O início da
imigração coincidiu com as disputas pelas pela fixação das fronteiras no sul,
normalmente conhecidas como a Guerra da Cisplatina. Um número considerável de rapazes e homens participaram das lutas,
engajados nos batalhões imperiais. Esse envolvimento direto com importantes
questões nacionais, como foi a definição das fronteiras e o convívio com os
camaradas luso brasileiros, constituiu-se, com certeza, numa importante via de
aproximação com a nova realidade. Familiarizaram-se, uns mais outros menos, com
a língua do país. Mas não foi só na campanha que fixou as fronteiras que homens
e rapazes serviram nas tropas imperiais da época. A participação dos colonos
alemães na Guerra do Paraguai é fato mais do que conhecido. Durante o período
da Nacionalização no Estado Novo a contribuição dos alemães nesse episódio foi
desqualificado como uma atitude esporádica e aventureira. Coelho de Souza,
Secretário da Educação naquele período, referiu-se nos seguintes termos a esse
fato em sua "Denúncia."
"Antes de
entrar na apreciação de cada um desses, quero abrir um parêntesis, para dizer
que não empresto maior significado político à atitude dos alemães e teuto-brasileiros que tomaram
parte nas Guerras do Paraguai e na Revolução Farroupilha, atitude essa
largamente explorada em perorações dos velhos discursos políticos, perseguidores
de votos."
"O simples cotejo das datas da sua entrada no País, e dos
acontecimentos históricos referidos mostram, convincentemente, que essa conduta
não decorreu de uma integração nacional: representava apenas o espírito de
aventura da época, que facilitara ao Império a organização de batalhões
mercenários, ou a intenção de defesa material do trato de terra que lhes
coubera, na distribuição do Novo Mundo."
"O que não se
pode afirmar, de certo, sem superficialidade,
que essas atividades bélicas dos colonos e da
primeira geração aqui nascida, significam integração no espírito
nacional."
Em poucas páginas o
Pe. Schlitz faz desfilar diante dos olhos do leitor o que significou a Guerra
do Paraguai em termos de comprometimento dos colonos alemães. O número de
colonos mobilizados e que participaram efetivamente dos combates, as baixas
(cerca da metade dos que entraram em combate), a participação nos combates, a
citação de nomes de convocados e voluntários, demonstra que a avaliação de
Coelho de Souza não foi apenas parcial mas
principalmente injusta. Fica claro que a participação nessa campanha se
deu no mínimo com o mesmo espírito que animou as tropas luso-brasileiras em
companhia das quais os colonos alemães
lutaram nos mesmos batalhões e regimentos. A presença de aventureiros e mercenários,
um fenômeno sempre presente em tais circunstâncias, certamente não foi menor
entre os luso-brasileiros.
A Crônica do Pe.
Schlitz constitui-se numa fonte de informações ricas e preciosas que demonstram
a versatilidade e a capacidade de adaptação e o jogo de cintura dos colonos
alemães. Neste sentido uma das ocasiões mais emblemáticas foi a Guerra dos
Farrapos. Esse episódio é, antes de mais nada importante, porque surpreendeu os
colonos ainda no final da primeira década da sua presença na região. Acabavam
de fazer os primeiros contatos com o entorno físico geográfico e sócio político
e criadas as condições mínimas para começarem a prosperar. O conceito que se
firmou e impôs em relação ao envolvimento dos colonos na Revolução, parece
coincidir muito pouco ou nada com a realidade histórica. É pelo menos isso que
fica bem claro na Crônica. Os fatos nela registrados relativos aos
acontecimentos farroupilhas, derrubam o estereótipo do colono alemão acuado na sua propriedade no meio do mato,
sendo assaltado, roubado, espoliado e assassinado pelos bandos revolucionários.
O colono abandonado à sua sorte, entregue à sanha dos assaltantes e às
rapinagens, perde muito do seu charme épico romântico quando se examina com um
pouco mais de atenção as informações contidas na Crônica.
Em meio a esses
dados, fatos e feitos que registra, emerge um colono alemão à altura para
enfrentar os acontecimentos que o envolvem. Soube entrar no jogo e na dinâmica
revolucionária sem ficar devendo muito aos luso brasileiros. Por convicção, por
oportunismo, por coação ou por razões bem mais rasteiras, aderiu a uma ou outra
das facções. Não poucos mudaram de lado na medida das necessidades ou
oportunidades. A Crônica desfaz também o mito da fidelidade do colono alemão,
principalmente católico, ao Imperador. Apresenta neste particular um panorama
no qual próximo da metade defendia as trincheiras dos imperiais e a outra
combatia pela causa revolucionária. Levanta até certo ponto surpresa que Dois
Irmãos tivesse aderido na sua maioria ao Império e Bom Jardim à Revolução. Os
episódios de degolas, assassinatos, torturas e execuções sumárias, com a
participação de colonos alemães, provam que eles marcavam presença ativa
no que acontecia de bom e de mau, na esteira sócio política mais ampla em que
se encontravam.
