Archive for janeiro 2015

Reflexões Avulsas - Palestra no 25 de Julho

Exmo Sr. Presidente do Centro Cultural 25 de Julho e demais membros da Diretoria, senhoras e senhores associados e demais admiradores e amigos da herança cultural alemã.

O convite para proferir uma palestra por ocasião do 50º aniversário do Centro Cultural 25 de Julho, foi para mim uma agradável surpresa, uma grande honra e ao mesmo tempo significa uma enorme responsabilidade. Agradeço de todo o coração.

Quando me pus a refletir qual seria um tema digno e pertinente para uma ocasião de tanta relevância, vieram-me à lembrança dois momentos decisivos que marcaram a história dos descendentes dos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, dois momentos decisivos em que os teuto-brasileiros foram postas frente a desafios de grandes proporções. Foram obrigados a refletir seriamente sobre o lugar que lhes cabia ocupar na sociedade nacional brasileira. Falo da Primeira Guerra Mundial – 1914-1918 e da Segunda Guerra Mundial – 1939-1945. Nas duas a Alemanha acabou  derrotada, física e moralmente destroçada, economicamente arruinada, socialmente desorganizada e execrada pela opinião pública mundial. O reflexo mais visível dessa situação sobre os descendentes de alemães e, de modo especial, no Rio Grande do Sul, foi a desconfiança e a aberta hostilidade em relação a eles da parte dos demais segmentos étnicos, especialmente dos luso-brasileiros, somado a um profundo golpe na auto-estima.

No contexto dessas duas situações surgiram iniciativas em meio ao grupo teuto-brasileiro do Rio Grande do Sul, com a finalidade comum de recuperar a auto-estima em baixa, mostrar aos concidadãos de outras procedências étnicas, que os descendentes dos imigrantes alemães tem sido elementos úteis no todo da nacionalidade e, que a fidelidade à língua e às tradições em nada comprometia o seu patriotismo. Pelo contrario constituía-se num pressuposto para exercê-lo na sua plenitude.

Depois da primeira guerra mundial a iniciativa mais importante neste sentido foi da monumental obra organizada e, na sua maior parte  redigida pelo Pe. Theodor Amstad: “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, publicada por ocasião do primeiro centenário da imigração alemã em 1924, pelo “Verband Deutscher Vereine” –Federação das associações alemãs.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, com a Alemanha novamente derrotada, destruída e arruinada, o Pe. Balduino Rambo, o Pe. Henrique Pauquet, junto com pastores protestantes, num esforço interconfessional, criaram o “Comitê de Socorro à Europa Faminta” – a “SEF”, com a finalidade de reunir alimentos não perecíveis, roupas, agasalhos e valores em dinheiro, para socorrer os  alemães na sua extrema miséria. Reerguida a Alemanha, os mesmos idealizadores da SEF, reuniram-se no dia 25 de julho de 1951, para fundar o “Centro Cultural 25 de Julho” tendo como objetivo “a pratica da língua alemã e contribuir para a preservação e aprimoramento do seus conhecimentos de literatura, técnica profissional e ciências, etc., sem prejuízo do idioma nacional... e difundir entre aqueles sócios que não conhecem ou conhecem pouco, de acordo com o critério no “Centro Cultural 25 de Julho”. Por meio do canto  e de outras atividades culturais o “25 de Julho”, transformou-se nos últimos 60 anos num dos grandes responsáveis pela preservação da identidade dos descendentes dos imigrantes de até sexta geração e responsável também pelo sadio orgulho que sentem pelo que foram e pelo que são. As realizações do “25 de Julho”, por serem mais recentes, estão na memória da maioria dos interessados no assunto. Por essa razão vou concentrar-me prioritariamente na situação criada pela Primeira Guerra Mundial, retratadas nas linhas e nas entrelinhas do “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924”.

Coube ao Pe. Amstad organizar e redigir a maior parte do testo desta monumental  publicação oficial em comemoração ao centenário da imigração alemã no Rio Grande do sul. A obra foi encomendada pelo “Verband Deutscher Vereine e publicada  pela Typographia do Centro em 1924. Trata-se, a meu juízo,  de uma das obras de leituras básica para qualquer um que queira familiarizar-se com a história da imigração alemã no Sul do Brasil. Na apresentação aparece um detalhes até certo ponto estranho. Não consta o nome do Pe. Amstad como autor. Sabe-se entretanto que foi ele seu organizador e o responsável por mais de oitenta por cento do texto. O restante do texto é da autoria do jornalista Arno Phillipp.

O motivo declarado da obra foi obviamente a comemoração do primeiro centenário da imigração alemã. Mas a começar pela escolha do próprio titulo, sugerem-se  considerações que  extrapolam o sentido comemorativa. Convém lembrar que a data, 1924, coincidiu com um complexo de fatos históricos, sociais, políticos, econômicos e religiosos que se refletem, direta e indiretamente, nas páginas da obra e, de modo especial, no discurso escolhido elo autor.

A primeira guerra mundial, 1914-1918, obrigara os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil e, especificamente no Rio Grande do Sul, a uma série de reflexões. A aliança do Brasil com os aliados  em guerra contra a Alemanha, fez subir à tona algumas  questões, até então latentes, assumindo proporções que a atmosfera dos grandes conflitos costuma exagerar ao extremo. Na época viviam ainda muitos imigrantes diretamente vindos da Alemanha. Mas a média da população teuta era formada pelos descendentes de primeira, segunda, terceira e até quarta geração. É mais do que compreensível que numa situação destas a atenção das autoridades e do segmento luso-brasileiro se voltasse com atenção especial para as comunidades de descendência alemã. Os noticiários nacionais e internacionais carregavam  cada vez mais as cores contra a Alemanha e os alemães, terminando por pô-los sob suspeita e confiná-los num incômodo e doloroso isolamento. Passou-se a suspeitar  da autenticidade, da sinceridade e da lealdade das suas intenções como cidadãos. Foram tratados como cidadãos de segunda categoria e vistos como traidores em potencial. Toda essa situação foi alimentada por uma série de fatores que até então haviam causado pouca ou nenhuma preocupação para as autoridades e a opinião pública do País. Entre eles sobressaem alguns com significado especial.

