Conhecimento como síntese 3ª parte

Os pressupostos - 2

A razão por ter-me prolongado na caracterização da formação media e superior, foi mostrar sua importância como pressuposto para a produção do conhecimento. Já que partimos da premissa de que conhecimento é síntese, a lógica sugere que o resultado final dessa síntese  é tanto mais rico e tanto mais consistente, quanto mais conhecimentos parciais participaram da sua construção e quanto mais sólida for a sua integração. Os  dois elementos  estão presentes  tanto na proposta pedagógica quanto no currículo e nível médio e superior das instituições de que nos ocupamos acima. Nos “Gymnasia” de nível médio estavam previstas todas as disciplinas indispensáveis para uma formação básica ampla do tipo generalista. Os diversos blocos afins formam os pilares que servem de base para a construção do conhecimento. Em grandes linhas são eles: as línguas clássicas e modernas mais correntes na comunicação de alto nível,  com as respectivas literaturas. O formado nesses “Gymnasia”, estava em condições de valer-se do original dos textos em grego, latim, alemão, francês, inglês, e não raro em outras com destaque para o italiano, o espanhol, português, russo, sueco, polonês, etc. A História Natural, compreendendo a física, química, biologia, geologia e demais conhecimentos da natureza, formava o segundo pilar. O terceiro tinha na história, geografia, antropologia, etnografia, etnologia, seu foco de interesse. E finalmente a quarta coluna mestra da formação tinha na matemática, na filosofia e não raro na teologia a sua coroação.

Dessa forma o estudante estava em condições de ter acesso à matéria prima e as ferramentas teóricas e metodológicas indispensáveis para a produção do conhecimento. Assim aparelhado o formado no nível médio ingressava no superior,  em condições para, sob  a orientação de mestres experientes, encontrar o caminho  para dar início à arquitetura de um universo próprio de produção de conhecimento. O processo que levaria anos dava-se num ambiente que se denominava “Seminário”. Na modalidade padrão de Seminário, o professor fazia o papel de moderador e coordenador dos debates, das discussões e não como autoridade que ditava de cima para baixo as regras e impunha suas idéias. Cabia-lhe conduzir de tal forma o fluxo do debate, para que dele resultasse um avanço qualitativo sobre o tema em foco. O importante sempre consistia no fato de que o patamar alcançada  servisse  de degrau para um novo avanço, para mais adiante e mais acima. Preparava-se assim a plataforma para um novo Seminário no qual se aprofundava e levava para mais adiante o aprofundamento da temática. E assim, professor e aluno, cúmplices e comprometidos na aventura da apropriação e aprofundamento de sempre novos conhecimentos, avançavam sobre sempre novas fronteiras do conhecimento.

Com esse formato, o Seminário bem conduzido vem a ser um laboratório próximo do ideal. Habilita o estudante a levantar vôo rumo à produção de conhecimento autônomo, guiado por um mestre que faz mais o papel de parceiro do que de tutor ou autoridade do saber. Não por nada o orientador de teses de doutorado ainda hoje leva o nome sugestivo e quase carinhoso  de “Doktor Vater. Oferece também uma magnífica ocasião para o próprio professor  enriquecer, ampliar, renovar e atualizar o seu próprio universo do conhecimento.

A especialização não vem ser a prioridade dos Seminários. Na proposta original nas universidades alemãs modernas da primeira geração, interessava, antes de mais nada, o conhecimento como tal e apropriação das ferramentas indispensáveis para produzi-lo. Pela lógica supunha-se que aquele que estivesse de posse delas, deveria estar em condições para dedicar-se com sucesso a qualquer campo específico do saber. Foi exatamente essa característica  do Seminário que encantou os jovens americanos que em massa foram estudar  nas universidades alemãs entre 1850 e 1914. São recorrentes  testemunhos  como o do aluno Henry W. Langfellow, estudante em Göttingen em 1829, já citado.

Ao tirocínio ao qual o estudante era submetido no Seminário das universidades alemãs, à formação da personalidade pelo modelo “Oxbridge” e ao acentuado propósito pedagógico das universidades americanas do norte vem na contra mão a proposta latino-napoleônica de uma universidade  voltada para profissionalização e tutelada pelo Estado. Dois elementos complementares são responsáveis pelo seu perfil institucional e acadêmico. Antes de mais nada a formação do cidadão em qualquer nível e de modo especial na universidade, consta no rol dos instrumento de que o Estado se serve para concretizar seus propósitos. Sendo assim sua destinação primeira consiste em prestar serviço ao Estado. A lógica é retilínea. Para tocar suas políticas, iniciativas e projetos públicos, o Estado precisa de mão de obra especializada, precisa de técnicos. Ora a formação desses recursos humanos acontece em instituições que vão do fundamental ao ensino superior. Entende-se assim  que é do interesse do Estado ditar a própria  razão de ser da universidade, e consequentemente, a natureza acadêmica e o perfil institucional, administrativo e burocrático. Estamos assim diante de um modelo viciado na sua própria essência. A autonomia  prevista na Lei Fundamental ou na Constituição de algum país que optou por esse modelo, não passa de ficção. Não é para valer como na prática não vale. Presta-se muito bem para a mistificação em discursos políticos, encobrir propósitos ideológicos, enfim, para enganar os desavisados, nada mais. Nessa condição a universidade, como qualquer outra instituição de ensino e em qualquer nível,  constitui-se, em primeiro lugar, senão em único, num instrumento a serviço dos interesses do Estado. Pior. Dar a impressão de que por meios legítimos ou nem tanto, a formação dos cidadãos está sendo direcionada em função de interesses pessoais dos donos da nomenclatura no poder. Nessas condições  produzir conhecimento digno desse nome, só fora ou à margem das instituições formais.

A instrumentalização da formação do cidadão em qualquer um dos níveis de ensino, vem acompanhado de outro inconveniente não menos desastroso. Fica atrelada aos partidos e ideologias políticas que se alternam no poder. Esses fato resulta ainda mais danoso em períodos em que regimes democráticos, são intercalados com governos autoritários ou pior, ditatoriais. Nesse contexto costumam suceder-se em intervalos curtos e sem condições mínimas de avaliação,  as “Reformas do Ensino”, tão familiares no Brasil a partir da década de 1960.

No caso específico do Brasil as relativamente poucas universidades em funcionamento até o final da década de 1950, exibiam um perfil muito parecido com as alemãs, inglesas e norte-americanas. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ocupava o centro polarizador e irradiador, a “Alma Mater” da universidade. Em volta dela agrupavam-se as faculdades, as escolas profissionais, os institutos de pesquisa, etc. No âmbito da “Alma Mater” cultivava-se o clima propício para uma formação de base mais ampla. Nela o estudante encontrava as condições necessárias para familiarizar-se com o conhecimento e tudo o que era preciso para dar início a uma carreira de pesquisa, investigação e produção do conhecimento. Essa estrutura institucional facilitava em muito o encontro e intercâmbio de informações e experiências. Professores e alunos de filosofia, história, geografia, biologia, matemática, física, química, línguas e literatura, circulavam pelos mesmos espaços físicos. Compartilhavam salas de professores, restaurantes universitários comuns ou participavam de programações acadêmicas interdisciplinares. Áreas afins como história e geografia formavam um único departamento. Hoje, por ex., as duas encontram-se tão distantes no contexto universitário, ao ponto de se ignorarem e não terem nada para se enriquecerem mutuamente.

