Deitando Raízes #5

Introdução

Desde a minha juventude fui  amigo entusiasta da História Universal. Como rapaz lia com verdadeira sofreguidão as velhas legendas dos santos com suas xilogravuras e constato que devo boa parte do meu conhecimento histórico a essas leituras precoces. Mais tarde no ginásio foram os livros de história osmeus companheiros prediletos. Movido por uma autêntica ânsia e empolgação pelo saber mergulhava, não por horas, mas por dias e semanas, naqueles textos. Para mim era um prazer enlevar-me e alegrar-me com as grandes figuras do passado, que me cativavam com um secreto encantamento. Respirava, sentia e me maravilhava naquele mundo do passado, ao ponto de um amigo de juventude  observar: "Tu vives no passado, assim como eu vivo no futuro."
Para maior segurança  o presente documento e o “de acordo” foi assinado pelos dois presidentes da igreja Georg Eckert e Johann Mathias Dillenburg, elaborado de comum acordo com a comunidade e assinado por todos os participantes da Picada Bom Jardim e 48 Colônias
O prazer que experimentei com meus estudos históricos é inesquecível. A par do entusiasmo de tudo que é grande e belo senti, desde muito cedo, o pesar pelo transitório de tudo o que é terreno e despertou o meu ser para o eterno. Quando, mais tarde, o caminho da minha vida foi direcionado para o Brasil, o anseio pela pesquisa histórica encontrou pouco alimento. O mundo que se revelava para mim era totalmente diferente, um mundo, por assim dizer, sem um passado perpetuado por monumentos. Enquanto na Europa cada montanha, cada rio, ou cada lago e cada cidade, tem a oferecer uma história de várias centenas de anos, no Brasil, na maioria dos casos, nem as grandes cidades têm a oferecer uma memória histórica. É um mundo novo no sentido mais pleno do termo. Nele tudo é  natureza jovem e intocada. Contudo, mesmo aqui, oferece-se num determinado grau a possibilidade de satisfazer a minha tendência para a história. Sem dúvida é de outra natureza e não tão espetacular e tão pródiga como no velho mundo. Na Alemanha a pesquisa histórica abre, a partir de um presente acanhado e prosaico, as portas para um passado cheio de brilho e poesia. No Brasil, ao contrário, ela nos leva , a partir de uma evolução recente e de um bem estar satisfatório, para o começo na mata virgem, por assim dizer, ao berço da nossa maneira de ser de hoje. Uma reflexão desta natureza  também tem o seu valor e é de grande utilidade, como ficará claro nas páginas seguintes da nossa crônica. Bom Jardim é o cenário das nossas observações. Escolhemos esta localidade, uma vez que nos interessava trabalhar com  um pano de fundo multicolorido, para apresentar a história de vida de um homem que se fez benemérito de toda a colônia alemã, o professor Mathias Schütz. A intenção original foi publicar este pequeno trabalho como obra comemorativa do jubileu de 50 anos do seu magistério, porém, a morte tirou o jubilar do nosso meio, só lhe resta o sentido de guardar viva e perpetuar a sua memória, assim como salvar  do esquecimento as memórias daquele tempo. São cada vez em número menor as testemunhas deste começo de história. Sem serem percebidos baixaram, um a um, à sepultura. Para que isto não aconteça com Bom Jardim, o que seria uma grande perda para o futuro, pedimos aos anciãos veteranos desta  paróquia que nos contassem com detalhes como foram as circunstâncias no passado. Reunimos e ordenamos os resultados e os oferecemos aos nossos compatriotas alemães no Brasil, para o eu entretenimento e ensinamento. Talvez sirva também de estímulo para que se escreva  história de outras picadas e desta maneira formar um retrato global da vida (02) da população alemã no Rio Grande do Sul.
 Como o tempo não permitiu que o livro fosse concluído para o dia 3 d janeiro de 1897, data da comemoração, decidimos que o “bebê” viessea luz  numa série no "Deutsches Volksblatt". Esta decisão tem a vantagem  de que a história da paróquia se torna conhecida por círculos mais amplos e preparar o clima para a data comemorativa. Além disto essa forma de publicação oferece uma excelente ocasião para enriquecer o conteúdo da obra e desta maneira fazer justiça aos acontecimentos  e às pessoas não contempladas em nossa crônica, embora façam jus para tanto. Mais tarde essas folhas poderiam se reunidas na forma de um livro, ampliadas, implementadas com cópias das fotos dos  personagens, elaboradas artisticamente e publicadas no formato de uma "Crônica  de Família."