Os descendentes dos imigrantes alemães concentravam-se em regiões exclusivas ou quase exclusivas. Destacavam-se na paisagem do Rio Grande do Sul e Sana Catarina pela sólida organização comunitária, pela laboriosidade, pelo apego às tradições, pela língua, pela alta escolaridade, pelo progresso econômico, pela intensa vida associativa ... Davam assim a falsa impressão para muitos  de um enclave étnico renitente à assimilação no todo da nacionalidade brasileira. Para muitos essa impressão foi reforçada pelas próprias características físicas desses brasileiros de pele, cabelos  e olhos claros e estatura acima da média nacional. Alem disso permaneciam firmemente agarrados  aos valores dos antepassados. Entre todos esses elementos um os estigmatizou de maneira toda especial. Exibiam um alto nível de alfabetização, mais de 90%, quando a media nacional não passava dos 30% a 40%. A resposta estava nas escolas criadas, administradas e controladas pelas comunidades, não só no que dizia respeito ao aspecto gerencial, como também  e, principalmente, quanto ao currículo, à filosofia pedagógica, aos métodos didáticos praticados e aos próprios professores. Acontece que nessas escolas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português constava apenas como matéria curricular. O resultado final deste estado de coisas não podia ser outro. Uma população toda alfabetizada, gozando de um nível cultural significativo, em condições, portanto, de assumir um posicionamento político consciente, fiel às tradições, falando alemão  na família e no relacionamento quotidiano nas comunidades.

Não é de se admirar que essa situação que, até 1914, costumava ser vista com certa estranheza pelos luso-brasileiros, mas tolerada e até aceita como normal, com o evoluir da guerra, assumisse  conotações muito diferentes. Para a tradição luso-brasileira ficava difícil acreditar que essa gente cultivando costumes germânicos, falando mal ou nem sequer falando português, numa situação de guerra contra a sua terra de origem, fosse capaz de colocar a obrigação como cidadãos brasileiros acima de qualquer outro valor.

As conseqüências não se fizeram esperar. A imprensa em língua alemã foi proibida, clubes e associações fechados  proibida a língua alemã nas escolas. Essas providências sinalizavam aos teuto-brasileiros que, de então para o futuro, as circunstâncias da guerra os levaria a refletir com muita seriedade sobre a compatibilidade de sua condição de cidadãos brasileiros e a preservação da língua e as tradições da sua herança cultural. Os fatos estavam a mostrar-lhes  que o ritmo da inserção definitiva e integral na comunidade nacional, também no que se referia ao aspecto cultural, deveria ser acelerado. Aliás essa sensação motivou na época a tomada de decisões de não poucas lideranças do meio teuto.

A reação do mundo teuto-brasileiros o clima hostil em que vivia não foi  uniforme. Lideres das mais diversas procedências partiram para iniciativas com a finalidade de  ir ao encontro do novo panorama que se esboçava. O arcebispo de Porto Alegre, D. João Becker tomou a frente. Apesar de alemão nato impôs aos padres sob sua jurisdição proferirem os sermões em língua portuguesa e as escolas comunitárias a adotá-la como língua de ensino. Considerando a autoridade inconteste da autoridade eclesiástica, pode-se imaginar facilmente o impacto que essa determinação causou nas comunidades teuto católicas. A reação do mundo teuto-brasileiro não foi uniforme e assumiu proporções diferentes nas diversas situações. Assim, por ex., a Sociedade Orfeu de São Leopoldo modificou os estatutos alinhando a instituição com os rumos nacionalizadores em curso. Os professores das escolas comunitárias em suas assembléias começaram  uma reflexão insistente sobre os rumos que lhes cabia imprimir à educação das novas gerações a fim de prepará-las  para enfrentar a nova realidade. Reinava a convicção generalizada que estava chegando ao  final a fase em que os imigrantes e seus descendentes foram deixados em paz nas suas linhas e picadas. Raras vezes alguém lhes punha sob suspeita a sinceridade da sua cidadania, pelo fato de não falarem ou falarem mal o português e se manterem fiéis às tradições. As evidências sinalizavam para um novo capítulo da dinâmica da inserção na comunidade nacional, marcado por prenúncios de grandes turbulências e sérios conflitos com o segmento luso-brasileiro na definição dos rumos do futuro do País.

Entretanto a guerra terminara com a derrota da Alemanha. Para os teuto-brasileiros orgulhosos da sua origem  e ascendência, este desfecho significou uma imensa frustração. A humilhação da Alemanha somada  à atmosfera de desconfiança e hostilidade em que viviam como cidadãos brasileiros, derrubou-lhes a auto-estima  até um nível critico. Tornara-se urgente que uma iniciativa fosse tomada no sentido de devolver-lhe o orgulho sadio pelo que  eram e pelo que realizavam de útil em favor da região e do País. Essa preocupação perpassa  as seiscentas e cinqüenta páginas do “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”. No prefácio da obra o Pe. Amstad expressou claramente esta preocupação.

“Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul” é o titulo da presente obra comemorativa. Isto significa ao mesmo tempo o fecho da obra realizada aqui pelos alemães, a obra cultural da germanidade na qual colaboraram diversos segmentos. Sem diferença de religião  e de concepções políticas, foram reunidas as pedras para a edificação da obra comum. A todos que colaboraram, um obrigado do fundo do coração! A recompensa  consiste na certeza de terem contribuído para a recuperação da honra da aterra dos antepassados, no momento em que ela geme mergulhada na humilhação e na escravidão. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 9)

As comemorações  do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul teve, além dos “Cem Anos de Germanidade”, outro momento de afirmação da germanidade. Em São Leopoldo e em Novo Hamburgo foram inaugurados monumentos alusivos ao acontecimento, ao mesmo tempo em que era institucionalizado o “Dia do Colono” fixado para o dia 25 de julho. Todos esses esforços em chamar à consciência o orgulho da germanidade, não tardaria em colidir frontalmente contra ...