Este cenário de 50 anos passados começou a tomar o rumo oposto com a Reforma Universitária e 1961. Desencadeou-se a partir daquele momento o desmonte do modelo institucional e acadêmico da universidade tradicional. Não pretendemos negar as aberrações, os desvios e  equívocos que se tinham instalado e que exigiam correções e ajustes de menor ou maior profundidade. A Reforma, entretanto, significou em última análise, a opção por um modelo de instituição em bases essencialmente diferentes. O método sintético dedutivo foi substituído pelo analítico indutivo na orientação da pesquisa e  produção do conhecimento. Em vez de partir do geral para o particular começa-se pelo particular para chegar ao universal. Analisando e pesquisando os fatos, fenômenos e dados particulares, pretende-se descobrir o que entre eles há de comum. Em outras palavras. Pretende-se entender o todo identificando e analisando as partes e não entender as partes a partir do todo. Pela Pluralidade chega-se à compreensão do Todo em vez de entender a Pluralidade partindo do Todo. Não resta dúvida de que a opção pelo caminho da análise, pelo método analítico-indutivo oferece vantagens inegáveis sobre o sintético-dedutivo. Mas não se pode ignorar que vem acompanhado por alguns riscos nada desprezíveis e por isso mesmo pede algumas cautelas quando da sua aplicação. Teilhard de Chardin destacou ambos os lados.

Ao contrário dos “primitivos” que dão personalidade a tudo que se mexe, ou mesmo dos primeiros grupos que divinizaram  todos os aspectos e forças da natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar ou de impersolanizar o que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise, esse maravilhoso instrumento de pesquisa científica, ao qual devemos todos os nossos progressos, mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e de partículas que se esvaem. E  a segunda é a descoberta do mundo sideral, objeto tão vasto que se tem a impressão de que toda a proporção entre o nosso ser e as dimensões do Cosmos à nossa volta, foi abolida. (Chardin, Teilhard de. O Fenômeno Humano 1986, p. ?)

De qualquer forma essa substituição da referência teórico-metodológica, como não podia deixar de acontecer, veio acompanhada  de uma série de conseqüências tanto positivas quanto negativas.

A  primeira obrigou o redimensionamento da estrutura acadêmica em função da resignificação e conseqüente redimensionamento dos conteúdos das áreas de conhecimento e respectivas disciplinas. Teve início então uma departamentalização cada vez mais acirrada que favoreceu a compartimentalização igualmente levada a extremos. Institucionalizou-se a independência, o isolamento e a impermeabilidade entre as disciplinas e seus conteúdos. Esse fenômeno veio acompanhado em não poucos casos, por um outro igualmente danoso. As áreas de conhecimento sofreram uma revisão, melhor talvez, uma resignificação da sua própria natureza e sua função reorientada. A Geografia, por ex., deixou de ser uma ciência humana, para ser considerada técnica. Fato semelhante aconteceu com as Ciências Econômicas e Jurídicas e a Arquitetura. De áreas essencialmente humanas ou pelo menos com destino imediato direcionado para o homem, são na verdade tratadas e ensinadas nas respectivas faculdades, como se fossem apenas técnicas. Áreas eminentemente técnicas como a Engenharia, ignoram simplesmente a sua possível relação com outras especialidades. Escapa ao geógrafo, economista, arquiteto, jurista, etc., que a compartimentação centrífuga, teve suas raízes num momento histórico, no qual todo o saber humano, era visto como uma unidade, formado por áreas complementares e interdependentes. Trabalhava-se então com a “tese”, ou se quisermos, com o pressuposto de que o conhecimento em todos os seus desdobramentos, fundamenta-se, em última análise, numa base comum. Em outras palavras, os conhecimentos parciais não passam de manifestações de um todo, uma unidade, uma totalidade, que lhe confere sentido e razão de ser. No fundo, no fundo não faz diferença  se esse todo radical ou original corresponde a uma cosmovisão teocêntrica, antropocêntrica, budista, hinduísta, shintoista, taoista, shamanista, ou outra qualquer.

Com as devidas adaptações impostas pelo andar do tempo, a essência estrutural e acadêmica nas universidades alemãs, inglesas e norte-americanas, manteve-se, como se mantém até hoje, fiel à “tese” de que os conhecimentos parciais tem uma origem comum no todo.

As mudanças acadêmicas e estruturais  implantadas desde a década de 1960, foram motivadas por duas razões de fundo. Em primeiro lugar a preocupação pela compreensão da unidade, da totalidade do saber passou para um segundo plano. O que importa é conhecer até o fundo as partes. Inverteu-se com isso a perspectiva a partir do qual o conhecimento é construído. A “análise”,  veio a ocupar o lugar da “síntese”, como norte teórico-metodológico. Começou a vigorar nos laboratórios de investigação científica e nos gabinetes de produção de conhecimento a ordem de penetrar sempre mais a fundo nos objetos particulares. Há, com certeza, uma razão de peso para essa inversão de perspectiva. A segunda metade do século XX inaugurou uma forte tendência para o desenvolvimento. O mundo saíra profundamente modificado da guerra. As alianças políticas, os tratados econômicos, os pactos militares, acomodaram o mundo como uma totalidade, em blocos hegemônicos, envolvendo de alguma forma todos os povos e nações. Neste contexto a maneira de conceber a formação e a educação do cidadão, constitui-se peça fundamental. O apelo pela mobilização de cidadãos com conhecimentos diretamente utilizáveis, fez com que, principalmente as universidades, fossem convocadas para suprirem a demanda  de mão de obra especializada. O interesse pelos conhecimentos e investigações de aplicabilidade imediata e prática cresceu na mesma proporção  que o conhecimento e  a pesquisa em áreas indiretamente importantes, passaram para um segundo plano. As “prioridades” fazem com que por ex., as “Ciências Humanas” ocupem uma posição marginal em muitas Instituições de ensino superior.

O lado profissionalizante da produção do conhecimento e das investigações nos laboratórios científicos, é cada vez mais valorizado e a universidade orienta seus objetivos prioritariamente para o desenvolvimento. Não há necessidade de recorrer a profundos malabarismos lógicos, para perceber que essa correção de rumo  fez tremer um dos pilares mestres da universidade: a “Autonomia”. Parece importante, entretanto lembrar que a Autonomia pode ser vista como informal, de fato, ou capitulada na Constituição e amparada na legislação complementar. A primeira versão é encontrada nos países em que o Estado se interessa pelas universidades porque os resultados das investigações nelas realizadas, os conhecimentos de alto nível produzidos e tecnologias de ponta desenvolvidas, interessam aos propósitos do Estado. Municiam as universidades com os meios e instrumentos de renovação e atualização, permitindo o progresso  em todos os empreendimentos no plano material e conferem-lhe prestígio pelo conhecimento de alto nível, orgulho das suas academias. A relativa perda da autonomia de fato é imposta pelos “clientes” que encomendam “os produtos” que lhes interessam nas universidades. Esse fenômeno, salvo melhor entendimento, continua valendo nas universidades alemãs, inglesas e norte-americanas. Sua estrutura institucional e sua proposta acadêmica matem a excelência como meta, a pluralidade na unidade como referência metodológica e a destinação do conhecimento produzido, os resultados das pesquisas efetuadas e a utilidade das tecnologias desenvolvidas, direcionadas para o desenvolvimento. Vista sob essa ótica o “mercado” orienta e seleciona o que a universidade tem oferecer. Não lhe assiste, entretanto, nenhuma autoridade, muito menos amparo legal para cercear  a autonomia.