Primeira parte
O desenvolvimento físico de bom Jardim
Capítulo primeiro
A fundação da colônia
O nosso velho e confiável  informante que, ignorando seus 84 anos, nos acompanhará em nossa jornada, nasceu  no ano de 1915 em Damscheid na Oder Wesel, província do Reno. Contava 10 anos quando seus pais deixaram a aldeia natal e, partindo do porto de Bremen, empreenderam a viagem para além do oceano. Das 14 semanas que durou a viagem nosso informante não se lembra quase nada. Apenas impressões muito genéricas, como o muito povo  no porto e a muita água, ficaram na sua memória. Somente  imagens esparsas de parentes e conhecidos, faziam parte de suas recordações. E, contudo, quantas cenas comoventes  devem ter marcado a despedida e a longa viagem. Que apertos no coração de muitos quando o navio se pôs em movimento, cortando para sempre o caminho do retorno para a terra, onde não poucos deixaram irmão e irmã, pai e  mãe. Quantas vezes não terão chorado em silêncio durante a solitária viagem pelo oceano, chegando a se arrepender da decisão de emigrar para o novo mundo. As famílias devem ter-se reunido especialmente à noite para, no aconchego falar sobre a velha terra natal. Com certeza as crianças menores ouviam com admiração os pais, os jovens tomados pela empolgação da juventude, sonhavam com grandes planos e as moças crescidas olhavam com apreensão para o futuro. Durante as intermináveis horas dos domingos subiam até Deus as melodias dos cânticos da missa alemã, em meio à solidão do oceano. Eram aqueles cantos que haviam cultivado fielmente na igreja com as ondas do mar fazendo o acompanhamento. Bem-aventurados eles que depositavam a confiança no Senhor.  Fiel Ele vigiava sobre os seus enquanto lhes preparava um futuro feliz que, obviamente, deveria ser conquistado com trabalho duro.
No Rio Grande encontraram o navio que trouxera outros compatriotas para o Sul do Brasil. Eram aqueles que partiram do Rio de Janeiro antes de nós, mas foram retidos em Rio Grande. Por ocasião de uma tempestade tinham feito  o juramento de festejar no futuro o afortunado dia da chegada. E o dia foi o de São Miguel que daria o nome à futura paróquia da Picada Baum, ou dos Dois Irmãos e viria a ser o seu patrono. Como se sabe a comemoração motivou um desentendimento quando as autoridades eclesiásticas, as únicas que têm autoridade para decidir sobre feriados, transferiram a festa para o domingo. Paroquianos bem intencionados mas sem conhecimento de assuntos teológicos, deixaram-se levar a manifestações  e ações deploráveis. Ainda hoje há algumas pessoas que se julgam no direito de venerar São Miguel, enquanto se rebelam contra aquele a quem o Senhor entregou as chaves do céu.
No navio viajavam alguns cabeça-dura e, como o capitão também não era dos melhores, a situação desandou em desavenças e por fim em tumulto.
Continuamos a nossa viagem até Porto Alegre, subimos o rio dos Sinos e, finalmente, acampamos no Carioca. Na época não se  percebia nada de São Leopoldo além de uma pequena cabana nos arredores do atual Orpheu, pertencente a um oleiro de nome Stoll. Também Novo Hamburgo jazia no seio da terra e ninguém na época pensava sequer na possibilidade de um trem. A única localidade habitada nas redondezas era a Feitoria Velha, na estrada entre São Leopoldo e Lomba Grande. Nela morava o inspetor Lima, diretor da Colônia. Em sua pessoa concentravam-se todas as atribuições relacionadas com os imigrantes. Competia-lhe dar ou sortear os lotes coloniais. No começo era o responsável pela distribuição de ferramentas e instrumentos de trabalho: serras, machados, enxadas e sementes. Além disto acumulava as funções de delegado de polícia e juiz. Na época todos os procedimentos eram muito rápidos e, sobretudo, baratos. Não havia necessidade de advogados e escrivões. Nem cadeia havia. Em vez da prisão usava-se uma trave de madeira comprida e pesada. Nela os perturbadores da ordem e os arruaceiros eram facilmente levados a se acalmarem. Tratando-se de pequenos delitos só os pés ficavam presos na trave. Quando maiores o pescoço do malfeitor era forçado a suportar uma gravata dura. Junto ao inspetor um policial ajudante cheio de pose exercia sua função. Seu nome era Loeb, um homem de estatura pequena. Mais tarde foi agraciado com a colônia que hoje pertence a Jakob Schneck. Não era um tirano, mas em tudo sabia o que era ordem e não brincava em serviço.
Aqui ficamos acampados esperamos ansiosamente pelo dia em que nos fosse indicada a nova querência. Finalmente chegou o dia esperado. Atravessamos o rio no Passo junto à futura São Leopoldo e, a pé, pelo campo fomos levados  até o pé do morro do Lehm. Lá situavam-se as 26 colônias cobertas de mata fechada que nos foram destinadas.
