No dia 11 de agosto de 2.005
marcou a data centenária do nascimento do Pe. Balduino Rambo. Falecido
prematuramente aos 56 anos, em 12 de setembro de 1961, deixou uma herança cultural e científica ímpar,
tanto pela diversidade dos campos pelos quais transitou, quanto pela profundidade
e originalidade com que os tratou. Não é aqui a hora nem a oportunidade para
trazer uma biografia completa sua. Esta já foi escrita em várias ocasiões e
outras tantas versões, umas mais
extensas e mais detalhadas, outras mais enxutas e mais sóbrias.
Propus-me a iluminar, na medida do
possível, a personalidade do Pe. Rambo em alguns dos seus traços
característicos e naquilo que ele oferece de peculiar. Nasceu no meio rural, no
atual município de Tupandi, na época oitavo distrito de Montenegro, filho de um
casal de colonos descendentes típicos de
imigrantes alemães. O ambiente profundamente
religioso na família e no meio social em que passou a infância e parte
da adolescência, deixou nele traços inconfundíveis para o resto da vida. Digo
mais. Serviram de fundamento e de baliza que imprimiram o rumo e o ritmo a toda
a sua existência. O fascínio pela natureza no seu estado original, o bucólico
do mundo rural, o épico dos fenômenos que moldaram a natureza em tempos
primigênios, afloram constantemente na
sua produção literária e científica ou irrompem como vulcões em momentos de
arrebatamento. Mas a razão última, o motor existencial que imprimiu a sua vida
um ritmo frenético, por vezes alucinante foi, sem dúvida, a fé religiosa
despida de artificialismos e pieguiçes, herança do berço camponês despojado e
frugal, mas prenhe de fé e calor humano.
Muito jovem ainda, no limiar da
adolescência, o futuro padre jesuíta, literato, líder social, professor
universitário e cientista de renome internacional, partiu para o seminário em
Pareci Novo. Ao menino de 12 anos
incompletos abriram-se então as portas do saber religioso e profano. Desde
muito cedo, o contato com as línguas e as respectivas literatura despertaram nele a admiração e uma verdadeira
paixão pela cultura clássica. Este por assim dizer “caso de amor” iria
transformar Homero em companheiro inseparável do Pe. Rambo. Ele recitava seus
versos, no original grego, para os
escoteiros junto à fogueira nos acampamentos em Cambará. Em 1917, com apenas 12
anos de idade, experimentou seu primeiro encontro com a ciência. Ele próprio registrou assim o
episódio:
“Em 1917 encontrei-me a segunda
vez com o Pe. Rick. Na época eu era aluno no seminário para meninos em Pareci
Novo. Sobrecarga de trabalho nas Missões Populares e constrangimentos policiais ocorridos na colônia alemã, durante
meses o tornaram inapto para o trabalho. Certo dia pegou um feixe de flores do
mato e nos explicou, a nós filhos de colonos, como eram os nomes das diversas
partes da planta, para que fim serviam e como soavam os nomes latinos. Foi a
primeira aula de botânica da minha vida e, se hoje eu próprio sou botânico,
teve a sua origem na decisão então tomada: se um homem como o Pe. Rick se
dedica a essas coisas, a ciência deve ser algo de grande.”
E de fato, a decisão então tomada
se transformaria na maior razão de ser da vida. Não a ciência como ciência, não
a ciência com objetivos utilitaristas, não a ciência como caminho para a fama e
a imortalidade, mas a ciência com meio para compreender a origem, a evolução e
o destino do Universo e do homem e, principalmente qual é o lugar de Deus nesta
história fantástica. E, na medida em que suas outras paixões: a literatura, a
batalha pelo bem-estar e o progresso dos colonos, o empenho na preservação da
germanidade, foram sendo atropeladas e frustradas pelo andar do tempo, pelas
circunstâncias históricas e, porque não dizê-lo, pela inveja e a incompreensão
dos homens, a pesquisa científica avançou num crescendo contínuo. A morte
prematura colheu-o no auge da produção científica e do reconhecimento nacional
e internacional.