Uma situação bem diferente, para não dizer antagônica, está presente nas universidades públicas e privadas, direta ou indiretamente inspiradas no modelo napoleônico. Na sua própria concepção original o modelo é profissionalizante. Como tal o maior valor cultivado na academia é a aplicabilidade prática. Como tal a universidade transforma-se em mais um instrumento precioso e poderoso para aparelhar o Estado. Neste caso os homens e os partidos de plantão no governo, servem-se da universidade como de todos os níveis do ensino, para perseguir seus propósitos, difundir suas ideologias políticas e implementar interesses pessoais. Dessa maneira está armado o cenário para o Estado por em andamento a escalada da tutela sobre a universidade. Nos cinqüenta anos que se passaram desde que começaram as reformas  até hoje, os governos federal, estadual e municipal, valendo-se de “bases e diretrizes”, repetidas vezes remodeladas e “aperfeiçoadas”, implementadas por meio de um aparelhamento burocrático cada vez mais acirrado, controlam até às minúcias o ensino e a educação, começando pelo infantil até a pós-graduação. A autonomia prevista na Constituição é letra morta e não passa de uma ficção.

A tutela do Estado sobre o ensino, de forma especial sobre a universidade, trouxe consigo problemas de fundo, que afetaram as investigações científicas e a produção do conhecimento. O lado talvez mais discutível  dessa situação  relaciona-se com as áreas de conhecimento privilegiadas na escolha das prioridades acadêmicas além da opção pela base teórico-metodológica preferencial. As demandas do mercado público e privado ditam a formação profissional preferencial. Somado ao engajamento político-ideológico a situação que se criou, relegou para um segundo plano as Ciências Humanas, Letras, Artes ...

Os fatores que determinam a escolha da área ou objeto específico “digno” de atenção especial obedece em primeiro lugar ao critério das oportunidades profissionais que oferece. Ora essas oportunidades estão intimamente relacionadas com os instrumentos necessários para implementar as políticas públicas de desenvolvimento. Compreende-se que a lógica determine a canalização dos estímulos e recursos em favor das áreas prioritárias. Ninguém de são juízo colocará em dúvida a validade dessa forma de proceder. Trata-se de uma tendência universal  que faz parte do momento histórico. A razão de ser dos problemas e das dúvidas que se fazem sentir, não se situam na natureza do processo mas na forma como é administrado.

No caso específico do Brasil, os órgãos públicos, ministérios, secretarias, etc., direta ou indiretamente responsáveis pela formação acadêmica e profissional, impuseram, com o andar dos anos, um aparelhamento burocrático hermético. O Ministério da Educação dita, por meio da CAPES e secretarias setoriais, até as últimas minúcias, tanto da estrutura burocrática das instituições de ensino, quanto a natureza, a importância e a destinação das propostas curriculares. Pouco espaço, melhor, nenhum  sobra para propostas que não cabem nessa camisa de força. Para usufruírem da legitimação oficial as instituições de ensino em geral e as universidades em particular, são coagidas a se burocratizarem até os últimos detalhes. O processo começa pela opção por  prioridades, estrutura curricular, privilegiamento de conteúdos, escolha e execução de projetos de pesquisa e por aí vai. Uma pesquisa científica ou a produção de conhecimento, só goza de reconhecimento quando  executada rigorosamente de acordo com as regras ditadas pelas coordenações, comitês, colegiados, etc. ou pior, pela ideologia ou simples humor dos gestores. Não sobra espaço para a liberdade ou autonomia de vôo de uma investigação científica ou produção do conhecimento sem compromisso. Estamos  diante do cenário perfeito que favorece o espírito de rebanho na mesma proporção em que obstrui o caminho em busca da produção de um conhecimento livre. A situação torna-se dramática quando se instala a tirania partidária e ideológica no meio acadêmico. Os poucos professores que ousam discordar são sumariamente silenciados e boicotados pelos colegas. No momento em que se decidem currículos e disciplinas suas opiniões são ignoradas. Cabe ao oportunismo ideológico a última palavra. Em sala de aula os conteúdos são escolhidos, apresentados e tratados sob medida, para agradar alunos e exigir deles o mínimo de esforço. Professor bom é  aquele que fala sobre temas, e principalmente, sob o enfoque que os alunos esperam, melhor, exigem ouvir.


E os resultados? Egressos do ensino fundamental semi-analfabetos, formados no ensino médio candidatos ao superior, incapazes de formular um raciocínio coerente, dominando precariamente a língua do país, sem condições de redigir uma frase correta. Nessas condições falar em produzir conhecimento, só com muita boa vontade. Faltam as condições prévias mais elementares. Em primeiro lugar os estudantes ressentem-se da falta  das ferramentas básicas para ousarem  trilhar o caminho da produção do conhecimento. Entre elas são fundamentais as línguas clássicas e modernas mais correntes, uma formação geral mínima, a posse dos indispensáveis instrumentos teóricos e metodológicos. Com a falta desse pressuposto as perspectivas infelizmente permanecem limitadas.

Conhecimento como síntese 2ª parte

A lógica da reflexão em curso leva-nos um passo adiante e perguntar pelos pressupostos dos quais alguém tem que dispor para se aventurar com alguma chance à construir o  Conhecimento sem adjetivo. Sem pretender  estabelecer uma prioridade hierárquica rigorosa, entre  outros não podem ser ignorados os que seguem.

Primeiro. A amplitude e a solidez  do Conhecimento costuma ser diretamente proporcional à amplitude e solidez da formação e a capacidade de síntese daquele que o produz. Uma formação com essas características somente é possível para aquele que se apropria dela num crescendo harmônico que começa no ensino fundamental, passa pelo médio e culmina no superior. Supõe-se, portanto, uma proposta pedagógica na qual, passo a passo, o aluno encontra condições de apropriar-se dos conceitos, conteúdos e conhecimentos teóricos e das ferramentas metodológicas indispensáveis, para produzir um conhecimento digno desse nome.