O campo de hoje já existia e estendia-se até o Portão, com uma diferença. O capim aveia cobria-o até perder de vista e nele pastavam numerosas manadas de gado, vacas, bois e cavalos. E que animais! Visivelmente gordos, robustos e belos, como hoje só aqui e acolá se encontram. O gado pertencia a duas estâncias imperiais. Uma delas situava-se no arroio Wainz (onde hoje mora Jakob Kroeff) e a outra no local onde mora  Lourenço Torres. Algumas famílias já se haviam fixado aí. Eram Mecklenburguenses, entre os quais um certo Berghan,  que mais tarde deu o nome a toda a picada. Além deles havia ainda um certo Weinmann e um outro de nome Pettzinger. Sob muitos aspectos os Mecklenburguenses  encontravam-se em melhor situação do que nós. Tinham recebido do governo panelas e espingardas  e cada família duas vacas e um touro além de dois cavalos e um garanhão. Dessas benesses não usufruímos mais. A liberalidade do governo caíra por alguns pontos e, por isso, nos restou seguir o princípio: "Cada qual cuide  de si!" Armamos provisoriamente o nossos acampamento na beira do campo, ao pé do morro do Lekur .
Na época não havia nem vestígio  dos móveis caros de hoje. No assoalho, que consistia em terra socada,  cepos fixados no chão e sobre eles a mesa. Em vez da cozinha havia perto da casa apenas uma cova no chão com o fogo e algumas forquilhas de madeira, sobre elas uma vara transversal e nela penduradas as panelas. Na época dispensavam-se os armários de cozinha, pois não havia louça para guardar.
Os demais utensílios domésticos somavam apenas alguns  trazidos da terra natal, cujo valor consistia mais nas recordações que evocavam do que no seu valor material. Tudo que havia de livros na casa resumia-se  em algum livro de reza, na maioria dos casos rasgado e faltando folhas. Abrindo-se esses livros podia-se ler neles a comovente  despedida de um amigo querido ou de um zeloso pároco que oferecia este anjo da guarda como o melhor dos acompanhantes  para a viagem. Observemos agora como a família se reunia de manhã cedo em volta da mesa, para a oração da manhã e o desjejum. Não havia tigelas nem chaleira para o café e o leite, que hoje nos acenam convidativos sobre a mesa da colônia. Menos ainda se podia esperar  manteiga e doce, nem pão perfumado e crocante, que mesmo dentes envelhecidos estavam em condições de moer com facilidade. No lugar das maravilhas de hoje o hóspede se deparava com a panela com o mingau de abóbora e farinha grossa de milho, durante muito tempo os inseparáveis companheiros de mesa. Mesmo que a refeição não tivesse uma aparência tão apetitosa, avançava-se com não menos entusiasmo e todos exibiam boas energias como o exigiam as tarefas do dia. Depois do quebra-jejum esperava a jornada diária, em grandes linhas semelhante a de hoje, mas distinta pelo fato de os conhecimentos precários de como executá-la, a tornarem infinitamente mais  penosa. O braço do colono substituía a força do boi e do cavalo, que só mais tarde, e em melhores condições, vieram em seu auxílio.
Vamos dar uma olhada para o acampamento. As famílias viviam na santa paz, cada qual numa pequena cabana. Percebiam-se poucos utensílios de cozinha perto do fogo em frente à cabana. Levávamos uma vida semelhante aos ciganos, o que podia ser constatado de modo especial nas crianças. Haviam-se livrado de todas as peças de roupa de alguma maneira dispensáveis e se desenvolviam maravilhosamente no clima quente. Só aos domingos notava-se alguma movimentação em nosso acampamento, na medida em que nos sábados à noite os homens voltavam do trabalho. Nos domingos marchávamos numa longa procissão até o Portão, a fim de buscar laranjas para toda a semana. Na segunda feira cada qual providenciava por mantimentos para a semana consistindo, na maioria dos casos, em abóboras compradas na Estância. E depois para onde? Obviamente para a colônia que fora  destinada para cada um. Uns eram obrigados a percorrer uma distância menor, outros maior. E que estradas! Estreitas demais para permitirem a passagem de carroças. Não passavam de trilhas no mato subindo a encosta íngreme do Lehmberg, partindo da casa do Bauermann. Antes de nós colonos somente a comissão de demarcação havia avançado até o fundo da picada. Chegado à sua colônia na segunda feira cada qual iniciava o trabalho com novo ardor. Antes de mais nada importava providenciar pela moradia  da família. Não passava de uma espécie de "blockhaus", já que naquelas circunstâncias nem se pensava em tábuas. Enfrentavam-se os gigantes da floresta com fogo, machado e serra. Sem tardar alguns estavam no chão e não demorava e aprontava-se, da melhor forma possível, uma espécie de tabuinha. Levantava-se o "blockhaus" trançando taquarinhas do mato, leques de coqueiro e pendões de milho, fixados nos caibros. As instalações internas eram evidentemente muito pobres. À sua vista as lágrimas rolavam pelas faces de não poucos colonos. A maioria, com certeza, teria voltado com muito gosto para casa. Mas, com a absoluta falta de dinheiro, como pensar na possibilidade de voltar. O jeito foi transformar a necessidade em virtude e pouco a pouco se acostumar-se com a nova situação. Pronta a casa buscava-se a família no acampamento e acmodá-la na nova moradia. Enfim no abrigo de uma moradia própria a sensação de intimidade e aconchego ia tomando conta das pessoas. Evidentemente as circunstâncias externas ainda não chegavam a inspirar segurança. De quando em vez os animais do mato aproximavam-se das cabanas. Em momentos de distração os tigres espiavam para dentro e, às vezes, carregavam também uma criança. Pelas frestas da parede e do assoalho da largura de um dedo, penetravam os insetos, aranhas e outros bichinhos, obrigando a uma guerra sem trégua. Ao mesmo tempo em que a casa era construída cultivava-se um pedaço de terra. As plantas medravam magnificamente. No início cultivava-se feijão de cor, aipim e as indefectíveis abóboras. Desde cedo cuidou-se da plantação de laranjeiras. Embora a vida fosse  amarga e trabalhosa, pelo menos não se passava fome. Havia alimentos em abundância embora sua aparência deixasse a desejar. Raras vezes enxergava-se carne ou pão. As abóboras forneciam o ingrediente principal das refeições. Eram servidas na forma de mingau na mesa de manhã e reapareciam da mesma forma no almoço e na janta.