Uma visão panorâmica sobre a
vida e atividade do Pe. Rambo não deixa dúvida de que ele foi dotado, antes de
mais nada, de um espírito universalista como é raro observar-se na sua época. Se tivesse nascido na Renascença,
figuraria com muita probabilidade na galeria daqueles sábios que dominavam
todos os campos do conhecimento. Tudo interessava, desde as línguas e
literaturas clássicas da antiguidade, da Idade Média, dos tempos modernos e
contemporâneos, passando pela História Natural na totalidade dos seus campos,
pela Filosofia, Teologia, História e o futuro do seu povo colonial. E, na
medida em que incursionava e se aprofundava nas diversas especialidades e
tentava entendê-las na sua essência, foi tomando forma a pergunta que em última
análise importava responder: Afinal em que consiste a razão última de ser do
universo em que o homem construiu,
constrói e continua construindo a sua história? Em outras palavras. Qual é a
missão do cientista ao fazer ciência, o filósofo ao perguntar pela natureza e finalidade das coisas, o
sociólogo ao se preocupar com o bem estar das sociedades, o historiador ao
procurar o fio condutor que serviu de referência para a humanidade traçar e
trilhar o seu caminho. O Pe. Rambo deixou a resposta registrada no seu diário
com data de 24 de junho de 1954:
“Ora é a Ciência o
aperfeiçoamento supremo do espírito humano na terra. Cada ciência é, em última
análise, uma re-criação dos pensamentos de Deus e de seus planos construtores.
Neste mundo, contudo, esses pensamentos nunca podem levar a o término. O melhor
que se pode fazer é um trabalho de atalho. Se após uma vida repleta de pesquisa
honesta finalmente se pensa ter chegado
tão longe pela ciência, essa mesma vida chegou ao fim.”
A entrada no seminário em 1917
representou para o menino Balduino, a abertura das portas para transitar
livremente por todos os campos do conhecimento. Aproveitou o tempo para
munir-se dos instrumentos indispensáveis para percorrer a estrada do saber.
Aprendeu as línguas mais importantes: o português, alemão,, latim, grego,
francês, inglês, italiano, espanhol e, até rudimentos de russo, com as
respectivas literaturas. Iniciou-se nos conhecimentos básicos das Ciências
Naturais e adentrou-se nos meandros da geografia e da história e, mais tarde,
da Filosofia e Teologia. Apropriou-se, portanto, das ferramentas que lhe
permitiriam aproximar-se da alma que vivifica o universo e justifica a sua
existência. E, pouco a pouco amadureceu nele uma compreensão do mundo, não digo
de todo original, mas, com certeza peculiar. Conforme ele, o mundo em que
vivemos, compreendido na sua totalidade mineral, vegetal, animal e humana,
forma uma unidade que tem no Criador a sua origem, a sua razão de ser e o seu
destino final. Observa-se nesta visão uma proximidade, com certeza não casual,
com aquela que Teilhard de Chardin formulou sobre o mundo e o universo. Na
percepção deste, tudo que nos rodeia tem a sua causa e origem no “Alfa”, que
vem a ser o Deus Criador e tudo converge ao destino último, o “Omega” que vem a
ser o mesmo Deus Criador. Este esquema linear de causa, efeito e finalidade
relativamente simples, na formulação da síntese em Teilhard de Chardin, em
Rambo complica-se bastante. Na tentativa da formulação de uma síntese, em vez
da metáfora “Alfa – Omega”, toma corpo uma outra, a da “totalidade”. Não se
encontram referências explícitas nos seus escritos mostrando que ele acompanhou
o esforço dos teóricos seus contemporâneos que formularam a concepção
organísmica-sistêmica da natureza, tendo à frente Ludwig von Bertalanffy. Em
todo o caso alinhou-se na sua concepção teórico-filosófica da natureza, com o
movimento científico e filosófico que, desde o século dezenove, procurava
superar a visão casual, mecanicista,
materialista. A idéia de que o universo se resumia na soma das suas partes e
processos, que a compreensão da essência da natureza e da vida se explica pelas
funções orgânicas e suas correlações mútuas, que a inteligência, os impulsos e
as aspirações do homem não passam de uma mera sofisticação das estruturas e
funções, já não responde a uma questão crucial. A pergunta pela natureza das
partes no todo e o próprio sentido do todo, começou a incomodar cientistas e
filósofos em número crescente.