No final do século XVIII a Europa formava as suas elites intelectuais em estabelecimentos de ensino em que vigorava o império da teologia como referência. A primeira geração de universidades, fundadas ainda na Idade Média como Bolonha, Paris e as demais até a Renascença, contavam com a constante vigilância  e até tutela da Igreja. Muitos religiosos como Duns Scotus, Guilherme de Ockham, Tomas de Aquino  ocuparam cátedras nessas universidades. Foi especialmente na Teologia que ficou clara a orientação dada pela Igreja àquela área do conhecimento. O Tomismo e a Escolástica tornaram-se a base reitora  maior do ensino da Teologia. A Revolução do Pensamento  do século XVIII não podia deixar de mexer  profundamente no próprio conceito de universidade. Foi preciso repensar seu papel, e com ele, os objetivos e os métodos.  Em meio a esse processo esboçaram-se três modelos, que em parte continuam até hoje: a universidade  latina, a universidade inglesa e a universidade alemã, com as marcas inevitáveis de acomodação aos tempos e circunstâncias históricas.

A Universidade Latina predominou na França, na Bélgica, na Suíça não alemã e nos paises latinos: Itália, Espanha e Portugal. Esse modelo tem como marca a profissionalização. A universidade espanhola não passa de uma copia da francesa. Segundo Alfonso Borrero “mãe e filhos bebemos todos da mesma fonte contaminada da legislação imperial napoleônica de 1806-1808”. Institucionalmente esse modelo universitário sofre de uma forte influência, ingerência, e pior, tutela do Estado. Não há necessidade de provas para perceber claramente esse modelo nas universidades brasileiras. Tanto as públicas quanto as privadas estão pagando um preço cada mais alto, com a perda progressiva da autonomia. A autonomia prevista na Constituição na realidade não passa de uma ficção constitucional. A universidade tornou-se refém das leis, regras e diretrizes impostas pelas autoridades educacionais e seus aparelhos burocráticos.

A Universidade Inglesa exibe como marca definidora a Educação. Esse diferencial foi compreensivelmente incorporado nas universidades norte-americanas, inspiradas na sua essência na Universidade Alemã.

A Universidade Alemã concentra todo o peso na pesquisa científica e produção do conhecimento, a ponto de se constituírem na sua  própria razão de ser. O prestígio de uma universidade é diretamente proporcional ao valor atribuído à investigação científica e à produção do conhecimento. Interessa em primeiro lugar, a produção do saber e a pesquisa científica em si. Sua repercussão prática e sua aplicabilidade concreta seguem como conseqüência lógica num segundo momento. Esse modelo de universidade exige como pressuposto, total autonomia administrativa e acadêmica e um corpo docente altamente qualificado.

Até o final do século XVIII a universidade  era formada por três faculdades: Teologia, Medicina e Direito. Eram hierarquicamente superiores à faculdade de Filosofia que ocupava um lugar  secundário. As três faculdades principais ofereciam os conhecimentos de interesse direto do governo com destaque para a fazenda pública e o bem estar do corpo com a preservação da saúde. A Filosofia, que se ocupava com a ciência pura tratada com rigor e profundidade, servia apenas de reforço às demais. A partir do começo do século XIX foi-se impondo cada vez mais a convicção de que a missão maior da universidade consistia em impulsionar  a produção do conhecimento e promover a investigação científica em todos os campos do saber. O grande aliado e patrocinador  dessas maneira de conceber a universidade foi Frederico Guilherme III da Prússia. Para ele a investigação científica e a produção do conhecimento eram valores em si. Em princípio não importava sua aplicação prática. Desinteressado pelos utilitarismos imediatos tornou-se o grande incentivador do trabalho científico criativo e de alto nível. Em outras palavras: antes de mais nada, alto nível e excelência; em segundo lugar utilidade prática. O movimento em favor da nova concepção universitária veio aliada ao ideário romântico e idealista do nacionalismo alemão e fez com que a filosofia, a política, o idealismo, o nacionalismo e o romantismo esculpissem o modelo universitário em gestação. Nas cátedras de Filosofia de Jena, Halle e Erlangen pregava-se a totalidade e indivisibilidade dos conhecimentos.

Entende-se assim que Bayme, encarregado da reforma da universidade alemã, ao começar a fazer parte do Ministério em 1802, se empenhasse de corpo e alma na montagem efetiva da nova universidade. E para começar o trabalho convidou os intelectuais de maior prestígio da época. Embora Kant não tivesse participado pessoalmente da formulação do projeto, deve-se a ele a exigência de que o centro polarizador e irradiador da universidade até então ocupado pela Teologia, fosse transferido para Filosofia. Compreende-se assim que Bayme convidasse filósofos de primeira linha para a montagem da proposta da nova universidade. Os nomes escolhidos foram os de Friedrich Schleiermacher, Johannes T. Fichte, enriquecidos com as contribuições, dos  pedagogos Pestalozzi, Commenius e outros mais. Na sua concepção teórica a nova universidade alemã teve a sua maior inspiração na proposta de Fichte. Em resumo é a seguinte. A educação prevista na nova universidade consiste na formação  destinada, em última análise, ao desenvolvimento da capacidade intelectual do educando, não na formação histórica dessa capacidade, pois  esta limita-se  à analise das características estáticas dos objetos. Preocupa-se com a capacidade superior  filosófica que leva o conhecimento das leis que fazem com que as coisas tenham necessariamente as características que de fato têm. É desta maneira que o educando “aprende”. Uma vez formada essa “genuína tendência para aprender”, sem demora estimula o educando, convertendo-a na base de todo o conhecimento.  Dessa educação origina-se, como conseqüência natural, um conhecimento geral de todo necessário, transcendental e, com certeza superior a toda a experiência e reúne em si, de antemão, todas as potencialidades das experiências posteriores.  A nova educação preocupa-se com a compreensão do que descobre e une. O aluno percebe-se estimulado pelo amor à ciência, pelo fato de compreender toda uma coerência vinculada com a ação e a prática. Nessa perspectiva a universidade  oferece o ambiente  na qual o conceito da verdade é realizado como exigência  institucional. A estrutura da universidade deve refletir  unidade orgânica do conhecimento. Deve superar  a mera erudição e especialização e confiar à Filosofia o papel de regente de uma orquestra interdisciplinar.

A lógica da reflexão em curso leva-nos a dar mais um passo adiante e perguntar pelos pressupostos, que oferecem as condições para que alguém seja capaz de se apropriar do conhecimento que mereça esse nome. Sem pretender estabelecer prioridades hierárquicas rigorosas, entre outros não podem ser ignorados os seguintes.

Primeiro. A amplitude  e consistência do conhecimento costuma ser diretamente proporcional à amplitude e à solidez da formação e da capacidade de síntese, daquele que o produz. Encontramos essa pré-condição no modelo de formação institucionalizado, tanto no ensino fundamental, como no médio  e superior, na Europa Central, com destaque para a Alemanha, na Inglaterra e nas universidades do Estados Unidos da América do Norte.