Com o modernismo que desde 1917 iniciara a sua caminhada influenciando as artes e posteriormente a política. Nele se faziam presentes traços nitidamente nacionalistas que rompiam com o romantismo, o parnasianismo e o realismo. Negando ideais e idéias  européias, buscava a independência intelectual do Brasil. Acentuava a política de defesa  do “espírito nacional”, cultivando as tradições  do País e sublinhando o português como língua nacional. Toda essa movimentação queria “abrasileirar o Brasil”. Termo chave para a época passa ser  “brasilidade”. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 8)

Esse novo rumo teve a sua expressão mais visível na “Semana de Arte Moderna” realizada em São Paulo em 1922, culminando 15 anos mais tarde na Campanha de Nacionalização. O Estado Novo, instalado em 1937, consagraria definitivamente o estado nacional centralizado, acompanhado de evidentes motivações, características e estratégias nacionalistas. Mesmo para o observador menos avisado não passava despercebido  que a heterogeneidade étnica, cultual e lingüística, dificilmente continuariam a ser tolerados. Não restava dúvida de que as autoridades responsáveis pela nova ordem, se valeriam de todos os meios legais e coercitivos para diminuir e, se possível, apagar as diferenças. O prenúncio fez-se realidade logo depois da implantação do Estado Novo. Leis, decretos, portarias, ordens de serviço, etc. escudados pela ação policial, na maioria dos casos draconiana, puseram em marcha um conjunto de instrumentos, com o objetivo de “abrasileirar”, de uma vez por todas, as dezenas de grupos e identidades étnicas, assim chamadas “alienígenas”, estabelecidas dentro das fronteiras nacionais. Na mira estavam em primeiro lugar as escolas étnicas, sobretudo as comunitárias  nas regiões de colonização alemã. Na maioria delas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português figurava apenas como disciplina curricular obrigatória. Em não poucas escolas o aprendizado da língua nacional ou da “língua” como os descendentes de alemães costumavam chamar o Português, encontrava uma série de dificuldades que, na pratica, terminavam por torna-lo inócuo. Entre as razões merecem citação: o deficiente preparo de muitos professores para ensiná-lo corretamente e falta de estímulo para praticar a língua no dia  a dia das pessoas. A comunicação em família e no convívio comunitário dava-se quase exclusivamente nos dialetos herdados dos antepassados. O pouco que fora aprendido na escola cairia no esquecimento com o termino dos quatro anos obrigatórios de freqüência escolar. Considerando essa realidade pode-se afirmar  que nas  comunidades teutas dos estados do Sul do Brasil, a língua aprendida na família, a língua do quotidiano das comunidades, era o dialeto, com uma larga predominância do “Hunsrückisch”, acompanhado das inevitáveis adaptações  impostas pelo meio geográfico e sócio-cultural dos estados do Sul.

“Cem Anos de Germanidade” reflete obviamente também essa realidade. Esforça-se por mostrar aos brasileiros de todas as origens étnicas e principalmente aos luso-brasileiros a contribuição alemã em todos os segmentos da atividade humana, para desfazer qualquer dúvida a respeito da sinceridade do comprometimento dos alemães para com o progresso do País. Não se tratava de uma minoria irredenta, um quisto ou um enclave étnico, mas brasileiros que empenhavam todas as suas energias e potencialidades em favor da terra em que haviam nascido. Queremos deixar claro que na intenção e na atitude de há muito estavam definitivamente “abrasileirados”. O que faltava  viria ao natural no espaço de algumas  gerações, bastava confiar  a dinâmica do processo à lógica da História. Mas, como se constatou 15 anos mais tarde, exatamente no ano do falecimento do Pe. Amstad, o “abrasileiramento” espontâneo foi atropelado pela política de nacionalização do Estado Novo. Não é do objetivo desta palestra detalhar e aprofundar essa questão.

O conteúdo da obra somado ao discurso escolhido revelam a grande preocupação do seu outro e organizador, que deve ser entendida no macro-contexto acima esboçado.

Resumindo as considerações sobre “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, o leitor tem em mãos uma obra, ou melhor, a obra mais completa sobre a contribuição no Rio Grande do Sul, nos primeiros 100 anos. Para complementar os objetivos acima apontados, a obra brinda o leitor com dados estatísticos que dificilmente poderão ser encontrados em outra obra do gênero. Os 20 anexos  no final da obra valorizam-na em muito, além de sinalizar para pesquisas de dimensões inéditas na história da imigração alemã no estado do Rio Grande do Sul. Com  o “Cem Anos de Germanidade” o Pe. Amstad e demais responsáveis pela obra, legaram à posteridade um magnífico resumo da história política, econômica, social, educacional, religiosa, cultural, do século dezenove e das duas primeiras décadas do século vinte, no Rio Grande do Sul.

E par encerrar permito-me repetir que as palavras finais do prefácio do “Cem Anos de Germanidade” escritas em 1924, continuam atuais e ainda hoje válidos, 80 anos depois e expressam muito bem os sentimentos e as convicções da diretoria e dos associados do “25 de Julho” e dos admiradores da cultura alemã, na data do jubileu de ouro deste benemérito Centro Cultural.

Parte pois, “Mensageiro do Centenário” do trabalho e das obras alemãs! Leva  antes de mais nada a todos os lares dos colonos a notícia daquilo que os nossos  antepassados realizaram. Acende  nos netos o fogo sagrado da emulação, para que um dia também os seus nomes se perpetuem em obras que enobrecem!. Entra também nos majestosos   palácios das cidades, onde quer que more um alemão pois, de mãos dadas, colônia e cidade realizaram a grande obra cultural do século

“Mensageiro do Centenário”, pede discretamente  licença para adentrar também nas moradias dos nossos concidadãos de  outras nacionalidades! Não poucos, com certeza, irão reconhecer, sem inveja, os nossos méritos e alegrar-se conosco por aquilo que o empenho e a tenacidade alemãs realizaram no Rio Grande do Sul. “Mensageiro do Centenário”, cruza também os mares do mundo e leva para a velha pátria notícias do trabalho e das aspirações alemãs no distante Brasil. Mostra aos nossos compatriotas de lá , por palavras e imagens, que permanecemos fieis à índole alemã, permanecemos fieis aos bons ensinamentos, aos bons costumes que nossos pais trouxeram da velha pátria e nos transmitiram como o mais precioso dos legados.




A Associação rio-grandense de agricultores

Sexta Assembleia Geral - Pareci Novo –1906

Nos dias 12 e 13 de maio de 1906, realizou-se em Pareci Novo a sexta assembleia geral da Associação Riograndense de Agricultores. Fizeram-se representar, através de delgados, 45 seções, com número total de 1707 associados. A lista de presenças registrou os seguintes nomes, representando as respectivas seções:

Chr. J. Smidt                                          Rio Pardinho
Mich.. Scholl                                          Travessa Herval
Jakob Schneider                                     Dois Irmãos
Jakob Ruedell                                         Arroio Grande
Joh. Konrad                                            Morro do Vigia
Ernst Zietlow                                           Estrela
Joh. Hart                                                Poço das Antas
E. Grusche                                            Matiel
Pastor Kreuzer                                        Picada 48
Jakob Jungblut                                        Cafundó
Wilhelm Kroetz                                        Teewald
Friedrich Feiten                                       Windhof
Padre Amstad                                         Nova Petrópolis
Karl Kern                                               Santa Cruz
O. Berrgmann                                         Fazenda Pirajá
L. Freymuth                                            Sebastopol
Mat. Fröhlich                                          Tabakstal
Reinhold Willrich                                      Corvo
Johann Gross                                         Lajeado
Michael Forneck                                     Pareci
Peter Meyrer                                          Bom Jardim
Martin Spies                                           Roca Sales
Nikolaus Nedel                                       São Salvador
O. Dorer                                                            Vila Nova superior
Nikolaus Knob                                        Vila Nova inferior
Anton Müller                                           Maratá
Alfred Steglich                                         Nova Petrópolis
                                    

Além dos vinte e sete delegados que se acabam de mencionar, representando 45 seções, participaram da assembleia os integrantes da diretoria central, W. Hansel e Reinhol Kühleis.