Os métodos empíricos mostraram,
pouco a pouco, as suas limitações e o aprofundamento em busca de uma solução
global, foi deixando um crescente sentimento de impotência e de frustração
entre os cientistas. O mundo científico optou então por dois caminhos. A grande
maioria, ignorando ou rejeitando qualquer busca de solução fora e além da
investigação empírica, continuou animado pela esperança ou convicção mesmo, que
esses métodos continham a chave para a explicação última da natureza. Mas a
questão se complicava de modo especial quando se perguntava pelo lugar que o
homem ocupa no universo. O esquema simples, retilíneo, didático da gênese a
partir do “Alfa”, a evolução do mundo até a culminância do homem e a consumação
no “Omega” de Teilhard, assume em Rambo a figura da “Totalidade”. Nela há lugar
para tudo e tudo tem um sentido e a tudo cabe uma função no todo. O universo
resume-se numa gigantesca unidade na qual o mais insignificante dos elementos,
tem sentido e lhe cabe uma tarefa. Essa compreensão perpassa, como um fio
condutor, a sua produção literária e
cintífica .
A compreensão do universo como
um todo, como um organismo no plano filosófico, não podia deixar de refletir-se
no plano ético, moral e teológico.
As implicações ético-morais nas
relações do homem com a natureza, já ficaram explícitas, em 1942, na sua obra,
que se tornou um clássico de referência para o estudo do Rio Grande do
Sul: “A Fisionomia do Rio Grande do
Sul”. No final da obra ao apontar para as razões que fundamentam ações concretas
de proteção à natureza, destacou três:
“A proteção da natureza está em
primeiro lugar a serviço das ciências naturais, antropogeográficas e
históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre um princípio de ética natural,
que considera imoral a destruição desnecessária e inconsiderada dos tesouros da
beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de precioso, restaurando
o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terra,
torna-se um aliado de valor da higiene e da pedagogia sociais e um adjutório
indispensável da educação nacional.”
Muito antes, portanto, que a
preservação do meio ambiente e a preocupação ecológica assumisse as
proporções de bandeira política ou de um
messianismo ideológico, por vezes beirando o fanatismo, o Pe. Rambo se posicionou
diante da questão com o argumento que, em última análise, justifica qualquer
iniciativa neste particular. A relação com meio ambiente tem a ver com a ética
e a moral. Essa constatação flui como conseqüência lógica da compreensão do universo com um todo
harmônico. As intervenções indevidas em suas partes comprometem o todo e, com
isso, terminam ferindo o homem em seus direitos fundamentais à vida e ao
bem-estar. Comprometem, outrossim, povos inteiros e, quem sabe, a humanidade
como um todo.
Como já assinalamos mais acima a
obra inteira do Pe. Rambo como ele mesmo deixa claro, tem como propósito
central formular uma grande síntese. É evidente que não é possível falar
individualmente de todas elas no espaço limitado de uma palestra. Escolhemos
por isso a sua obra de referência: “A Fisionomia do Rio Grande do Sul” e alguns
excertos do seu diário de viagem aos Estados Unidos, em 1956 a convite e
expensas do governo daquele país.
A obra que, sem dúvida,
permanece até hoje como referência obrigatória para quem estuda o Rio Grande do
Sul sob os mais diversos aspectos, é A Fisionomia do Rio Grande do Sul. A
primeira edição data de 1942, uma edição limitada de 500 exemplares
distribuídos entre pessoas interessadas pelas coisas do Estado. No prefácio
para a segunda edição ele próprio detalhou os motivos que o levaram a escrever
a obra.
“O presente livro baseia-se
sobre a literatura citada no fim, e sobre as
observações próprias recolhidas nos últimos anos.”
“Sua finalidade é descrever o
Rio Grande do Sul tal qual é, atendendo a três aspectos: o aspecto científico,
pois a monografia natural necessita do fundamento das ciências naturais; o
aspecto didático, pois a monografia quer orientar praticamente sobre as coisas
riograndenses; o aspecto estético, pois a monografia deve corresponder à beleza
natural da paisagem”.
“Resulta assim o caráter
peculiar do livro: devido à finalidade científica, é necessário enumerar e
descrever todos os fatos essenciais da natureza riograndense; devido à
finalidade didática, é necessário colocar estes fatos em ordem lógica e
natural; devido à finalidade estética é necessário revestir o conjunto duma
forma literária e sóbria”.
“Verdade é que deste modo o
livro não pertence exclusivamente a nenhum dos três gêneros citados, pois cada
finalidade parcial deve subordinar-se, na medida imposta pelo total, às duas
outras; aceitamos este compromisso, para chegarmos o mais perto possível da
realidade riograndense tal qual ela é.