Na Alemanha os famosos “Gymnasia” municiavam os jovens estudantes  com uma ampla base de formação filosófica, clássica, literária e científica, capaz de lhes abrir as janelas para o vasto universo do conhecimento. E não eram poucos os exemplos em que os egressos dos Gymnasia  levavam como primeiro titulo de nível superior o de Filosofia, História, Línguas e Literatura Clássica ou Moderna, para depois se dedicarem a uma especialidade  no complexo campo das Ciências Naturais. A confirmação encontra-se nos currículos de não poucos portadores do prêmio Nobel nas diversas áreas científicas ou nos currículos de muitos  outros nomes referência, nas respectivas especialidades. Representantes emblemáticos desse perfil de cientista são Erich Wassmann, o homem das “Formigas e Térmites”, Teilhard de Chardin, o homem do “Fenômeno Humano”, Ludwig von Bertalanffy, autor da “Teoria Geral dos Sistemas”, Adolf Portmann, com seus estudos sobre “Intercomunicação entre Animais”, o próprio Darwin que exibe em seu currículo estudos de “Teologia”, Francis Collins, diretor do Projeto Gehoma, Edward Wilson com sua obra “A Criação – um apelo par salvar a vida na terra”  Seria longo demais listar os muitos outros com seus nomes consagrados pelos estudos e pesquisas especializadas a que se dedicaram.

A riqueza, a consistência e a abrangência do Conhecimento, é diretamente proporcional à quantidade, à diversidade, e principalmente,  à qualidade dos estímulos que influíram na sua construção. O conhecimento construído por um físico que não dispõe de outras ferramentas conceituais, teóricas e metodológicas além das específicas do seu objeto de pesquisa, necessariamente será limitado e unilateral. A mesma afirmação vale para o historiador que ignora os dados das áreas complementares, o filósofo e o teólogo que desconsideram as conquistas das Ciências Naturais. Um grande número de “especialistas”, tanto no âmbito das Ciências Humanas quanto nas Ciências Naturais, isolaram-se  entre as quatro paredes dos seus laboratórios ou enclausuraram-se nos seus gabinetes herméticos e estagnaram a um nível deplorável de indigência na sua visão do mundo. Correm o risco real e iminente, cada qual à sua maneira,  de engrossar as fileiras dos fundamentalistas e dogmáticos. São os donos da verdade que atormentam com suas posições inegociáveis os participantes de congressos, simpósios e seminários de estudo. Emitem  juízos de valor sobre questões da competência de outros campos do conhecimento. Pior. Fecham as portas para um diálogo sem preconceitos, desarmado e humilde. Num clima desses não há condições mínimas para o “Conhecimento” em maiúsculo e,  consequentemente, não há lugar para “Sábios”. O máximo que pode acontecer é o surgimento de “conhecedores” – “Kenner”, talvez de tamanho enciclopédico, que impressionam os menos avisados, mas não convencem as pessoas munidas de uma relativa capacidade critica.

Na Inglaterra as instituições de ensino fundamental, médio e superior, tiveram o mesmo cuidado com a formação. Empenhavam-se e municiar os alunos com um lastro de conhecimentos capazes de lhes franquear as portas para uma compreensão global do universo, da natureza e, principalmente, moldar um cidadão culto e cultivador dos valores humanos, sociais e cívicos. Como já foi destacado mais acima, neste tirocínio o elemento “pedagógico”, o elemento “educação”, fazia a diferença entre a escola inglesa e os ginásios alemães. A combinação feliz da preocupação pelo conhecimento como conhecimento das instituições alemãs e o compromisso com a formação do cidadão das escolas inglesas, resultou na marca registrada da formação no ensino fundamental, médio e superior americano.

A consolidação do padrão de educação inglesa aconteceu principalmente com a reforma comandada por Newman nas universidades de Oxford e Cambridge. O modelo veio chamar-se “Oxbridge”. O conceito sugere a combinação da proposta mais humanística de Oxford com a mais voltada para Ciências Naturais de Cambridge. O perfil do cidadão modelado nesse figurino vem a ser um “gentelman”. Em princípio não tem muito a ver  com o imaginário corrente, quando se caracteriza o inglês, diferenciando-o do alemão, do francês ou do italiano. O modelo “Oxbridge” forma o cidadão do qual se espera que seja, segundo o ideal romano, “vir bonus, peritus dicendi”, o que vem a significar um cidadão “bom, virtuoso, correto, educado, dotado de princípios”. Essas virtudes aliadas ao “peritus dicendi”, isto é, dono de um saber sólido e abrangente aliado ao dom de se comunicar com maestria, resultam no autêntico “gentelman”.

É um fato histórico que os fundadores e refundadores  das universidades americanas, foram inspirar-se em grande número na universidade alemã. Acontece que a universidade americana da primeira metade do século XIX tinha sido o resultado paradoxal do valor maior daquela nação: a liberdade. A criação e a condução  das universidades entregue à iniciativa, à formação e à criatividade de quem estivesse disposto a bancar um projeto nessa área, terminou em anarquia. Ninguém se entendia. Falar em sistema universitário americano na época, não passava da enumeração de instituições, cada qual com sua proposta, não aro conflitante com as demais. O que menos interessava era a produção do conhecimento e a prática da pesquisa científica e a reflexão séria sobre os temas mais diversos. O estado puro resultante dessa situação, foi caracterizado em 1829 pelo estudante americano em Göttingen, Henry Wadsworth Longfellou. Conforme sua avaliação a universidade em seu país limitava-se a três grandes edifícios de tijolo, uma capela e um reitor rezando nela. O mesmo estudante contrapôs a esse cenário desanimador, o que acontecia em Göttingen. Os professores unidos no mesmo espírito, atraíam os estudantes capazes de os ensinar no regime de Seminário. Nele o professor estava em condições de aprender o que não sabia. Um outro estudante  deslumbrado com a universidade que encontrou na Alemanha, descreveu os professores como “indescritíveis instrumentos aptos para todos os tipos de utilidades, dispostos a ensinar topografia e oratória latina”. O posterior fundador da universidade de Cornell estudou em Berlim e lá encontrou o ideal do seu sonho de  universidade, não poupando louvores aos seus mestres. Ele mesmo confessou que foi na Alemanha que tomou a decisão de fazer algo em favor  da educação na América.

De estudantes isolados na primeira metade do século XIX que buscavam a formação nas universidades alemãs, o número foi-se multiplicando a partir de 1850. Entre 1860 e 1870 cerca de 1000 estudantes partiram para a Alemanha. Na década seguinte foram 2000 e ao logo da segunda metade do século, nada menos do que 10000 americanos formaram-se naquele país. O crescimento do número foi ainda maior entre 1900 e 1914, quando pelas razões conhecidas, cessou por completo durante a Primeira Grande Guerra. Henry T. Tappan, autor do livro “University Education”, falando dos resultados benéficos  dessa peregrinação em busca das universidades alemãs, resumiu assim a sua conclusão. A pesquisa científica começou a tomar fôlego e aos poucos a universidade foi-se assumindo como uma instituição na qual o professor, o investigador e o estudante, selavam uma aliança em busca do mesmo objetivo. (cf. Um Sonho e uma Realidade, 2009, p. 95-96).