Só com grande esforço conseguia-se farinha no Portão. O milho, pelo contrário, era fácil de obter. Com muito trabalho era esmiuçado num moinho manual, reduzido a uma espécie de farinha grossa e fervido. Com sal, que muitas vezes faltava, o gosto não era nada ruim. Felizmente ninguém de nós era exigente. Alimentávamos a convicção de que, apesar de tudo, com o andar do tempo, chegaríamos a alguma coisa. Ao menos não éramos obrigados a trabalhar em primeiro lugar para os outros. Tínhamos boas razões para cultivar a esperança de que o suor não corria em vão e os frutos que colheríamos seriam nossos. Uma outra circunstância que aos poucos nos reconciliaria com o Brasil foi o relativo clima de segurança em que vivíamos. Tínhamos escutado muitas histórias assustadoras sobre bugres selvagens; como assaltavam e saqueavam casas; como assassinavam os homens e como arrastavam as mulheres e crianças para o mato. Graças a Deus fomos poupados de todos esses perigos. Em nossa picada nem nos primeiros tempos registraram-se  encontros com esses bandos de selvagens, excetuando um único ataque. Em duas ocasiões  foram encontrados por acaso no  mato locais de fogo recente e lugares de acampamento dos bugres,  mas não chegamos a ver nenhum deles. Foi pelo menos assim que o velho Mathias Jung da Picada Café nos contou. No Rosental (na estrada de São José até o Jakobstal) de fato foram registrados ataques, assim como em Dois Irmãos, quando um certo Altenhofen foi morto. Parece que os selvagens evitavam os imigrantes e no começo estes não manifestavam muita curiosidade em seguir as pegadas dos nativos no mato. Curiosidade não deixa de ser algo bonito. Acontece que é preciso dispor de meios e de tempo pra satisfazê-la. Antes de mais nada  a busca da verdade precisa estar livre de perigos. Os colonos se contentavam em enxergar nos índios homens iguais a eles e criaturas de Deus que, por obra do destino, haviam baixado até aquele nível cultural. Não era de grande interesse dos colonos saber o caminho que os trouxe até esta parte do mundo e a que família humana pertenciam. Os entendidos que brigassem a respeito e que cada qual defendesse da melhor forma possível o seu ponto de vista. Para esses pioneiros na mata virgem, batalhando para satisfazer  as necessidades da vida, o fato de alguns os considerarem como originários da raça  malaia, outros como descendentes dos Fenícios, outros ainda como fruto de uma mistura entre os nativos da terra e de tribos imigradas do oeste, não passava de uma preocupação de segunda ordem. Para eles importava levar uma existência pacífica, protegida dos assaltos dos selvagens. Por essa razão os colonos costumavam construir suas moradias próximas umas das outras, em vez de dispersá-las  pelo mato, para, na eventualidade de um ataque, estarem em condições de se ajudarem mutuamente, com maior  presteza e maior possibilidade de êxito.







Deitando Raízes #4

Depois de termos examinado a Crônica como um documento importante para demonstrar que os imigrantes alemães, desde muito cedo, começaram a jornada de inserção no contexto geográfico e sócio cultural da nova querência, chamamos a atenção a uma série de outras informações preciosas nela contidas.
