Da Enxada à Cátedra [ 95 ]

2007 Inglaterra – Berlim – Praga - Bérgamo

Depois dessa, seguiram mais três viagens à Europa, sempre em companhia da Inez. Todas as três foram basicamente motivadas para visitar nossos filho Paulo morando e trabalhando na Inglaterra. A primeira viagem aconteceu em setembro e começos de outubro de 2008. A viagem de ida de Porto Alegre até o aeroporto e Heatrhrow em Londres foi bem tranquila. Lá nos esperava o Paulo e sua companheira Rina. Do aeroporto até Ambrosden, em torno de 120 quilômetros ao norte de Londres, viajamos de carro. Ambrosden vem a ser uma cidadezinha típica do interior da Inglaterra no condado de Oxfort e 13 milhas distante daquela cidade. Como iríamos passar somente alguns dias na Inglaterra conhecemos as redondezas e passamos um dia no parque e palácio de Blenheim. Nesse palácio nasceu e foi sepultado Winston Churchill (1875-1965). Não vou alongar-me com comentários sobre esse personagem e sua importância como primeiro ministro da Inglaterra durante a segunda guerra mundial e novamente ocupando o mesmo cargo na primeira metade da década de 1950 pois, sua influência mundial nos acontecimentos, antes, durante e depois da guerra foram e são amplamente comentados pelos historiadores. De qualquer maneira foi um dia rico em vivências caminhando pelo bem cuidado parque, seus jardins, gramados, o roseiral, o lago e o emblemático carvalho multissecular como que fazendo-se de sentinela daquele magnífico palácio carregado de história devido a importância por abrigar o berço e agora a sepultura de Churchill. Guardo entre minhas muitas fotos entre outras, quatro que mechem fundo nas minhas emoções quando de tempos em tempos repasso os álbuns das fotos das viagens. A primeira o Paulo e eu em frente ao carvalho, a segunda a Inez e eu também junto ao carvalho e uma terceira, a Inez no meio do roseiral apreciando o perfume das rosas e a quarta, a Inez e eu sentados num banco no ancoradouro do lago, marcando um dos momentos mais significativos para nossa vida a dois.
Passados os dias reservados para a visita ao nosso filho Paulo em Ambrosden, embarcamos num voo regional para Berlim. Um taxi nos levou do aeroporto até o hotel no Alexanderplatz.

Considerada a maior praça de Berlim e centro de referência da cidade desde a idade média, palco de paradas militares e outros atos públicos. Localiza-se no setor soviético na partilha da cidade depois da segunda guerra mundial e capital da DDR até a unificação da Alemanha após a queda do “muro” em 1989. Qualquer pessoa minimamente informada sabe da tragédia que se abateu sobre Berlim durante a segunda guerra. Ondas e mais ondas de bombardeiros jogaram milhares de toneladas de bombas sobre a cidade reduzindo-a em grande parte a escombros. As tropas soviéticas encarregaram-se de completar a tragédia que se abateu sobre a população civil. Idosos, mulheres de todas as idades além de milhares de crianças, vagavam atônitos entre os escombros, sem proteção, sem abrigo, sem alimentos e ninguém a quem recorrer e os soldados soviéticos dando vasão a tudo de que o ser humano guarda de diabólico e explode sem dó nem piedade em tais situações. Assassinatos de civis, pilhagens, estupros e desmandos dos mais cruéis transformaram a majestosa Berlim num autêntico inferno. Acontece que a história oficial costuma ser contada pelos vencedores e, por isso mesmo, os desmandos por eles praticados costumam ocupar um lugar bem à margem da narrativa, talvez apenas perceptível nas entrelinhas ou notas de pé de página. Acontece que relatos que desnudam a realidade de uma perspectiva mais objetiva, embora raras, podem ser encontradas escondidas e ignoradas em bibliotecas pelo mundo afora pois conta uma história que não interessa à versão politicamente correta. Eu próprio tive acesso a dois livros e os li da primeira à última página lançando alguma luz sobre a tragédia humana vivida não só pela população indefesa de Berlim e Dresden como também de centenas de outras cidades maiores e milhares de aldeias e cidades menores. Um desses dois livros levava o título, “Der Tod Dresdens” – “Morte de Dresden” e o outro “Heldendum Deutscher Farauen” – “O Heroismo de Mulheres Alemãs”. “A morte de Dresden” descreve a tragédia que se abateu sobre aquela cidade nos dias 13, 14, e 15 de fevereiro de 1945. Em levas sucessivas 1300 bombardeiros despejaram sobre a cidade cerca de 3900 toneladas de bombas, uma boa parte delas incendiárias que reduziram a escombros a “Florença do Elba”, como a cidade costumava ser apelidada pela sua arquitetura, suas bibliotecas, suas pinacotecas, suas galerias de arte. Com pouca ou nenhuma importância estratégica foi vítima da tática genocida de uma guerra de terra arrasada para quebrar o ânimo da população civil já no final do conflito. Os resultados desses dias de apocalipse registraram, além dos danos materiais a morte de 250 000 a 500 000 mortos, idosos, mulheres e crianças. Pilhas de corpos amontoavam-se nas praças e avenidas a espera de sepultamento ou cremação. Nunca estive em Dresden. Observei-a de longe, hoje inteiramente reconstruída, ao viajarmos de trem de Berlim a Praga na semana seguinte. Berlim passou pela mesma tragédia, não por bombardeios aéreos, mas pela fúria, o ódio e vingança quando da conquista por terra pelas tropas soviéticas. Esses autênticos genocídios costumam ser calados pelos historiadores e ou escritores que se inspiraram ou ainda inspiram naqueles acontecimentos. Esse cenário, essa atmosfera de apocalipse envolvendo Berlim, Dresden e muitas outras cidades pelo fim da guerra perto de 80 anos passados, ainda paira sobre elas para as pessoas que como eu acompanharam de alguma forma esse período obscuro da história. A reconstrução em grandes linhas recuperando o original de antes da guerra apagou quase por completo os vestígios do terror da guerra. A avenida “Under den Linden”, o portão de “Brandenburgo”, os edifícios históricos, a catedral e outros mais aguardam o visitante na sua beleza e encanto de antes do conflito. Cá e lá montes maiores ou menores de escombros ainda podem ser vistos em Berlim Oriental sob a tutela da DDR até 1989.