Os resultados concretos não se fizeram esperar. Em todo o território dos Estados Unidos foram surgindo dezenas de instituições de ensino fundamental, médio e superior  alimentadas pelo mesmo ideal de excelência, com um acento forte na educação. O MIT – Instituto de Tecnologia de Massachussets, representa um dos exemplos emblemáticos do transplante do modelo da universidade alemã, ajustado às circunstâncias americanas. Voltaremos a esse instituto mais abaixo.

O Pe. Alfonso Borrero, um dos maiores conhecedores da história da Universidade, resumiu a influência da universidade alemã sobre a americana.

Ainda não foi escrita a verdadeira história dos contatos havidos entre a universidade norte-americana e a universidade alemã, durante o século XIX, afirma Walter P. Metzger. Olhado o fato mais de perto, este fluxo é de uma via só, da Alemanha em direção aos Estados Unidos. (Ascun, 1992,  p. 46)

E o que os norte-americanos procuravam nas universidades alemãs? A resposta também é do Pe. Borrero: Aprender  a arte da investigação atuava como um poderoso ímã. Os estudantes dirigiam-se  às faculdades de Filosofia, depositárias do saber puro, atraídos pelas disciplinas científicas, para aprender a ensiná-las de forma diferente como se costumava fazer nas faculdades profissionais de Direito, Medicina e Teologia. Procuravam com avidez e de preferência a psicologia, a economia, a física, a química, biologia e as matemáticas. A universidade mais procurada foi a de Berlim (Cf. Ascun – p. 46-47)

E a história da formação superior norte-americana  provou o acerto da peregrinação, durante mais de meio século, dos estudantes daquele país para a Alemanha. Contam-se hoje, sem exagerar, às  dúzias nos Estados Unidos as universidades com seus centros de produção de conhecimento e institutos de pesquisa  de alto nível e desenvolvimento de tecnologias de ponta. Na sua concepção, implantação e consolidação tiveram papel decisivo professores e pesquisadores formados em universidades alemãs. Evidentemente não se tratou de um transplante puro e simples do modelo alemão para a América do Norte. Com a transferência  aconteceu uma inevitável adaptação às novas circunstâncias. Aqui não é nem o lugar nem a ocasião para uma análise mais aprofundada dessa questão. Como exemplo bem sucedido e representativo merece destaque o famoso “M.I.T – Massachussets Institute of Tecnology”. Trata-se na verdade de um complexo universitário que produz conhecimento de alto nível em todas as áreas, realiza pesquisas científicas pioneiras e desenvolve tecnologias de ponta. Dos seus gabinetes de investigação, laboratórios de pesquisa saíram sete dezenas de prêmios  Nobel. E o segredo? Encontra-se na concepção institucional e acadêmica, materializado inclusive no projeto arquitetônico e localização espacial dos prédios. Tudo começou há quase cem anos, em 1916, com a construção do complexo de prédios, que não sofreu nenhuma alteração até hoje  que afetasse a sua essência. Tanto assim que o “State Center” inaugurado em  2004, reforçou a idéia da colaboração, da interdependência e da interdisciplinariedade das diversas áreas do conhecimento. Numa ponta abriga um laboratório de Inteligência artificial e na outra um departamento de  Lingüística e Filosofia. O Instituto, embora seja conhecido como de “Tecnologia”, realiza uma proposta curricular interdisciplinar tal que os alunos de todas as áreas e diversas especialidades, são estimulados e de fato têm condições, de apropriar-se de  uma formação básica generalista. Preocupado em oferecer aos estudantes uma sólida formação científica, humana e técnica, o Instituto exige que todos absolvam um mínimo de disciplinas de cada uma das grandes áreas. Aliás o próprio projeto arquitetônico de 1916, foi desenhado e executado de tal forma  que permite e estimula a circulação e o contato entre as cinco escolas centrais: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia, Humanidades, Artes e Ciências Sociais, Administração e  Ciência e o complexo da Saúde e Tecnologia.

O modelo da formação a nível médio nos “Gymnasia” e o superior nas “Universidades” alemãs no começo do século XIX, privilegiou dois elementos. Primeiro a apropriação de um conhecimento amplo e genérico no qual as Artes, Letras, Humanidades e Ciências Naturais, participavam numa dosagem equilibrada. Todas gozavam de igual importância e de igual necessidade para a vida. Numa perspectiva  interdisciplinar oferecia-se ao estudante ocasião para apropriar-se de uma formação que o preparava, em primeiro lugar, para uma compreensão abrangente e integrada do saber. Em segundo lugar, e principalmente pelo sistema de Seminário, familiarizava-se com as ferramentas teóricas e o aparato critico indispensável, para aventurar-se na construção de um conhecimento próprio e autônomo. Esse modelo alimentava-se implicitamente na idéia de que o tirocínio na universidade não visa a utilidade prática imediata do conhecimento. Nos Seminários predominava o convicção de que o saber, o conhecimento em si, sem um direcionamento prático, preparava melhor os egressos para  a atividade  profissional. Essa mesma convicção aparece no modelo das universidades clássicas inglesas, especialmente de Oxford e Cambridge, que acima tivemos ocasião de conhecer com o modelo “Oxbridge”. Tinham como ideal formar o “gentelman”, o “vir bonus peritus dicendi” do ideal romano.


A mesma preocupação com um formação ampla e consistente, tiveram os responsáveis pela consolidação da universidade norte-americana. No transplante para a América, não deixaram de acontecer as adaptações óbvias exigidas pelas novas circunstâncias. A formação revestiu-se de um direcionamento pedagógico-educacional mais ostensivo. A preocupação pela pesquisa  pura, por assim dizer “desinteressada”, cedeu lugar a uma visão mais utilitária, mais pragmática. Com essas adaptações naturais, porém, o cerne do modelo original não sofreu nenhuma modificação substancial na sua valorização. Pelo contrário. Foi enriquecido. Em vez de apropriar-se do conhecimento pelo conhecimento, o saber pelo saber, desde cedo sinaliza-se para direcionamentos práticos. Neste sentido o M.I.T. é um exemplo de instituição bem sucedida.