Além de oferecer de dados importantes que apontam para uma inserção precoce do imigrante alemão no entorno que encontrou no Sul do Brasil, constitui-se numa fonte não menos valiosa para outros aspectos importantes. Um deles é especialmente significativo. O Pe. Schlitz, seu autor, soma-se a outros jesuítas que vieram da Alemanha para dar assistência pastoral aos imigrantes alemães. Acontece que a atuação desses religiosos inseriu-se no contexto do Projeto da Restauração Católica, então patrocinado pela Igreja. Dessa forma eles atuaram como agentes de vanguarda no Brasil  desse Projeto universal da Igreja. É do conhecimento geral de que a Restauração Católica significou essencialmente um retorno à doutrina e à disciplina do Concílio de Trento. Tomando esse fato como ponto de partida entende-se o estilo pastoral revelado nas páginas da Crônica e, ao mesmo tempo, o seu choque com o catolicismo luso-brasileiro e a metade protestante dos imigrantes alemães de Bom Jardim. É historicamente conhecida a situação doutrinária e disciplinar do catolicismo luso-brasileiro. As circunstâncias históricas e o entorno social, político e econômico, imprimiram-lhe um perfil próprio. O regime de padroado vigente durante o Império, fez  com que as fronteiras entre o Estado e a Igreja, não fossem claramente identificáveis. O catolicismo era a religião oficial do Estado e o Imperador também chefe da Igreja. A criação de dioceses, paróquias e capelanias, exigia a chancela das autoridades civis. A nomeação dos bispos, párocos e capelães e demais postos da hierarquia, dependiam da aprovação das autoridades do Estado. A união entre a Igreja e o Estado, sendo  a religião católica a oficial, fez com que as demais fossem apenas toleradas e determinados atos seus considerados à margem da lei. Aos protestantes vedava-se, por ex., o sepultamento em cemitérios públicos, os prédios em que oficiavam seus cultos eram proibidos de ostentar sinais externos de templo e seus matrimônios considerados  ilegítimos ou concubinato. Sob muitos aspectos essa realidade condenou os imigrantes protestantes à marginalização. Com o correr dos anos alguns arranjos e algumas brechas na legislação fizeram com que as décadas finais do Império, fossem menos desconfortáveis para os protestantes. Em poucas palavras, os católicos encontraram uma Igreja submissa e dependente dos caprichos dos governantes e administradores civis. A doutrina, a fé e os bons costumes pouco ou nada contavam ou decidiam. O Imperador era, de fato, a autoridade maior, enquanto Roma contentava-se com a  ratificação os atos dos detentores do poder, tanto civil quanto eclesiástico.
Para os imigrantes vindos da Europa do Norte e Central o tipo de clero que respondia pela cura das almas deve ter no mínimo causado surpresa. A disciplina clerical não era seu forte. Um grande número de sacerdotes era filiado à maçonaria. Outros tantos entregavam-se a atividades políticas, outros eram fazendeiros ou dedicavam-se  qualquer outra ocupação, menos a efetiva cura de almas. No seu quotidiano como párocos os sacerdotes dependiam da vontade dos políticos, dos detentores  do poder econômico, que ditavam e impunham as normas nas freguesias, nas capelanias e nas confrarias.
Os milhares de quilômetros que separavam os sacerdotes  nas suas estações pastorais  da sede episcopal, até a década de 1850, no Rio de Janeiro, impediam o bispo de exercer um  mínimo  de vigilância e dar conforto. O clero estava entregue a si mesmo. E não é de admirar que se deixasse influenciar e, na maioria dos casos, fosse vítima do clima profano em que vivia. A atividade pastoral limitava-se ao cumprimento da rotina burocrática de batizar, legitimar os matrimônios e encomendar os defuntos, rezar missas e presidir as cerimônias e festividades religiosas.  Mesmo nessas funções via-se coagido a observar os costumes e rituais impostos pelas lideranças leigas da freguesia que, na maioria dos casos, pouco ou nada tinham a ver com autêntico catolicismo.
Nessas circunstâncias de abandono e, ao mesmo tempo, tutela tirânica do Estado e do espírito mundano laico, entende-se que a disciplina  clerical sofresse sérios arranhões. A participação de sacerdotes nos acontecimentos profanos e da vida mundana e a não observância do celibato, tornaram quase regra. O sacerdote vivendo com uma companheira e com filhos já não causava surpresa. A situação  não era só tolerada como aprovada e aceita pelos fiéis. O clero costumava envolver-se em negócios profanos, amealhando em muitos casos fortunas apreciáveis e exercendo grande influência política.
 Nessas circunstâncias a Igreja como instituição desempenhava o papel todo peculiar. Quem de fato mandava na freguesia eram as lideranças locais, os chefes políticos, os donos do poder econômico, os comandantes das guarnições militares, os provedores das irmandades, etc. As práticas do culto, as cerimônias e os rituais, atendiam, antes de mais nada, aos caprichos dos e não às exigências do culto divino. Sacerdotes pouco ou nada recomendáveis pela conduta pessoal, celebravam a missa e administravam os sacramentos, conforme as normas ditadas pelos mandatários de plantão. Em sua prédicas nas missas e falas por ocasião de batizados, matrimônios e encomendações discorriam sobre o que agradava aos presentes. Não havia espaço para uma verdadeira vida sacramental. Predominavam festas e procissões ruidosas, nas quais o profano costumava mascarar o religioso.