O Pe. Arthur Rabuske,
depositário do espólio literário do Pe. Rambo e o mais profundo conhecedor da
sua obra e personalidade, escreveu na apresentação à terceira edição de “A
Fisionomia do Rio Grande do Sul”:
“A Fisionomia”, apesar dos
evidentes progressos científicos surgidos entre nós durante o último meio
século, ainda se constitui para diversos efeitos numa das obras básicas sobre a
cultura Sul-Riograndense. Assim já se evidenciou em fins de 1955, quando uma
enquete feita pelo jornalista Carlos Reverbel nas colunas do Correio do Povo,
revelou que ela ocupava o quinto lugar
entre as dez obras mais representativas no concernente ao Rio Grande do Sul.
Nos dias em curso, dificilmente algum
cientista teria a coragem de versar sozinho um assunto tão amplo e complexo, como se faz em
“Fisionomia”. É que tais visões de conjunto e globais ou holistas, são o
privilégio de poucos e como que deixaram de existir no atual mister científico.
Consiste o valor perene de “A Fisionomia” não em último o lugar no fato de seu
autor pioneiro, como talvez nenhum outro entre nós, da Ecologia, para a qual hoje temos tanta sensibilidade e,
sobretudo, na interpretação, rara no mundo científico especializado, da beleza
das diversas paisagens naturais do Rio Grande do Sul, em cujo centro se
encontra o ser humano”.
No prefácio para a terceira
edição eu próprio escrevi:
“Para compreender “A Fisionomia
do Rio grande do Sul” em todo os eu alcance, é preciso conhecer um pouco mais
de perto o seu autor. O Pe. Rambo foi uma dessas personalidades versáteis,
universais e irrequietas, beirando à genialidade e, ao mesmo tempo sensíveis,
capaz de extasiar-se com a visão de um panorama grandioso, ou comover-se com
uma flor singela escondida no meio das ervas do campo. Para quem o conheceu
mais de perto e teve oportunidade de privar com ele nas suas andanças pela
natureza, fica difícil decidir em que foi maior: se foi como religioso, como
cientista, como arguto observador dos acontecimentos que movimentaram a história das décadas
vinte, trinta quarenta e cinqüenta, do século vinte”.
“A Fisionomia do Rio grande do
Sul fixou a imagem do Estado, tal qual ela se apresentava no final da década e
1930. Ao percorrer as páginas desta obra
rara acompanha-se, quase como que assistindo a um documentário filmado, a
natureza e formação geológica das diversas regiões naturais, sua topografia,
sua fauna, sua flora e a presença do mão do homem humanizado grande extensões,
agredindo perigosamente a paisagem natural”.
Não raras são também as
referências antropológicas e históricas às quais o Rio Grande do Sul serviu de
cenário. Ora são os guaicurus percorrendo o Pampa, ora são os guaranis das
Missões, ora os missionários, ora os
estancieiros herdeiros do gado missioneiro, ora são os imigrantes vindos da
Europa do Norte e Central que ocuparam em definitivo o Estado coberto de
florestas pluviais e campos naturais.
A leitura de “A Fisionomia”
converte-se num verdadeiro prazer por retratar com toda fidelidade o que foi o Rio Grande do Sul há
setenta anos e fascina por ter sido escrita num estilo vigoroso, atraente e
adequado aos diversos enfoques. As descrições são formais e objetivas quando a
precisão científica o recomenda; são poéticas e carregadas de sentimentos
quando o objeto o pede. Falando da destruição das reduções jesuíticas assim se
exprimiu: A melancolia da História paira sobre esta paisagem. Tudo que é
belo é destinado fenecer. A inveja entre duas nações irmãs,
linhas geográficas traçadas e esmo nos
gabinetes de Madrid e Lisboa, instintos interesseiros, ódio à religião – um
dragão de sete cabeças se arremessou sobre as reduções, baniu os missionários,
fez debandar os índios, votou à ruína os templos. Os restos de São Miguel, de
São Lourenço, de São João Velho, invadidos pela vegetação, por longo tempo
aproveitados como pedreiras, falam uma linguagem muda, mas eloqüente, de
acusação contra o mistério da humana iniqüidade; - São vigorosas quando a paisagem o reclama,
como na descrição da subida da serra para Farroupilha e Carlos Barbosa: No
fundo, em ambos os lados, surgem duas montanhas de selvagem beleza, o morro
Canastra e o Morro do Diabo. Como quilhas de imensos navios de guerra, suas
arestas esculpidas pelas águas apontam pra o vale; São épicas quando faz referência aos
missionários e índios das reduções. A beleza das ruínas antigas, inexistentes
no resto do Estado, comunica a essa região um encanto imortal. Ali a fé cristã
e a civilização européia pela primeira vez firmaram pé nas plagas abençoadas do
Tape misterioso. Ali, nesses campos
marchetados de capões, viajaram, a pé e a cavalo, os Roque Gonzalez, os
Montoyas, os Romeros. Ali os selvagens, saindo do covil de suas matas, curvaram
reverentes perante a cruz aquela soberba cerviz, que a espada dos
conquistadores não conseguiram dobrar. Ali floresceram plantações, pastaram
rebanhos sem conta, ferveu uma cultura de imenso dinamismo; .... -.... Vêm,
enfim, carregadas de advertências quando deplora a devastação das florestas, o
extermínio da fauna e a desfiguração das paisagens naturais. Um povo que se
descuidasse desse elemento, seria falto de um requisito essencial da verdadeira
cultura humana total, e indigno da terra com que a pródiga mão do criador o
presenteou.