Reflexões sobre o Conhecimento como síntese

1ª parte

Considerações introdutórias
Falar em conhecimento importa em arriscar-se a lidar cm um desses conceitos, passíveis de  tantos e tamanhos entendimentos ou definições,  que a pretensão de  dar-lhe uma formulação compreensiva mínima, não é nem fácil nem simples. A primeira questão que se coloca é a pergunta por onde começar, ou a pergunta: de que conhecimento estamos falando? Conhecimento científico, conhecimento filosófico, conhecimento teológico, conhecimento popular, conhecimento instintivo,  conhecimento racional, conhecimento primitivo, conhecimento moderno, ou quem sabe até conhecimento no sentido bíblico. Como se pode ver, todas essas formas de conhecimento e outras que lhe possam ser acrescentadas, partem de objetos, níveis, ângulos  e métodos de aproximação diferentes. Se,  portanto,  optarmos por  um deles como ponto de partida do nosso raciocínio, as conclusões a que chegarmos serão inevitavelmente unilaterais, parciais e fragmentadas. Em qualquer uma  das situações a  escolhida sinalizará o caminho  pelo qual o conhecimento deverá andar e, ao mesmo tempo, determinará o seu próprio perfil teórico e metodológico. Assim o conhecimento teológico sempre será essencialmente teológico embora incorpore na sua estrutura mais ou menos subsídios buscados em outras áreas como a filosofia, as ciências naturais, a tradição, etc. O mesmo pode-se afirmar de todas as demais áreas de conhecimento específico. Assim quando se fala em Teologia Natural, Filosofia Natural, História Natural, Física Atômica, Economia de Mercado, Matemática Financeira, Sociologia Urbana, História Medieval, Antropologia Social, etc., etc. o objeto especificado no adjetivo terá o seu conteúdo tratado com as ferramentas teóricas e metodológicas sugeridas pelo  substantivo. Em outras palavras. O caminho de aproximação para a investigação e a compreensão de algum objeto, é aquele previsto no arsenal de instrumentos próprios da área definida pelo substantivo. Assim a aproximação da Natureza é possível pela via filosófica, pela via matemática, pela via química, pela via biogenética, pela via teológica, pela via econômica, pela via histórica e assim por diante. Essa constatação leva sem mais a uma série de conclusões. A via de aproximação de algum objeto tem o seu traçado definido pelo olhar e as ferramentas próprias de cada ponto de vista a partir do qual se começa a investigação. Assim a abordagem pelo viés de um matemático com seus cálculos e fórmulas, trairá sempre o olhar do matemático que orienta e empresta significado aos resultados. Da mesma forma a análise da composição química, a observação microscópica, a evolução histórica, a inserção no contexto natural, etc.,  deixarão transparecer como pano de fundo e razão de ser o olhar do químico, do biólogo, do historiador, do ecologista ou de outros especialistas e especialidades. Sendo verdadeiros os passos da reflexão que viemos fazendo, abre-se um leque de novas reflexões importantes para avançar um pouco mais sobre a natureza do conhecimento.

A multiplicidade do conhecimento.
Tanto pela sua natureza quanto pelo nível, certeza  e profundidade, o conhecimento é múltiplo. Falar em natureza do conhecimento significa sem mais nem menos aventurar-se num território, não digo minado, mas sem dúvida motivo de  não pouca polêmica.  O conhecimento pode ser dividido em científico, filosófico,  teológico, popular, intuitivo, condensado, subliminar, instintivo. Não há necessidade de chamar a atenção de que essa afirmação nos expõe a uma saraivada de discussões. Com que credenciais,  o biólogo encastelado em seu laboratório questiona o historiador, ou o filósofo e o teólogo  atrevem-se a opinar sobre questões de biogenética, quando a ciência está a demonstrar que as incógnitas que esse  campo ainda oferece, em princípio são passíveis de resposta pelos métodos e técnicas disponíveis. Segundo os cientistas,  as questões relacionadas com a estrutura, a composição, a dinâmica e as potencialidades da matéria, esgotam-se e  resolvem-se perfeitamente por meio das diversas vias de aproximação que a física, a química a biologia e suas ramificações, põem à disposição do pesquisador. A presença do filósofo só vem tumultuar o cenário quando coloca reparos e pior ainda, quando põe em dúvida a consistência das conclusões que emanam dos laboratórios. De qualquer forma suas eventuais contribuições complicam e embaralham mais do que contribuem. No momento em que um cientista chega à conclusão de que a solução  de questões realmente de fundo desafiam seriamente os potenciais do arsenal das tecnologias de investigação e sinalizam para outras vias de aproximação do problema, seu esforço científico e seus resultados, correm o risco de serem desqualificados ou postos em dúvida pelos seus pares. Os exemplos contam-se às dúzias. Os rótulos de “visionário”, “romântico alienado”, ou a provocação para formular “a verdadeira pergunta”, o que pode ser entendido como algo que “o homem não é sério”, não são aros. Esse tipo de observação teve endereços como Teilhard de Chardin, Erich Wassmann, Balduino Rambo, Francis Collins e uma série de outros. Os exemplos poderiam ser multiplicados. Não é aqui o lugar nem a ocasião. O mesmo problema percebe-se quando um cientista com os dados objetivos observados na natureza, comprovados com seus cálculos ou demonstrados em seus experimentos em laboratório,  aproxima-se do filósofo ou teólogo  e lhe sugere a revisão de alguma conclusão ou a reformulação de algum conceito em  discordância com os fatos objetivos.

Se no plano do conhecimento científico e filosófico, que afinal se valem de métodos consagrados, aceitos e respeitados, manifestam-se em larga escala problemas de mútua legitimação dos resultados, o que não  esperar nos outros níveis. O conhecimento popular é elaborado à margem de teorias e métodos “científicos” e que não resulta de hipóteses comprovadas pela lógica e pelo raciocínio. Nem por isso deixa de ser um verdadeiro conhecimento. Aliás se procurarmos pela fonte,  pela raiz do conhecimento científico e filosófico, iremos encontrá-la entre os caçadores, coletores, pastores e agricultores da pré-história. Valendo-se das ferramentas de que dispunham foram consolidando os corpos de conhecimentos  que lhes foram vitais para a sobrevivência. Observando, comparando, distinguindo, selecionando, descartando, experimentando, os homens de então criaram  condições cada vez mais sólidas, para continuarem  com êxito a sua ascensão histórica.

A gênese e a dinâmica que deu forma às incontáveis modalidades de conhecimento que podem ser identificados no decurso da história, tem como ponto de partida, raiz ou fonte, a natureza humana com sua capacidade de dar respostas reflexivas e ou reflexas e, ao mesmo tempo, instintivas e intuitivas, aos estímulos vindos do meio físico-geográfico em que aconteceu a respectiva trajetória. Estamos obviamente diante de um desafio de razoáveis proporções. A afirmação de que o homem adquiriu e ainda adquire um conhecimento digno desse nome, com os elementos que a sua capacidade instintiva e reflexa lhe oferece, desperta no mínimo desconfiança e incredulidade em cientistas acostumados a lidar com instrumentos de precisão. Não menos reticente se mostrará o filósofo que só confia na lógica dos seus raciocínios e nas conclusões indiscutíveis dos seus silogismos. Para  ambos as certezas de que os instintos, as intuições, os sentimentos, as sensações, são capazes de oferecer, não têm as condições de  segurança e confiabilidade, exigida por um conhecimento digno desse nome.

Cabem aqui algumas considerações. Primeiro. A Renascença mexeu fundo nos conceitos filosóficos, teológicos, artísticos e científicos do mundo medieval. E dessa forma preparou o terreno para  que  os fundamentos conceituais e metodológicos das assim chamadas “Ciências Modernas”, começassem a tomar forma e consolidar-se no decorrer da  segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX. Definiram-se nesse período, os grandes campos das Ciências Naturais: da Matemática, da  Química, da Física, da Geologia, da Paleontologia, da Biologia, da Astronomia, da Botânica, da Zoologia e dos seus sub-campos. Ao  mesmo tempo operou-se a nível das idéias, uma autêntica revolução do pensamento, que terminou na cosmovisão do homem moderno. Paralelamente sucederam-se num ritmo cada mais acelerado as conquistas a nível de tecnologia. Assim estava sendo armado o cenário sobre o qual a modernidade se imporia com toda a sua pujança. Numa dinâmica em que, de um lado a tecnologia oferecendo aparatos cada vez mais potentes e precisos, proporcionava à Ciência resultados cada vez mais diversificados e mais exatos e do outro lado a Ciência exigia cada vez mais da tecnologia. Foi assim que Ciência e Tecnologia numa dinâmica de mútua aceleração, moldaram o fundamento material da Modernidade. Mas não se pode ignorar de que  a Ciência e a Tecnologia contaram com um parceiro não menos poderoso na Filosofia, responsável pela cosmovisão moderna.