Ao relatar os
acontecimentos da Revolução Farroupilha o Pe Schlitz evoca de modo especial a
"Companhia alemã", conhecida também como "os Voluntários".
Tanto a composição da Companhia quanto o seu envolvimento naquele episódio, constituem-se talvez num
dos contra argumentos mais contundentes do isolamento ou enquistamento étnico
dos colonos alemães. A base da Companhia era formada por antigos soldados
recrutados na Europa para servirem ao imperador. Desmobilizados daquela condição
transferiram-se para o sul e, como voluntários, organizaram a Companhia Alemã.
Nela foram incorporados numerosos filhos de colonos. A Companhia contava ao
todo com 100 homens formando uma tropa de elite, sob o comando superior do
Barão do Jacui. Gozava de grande prestígio perante os luso-brasileiros e do
comando das tropas imperiais. Tanto assim que o soldo mensal pago a cada homem
era de 27 mil réis, enquanto os demais recebiam apenas 10 mil réis. Sua missão
consistia em proteger as áreas nas proximidades de Porto Alegre.
Passados 50 anos da
Revolução Farroupilha os descendentes de primeira e segunda geração dos
primeiros imigrantes, mais os imigrantes mais tardios, viram-se levados de
roldão pela Revolução Federalista. Seu envolvimento naqueles acontecimentos de
1893-1895 foi, em grandes linhas, muito parecido com a Revolução Farroupilha.
Para a região do
vale do Rio dos Sinos e do Caí a movimentação dos Maragatos tornou-se mais
visível depois da morte Gomercindo Saraiva em agosto de 1894. Na verdade tratava-se
de tropas irregulares ou, melhor dito,
de bandos organizados e armados, que se formaram no contexto confuso e
anárquico que costuma acompanhar a evolução de fatos históricos do gênero.
Deixando de lado eufemismos não passavam de bandos de salteadores que se diziam
revolucionários, comandados pelos irmãos Correa e Leão. Animados por pouca, ou
melhor, nenhuma motivação política, percorriam as linhas e picadas dos colonos,
saqueando as propriedades, cometendo as maiores violências, inclusive assassinatos.
Também neste caso a
crônica mostra o envolvimento dos colonos no atacado e no varejo. No atacado.
Como na Revolução Farroupilha, também nesta os colonos dividiram-se, pela
simpatia e engajamento efetivo, na causa política dos Maragatos de um lado e
dos Legalistas do outro.
Durante a Revolução
federalista foram mobilizados pela primeira vez os "Grupos de
Autodefesa", [1] grupos
paramilitares recrutados, armados, treinados e comandados pelos próprios
colonos. Seus feitos e resultados bélicos foram mais espetaculares no vale do
Taquari. José Diehl comandou, por ex., o grupo de autodefesa que impôs uma
pesada derrota aos Maragatos num assalto a Santa Clara. No vale do Sinos esses
grupos não primaram pela organização, pela disciplina e pela competência dos
comandantes, de maneira que não chegaram a representar um perigo mais sério
para os bandos dos Correa e
No
varejo. A Crônica descreve as filigranas do envolvimento dos colonos nos
acontecimentos: intrigas, jogos de pressão e de interesse, provando que, não
somente não estavam alheios, como sabiam perfeitamente quais os lances e como
dá-los no jogo do qual participavam.
[1] Os grupos de auto-defesa foram organizados e integrados pelos
colonos alemães para a defesa de suas comunidades e propriedades, pois, na
Revolução Federalista e na Revolução de 1923,
não podiam contra com a proteção official. Pode-se dizer que formavam
uma organização para-militar até bem vinda pelas autoridades constituídas. Sua
eficiência dependia em grande parte da capacidade de liderança e commando das
diversas picadas que defendiam. Assim na região da Picada Café e arredores,
durante a revolução federalista, foram pouco eficientes. O contrario aconteceu
em Santa Calra do Sul durante a mesma revolução. Sob o commando de José Diehl
os defensores da picada e arredores, impediram que os federalistas tomassem
conta da região. Um fato semelhante aconteceu com os grupos de auto-defesa de
Cerro Largo que impediram que os insurretos atravessassem o rio Ijui. Na
ocasião Borges de Medeiros mandou entregar armas modernas ao grupo.