Terminada a guerra os novos líderes da Alemanha subsidiados pelo “Plano Marshal” não perderam tempo para reconstruir o País. Foi neste cenário que que se fez presente a figura da “Trümmerfrau” – “A Mulher dos Escombros”. Estima-se que só em Berlim 60.000 delas foram responsáveis pela remoção dos tijolos, madeiras e demais restos de construção que cobriam as ruas, avenidas, e praças. Com carrinhos de mão, carrocinhas improvisadas e com as mãos desprotegidas separavam os tijolos, os limpavam e empilhavam para serem reaproveitados na reconstrução. Amontoavam os entulhos inaproveitáveis em lugares estratégicos livrando os espaços para os profissionais programarem e executarem a espantosa obra da reconstrução das cidades pequenas e grandes arrasadas pela estupidez e a irracionalidade da guerra. Dezenas de milhares de viúvas, mães, noivas e moças solteiras que choravam os maridos, os filhos, os noivos e os irmãos, tombados nas frentes de combate, desaparecidos ou confinados em campos de prisioneiros e/ou de trabalhos forçados, reuniram-se como que num exército de assalto, que tornou, em grande parte, possível o duro remeço. As atuais gerações da Alemanha fariam bem em construir um monumento em homenagem às suas avós e bisavós que sozinhas com as mãos esfoladas, os pés maltratados, com o coração sangrando, mas indômitas como suas ancestrais formaram as brigadas das “Trümmerfrauen – das “Mulheres dos Escombros”.

Após três dias em Berlim embarcamos no trem rumo a Praga. Só foi possível enxergar de longe a cidade de Dresden, passamos também por “Bad Schandau” onde tínhamos passado um dia na viagem anterior à capital Tcheca. Demoramo-nos dois dias em Praga para admirar mais uma vez a sua imponência e seu significado histórico para a Europa Central e do Norte. Remeto detalhes registrados mais acima ao descrever a esse magnífico monumento que felizmente foi pouco desfigurado tanto pela ocupação do exército alemão primeiro e, terminada a guerra pelo “Pacto de Varsóvia”. Infelizmente a Inez não conseguiu comprar um pingente de âmbar pois, a loja tinha fechado e encerrado a venda daquele tipo de joias.

Depois de dois dias em Praga embarcamos no trem até Munique onde nos demoramos um dia. Demos uma circulada pela Oktober Fest para novamente embarcar no trem e chegar na entrada da noite em Bréscia. Não havendo como seguir de trem até Bérgamo dividimos o aluguel de um taxi com um outro passageiro e pelas nove horas da noite nos apresentamos no hotel previamente reservado, não no centro da cidade, mas num bairro sete quilômetros afastado. Não vou repetir o que já registrei sobre Bergamo na viagem de 2001. Aproveitamos um dia inteiro para uma viagem de ônibus até o famoso lago de Como. O trajeto passa por “Sotto il Monte”, cidade natal do papa João XXIII em direção aos Alpes. Dispúnhamos de poucas horas para apreciar aquela paisagem pois, o ônibus voltaria a Bérgamo às 15h. De qualquer maneira deu tempo para apreciar aquele espetáculo da natureza que começou a ser moldado há mais 65 milhões de anos quando a placa geológica móvel da África colidiu com a euroasiática fixa como já lembrei ao descrever a viagem de trem de Koblenz a Milão em 2001. Automaticamente recuei mais de meio milhão de anos e na imaginação desfilaram as quatro eras glaciais, no topo das quais a temperatura média situava-se entre 8 a 10 graus abaixo da atual. O resultado foi o acúmulo de gigantescas massas de neve e gelo como que sepultando os Alpes com as demais cadeias de montanhas situadas em regiões de clima temperado e frio. Enormes caudais formados por geleiras de centenas de metros de espessura desciam lentamente pelas encostas arrancando e carregando tudo que vinha pela frente. Montanhas inteiras de granito como o famoso “half Dom” no parque Yosemite na Sierra Nevada na Califórnia foram partidas ao meio e os escolhos em forma de morainas transportados montanha abaixo para degelarem na entrada das planícies. Na sua passagem moldaram os característicos vales em forma “U”, percorridos por arroios ou rios ou então formando lagos como o de Como, Lugano, de Garda e outros.

Pela meia tarde retornamos de ônibus a Bérgamo e reservamos para o dia seguinte a passagem de trem para Milão. De volta ao hotel deixamos prontos os nossos pertences. Num voo tranquilo a São Paulo e de lá até Porto Alegre, onde nos esperava a Ingrid e o Ernani que nos deixaram em casa no bairro Campestre em São Leopoldo.

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