Quem intuiu e formulou com rara felicidade a complementariedade entre os dados oferecidos pelas Ciências Naturais e pelas Ciências do Espírito, foi Erich Wassmann. Ele foi um dos representante emblemáticos de especialista que contou em seu currículo com uma sólida formação clássica, filosófica, teológica e científica. Munido com esse cabedal de conhecimentos, mergulhou como nenhum outro, nem antes nem depois dele, nos complexos mecanismos que regem o bom funcionamento das colônias de formigas e térmites. Não se limitou a fazer um inventário do que observava, dar-lhe um tratamento estatístico, desdobra-lo em seus elementos estruturais essas colônias, identificar as classes de indivíduos e sua mútua interdependência e a relação simbiótica com determinados fungos. As descobertas que se foram acumulando, na medida em que os métodos científicos se aperfeiçoavam, assumiram contornos  mais amplos, iluminados pelo olhar próprio das Ciências do Espírito. E por esse duplo caminho Wassmann definiu, com o andar do tempo, sua síntese do universo e da natureza. Essa permite vislumbrar a possibilidade de uma harmonia entre as duas aproximações teóricas e metodológicas, por não poucos tidas como impossível. Erich Wassmann valeu-se de dois conceitos que facilitaram e facilitam ainda hoje a harmonização entre os resultados das Ciências Naturais e as Ciências do Espírito: “Weltbild” e “Weltaufassung” ou a “imagem visível, o retrato do mundo” e “a cosmovisão, o significado” do mundo.

Cabe às Ciências Naturais fornecer os dados objetivos, materiais e concretos para retratar a natureza e dar forma ao “Weltbild”. As Ciências do Espírito encarregam-se de compor esses dados numa unidade que expressa um significado ou significados que   vão além da simples soma, agregação e incorporação dos dados objetivos. É a “Weltaufasssung”, a “Cosmovisão”. A metáfora de um quadro pintado talvez esclareça melhor. Na pintura de um quadro as tintas, as cores, a tela, os pinceis, etc. são os elementos que compõem o “Weltbild”, isto é, a imagem desenhada num determinado momento do estado da arte, ou se quisermos a imagem real e possível com os dados científicos disponíveis num determinado momento. O artista combinando cores, tonalidades, luzes e sombras, contornos, panos de fundo, etc., etc., confere sentido, significado ao quadro, de acordo com sua “cosmovisão” – “Weltaufassung”. Pela sua própria natureza, tanto o “Weltbild” quanto a “Weltaufassung”, encontram-se em permanente transformação, reformulação, resignificação. O “Weltbild” muda de figura na cadência em que as Ciências Naturais revelam novos dados tornam os existentes ultrapassados e assim se obrigam a redesenhar sem parar a  realidade – o “Weltbild”. Os responsáveis pela “Cosmovisão” – a “Weltaufassung”, atentos à dinâmica das Ciências Naturais, abandonam significados, reformulam outros e imprimem novos rumos à compreensão  do universo e da natureza.

O redesenhar do “Weltbild” estimulado pelas sempre novas descobertas  científicas e o repensar da “Weltaufassung” por elas estimulado, garantem o clima propício no qual a produção do conhecimento encontra condições para prosperar. E para que essa emulação possa acontecer requer-se, tanto das Ciências Naturais quanto das Ciências do Espírito, uma boa dose de humildade e espírito desarmado. O cientista dedica-se ao seu trabalho com a consciência prévia de que seus métodos e seus instrumentos são de alcance limitado. O filósofo põe-se a formular e a reformular a sua cosmovisão, valendo-se dos dados que a Ciência vai acumulando. Convenhamos não é tarefa para qualquer um. É fundamental o pressuposto de que na construção do conhecimento entram em proporções variáveis conhecimentos parciais oriundos de diversas fontes. Em outras palavras e retomando o que sinalizamos mais acima, o verdadeiro Conhecimento com letra maiúscula é aquele que não vem acompanhado de adjetivos. É o Conhecimento puro e simples “das Wissen schlechthin” diriam os alemães. O sábio, portanto, é aquele que se apropriou de alguma forma  do “Conhecimento simplesmente” do “Wissen schlechthin”. Há uma enorme diferença entre um “Sábio”, um “Weise” e  um conhecedor, um “Kenner” e um especialista, um eclético, um dono de memória e conhecimento enciclopédico. O “conhecedor”, o “Kenner”, domina uma área específica do conhecimento, uma fatia expressa pelo adjetivo conhecimento científico, conhecimento botânico, conhecimento genético, conhecimento histórico, conhecimento religioso, conhecimento popular etc., etc. O “Conhecimento” sem adjetivo e com letra maiúscula que confere a seu portador “Sabedoria” – “Weisheit”, consiste na síntese, na amálgama, entre os dados fornecidos por conhecimentos parciais e adjetivados. A síntese sugere o encontro dos conhecimentos parciais, adjetivados, que num processo dinâmico de complementariedade, levam a uma compreensão nova que vai além da soma das partes. A síntese não anula a natureza dos elementos que entram na sua composição, mas os resignifica em função de um todo que resulta na interação e composição complementar. O cobre e o estanho continuam sendo cobre e estanho ao se combinarem numa proporção  que varia de acordo com a finalidade do bronze que é a amálgama entre os dois. Aparentemente a amálgama não se parece com os dois metais que a compõem. Não brilha nem como cobre nem como estanho. Sua dureza e ductibilidade nada tem em comum nem com o cobre nem com o estanho. Salvaguardadas as diferenças e as peculiaridades a amálgama parece um recurso adequado, para entender melhor o que seja o Conhecimento. A participação dos conhecimentos parciais  ou setoriais no processo de síntese, resultam à maneira de uma amálgama na produção do Conhecimento. O resultado é uma realidade qualitativamente diferente de cada componente individual, sem contudo alterar a natureza e as características das partes. A cor, a ductibilidade,  a maleabilidade e a dureza do bronze, não alteram a natureza química e física do cobre e do estanho. Integram-se, isso sim, numa nova realidade. Um fenômeno análogo acontece com a produção do Conhecimento. O único Conhecimento digno de ser chamado de Síntese é aquele que resultou da confluência, seguida de uma “amálgama”, da maior quantidade, diversidade e qualidade de  conhecimentos parciais. A densidade e a consistência do Conhecimento, portanto, é diretamente proporcional à quantidade e à qualidade dos elementos que entraram na sua construção.