Em resumo. Os imigrantes encontraram uma Igreja que exibia os defeitos e sofria dos vícios e distorções que o regime do padroado terminou por imprimir. A seu serviço encontrava-se um clero, distante e alheio aos  princípios doutrinários e preceitos disciplinares, ditados por Roma. Encontraram uma Igreja sufocada por uma mentalidade que se esgotava em rituais e manifestações mais profanas do que religiosas. Encontraram  uma Igreja carente da verdadeira piedade, carente de fé, carente de vida sacramental.  (Cf. Rambo A. B. A Igreja dos Imigrantes. in 500 anos do Brasil e a Irgeja na América Meridional, org. Martin N. Dreher, Ed. EST, 2002, p. 58-59)
Pelo que se pode deduzir a esse respeito da Crônica, o catolicismo luso-brasileiro não conseguiu firmar pé na região de Bom Jardim em particular e na região colonial como um todo. Embora se encontrasse nas duas primeiras décadas sob a jurisdição da freguesia de São Leopoldo, os contatos com a sede paroquial eram poucos e os estritamente indispensáveis. Para tanto contribuíram de modo especial três fatores: a língua, a distância e os cultos organizados pelos próprios colonos em suas comunidades. O pároco de São Leopoldo não entendendo o alemão, limitava-se nas suas visitas esporádicas a rezar missa, batizar e regularizar os matrimônios. Não fazia sentido pregar, ministrar catequese ou ouvir confissões. Só na fase preparatória da instalação da paróquia os colonos tiveram ocasião de experimentar, muito de passagem, o que era o clero que representava o espírito luso-brasileiro. A partir de 1849 a comunidade de Bom Jardim contou com visitas intermitentes do Pe. Lipinski de Dois Irmãos ou do Pe. Sedlac de São José do Hortêncio. Em 1859 o bispo nomeou um capelão residente em Bom Jardim, na pessoa do Pe. Johannes M. Traube. Embora alemão e um bom pregador, levava uma vida nada condizente com a  sua condição de cura de almas. Conforme conta o Pe. Schlitz na Crônica organizava reuniões dançantes  na sua residência e participava delas. Envolveu-se numa séria polêmica com o bispo diocesano, valendo-se de uma linguagem agressiva nas suas cartas e escritos. O bispo exonerou-o de suas funções e, pelo que consta, os protestantes o teriam sondado para ser seu pregador, o que de fato não aconteceu. Essa foi a vivência mais importante dos colonos alemães com o espírito do catolicismo luso-brasileiro. Pelo visto não fez            estragos pois, foi transitória e limitada ao convívio de um sacerdote em particular e não inserido numa comunidade mista com luso-brasileiros.
Depois de alguns anos de uma assistência  religiosa irregular, Bom Jardim foi elevado à condição de paróquia autônoma em 1859 e confiada as padres jesuítas. O fato  se deu um pouco antes da celebração do Concílio Vaticano I. Nele foram definidos a doutrina, os preceitos morais e as normas disciplinares eclesiásticas que deveriam nortear a implantação da Restauração Católica. Acontece que os jesuítas por tradição e por imposição do seu estatuto, alinham-se na vanguarda da Igreja e costumam ocupar postos avançados na implantação de seus projetos. Nada mais normal, portanto, que batalhassem  para tornar a Igreja Restaurada uma realidade entre os colonos alemães. Entende-se que abraçassem a tarefa com o fervor, diria quase com o furor de pioneiros. Essa característica é flagrante e subentendida  nas passagens da Crônica que se ocupam com a ação pastoral e o espírito religioso daquela comunidade. Para entender o autor  ao definir a autoridade e a competência do pároco, do bispo, do papa, é preciso situar-se numa realidade  histórica em que a hierarquização e, conseqüentemente, a hierarquia na Igreja, era levada ao quase extremo, pois, constituía-se  num dos pilares mestre sem o qual todo o Projeto da Restauração  estava comprometido. No mesmo sentido vai a exigência, próximo ao exagero, ao ressaltar a necessidade da pureza doutrinária, a correção dos costumes e o comportamento ao fustigar as aberrações e desvios . Riolando Azzi, estudioso das questões da História da Igreja, assim definiu a discrepância entre a cristandade luso-brsileira e o cristianismo da Restauração Católica, que ele chamou de Cristandade Clerical.
“Daí surge uma diferença bem significativa entre a Cristandade Luso-brasileira e essa nova Cristandade em formação. Na Cristandade colonial predominava a idéia de que a instituição eclesiástica fazia parte  integrante do próprio estado lusitano católico.  A fé, portanto, permeava as próprias instituições políticas. Já nas áreas de imigração existe uma separação muito nítida, entre as manifestações religiosas e a esfera política do Estado brasileiro, geralmente minimizada ou ignorada. Na medida em que padres seculares se instalaram na região dos imigrantes, as vinculações mais expressivas serão feitas com a Santa Sé. Por isso, ao analisar o catolicismo de imigração no Rio Grande do Sul, Luis de Boni chega a indicar a formação de um verdadeiro “estado papal”.  (Rambo, A.B. A igreja dos Imigrantes ... idem p. 63)
Na nota introdutória da Crônica o autor deixa claro que entre os motivos que levaram a escrevê-la, sobressaem dois. Em primeiro lugar  não deixar cair  no esquecimento a história de Bom Jardim: os começos na mata virgem; o envolvimento dos colonos nos acontecimentos históricos como a Revolução Farroupilha, a Guerra do Paraguai, a Guerra contra Rosas, o episódio dos Mucker, o surto de varíola, a Revolução Federalista; a progressiva inserção  na comunidade nacional; a evolução e a consolidação da colonização sob todos os seus aspectos.