O cronista lamentou a ausência das seções das colônias ao centro e ao norte do Estado. O fato se explica em parte pelo adoecimento de vários delegados e pela distância. A representatividade, contudo, estava assegurada, pois, de um total de sessenta seções e dois mil associados, fizeram-se presentes quarenta seções, representando mil setecentos e sete associados.

Na reunião preparatória foram examinadas as credenciais e escolhida a mesa diretora dos trabalhos o Pastor Kreuer ocupou a presidência, o Sr. Peter Meyrer a segunda presidência e os Srs. E. Zietlow, O. Bergmann e L. Freymuth secretariam as sessões.

A assembleia designou duas comissões: uma para examinar o relatório anual e a outra para examinar as propostas.

No domingo de manhã várias propostas foram apreciadas. Em primeiro lugar foi aprovado o relatório da diretoria central. Uma constatação  importante ficou evidente. Em setembro de 1903 as reservas da Associação somavam 740 mil réis e, por ocasião da assembléia em curso, o montante já se elevara a oito contos.

Depois a diretoria relatou as providências  tomada em relação ao problema dos inventários. Um memorando fora elaborado e endereçado ao governo do Estado encaminhado através do Centro Econômico. Até aquele momento, entretanto, não se obtivera resposta.

A diretoria comunicou ainda haver registrado, para fins legais, o logotipo da Associação,  formado pelas letras iniciais do lema da Associação: “Viribus Unitis”, artisticamente entrelaçadas, assim como aparecem na folha de rosto do “Bauernfreund”.

Em quarto lugar, a diretoria prestou contas do que fora realizado em relação à instalação de bibliotecas com literatura orientada para a atividade agrícola. Em muitas associações seccionais, as referidas bibliotecas já haviam sido iniciadas. Complementando o assunto, recomendou-se ao interesse dos presentes uma obra sobre a colonização do campo, de autoria do Dr. Assis Brasil.

Em quinto lugar, o relatório chamou a atenção dos interessados que,  na colônia de Serro Azul, podiam ser encontradas colônias de terra com a mata ainda intacta, mas com casa, embora simples e modesta. Essa providência havia sido tomada para facilitar o começo para quem se quisesse estabelecer na região.

O sexto e o último assunto ocupou-se com  uma série de rumores que se haviam espalhado pela colônia. Sem se conhecer exatamente a sua origem, corriam boatos cada vez mais insistentes que a Associação dos Agricultores estava sendo usada para concretizar um projeto jesuítico-católico. O Pastor Kreuzer interveio para pôr um ponto final à questão. Mostrou como em muitos postos de direção da Associação encontravam-se lideranças evangélicas. Pediu que esse tipo de provocações fosse definitivamente proscrito pois, impedia qualquer tipo de convívio civilizado.

No domingo à tarde, teve lugar a primeira sessão plenária com a presença de várias centenas de associados. O Senhor M. Forneck foi o primeiro a ocupar a tribuna. Pelo que se pode deduzir do relato, ele não foi feliz na classificação enquatro categorias que fez dos colonos: os colonos mais antigos que têm dinheiro; os colonos donos de terras exaustas; os colonos principiantes; a juventude. As idéias expostas causaram uma discussão muito acalorada devido à visão pessimista demonstrada pelo orador em relação ao assunto. 

Como segundo orador da tarde, apresentou-se o Pe. Amstad. Suas intervenções sempre se mostraram em extremo pertinentes e tratavam sempre de algo substantivo. Destacou o fato de que a sociedade colonial dependia inexoravelmente de dois pressupostos que se complementavam: o capital espiritual e o capital material. Numa época de escassez de dinheiro e de crédito, o capital material, como um bem comum, somente é  possível, se ricos e pobres se aliam num propósito comum: reunir um capital material utilizando como meio o sistema Raiffeisen de caixas de poupança. O sistema remunera o capital depositado com 4% de juros ao ano. Dessa maneira, os possuidores de alguma reserva, em vez de a empregarem em investimentos duvidosos, a colocam a serviço do bem comum, auferindo ainda uma boa remuneração. Para os necessitados, as caixas oferecem os recursos depositados, a juros de 5% ao ano. Como se pode ver, juros facilmente suportáveis. O 1% de diferença que a caixa cobra dos que a ela solicitam empréstimos, cobre folgadamente as despesas de administração. A estabilidade que resulta dessa colaboração mútua para a colônia, significa, em última análise, a prática mais autêntica do amor ao próximo. Um capital espiritual, portanto.

O palestrante continuou com seu raciocínio. Está fora de dúvida que, para conseguir-se esse tipo de capital, supõe-se espirito aberto e compreensivo generalizado entre os colonos. Requer-se para tanto um certo nível de motivação espiritual.

O que se entende especificamente por capital espiritual foi o tema da palestra seguinte, proferido pelo professor Siegfried Kniest. Insistiu no fato de que o colono necessitava saber calcular, ler e escrever, para estar em condições de tomar consciência de aceitar as novidades e as informações capazes de melhorar a sua condição. Para que se obtenha esse tipo de resultado, a Associação dos Agricultores tem dee empenhar-se seriamente em promover as escolas em todas as picadas, zelar pelo constante aperfeiçoamento do ensino e garantir a formação de educadores competentes. O melhor e o mais competente educador, entretanto, nada consegue sem uma estreita e diuturna colaboração com a família. Continuou insistindo que a família representa o foco a partir do qual se acumula o capital espiritual pelo exemplo de vida correta, do interesse pela aquisição de novos conhecimentos teóricos e práticos, através da leitura de jornais, revistas e livros e freqüentando encontros, assembléias, palestras, conferências ...