Cabe ao Pe. Rambo o mérito de
ter sido talvez o primeiro entre nós, a chamar a atenção que a destruição
indiscriminada da natureza implica numa questão ética e moral. A um certa
altura escreveu: A proteção à natureza, em segundo lugar, baseia-se sobre o
princípio da ética natural que considera imoral a destruição desnecessária e
inconsiderada dos tesouros da beleza
nativa.
Considerando que a Fisionomia do
Rio Grande do Sul é uma obra escrita no final da década de 1930, as propostas
de Proteção à Natureza apresentadas são
igualmente pioneiras entre nós. Ao introduzir o assunto fez as seguintes
reflexões:
“O homem filho desta terra, que
lhe fornece o pão de cada dia e os símbolos de sua vida espiritual, sente um
respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é
suficiente e a densidade demográfica pequena, não se tornam muito conscientes
tais sentimentos, mas, no momento em que as necessidades brutais da vida forçam
a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições
naturais e o desejo de as conservar,
senão no conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais
característicos.”
Assim, no curso de todas as
culturas humanas, mais cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção
ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento seria falto de um
requisito essencial da verdadeira cultura humana total e indigno da terra, com
que a pródiga mão do Criador o presenteou”.
E termina a Fisionomia com
quatro propostas concretas.
A primeira. Proteção aos monumentos
naturais, isto é, de criações individuais da natureza, de importância
científica, histórica ou fisionômica, como sejam árvores destacadas por seu
volume, forma; formações geológicas locais interessantes ou instrutivas,
rochedos e montanhas de caráter peculiar.
– seguem exemplos na p. 433.
A segunda. Proteção a espécies botânicas
e zoológicas em perigo.
- Conservação das matas virgens.
Até hoje o desmatamento esteve entregue
ao acaso, sujeito ao bel prazer dos donos dos lotes. É um erro funesto entregar
todas as matas a proprietários individuais e abandoná-las em seguida ao machado. No interesse geral, o
Estado deve reclamar para si porções da reserva florestal e, além disso, vigiar
sabiamente as derrubadas necessárias par a lavoura.
A terceira. Harmonização das obras humanas com a paisagem
natural
A quarta. Criar parque e reservas naturais como nos grandes países civilizados
Quando em 1956 visitou os parque
americanos a convite daquele país, resumiu o seu conceito de parque natural,
com as palavras:
“Desde que voltei da América,
empenhei-me que também no Brasil se constituíssem mais parques nacionais. Até
agora dispomos de dois, um nas terras montanhosas do Itatiaia e o outro nas
cataratas do Iguassu. Se tudo correr bem teremos, em breve, um terceiro nas
escarpas orientais dos Aparados da
Serra, com o Taimbezinho como núcleo inicial.
O lamentável é que entre nós, constrói-se em primeiro lugar um enorme
hotel para atrair os turistas endinheirados de dentro e fora do país. Com isto
está viciado o conceito de um autêntico
parque. O parque deve estar a serviço da
proteção da natureza de do recreio do povo. O rico que aparecer, deve ser
obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o colono. As pessoas
que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a televisão, a dança e o
jogo, que fiquem onde tudo isto está disponível de qualquer forma. Em nenhum
parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei algum aparelho de
televisão, nem percebi música de dança, nem presenciei chás dançantes. De
maneira alguma quero afirmar que o americano médio é melhor do que nós. Uma
coisa, porém, é certa. Eles têm mais compreensão , mais decência e mais
respeito perante a beleza e a tranqüilidade da natureza criada por Deus”.