Em segundo lugar  fixa-se a Crônica na  história da paróquia e da comunidade católica. Se sob todos os aspectos relata até às minúcias a história local, não deixa de ser uma amostra paradigmática para a colonização alemã no Sul do Brasil em geral e ao mesmo tempo não deixa de ser uma história confessional, por declarar ser uma história da comunidade católica. Com isso fica faltando a história da comunidade protestante, levemente mais numerosa. Em luar nenhum na Crônica o Pe. Schlitz se refere em tom de animosidade contra os protestantes. Não faz referência aos pontos de conflito mais comuns relativos aos restrições aos casamentos mistos e padrinhos protestantes em batismos de católicos.
Concluindo vale dizer que a Crônica de Bom Jardim representa um documento precioso, único e indispensável para se formar uma opinião ojetiva dos primeiros 70 nos da colonização alemã no Rio Grande do Sul, com o foco local mas numa perspectiva regional.

                                                                                                                 Arthur Bl. Rambo

Deitando Raízes #3

O início da imigração coincidiu com as disputas pelas pela fixação das fronteiras no sul, normalmente conhecidas como a Guerra da Cisplatina. Um número considerável  de rapazes e homens participaram das lutas, engajados nos batalhões imperiais. Esse envolvimento direto com importantes questões nacionais, como foi a definição das fronteiras e o convívio com os camaradas luso brasileiros, constituiu-se, com certeza, numa importante via de aproximação com a nova realidade. Familiarizaram-se, uns mais outros menos, com a língua do país. Mas não foi só na campanha que fixou as fronteiras que homens e rapazes serviram nas tropas imperiais da época. A participação dos colonos alemães na Guerra do Paraguai é fato mais do que conhecido. Durante o período da Nacionalização no Estado Novo a contribuição dos alemães nesse episódio foi desqualificado como uma atitude esporádica e aventureira. Coelho de Souza, Secretário da Educação naquele período, referiu-se nos seguintes termos a esse fato em sua "Denúncia."
"Antes de entrar na apreciação de cada um desses, quero abrir um parêntesis, para dizer que não empresto maior significado político à atitude  dos alemães e teuto-brasileiros que tomaram parte nas Guerras do Paraguai e na Revolução Farroupilha, atitude essa largamente explorada em perorações dos velhos discursos políticos, perseguidores de votos."
"O simples cotejo  das datas da sua entrada no País, e dos acontecimentos históricos referidos mostram, convincentemente, que essa conduta não decorreu de uma integração nacional: representava apenas o espírito de aventura da época, que facilitara ao Império a organização de batalhões mercenários, ou a intenção de defesa material do trato de terra que lhes coubera, na distribuição do Novo Mundo."
"O que não se pode afirmar, de certo, sem superficialidade,
 que essas atividades bélicas dos colonos e da primeira geração aqui nascida, significam integração no espírito nacional."  
Em poucas páginas o Pe. Schlitz faz desfilar diante dos olhos do leitor o que significou a Guerra do Paraguai em termos de comprometimento dos colonos alemães. O número de colonos mobilizados e que participaram efetivamente dos combates, as baixas (cerca da metade dos que entraram em combate), a participação nos combates, a citação de nomes de convocados e voluntários, demonstra que a avaliação de Coelho de Souza não foi apenas parcial mas  principalmente injusta. Fica claro que a participação nessa campanha se deu no mínimo com o mesmo espírito que animou as tropas luso-brasileiras em companhia das quais os  colonos alemães lutaram nos mesmos batalhões e regimentos. A presença de aventureiros e mercenários, um fenômeno sempre presente em tais circunstâncias, certamente não foi menor entre os luso-brasileiros.
A Crônica do Pe. Schlitz constitui-se numa fonte de informações ricas e preciosas que demonstram a versatilidade e a capacidade de adaptação e o jogo de cintura dos colonos alemães. Neste sentido uma das ocasiões mais emblemáticas foi a Guerra dos Farrapos. Esse episódio é, antes de mais nada importante, porque surpreendeu os colonos ainda no final da primeira década da sua presença na região. Acabavam de fazer os primeiros contatos com o entorno físico geográfico e sócio político e criadas as condições mínimas para começarem a prosperar. O conceito que se firmou e impôs em relação ao envolvimento dos colonos na Revolução, parece coincidir muito pouco ou nada com a realidade histórica. É pelo menos isso que fica bem claro na Crônica. Os fatos nela registrados relativos aos acontecimentos farroupilhas, derrubam o estereótipo do colono alemão  acuado na sua propriedade no meio do mato, sendo assaltado, roubado, espoliado e assassinado pelos bandos revolucionários. O colono abandonado à sua sorte, entregue à sanha dos assaltantes e às rapinagens, perde muito do seu charme épico romântico quando se examina com um pouco mais de atenção as informações contidas na Crônica.