O restante da tarde de domingo foi consumido em considerações sobre o uso da farinha de osso como adubo e como complemento alimentar das aves; sobre variedades de gramas aconselháveis para o gado; sobre raças de gado leiteiro e sua melhoria genética.

Na segunda-feira o Senhor Alfred Steglich foi o primeiro palestrante. Abordou dois pontos muito práticos e do interesse geral: primeiro, como proceder para facilitar, acelerar e baratear os inventários; segundo, como enfrentar a situação criada pela forma injusta  como eram calculados e cobrados os impostos territoriais. 

O Senhor Winge insistiu em seguida na necessidade de os colonos associarem-se em cooperativas de produção. Deu ênfase especial para a fruticultura.

Uma segunda palestra sobre cooperativas fora escrita e enviada à assembleia pelo Senhor Feix. Insistiu num aspecto de capital importância, chamando a atenção para o perigo de pessoas inescrupulosas aproveitarem-se das cooperativas para o seu próprio proveito. Falou da hostilidade da parte dos comerciantes e compradores, prejudicando seriamente as cooperativas. Por fim sugeriu que as cooperativas instalassem uma central de compras e vendas na capital, com a finalidade de atender as cooperativas do interior e, assim, neutralizar a ação do comércio concorrente.

A última palestra da programação ficou a cargo do Professor Rücker. Discorreu sobre a possibilidade de criar-se um seguro mútuo entre os agricultores. Funcionaria mais menos assim: todos contribuiriam com uma soma módica que seria depositada na caixa de poupança. Do capital e dos juros formar-se-ia uma espécie de fundo-seguro ao qual se recorreria por ocasião de calamidades, como pragas de gafanhotos, granizo, incêndios, doenças  e até auxílios em caso de falecimentos. Como se pode ver, tratava-se de uma proposta de natureza cooperativa com finalidades múltiplas de amparo mútuo.

A providência final da assembleia consistiu em eleger a nova diretoria geral que ficou assim constituída: presidente, W. Hansel; segundo presidente, K. Kern; secretários, C. Chr. Smidt e R. Kühleis; tesoureiros, Paul Stahl e José Etges; vogais, J. H. Jochims e N. Göttert; redator Peter Meyrer.


Sétima Assembleia Geral - Estrela  - 1907

A sétima assembléia geral da Associação Riograndense de Agricultores teve lugar em Estrela nos dias 27, 28 e 29 de abril de 1907.

O entusiasmo verificado por ocasião da fundação da Associação manteve-se num crescendo contínuo durante os primeiros anos. Dois instrumentos parecem ter alimentado  o processo: as assembleias gerais anuais e o órgão de comunicação e divulgação, o “Bauernfreund”. As temáticas até aqui analisadas, demonstram, de maneira inequívoca, um espectro de interesses que abarca toda a problemática, todos os interesses e todas as preocupações que envolviam a vida e a atividade colonial. Com conhecimento de causa, com amplitude de visão e com espírito de cooperação indiscutível, foram identificados e analisados os problemas, propostas as novidades e recomendadas as soluções e as estratégias.

O relato sobre as seis primeiras assembleias gerais deixa entrever que a participação em todas elas foi, senão extraordinária, ao menos significativa e, o que é mais importante, representativa. É uma lástima que não foram registrados nem o número dos participantes, nem os locais de procedência dos participantes das primeiras assembleias. O relator da sétima assembleia geral registrou felizmente, como ocorrera na sexta assembleia, a lista completa das delegações presentes e associações distritais e municipais que representavam. Por oferecer uma prova da abrangência da Associação no meio colonial, e até fora dele, parece pertinente o registro completo dos delegados. Compareceram 24 delegados representando 45 seções  e mais de 1.700 associados:

                        Christian João Smidt                               Rio Pardinho
                        Jakob Schneider                         Serro Azul e Sítio
                        Ludwig Streicher                         Ijuí
                        João Schmidt                                         Arroio do Ouro
                        Jakob Theobald                                      Pareci Novo e São Salvador
                        Heinrich W. Schwingel                            Picada Luz e Picada Wink
                        Theodr Siegmann                                    Santa Rita
                        Jakob Sommer                                       Arroio do Meio
                        Karl Steibach                                         Azevedo Castro
                        Pe. Theodor Amstad                               Taquara, Santa Maria, Ilha,
                                                                                    Picada Hartz, Pinhal,
                                                                                    Travessão do Herval, São José
                                                                                    do Hortênsio, Vila Nova, Vigia
                        Martin Spies                                          Roca Sales
                        João Balensiefer Filho                             Linha Kochenborger
                        Oto Borgmann                                        Fazenda Pirajá, Linha
                                                                                    Cristina,  Nova Petrópolis,
                                                                                    Linha Imperial, Araripe
                        Mathias Fröhlich                         Tabakstal
                        Ernesto Zietlow                                       Vila Estrela
                        João Gross                                            Lajeado
                        Peter Meyrer                                         Ivoti, Picada 48, Bohnental,
                                                                                    Schneiderstal, Holanda,
                                                                                    Joaneta
                        Reinhold Kühleis                         Linha Schwerin
                        Karl Kern                                               Trombudo, Serra Alegre,
                                                                                    Santa Cruz, Boa Vista
                        Antônio Sturm                                        Roncador.
                                               

Participaram da assembleia como convidados especiais o presidente do Centro Econômico, Senhor Dr. Alvares Nunes Pereira e o intendente de Estrela, capitão Francisco Ferreira Brito.

Conferidas as credenciais, procedeu-se à eleição da mesa diretora dos trabalhos. Por aclamação foram investidos da tarefa: Ernesto Zietlow, como presidente; Jakob Schneider, o Pastor Gans e Matias Ruschel Sobr. como vice-presidentes; Christian Schmidt como secretário. Passou-se depois para a comissão de finanças, constituída pelos seguintes nomes: Pe. Theodor Amstad, Oto Borgmann e Heinrich W. Schwingel.

Houve também a nomeação da comissão de revisão composta pelos seguintes nomes: T. Siegmann, K. Kern e João Schmidt.

A abertura da primeira sessão plenária deu-se às 9 horas do dia 28 de abril. O presidente Ernst Zitlow deu início aos trabalhos, agradecendo a presença maciça dos delegados, dos associados e da população em geral. Dirigiu-se com especial simpatia aos representantes do centro Econômico, ao intendente municipal e aos representantes da imprensa. Em seguida, foi lido com grande interesse e satisfação o telegrama do presidente do Estado, contendo expressões de estímulo e de simpatia para com a Associação dos Agricultores.

