindo dessa preocupação a lógica leva a concluir de que as partes interrelacionadas, interagem entre si, interdeterminam-se e interlegitimam—se. O desafio que se coloca consiste em identificar as partes, descobrir as relações mútuas, estabelecer o nível de importância de cada uma em relação ao todo. Falar em conhecimento só depois de alguém se ter apropriado da compreensão do plural no uno e do uno no plural.

O caminho oferece suas dificuldades. Será longo e trabalhoso. E como já sinalizamos, pressupõe algumas premissas. A mais importante, ao que parece, consiste numa formação multidisciplinar e, antes de mais nada, interdisciplinar ampla e consistente. Pressupõe-se, para tanto, a familiaridade com as ferramentas que permitem o acesso aos conteúdos, dados e informações à matéria prima com que se pretende construir o conhecimento. Entre elas destacamos: o domínio das línguas, pelo menos ao nível da leitura, nas quais encontra-se preservado o patrimônio do conhecimento; conhecimentos teórico-metodológicos para conferir credibilidade e solidez a todos os passos, e de modo especial, a síntese final com que culmina o verdadeiro conhecimento; em se tratando de investigações no campo das Ciências Naturais, o perfeito domínio do manuseio dos aparelhos e tecnologias disponíveis  os respectivos laboratórios de pesquisa; domínio dos conhecimentos gerais mínimos que permitem a compreensão de que o universal, o todo, não se resume na simples soma aritmética das partes.




Bibliografia
ASCUN – Simpósio permanente sobre la Universidad – Quinto seminário general
1990-1992

CALDERA, Alexandro Serrano. Meditações Máximas e Mínimas. Trad. Ângela Teresa Sperb. Edit. Nova Harmonia. São Leopoldo. 2004.

CHARDIN, Teilhard de. O Fenômeno Humano. Trad. José Luiz Archanjo. São Paulo: Ed. Clutriz. 1986.


RAMBO, Arthur Bl. Um Sonho e uma realidade – A Unisinos 1953-1969. São Leopoldo. Edit. Unisinos. 2009.