Em meio a esses dados, fatos e feitos que registra, emerge um colono alemão à altura para enfrentar os acontecimentos que o envolvem. Soube entrar no jogo e na dinâmica revolucionária sem ficar devendo muito aos luso brasileiros. Por convicção, por oportunismo, por coação ou por razões bem mais rasteiras, aderiu a uma ou outra das facções. Não poucos mudaram de lado na medida das necessidades ou oportunidades. A Crônica desfaz também o mito da fidelidade do colono alemão, principalmente católico, ao Imperador. Apresenta neste particular um panorama no qual próximo da metade defendia as trincheiras dos imperiais e a outra combatia pela causa revolucionária. Levanta até certo ponto surpresa que Dois Irmãos tivesse aderido na sua maioria ao Império e Bom Jardim à Revolução. Os episódios de degolas, assassinatos, torturas e execuções sumárias, com a participação de colonos alemães, provam que eles marcavam presença ativa no  que acontecia de bom e de mau,  na esteira sócio política mais ampla em que se encontravam.
Ao relatar os acontecimentos da Revolução Farroupilha o Pe Schlitz evoca de modo especial a "Companhia alemã", conhecida também como "os Voluntários". Tanto a composição da Companhia quanto o seu envolvimento  naquele episódio, constituem-se talvez num dos contra argumentos mais contundentes do isolamento ou enquistamento étnico dos colonos alemães. A base da Companhia era formada por antigos soldados recrutados na Europa para servirem ao imperador. Desmobilizados daquela condição transferiram-se para o sul e, como voluntários, organizaram a Companhia Alemã. Nela foram incorporados numerosos filhos de colonos. A Companhia contava ao todo com 100 homens formando uma tropa de elite, sob o comando superior do Barão do Jacui. Gozava de grande prestígio perante os luso-brasileiros e do comando das tropas imperiais. Tanto assim que o soldo mensal pago a cada homem era de 27 mil réis, enquanto os demais recebiam apenas 10 mil réis. Sua missão consistia em proteger as áreas nas proximidades de Porto Alegre.
Passados 50 anos da Revolução Farroupilha os descendentes de primeira e segunda geração dos primeiros imigrantes, mais os imigrantes mais tardios, viram-se levados de roldão pela Revolução Federalista. Seu envolvimento naqueles acontecimentos de 1893-1895 foi, em grandes linhas, muito parecido com a Revolução Farroupilha.
Para a região do vale do Rio dos Sinos e do Caí a movimentação dos Maragatos tornou-se mais visível depois da morte Gomercindo Saraiva em agosto de 1894. Na verdade tratava-se de tropas irregulares ou,  melhor dito, de bandos organizados e armados, que se formaram no contexto confuso e anárquico que costuma acompanhar a evolução de fatos históricos do gênero. Deixando de lado eufemismos não passavam de bandos de salteadores que se diziam revolucionários, comandados pelos irmãos Correa e Leão. Animados por pouca, ou melhor, nenhuma motivação política, percorriam as linhas e picadas dos colonos, saqueando as propriedades, cometendo as maiores violências, inclusive assassinatos.
Também neste caso a crônica mostra o envolvimento dos colonos no atacado e no varejo. No atacado. Como na Revolução Farroupilha, também nesta os colonos dividiram-se, pela simpatia e engajamento efetivo, na causa política dos Maragatos de um lado e dos Legalistas do outro.
Durante a Revolução federalista foram mobilizados pela primeira vez os "Grupos de Autodefesa", [1] grupos paramilitares recrutados, armados, treinados e comandados pelos próprios colonos. Seus feitos e resultados bélicos foram mais espetaculares no vale do Taquari. José Diehl comandou, por ex., o grupo de autodefesa que impôs uma pesada derrota aos Maragatos num assalto a Santa Clara. No vale do Sinos esses grupos não primaram pela organização, pela disciplina e pela competência dos comandantes, de maneira que não chegaram a representar um perigo mais sério para os bandos dos Correa e
No varejo. A Crônica descreve as filigranas do envolvimento dos colonos nos acontecimentos: intrigas, jogos de pressão e de interesse, provando que, não somente não estavam alheios, como sabiam perfeitamente quais os lances e como dá-los no jogo do qual participavam.




[1] Os grupos de auto-defesa foram organizados e integrados pelos colonos alemães para a defesa de suas comunidades e propriedades, pois, na Revolução Federalista e na Revolução de 1923,  não podiam contra com a proteção official. Pode-se dizer que formavam uma organização para-militar até bem vinda pelas autoridades constituídas. Sua eficiência dependia em grande parte da capacidade de liderança e commando das diversas picadas que defendiam. Assim na região da Picada Café e arredores, durante a revolução federalista, foram pouco eficientes. O contrario aconteceu em Santa Calra do Sul durante a mesma revolução. Sob o commando de José Diehl os defensores da picada e arredores, impediram que os federalistas tomassem conta da região. Um fato semelhante aconteceu com os grupos de auto-defesa de Cerro Largo que impediram que os insurretos atravessassem o rio Ijui. Na ocasião Borges de Medeiros mandou entregar armas modernas ao grupo.