O primeiro a pedir a palavra foi o Dr. Alvaro Nunes Pereira. Começou agradecendo o convite que lhe fora feito no sentido de participar da assembleia. Enfatizou ainda que o Centro Econômico e a Associação dos Agricultores perseguiam o mesmo objetivo, isto é, desenvolver a agricultura para o progresso  e o engrandecimento do País. Sugeriu uma colaboração ainda mais estreita entre as duas entidades. Por fim, mostrou como a legislação brasileira facilitava e incentivava o sindicalismo, sugerindo que a Associação dos Agricultores com suas seções, a exemplo do que já fizera o Centro Econômico, se organizasse num sindicato rural, filiando-se ao Centro Econômico.

Em seguida, o Pe. Amstad propôs e explicou detalhadamente um projeto muito bem pensado de crédito fundiário através de cooperativas. Tratava-se de um plano muito simples e de fácil execução. Em síntese, tratava-se do seguinte: Se todos os associados contribuíssem, ou melhor, depositassem anualmente  na caixa da cooperativa de crédito a quantia de quarenta mil réis, ao cabo de quinze anos, cada sócio teria garantida uma área de terra no valor de um conto de réis. Na hipótese, porém, em que o  associado quisesse ocupar imediatamente o lote, teria que desembolsar cinquenta mil réis de juros ao ano. Dessa forma, os menos afortunados chegariam facilmente à sua gleba de terra. A administração do programa ficaria com as caixas rurais.

O plano do Pe. Amstad colheu aplausos, em especial do Dr. Löw. Foi posta na mesa depois a questão onde procurar terras suficientes para atender aos pretendentes. As terras do governo localizavam-se muito distantes dos mercados consumidores. Nos municípios de Santo Antônio e de Camaquã, sobravam ainda terras públicas, de qualidade adequada para a agricultura diversificada. Entretanto o governo as havia entregue na forma de uma concessão, a um italiano para que as colonizasse. O Pe. Amstad acreditava que havia possibilidade de adquirir terras de particulares para mesma finalidade. No decorrer da discussão, ficou claro que não fora efetivado nenhum contrato entre o governo e o Sr. Morganti, relativo às terras em causa. O que efetivamente existia eram condições muito favoráveis obtidas pelo empresário, sob a condição de trazer italianos e instalar estações experimentais agrícolas. O Senhor Kern, de Santa Cruz, lembrou então que a Associação poderia oferecer milhares de lotes coloniais no rio Uruguai, pela metade do preço imaginado pelo Pe. Amstad, acrescendo a vantagem do fácil escoamento da produção por via fluvial.

Depois a tribuna foi ocupada pelo Sr. Paul Schönewald. Discorreu sobre a baixa qualidade dos nossos produtos agrícolas. De acordo com ele careciam do cacife mínimo para concorrer no mercado internacional. Impunha-se, portanto, um grande esforço no sentido de sanar esse estado de coisas. Os únicos produtos que se impunham de alguma forma eram couros, pelos, chifres, mel e erva-mate. As frutas, segundo ele, ofereciam um campo inteiramente inexplorado e muito promissor. Com um pouco de esforço, e principalmente com  esmero na qualidade, havia boas possibilidades para apresentar-se um mercado promissor para frutas na Europa. Para terras mais fracas como as existentes em Mostardas e São José do Norte, o conferencista sugeriu a  cultura da cebola em escala intensiva.

O seguinte ponto da ordem do dia versou sobre problemas relacionados com a questão fundiária. A questão apresentava várias facetas. Em primeiro lugar não se dispunha no País de um cadastro confiável de terras. O “Registro Torrens” preenchia até certo ponto essa lacuna. Forçoso era constatar que o governo, até aquele momento, não conseguira os resultados desejáveis, quer pela negligência das repartições públicas, quer pela carência de funcionários competentes. Em vista disso o Senhor Paeckel propôs que se enviasse um memorando  ao governo do Estado, no qual fossem solicitadas providências  no sentido de terminar com as situações prejudiciais à agricultura. Propunha-se a desapropriação dos grandes latifúndios passíveis de agricultura diversificada, seu parcelamento e sua entrega aos colonos. O Pe. Amstad contribuiu com a sugestão de o governo proceder a uma rigorosa investigação dos “títulos duvidosos”, para não mais acontecer que três ou quatro pessoas pagassem impostos sobre a mesma propriedade. Para solucionar os casos em litígio, o governo deveria estabelecer  um prazo limite para que alguém pudesse reclamar seus direitos.

Em seguida, falou o Dr. Löw sobre métodos para incrementar a agricultura e sobre meios de amenizar os efeitos da seca. Tocou em três questões de grande importância: as vantagens da adubação mineral; a natureza e formas de adubação verde; as culturas que se mostram mais resistentes à estiagem. Como variedades propícias para a adubação verde recomendou: feijão soja, feijão miúdo, grão de bico, ervilhaca, amendoim e outras. O trigo cafre e o painço seriam aconselhados devido à sua conhecida resistência à seca.

As considerações feitas até aqui tiveram sua complementação com as oportunas intervenções do Senhor Schönewald. Ele insistiu na importância que o nitrogênio tem sobre a qualidade dos solos e sua influência sobre a produção e a produtividade das plantas. Comparou os custos da adubação do solo com nitrogênio via adubação orgânica. A conclusão aconselhava a segunda, por resultar mais barata e, além disso, oferecer uma série de vantagens.

A opção pelo adubo orgânico não podia deixar de lado o cuidado pela escolha de plantas com enraizamento profundo, em períodos com probabilidade de estiagem. Aconselhava-se nesse caso o plantio de trevo e algumas outras variedades.

O Sr. Winge falou sobre as providências mais comuns disponíveis para  o colono, quando se trata de prevenir a estiagem. Defendeu, como primeiro ponto de vista, que o desmatamento não foi o responsável pela deterioração do clima. Argumentou que as condições em climas quentes são  muito diferentes daquelas verificadas em climas temperados. A melhor técnica para neutralizar em grande escala o efeito da seca consiste na opção por culturas de enraizamento profundo, combinadas com humus como forma de adubação. Caso fosse preciso manter o gado em boas condições durante uma estiagem mais ou menos prolongada, recomenda-se entre outras forrageiras, o capim Santa Catarina, o sorgo americano e o milho precoce. A plantação de árvores de sombra não deveria ser negligenciada. A amoreira branca oferece sombra e alimento. A mandioca é outra cultura que suporta bem  a seca. É preciso aumentar  a área plantada com cereais de inverno, capazes de substituir a farinha de milho no aso de colheitas fracas desse cereal no verão, causadas por  períodos de seca e outros fatores. Aconselha-se também que os potreiros sejam lavrados após o capim ter secado. Antes de plantar novamente grama, convém que essas áreas sejam utilizadas para outras culturas, durante pelo menos dois anos. Terras exaustas devem ser reflorestadas.

O Dr. Alvaro Nunes Pereira informou à assembleia sobre a compra, por parte do Centro Econômico, da fazenda Progresso. Pretendia-se instalar nela uma estação experimental de grande porte. Os préstimos da estação foram postos à disposição da Associação dos Agricultores.

Depois a palavra foi dada  ao Senhor João Gross  de Lajeado. O assunto por ele desenvolvido versou sobre a criação de gado, principalmente leiteiro. Com a finalidade de melhorar o nível de produção do leite, o palestrante colocou em discussão as seguintes providências: a melhoria qualitativa das pastagens e da alimentação do gado leiteiro em geral; a preocupação permanente e consciente com os animais jovens; o incentivo para a utilização de feiras que possam servir de ocasião para renovar o plantel dos criadores; incentivo para a implantação de tambos e de indústrias de laticínios coletivas.

A segunda parte da palestra versou sobre a criação de suínos. Também nessa atividade o conferencista  relacionou o êxito ou o fracasso com a introdução e a popularização de raças melhoradas  através de cruzamentos  seletivos.

O tema seguinte ocupou-se com as pragas na agricultura. Proferiu a palestra o Senhor Streicher de Ijuí. O inimigo número um do agricultor, afirmou, é a formiga. O combate a elas resulta muito dispendioso devido ao alto custo dos equipamentos e dos venenos convencionais. Depois, utilizando um desenho, explicou um aparelho muito simples e muito barato, destinado ao combate às formigas, fabricado em Ijuí. Provou ser muito prático e seu custo bem acessível.

O último debate do dia 28 de abril versou sobre a pomicultura, viticultura, cultivo de oleaginosas e culturas fornecedoras de fibras. A exposição ficou a cargo do Senhor Winge. Entre as culturas em pauta, segundo o orador, a mais importante era, sem dúvida, a viticultura. Em extensas regiões do Rio Grande do Sul, o clima e os solos garantiam o êxito em iniciativas deste tipo. A importação de vinhos poderia ser reduzida drasticamente, poupando-se dessa forma preciosas divisas para o Estado. O palestrante passou depois  a detalhar os requisitos necessários para que o cultivo da uva se transformasse  em atividade compensadora. São eles: a escolha do solos adequados; as características de umidade; o cuidado com a orientação do  parreiral em relação ao sol; a estrutura, a composição e o PH ideal para as cepas e a qualidade da uva; a maneira correta da poda. No que dizia respeito à poda o Senhor Winge iria dar “in loco”demonstrações práticas pelas colônias.

Recomendou, ainda, com insistência a adoção da pomicultura em larga escala. Essa atividade tinha  condições para  atrair para o Estado divisas consideráveis. O principal desafio a ser vencido pelos produtores de frutas, era a exigência de técnicas mais apuradas, sem as quais a pomicultura não tinha condições de prosperar.

Entre as oleaginosas a preferência deveria ser pela implantação de olivais. No Estado existiam, conforme o conferencista, extensas áreas com clima favorável e solos próprios para essa cultura.

Para culturas fornecedoras de fibras foram recomendados o algodão, o linho e o cânhamo. O linho, além de produzir fibras muito apreciadas, forneceria também a semente e o óleo, universalmente empregado na indústria.

No final das discusses, o Senhor Schönwald contribuiu com algumas sugestões: que na pomicultura se desse  prioridade a variedades e espécies menos perecíveis e, por isso mesmo, mais próprias para a exportação; que o algodão merecesse preferência  entre as cultuas fornecedoras de fibras, com preferência por variedades de pequeno porte, para facilitar a participação das crianças na colheita; que na viticultura se preferissem as variedades americanas.

A primeira parte da manhã do dia 29 de abril foi reservada para a reunião dos delegados. O Senhor Kühleis leu para os presentes o relatório da diretoria central. O relatório fez referência aos sete anos de atividade da Associação dos Agricultores, os resultados obtidos as dificuldades enfrentadas, os desafios vencidos.

Em seguida, foi abordado um problema todo especial. Já havia mais tempo, espalhara-se  o rumor que a Associação dos Agricultores estava sendo desviada  da sua finalidade original, perseguindo objetivos diferentes e até divergentes dos interesses dos agricultores. De forma velada e aberta, insinuava-se  cada vez com maior insistência que a Associação estava a caminho de transformar-se numa organização de perfil jesuítico-clerical. Com a finalidade de por fim a esses rumores e encerrar definitivamente esse tipo de boatos, os delegados fizeram questão de deixar consignada a seguinte declaração:

“A Associação dos Agricultores é integrada por agricultores, que se propuseram promover o bem-estar dos agricultores, sem perseguir de forma egoísta, objetivos estranhos aos propostos.”

Um segundo episódio a perturbar a vida da Associação aconteceu entre a Caixa Rural de Nova Petrópolis e a direção central. Associação fora obrigada a recorrer  a empréstimos para arcar com as despesas da colonização. Quem forneceu os recursos foi a caixa rural de Nova Petrópolis. Ocorrera, entretanto uma demora na expedição dos títulos de posse da terra. O fato foi interpretado como manipulação intencional da parte da  direção central. Seguiu um protesto da dívida em condições muito duras. O pagamento foi providenciado imediatamente. A liquidação do débito foi possível porque a Caixa Rural de Santa Cruz emprestou a quantia necessária, depois de munir-se de todas as garantias.

A análise do balanço da Associação demonstrou que, embora tivesse ocorrido um decréscimo nas reservas, a situação achava-se sob perfeito controle e podia-se afirmar que as condições eram normais.

Houve, no decorrer do ano findo, uma intensa  atividade desenvolvida pela diretoria central. Ocorreram vinte e seis reuniões. Nelas, a maior preocupação foi a questão da colonização, a abertura de estradas, entre outras.

Com a finalidade de cuidar dos interesses da Associação em Porto Alegre, principalmente no que se relacionava com os bancos, com instituições financeiras, com questões jurídicas, ..., a diretoria constituíra um grupo de trabalho composto por homens de absoluta confiança. Integravam a comissão os Senhores Englert, Arno Philipp, Germano Petersen e Martins da Costa. Um segundo grupo de pessoas, entre elas  os Senhores Ahrens, Culmey, Daniel Jung e Hugo Metzler, contribuíram enormemente com a divulgação dos interesses da Associação, através de uma série de jornais e publicações de natureza variada.

A última questão a ser debatida pelos delegados foi relativa ao problema da colonização da região de Serro Azul. Com a finalidade de enfrentar as dificuldades surgidas com a colonização, a diretoria central recebera, na assembléia do ano anterior, a incumbência de resolvê-las e os poderes especiais para tanto. Entre elas constava a autorização de negociar o auxílio do governo estadual de encaminhar empréstimos bancários, de construir uma sede para a administração da colônia. Aos delegados reunidos foi exibida uma certidão da Tesouraria do Estado, comprovando a quitação dos débitos para com o governo, por parte da Companhia da Estrada de Ferro Noroeste, através do seu procurador, o Dr. Horst Hoffmann.

Como complemento à questão da colonização, analisou-se a situação financeira de empreendimento. O ano tinha sido muito difícil, mas a situação tendia a estabilizar-se em questão de pouco tempo.

Às quatorze horas do dia vinte de abril, o  presidente da assembléia geral abriu mais uma sessão de trabalho com a participação franqueada a todos os presentes. Ele próprio tomou a palavra e discorreu sobre a erva-mate. Segundo ele, essa cultura interessava de modo especial à região de Estrela, devido às condições de solo favoráveis. Comunicou à assembleia a utilização de instalações próprias para produzir a erva do tipo Barbacuá, de melhor qualidade e, por isso mesmo, melhor cotada no mercado. O Senhor Schönwald entrou na discussão e contribuiu com informes muito úteis a respeito da colheita da erva-mate. Segundo ele, era preferível colher a cada ano um terço ou um quarto dos ramos, em vez de realizar uma poda completa de três ou quatro anos.

Insistiu-se junto à Associação que, na cultura da erva-mate, os colonos incentivassem cada vez mais o sistema cooperativo.

Para proferir a segunda palestra da tarde, foi convidado o Dr. Schlatter. Analisou com competência e muito calor humano a séria questão da carência de parteiras em número desejável e principalmente portadoras de uma formação adequada. A figura da parteira foi considerada essencial no meio colonial por uma razão muito simples: o número reduzido de médicos disponíveis. A atualidade e mais ainda a importância da questão fez com que o Senhor Kühleis e o Pe. Amstad, o Pastor Gans, o Pe. Gasper e o Ssenhor Hugo Metzler, participassem com entusiasmo do debate. Eram de opinião que deveria ser feita, com urgência, alguma coisa de mais sério e mais duradouro.

Às vinte horas do dia vinte e nove de abril, os delegados reuniram-se para uma nova rodada de discussões. Três foram os assuntos tratados. O primeiro ocupou-se com o órgão oficial da Associação, o “Bauernfreund”,. Seu diretor, o Senhor P. Meyrer, repetiu as velhas queixas de sempre, falando do pouco interesse e do pouco comprometimento dos associados com o periódico. Demonstrou depois que a situação financeira do “Bauernfreund” encontrava-se estável, apresentando até um pequeno superávit.

Como segundo ponto, seguiu-se um relatório sobre  vários aspectos da colonização de Serro Azul, ressaltando-se a colaboração dos colonos na construção de estradas, a construção de capelas católicas e protestantes, a organização do ensino mediante escolas públicas e particulares, o surgimento  de casas de comércio, a possibilidade de pôr em operação um vapor, a presença de todos os tipos de artesão, menos  funileiro, o bom nível de atendimento à saúde.

Seguiu-se a análise criteriosa das contas apresentadas pela diretoria central.

Entre as muitas sugestões, a proposta feita pelo Senhor Winge, de transformar as seções da Associação em sindicatos e a Associação como um todo num grande sindicato central, foi a que mais atenção mereceu. Para que fosse possível um julgamento mais objetivo e com maior conhecimento de causa de um assunto de tamanha relevância, foi criada uma comissão integrada pelos Senhores. Zietlow, J. Wagner e o Pe. Gasper.

A reunião foi encerrada às onze horas e vinte minutos da noite.

No dia trinta de abril, foram formuladas as resoluções que haviam resultado da reunião dos delegados.

A reunião dos delegados da VII Assembleia geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul insiste na urgência de atrair os agricultores em geral para um esforço comum. Para tanto, conclama as associações distritais, no sentido de lançar uma ampla campanha de esclarecimento, e despertar  o interesse cada vez maior e mais consciente sobre a natureza e a maneira de proceder da Associação.

Nomear-se-á uma comissão encarregada de realizar um estudo com a finalidade de esclarecer a questão das eventuais vantagens para a Associação dos Agricultores, em termos legais, filiar-se aos sindicatos rurais.

Com a finalidade de promover o espírito de poupança entre os associados, e com o intuito de facilitar a aquisição de terras, será estimulada a formação de cooperativas com  o objetivo específico de adquirir propriedades rurais.  Atuando em combinação com os empreendimentos colonizadores, facilita-se, assim o acesso aos lotes coloniais mediante contribuições mensais e por sorteio, realizado num período de tempo pré-determinado.

Fiel ao princípio de produzir aqui mesmo os artigos importados  e ampliar a lista dos produtos exportáveis, alerta-se os associados sobre a grande produtividade e o retorno certo da cultura de uvas e árvores frutíferas. É preciso dar maior atenção do que até agora se deu ao reflorestamento. Aconselha-se, para tanto, o plantio do cinamomo, do louro, do carvalho e de outras espécies, de acordo com as características locais.

Chama-se a atenção dos associados para os deveres para com a Associação, aperfeiçoando a produção agrícola, adquirindo publicações sobre a agricultura  e adotando ferramentas e implementos sempre mais eficientes.

Reconhecendo os resultados obtidos em distritos isolados, a reunião dos delegados recomenda uma atenção cada vez maior para com a atividade leiteira. Resultados melhores nessas atividades tornam-se possíveis, incentivando o aprimoramento das raças. Dessa foram garante-se um retorno  seguro para os criadores individuais, e poupa-se ao País a evasão de grandes somas em divisas.

Considerando as grandes diferenças oriundas da precária assistência aos partos, solicita-se à Associação dos Agricultores, como um  todo, a criação de um fundo destinado à formação e  treinamento de parteiras. [1]



[1] DER BAUERNFREUND. op. cit. nr. 6. 1907. p. 4.